sábado, fevereiro 27, 2010

ISAIAS GERMANO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 13 de janeiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/



ISAIAS GERMANO
com o capacete de proteção e o jaleco da FEPASA
ENTREVISTADO: ISAIAS GERMANO
Isaias Germano é piracicabano, filho, neto de ferroviários, nasceu no dia 30 de janeiro de 1939, na Vila Saraiva que ficava na Avenida Armando Salles entre a Rua Prudente de Moraes e Rua 13 de Maio, onde hoje só tem prédios comerciais, havia uma série de casas antigas. É um dos 15 filhos de Sudário Germano e Joana Leite. Seu pai após ficar viúvo casou-se em segundas núpcias e teve mais 13 filhos. Pelo lado paterno Isaias teve 27 irmãos, incluindo 2 que faleceram logo após o nascimento. Esportista, defendeu a camisa de três importantes times de futebol amador de Piracicaba: Vera Cruz, Regente Feijó, Unidos Clube, Palmeirinha, E. C. São João da Montanha. Seu pai trabalhou na via permanente da Estrada de Ferro Sorocabana, como guarda-passagem, ou guarda-nível, assim era denominado o responsável pela cancela que impedia o transito de veículos e pedestres quando o trem se aproximava. Cada rua por onde a linha do trem cruzava havia uma porteira de madeira que corria sobre um trilho, acionada pelo guarda. Seu pai trabalhava na Rua Voluntários de Piracicaba. Isaias trabalhou na equipe de trem de ponte, onde ocupou o cargo de chefe. Casou-se em Piracicaba, com Eunice Almeida Germano, filha, neta de ferroviários.

Como o guarda-passagem sabia que deveria fechar a porteira?

Na guarita onde ficava o guarda, havia uma campainha que tocava quando o trem partia da estação, alertando os guardas da aproximação da composição. O controle era feito pelo tempo que o trem levaria para chegar e pela visão. A noite quando trem estivesse a uma distancia de uns trezentos metros já poderia ser fechada a porteira.
 
 
Isaias Germano com o lampião utilizado pelo seu pai para sinalizar a passagem do trem

O que era “socar-linha”?

Era assim que se denominava o trabalho na via-permanente. Naquele tempo era tudo feito na moqueca, no braço mesmo. Tirar dormentes, nivelar a linha, era feito com a picareta, não havia máquinas.

Quais madeiras eram mais utilizadas para fazer os dormentes onde eram assentados os trilhos?

Eram usados dormentes de peroba. No trecho nosso aqui não havia dormente de eucalipto. Nos últimos tempos da ferrovia havia uma usina de tratamento químico de dormente, com caldeira. A linha era toda de terra, não havia a utilização de pedras britadas entre os trilhos, como mais tarde passou a existir. Ás vezes era socado quinhentos metros de linha, se a noite chovesse era necessário fazer todo o trabalho novamente.

Em que ano o senhor ingressou na Estrada de Ferro Sorocabana?

Foi em 1963, eu tinha 22 anos de idade, parei de jogar futebol para trabalhar na Sorocabana.

O senhor estudou onde?

Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros. A minha primeira professora foi Dona Edith, fui aluno da Professora Dijanira casada com Sr. Nestor, ambos são pais da Professora Marly Therezinha Germano Perecin, lembro-me que a Dona Joana, sua avó materna, gostava muito de mim. Frontino Brasil foi diretor da escola, lembro-me do Professor Perpétuo.

Quais eram os locais do centro que eram mais freqüentados pelo senhor na sua juventude?

Eu era ainda bem moço, gostava de freqüentar a Brasserie, Gioconda, Sorveteria Paris que ficava na esquina da Rua Prudente de Morais com a hoje Praça José Bonifácio, local que veio a ser ocupado pelo Banco Safra.

Como foi a sua participação no futebol do Vera Cruz?

Silvio Alarcom, irmão de Manoel Lopes Alarcom, foi praticamente quem fundou o time de futebol Vera Cruz, compondo os quadros infantil, juvenil e amador. No tempo em que joguei no Regente Feijó, quem tomava conta do time era Roberto Canoa, professor universitário.

Em que posição o senhor jogava?

Eu era centro-médio, hoje equivale hoje a posição de quarto zagueiro.

O senhor era um craque?

Não era! Tinha gente que jogava melhor do que eu. Eu tinha vontade própria, jogava com amor a camisa dos times em que participei, não ganhava nada para jogar, o meu uniforme eu levava para ser lavado na minha casa. O uniforme do Vera Cruz era como é atualmente, branco com faixas prestas. O uniforme do Regente Feijó era camisa zebrada, branca, vermelha e preta. Um grande técnico de futebol era do Unidos Clube, chamava-se Enio Mônaco. Era um time muito bem organizado, unidos mesmo. O segundo quadro em 1957 além de Enio Mônaco como treinador, era composto por alguns nomes como: Airton, Abe, hoje cirurgião dentista, Chico Pio mais tarde dono do famoso Pastelão, José Nascimento, Ademar Pavaneli, Heitor Zipe, Du, Homero, Toniquella, Zuza, Caipira, Lefon, Nelson, Neno. Os jogos eram realizados no Estádio El Tigre, onde atualmente é o Pão-de-Açucar, no Bairro Alto. Nós chamávamos o campo de “ralador”, não tinha nenhuma grama plantada, só havia a piçarra, quando chovia a bola passava a ter o dobro do peso! Em 1957 jogamos uma partida contra o time Progresso, cujo presidente era Felício Maluf, e ganhamos marcando 6X1.
 
 
Isaias Germano, capitão do time de futebol Unidos Clube, campeão de futebol amador em 1957.
Em pé, o terceiro atleta da esquerda paraa direita é o conceituado cirurgião dentista Dr. Antonio Abe


Como foi prestar o serviço militar?

Servi em Piracicaba, no Tiro de Guerra, que ficava no Largo da Sorocabana, onde hoje é o Terminal de Ônibus, no local onde hoje estão os camelôs. O armazém da Sorocabana ficava em frente.

Com que idade foi o seu primeiro trabalho?

Ainda moleque, saia da escola e ia trabalhar em uma oficina de artesanato. Aos 12 anos de idade já estava trabalhando como ajudante de encanador, o meu patrão era Erasmo Diehl, quinzista roxo, que mais tarde veio a falecer durante um jogo do XV de Novembro, no campo de futebol da Portuguesa Santista, em Santos. Dali eu fui trabalhar na Estrada de Ferro Sorocabana.

Trabalhou com sifão de pia ainda feito em chumbo?

Não havia encanamentos em PVC, ou plásticos. O encanamento era feito com ferro fundido e chumbo. Esgotos eram todos em ferro fundido, para fazer as curvas com o cano de chumbo era necessário primeiro enche-lo com areia, se curvasse vazio ele amassava. A areia tinha que ser muito seca, ás vezes tinha que ser colocada no fogo para secar. Na tubulação de esgoto com ferro fundido de 4 polegadas, as emendas eram feitas com o chumbo derretido.

Como foi a sua admissão na Sorocabana?

Prestei concurso para entrar na via permanente. Trabalhava na “soca” da linha, batia o bico da picareta para tirar o dormente, que era arrastado dessa forma. Entrei como trabalhador de linha, fui promovido a encanador. Trabalhei com o trem de ponte, era uma turma que trabalhava só com pontes ferroviárias, fazia reformas e pinturas de pontes. Era necessário ter carpinteiro, encanador, eletricista. As pontes em sua grande maioria eram feitas em madeira, o marceneiro era quem entalhava a madeira, seno a peroba e o ipê as mais utilizadas.


O trem passava sobre as pontes de madeira?

Eram vigas de 40X40 centímetros. As estacas eram erguidas pelo guindaste, que também tinha um dispositivo, o martelo, para enterrá-las no solo. Cheguei a bater estacas com 18 metros sobre leito de rio, na ponta era colocado um capacete de ferro, uma cuia, que se atingisse uma pedra não se deslocasse.

De Piracicaba á São Paulo quanto tempo demorava a viagem pela Sorocabana?

Levava de 12 a 13 horas de viagem. Quem trabalhava na Sorocabana se viajasse pela Companhia Paulista tinha que pagar uma diferença, além de preencher uma requisição.

Como era composto o trem de ponte?

A tração era feita por uma locomotiva, inicialmente a vapor, nos últimos anos era uma máquina a diesel. Havia o vagão de cozinha, o dormitório, de ferramentas e um vagão gôndola. Nos anos mais recentes as estacas passaram a utilizar trilhos, eram três trilhos soldados em forma de triângulo. Se fosse um serviço de emergência eram utilizadas estacas de eucaliptos.

O que era “troca-truque”?

Um dispositivo para passar de bitola larga para bitola estreita e vice-versa. Foi muito utilizado na FEPASA, que unificou várias estradas de ferro do estado. Nós batemos estacas para fazer o lugar próprio para esse trabalho, fizemos isso em Campinas, em Bauxita, em Bauru. O trem chegava pela bitola estreita, era suspenso o vagão, saía a bitola estreita e entrava a larga. Isso era feito só para vagão, carregados ou vazios, carro de passageiros não.

A correspondência que chegava pelo trem como eram transportadas?

Naquele tempo era feito o transporte por carroças. A família do Cardoso Monteiro que jogava no XV de Novembro, eram funcionários da Companhia Paulista e do correio. A família Monteiro trabalhava no correio.

Havia alguns ciúmes entre os funcionários da Companhia Paulista e os da Estrada de Ferro Sorocabana?

Eles tinham ciúmes de nós! O salário da Sorocabana era maior! Eles eram “mais bonitos” porque o trem deles corria dentro do horário, o nosso não cumpria rigorosamente o horário, mas tinha a maior linha de trem! A Sorocabana tinha mais de 5.000 quilômetros de linha.

Lembra-se do episódio em que o Dr. Francisco Salgot Castillon participou junto com os funcionários da Sorocabana?

Lembro-me sim, durante a primeira greve eu não era funcionário ainda. Na segunda greve que houve eu já trabalhava na empresa. Não cheguei a assistir o episódio em que Dr. Salgot participou, mas lembro-me do fato.

Como eram os comícios do ex-governador Adhemar de Barros?

Ele esteve realizando comícios em Piracicaba, conseguia empolgar o público.

Ao quadrar o jardim havia uma determinada área ocupada por determinados grupos?

Havia sim, uma área delimitada pelos próprios ocupantes do local, ao passear quadrando o jardim entre os diversos grupos e setores percorridos, os negros faziam o trecho da Rua Governador, Rua São José, Praça José Bonifácio e Rua Moraes Barros.

O famoso Bar do Buriol antes de ser na Rua Boa Morte era onde?

Ficava na Rua Voluntários de Piracicaba, esquina com a Rua Benjamin Constant, o prédio existe até hoje.

Onde era o Hotel Paulista?

O prédio foi derrubado, ficava na Rua Boa Morte, esquina com a Rua Joaquim André, em frente onde hoje é a Padaria Asságio.

Teve um episódio muito interessante e com final feliz, quando um vagão tombou, dentro da cidade?

Ocorreu com um vagão carregado de açúcar, vinha da Usina Costa Pinto, no meio da passagem de nível ele saiu do trilho, correu sobre os dormentes e tombou. Por sorte o vagão desengatou-se da locomotiva, caindo em um lugar vazio, entre as casas que estavam aos lados. Algumas crianças brincavam nas proximidades da linha de trem, um dos meninos cavou, fazendo um buraco até a cabeceira do dormente. Quando ele percebeu que o trem ia tombar, entrou embaixo, na cavidade que ele tinha feito, ficou preso ali, como se estivesse em uma gaiola. Foi um desespero muito grande, todos achavam que tivesse morrido. Ele está vivo até hoje! Foi uma grande correria para tirar a criança, até que meu pai o tirou de lá.

Onde o trem da Sorocabana jogava lixo?

Um pouco para frente de onde hoje é o viaduto da Rua Governador Pedro de Toledo, sobre a Avenida Armando Salles de Oliveira. Era feita a limpeza da estação, recolhidas as cinzas, estopas, ali havia um local que sempre estava desbarrancando, uma locomotiva trazia um vagão gôndola com o que deveria ser jogado no lixo. O encarregado pelo depósito era Juvenal Gallendi, nosso vizinho na Rua 13 de Maio, ele parava o trem, nós éramos crianças, subíamos em cima do vagão e íamos ajudá-lo a descarregar, com pás. Éramos dez ou doze moleques que íamos pelo prazer de passear de trem. Isso acontecia a cada 15 ou 20 dias.

Ao longo da linha havia casas dos funcionários da ferrovia?

Onde havia uma colônia de casas de ferroviários era dado um número. O avô da minha esposa, Manoel Marcelino de Almeida era mestre de linha, morava na Turma 18, as casa existem até hoje, ficam atrás onde hoje é o Atacadão Munhoz, na Avenida 31 de Março. No local onde hoje funciona o Pronto Socorro da Vila Rezende, havia a Turma 19. No pátio da Usina Costa Pinto era a Turma 21. Eu fui trabalhar era a Turma 26, quase na divisa com o município de São Pedro.

A Estrada de Ferro Sorocabana tinha quantos túneis na descida da serra para Santos?

Eram 21 túneis! A manutenção dentro de um túnel é feita da mesma forma que era feita fora dele, apenas tinha que ser providenciada a iluminação. O projeto original era para ser construída uma segunda linha, que nunca foi feita, o que de fato existiu foi um terceiro trilho, possibilitando o trafego de trens com bitolas (distâncias das rodas) diferentes.

A FEPASA encampou os funcionários da Sorocabana em que ano?

Passei a ser funcionário da então FEPASA em 1971, em 1979 passei a ser o Chefe do Trem de Ponte.

O trabalho com o guindaste do Trem de Ponte é muito perigoso?

Eu tinha a habilitação para operar o guindaste, é um serviço muito perigoso, principalmente se for um trabalho na curva da ferrovia, a lança do guindaste tinha 11 metros de comprimento, se perdesse o equilíbrio poderia tombar e arrastar todos nós que estávamos trabalhando.






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