domingo, dezembro 13, 2009

LUIGINO (LUIS) ZAVA


                                           LUIGINO (LUIS) ZAVA



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de dezembro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: LUIGINO (LUIS) ZAVA
Nasci no norte da Itália, em Pistóia, em 21 de setembro de 1920, filho de Hermelinda e João Zava. Aos dois anos de idade perdi a minha mãe. Meu pai aos 15 anos de idade tinha saído da casa dos pais dele, permanecendo por 15 anos no Canadá. Ele conheceu a minha mãe por carta. Ela era amiga da minha tia, irmã de meu pai. Minha mãe e a minha tia freqüentaram uma escola de obstetrícia. Essa minha tia escreveu uma carta para o meu pai, onde apresentou a sua amiga, que depois veio a ser a minha mãe, e a partir daí começou o namoro entre o meu pai e a minha mãe, um namoro por carta que durou anos. Em 1914, quando a Itália entrou em guerra meu pai tinha saído da Itália, voltado para o Canadá para providenciar a ida da minha mãe e minha irmã que tinha nascido. O ataque dos submarinos alemães aos comboios comerciais suspendeu a navegação que atravessava o Oceano Atlântico. Minha mãe não pode ir para o Canadá, e permaneceu esperando na Itália até o termino da guerra. Em 1918 meu pai voltou á Itália, em 1920 eu nasci.
Qual era a atividade do pai do senhor no Canadá?
Ele era ebanista, marceneiro que trabalhava em ébano e outras madeiras finas, ele fazia mobiliário fino. Profissionalmente sua formação foi nos estaleiros de Veneza.
Como o senhor veio ao Brasil?
Quando eu tinha três anos de idade a minha tia perguntou ao meu pai se ele não queria vir para o Brasil, na Itália não se encontrava trabalho, era só brigas de fascistas pelas ruas. Ele concordou, e veio para São Paulo com essa minha tia, Ursulina, trazendo minha irmã Vilma, hoje com 96 anos de idade e que mora em São Paulo. Fizeram a carta de chamada, que permitia que ele entrasse no país como profissional na sua área. Chegamos ao porto de Santos, em seguida fomos a São Paulo, onde dirigimo-nos á casa da Tia Ursulina. Essa minha tia era parteira, tinha conhecimento com grande parte das famílias moradoras no bairro de Santana, era a única parteira por perto. No dia seguinte meu pai já foi trabalhar no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.
Em que local de São Paulo morava a tia do senhor?
Morava em Santana, na Rua Voluntários da Pátria, próximo aonde hoje é a Avenida General Ataliba Leonel. Quase em frente onde eu morava havia uma escola pública foi lá que fiz o curso primário. Após quatro anos nessa escola, eu tinha 11 anos de idade, fui estudar Desenho Geométrico no Liceu de Artes e Ofícios onde estudei por dois anos geometria plana. Ocorreu um fato interessante, quando entrei para o curso de Desenho Geométrico, tinha 12 anos de idade, porém só com a idade de 14 anos era permitido o acesso do aluno, foi aberta uma exceção e passei a estudar regularmente. Tive meu interesse despertado em fazer um curso profissional, fiz o Curso de Tecnologia Mecânica lá mesmo no Liceu de Artes e Ofícios. As oficinas onde eram ministradas as aulas práticas de mecânica ficavam no fim da Rua João Teodoro, próximo a Rua da Cantareira. Das 7 horas da manhã até as 3 horas da tarde eram dadas as aulas práticas. Á noite eram dadas as aulas teóricas, das 19 horas até 21 horas e 30 minutos. Nas aulas práticas era ensinado desde picar carvão para acender a forja até forjar as peças, aprendíamos a dar o acabamento ás peças, era o único curso nesse setor em São Paulo.
Em que ano o senhor formou-se no Liceu de Artes e Ofícios?
No fim de 1938, eu tinha 18 anos. Fui trabalhar como ferramenteiro. Meu primeiro dia de trabalho, já como profissional, foi no dia 25 de dezembro de 1938.
Mas 25 de dezembro é comemorado o dia de natal!
Era Dia de Natal! Entrei ás sete horas da manhã e saí ao meio dia. Naquela época não existia carteira de trabalho, não se falava em Cédula de Identidade! Aos sábados trabalhávamos o dia todo, no Natal trabalhava-se até o meio-dia. Não havia esses feriados todos que existem hoje.
Como se chamava a primeira empresa em que o senhor trabalhou?
Chamava-se Metal Ars Natale. Era um gravador de aço, fazia medalhas, chatilene, que era uma corrente com uma plaqueta com os dizeres que a pessoa queria usar, o nome da pessoa, uma frase. Era gravado com buril no latão, mandava-se niquelar. Eram feitos porta-chaves de casas. Ele fazia em aço, depois temperava o aço e estampava em latão.
Logo que o senhor formou-se adquiriu uma motocicleta?
Logo no começo que me formei adquiri uma motocicleta da marca Triumph, inglesa, usada. Meu objetivo era melhorar minha pontualidade no trabalho. Nessa época a Rua Voluntários da Pátria não era asfaltada, era calçada com paralelepípedo, com o tempo a passagem do bonde afundava os dormentes e os trilhos ficavam salientes, se tivesse que cortar a via eram grandes as possibilidades de cair. O número dos bondes que iam para a Voluntários eram os 43 e o 44.
A empresa ficava onde?
Ficava na Praça Princesa Isabel, na Luz. Permaneci nessa empresa por dois anos.
O senhor morava em Santana?
Morava com a nossa família em Santana, ia trabalhar de bonde.
Já existia a Ponte das Bandeiras?
Não existia ainda. Havia a Ponte Grande, era uma ponte de madeira. Nessa ponte havia trilhos só para um bonde passar, muitas vezes um dos bondes esperava em um desvio o outro passar para ele seguir a viagem.
O bonde era fechado?
Era bonde aberto! O único bonde fechado era o que fazia a linha do centro da cidade da Praça da Sé até o Largo do Socorro em Santo Amaro. Só esses bondes eram chamados de “camarão” por serem pintados de vermelho.
O senhor andava no estribo do bonde?
Não havia outro jeito! Tinha que me agarrar onde dava, para não perder hora de trabalho. Quando chegava à Ponte Grande, muitas vezes acontecia de encontrar com os bondes que traziam soldados da Força Pública, hoje Polícia Militar. Eles saiam do quartel situado na Avenida Tiradentes e iam para uma área de treinamento lá pelos lados de Santana. Tínhamos que esperar passar aquele tremendo batalhão de soldados!
O senhor almoçava onde nessa época?
Nesses dois anos em que trabalhei no Natale, almoçava em uma lanchonete, na Rua Santa Efigênia, o proprietário era um português, havia dois pratos, o completo que geralmente nós dispensávamos e outro prato mais simples. A verdade é que não podíamos gastar muito dinheiro por isso não pedíamos o prato completo!
Da empresa Metal Ars Natale o senhor foi trabalhar onde?
Fui trabalhar na Laminação Nacional de Metais, uma empresa de propriedade de Francisco (Baby) Pignatari, neto do Conde Francisco Matarazzo. Entrei já como desenhista mecânico. A empresa fazia laminação e extrusão de latão. Eram feitos tubos de latão por extrusão, laminadas as chapas de latão. Essa empresa ficava em Utinga, no município de Santo André. Tinha que tomar o trem na Estação da Luz. Quantas vezes eu não corri para apanhar o trem? Permaneci lá por uns três anos. Por algum tempo me interessei por tecelagem, queria abrir um caminho para me especializar em manutenção nessa área. Infelizmente não deu certo. Com isso fiquei conhecendo malharias, fiações. Era um trabalho mais voltado á parte comercial, eu não me adaptei. Preferia permanecer na área técnica.
O senhor foi trabalhar em outra empresa?
Fui trabalhar em uma indústria que fundia tarugos e mancais de bronze. A usina era no Ipiranga, o escritório, a parte técnica ficava no centro de São Paulo, na Rua Marconi. Permaneci lá por uns dois anos.
Após esse período onde o senhor trabalhou?
Fui trabalhar na então Rua Ataliba Leonel, em um ponto em que cruzava com uma Rua chamada Nelson, são ruas que vem do alto do morro e descem até Santana. Ali tinha a Fabrica de Maquinas Para Beneficiar Madeiras Raiman. Apresentei-me como projetista de ferramentas e máquinas, a matriz da empresa ficava em Santa Catarina. O diretor da indústria me transferiu para chefiar a usinagem, tornearia, retificação. Permaneci por sete anos como chefe da oficina. A Rua Ataliba Leonel já era calçada. Diziam que era porque uma importante figura do cenário nacional tinha nessa rua interesses de cunho afetivo.
Após a Raiman o senhor trabalhou onde?
Trabalhei na Columbia por 30 anos. Era uma empresa de autopeças, fazia buzinas, bombas d’água. Ficava na Lapa, depois mudaram para a Vila Leopoldina. Aposentei-me e permaneci trabalhando lá mesmo por mais alguns anos. O que eu me orgulho não é o que eu fiz na minha profissão, mas o que eu fiz com os profissionais que dirigi. Proporcionei a possibilidade para que os profissionais de destaque fizessem cursos, como o TWI, (“Training Within Industry”) ou Treinamento Dentro da Indústria, onde é abordado o aspecto de como se explica um serviço para um aprendiz. Também mandei fazer o curso de Supervisor pelo SESI. Formei supervisores, coordenadores de máquinas. A linha de montagem não podia parar.
Quantos funcionários havia no total?
Uns 350 funcionários. Havia prensas desde 5 toneladas até 150 toneladas. Eles preparavam, punham as ferramentas, as estampas. Os estampos eram feitos de tal maneira que era necessário pisar no pedal e a prensa descia. Com as mãos o operador tinha que puxar dois manúbios e disparar a prensa, para evitar que as mãos corressem riscos de acidentes. Todas as máquinas tinham recomendações prevenindo contra acidentes.
O senhor é uma testemunha do crescimento da cidade de São Paulo?
Lembro-me que no final do ano de 1936, com um grupo de amigos do curso do Liceu fomos acampar no Pico do Jaraguá Era um mato total! Permanecemos por uma semana, acampados. Foi uma semana de chuva! Á noite nós víamos o Edifício Martinelli com a propaganda da Bayer. Aquele círculo escrito: Bayer. Ele acendia e apagava. Era o único prédio de São Paulo!
O senhor freqüentava cinema?
Freqüentava cinema. Mas freqüentei teatro, adoro ópera. Durante 20 anos não perdi uma temporada. Freqüentava o Teatro Municipal onde eram encenadas essas óperas, assisti ali a apresentação com o grande trágico italiano do século passado Ermete Zacconi, ele estava com 80 anos quando apresentou Rei Lear de Shakespeare. Na Rua Barão de Itapetininga havia a Vienense, com chás e doces finos.
O senhor chegou a freqüentar o famoso Táxi Dancing Avenida?
Sim! Na Avenida Ipiranga! Freqüentei, mas gastava-se muito dinheiro. Elas dançavam muito bem, sabiam quando o individuo não sabia dançar, elas facilitavam os passos. Eu nunca fui bom de dança.
O senhor chegou a ver as pessoas nadarem, pescarem no Rio Tietê?
Quantas vezes eu fui nadar nos cochos que tinha no Tietê! No verão, a noite, descia a Voluntários e ia nadar no Tietê. Antes de o Esperia fazer a piscina. A primeira piscina construída tinha o formato oval, com uns 15 metros de comprimento, por 10 de largura. Foi feito pelo clube Sociedade Paulista de Esportes. A piscina era toda de cimento, não era azulejada. Era a única de São Paulo!
O que eram os cochos existentes no Tietê?
Eram uns quadrados de madeira, enterrados no leito do rio, amarrado nas margens com cabos. Era como se fosse uma piscina. Nadava-se no rio também. Tinha peixes, havia pessoas que pescavam diariamente.
Isso era onde hoje é a Ponte das Bandeiras?
Chamava-se Ponte Grande, a Ponte das Bandeiras foi feita depois.
O senhor nadou no Rio Pinheiros?
Eu tinha um amigo que morava próximo ao Rio Pinheiros, íamos a pé nadar no Rio Pinheiros.
Do que o senhor tem mais saudade em São Paulo?
Eu adoro São Paulo! Gosto de andar no centro, eu sou citadino! Onde há atividade artística, cultural. Adoro teatro, “Deus Lhe Pague” com Procópio Ferreira é uma das peças que assisti.
O senhor andava muito de trem?
Com a idade de 12, 14 anos saia de São Paulo ás sete horas da manhã e ia para Santos pelo trem expresso. Existiam o “Cometa” e o “Planeta” eram trens com três carros de passageiros. Passava as férias na casa de uma prima que morava em Santos, no bairro Gonzaga. Existia o Parque Balneário. Assisti a inauguração do Atlântico Hotel.
Como o senhor resolveu mudar-se para Piracicaba?
Li uma reportagem sobre o Lar dos Velhinhos de Piracicaba, qual era a área, toda arborizada, com a possibilidade de se construir chalés por preços convidativos. Vim para cá, conversei com o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos, ele me expôs o que realmente era o Lar dos Velhinhos.
Entre o que foi exposto e hoje oito anos já morando no Lar qual é sua opinião?
Não acredito que exista um lugar melhor do que este. Pode ter igual, mas melhor não!
Atualmente o senhor dedica parte do seu tempo na área de venda de livros usados que o Lar dos Velhinhos recebe em doação.

O que o motivou a participar desse trabalho?
É uma paixão!

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