segunda-feira, fevereiro 08, 2010

MÚCIO CARDOSO LEITE

                                                                        Sra. Ana Luiza Corazari Leite e seu marido.
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 30 de janeiro de 2010

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

http://www.tribunatp.com.br/

http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: MÚCIO CARDOSO LEITE

Nascido em dois de julho de 1924 na cidade de Campinas, Mùcio Cardoso Leite é filho de Lucídio Primo Leite e Laura Cardoso Leite. Aos 85 anos de idade, Múcio esbanja saúde, bom humor. Chefe de Estação de Trem aposentado, hoje ele atua como especialista em manutenção de janelas de alumínio, que pacientemente as desmonta, faz a manutenção e as recoloca no local. Em algumas ocasiões isso implica em ficar do lado de fora de algum edifício. Para isso ele conta com sua formação técnica e equipamentos de segurança. Tudo feito á seu estilo, o mais perfeito possível e considerando cada detalhe da operação. Nada é feito sem um detalhado planejamento. Assim consegue complementar a sua aposentadoria e não permanece inativo. Expansivo, comunicativo, Múcio encanta a todos por onde passa. Parece que para ele o calendário só existe para marcar seus compromissos. O seu andar firme e rápido a sua compleição física, o raciocínio rápido, são de pessoas com algumas décadas a menos.

Em que bairro de Campinas o senhor nasceu?

Nasci na Rua Senador Saraiva hoje Avenida Senador Saraiva, no centro de Campinas. O meu pai faleceu no dia 2 de julho de 1931, era funcionário da CPFL.

Após o falecimento dele a mãe do senhor voltou a trabalhar?

Éramos três filhos, meu irmão dois anos mais velho do que eu, Milton Cardoso Leite e minha irmã Cleide Cardoso Leite, dois anos mais nova do que eu. Após o falecimento do meu pai, a minha mãe voltou a trabalhar na profissão que exercia antes de casar-se, ela era telefonista da então Companhia Telefônica do Brasil, a CTB. Eram aparelhos telefônicos que tinham uma manivela em uma de sãs laterais, girava-se e pedia-se á telefonista para fazer a ligação. Com um painel á sua frente, a telefonista completava a ligação encaixando os pinos de origem e destino da ligação. Havia a função de Corredor de Linha, que era o funcionário que fazia a inspeção das linhas telefônicas. Uma das suas atividades corriqueiras era derrubar as casinhas do passarinho joão-de-barro que provocavam indução. Um suíço, Andrea Tatti tinha um elevado posto dentro da companhia, vendo a situação da minha mãe, viúva, com três filhos, um salário apertado, pagando aluguel em um porão, onde se acomodava com os filhos, conhecendo a capacidade de trabalho dela, a transferiu para Pirassununga, no cargo de chefe do centro da CTB da cidade. Lá ela teria casa provida pela CTB, um salário compatível com o cargo.

A família mudou-se para Pirassununga?

O suíço Andrea Tatti nos levou em seu carro, não tínhamos nenhuma mudança. O seu carro era o famoso veículo Ford 1929 com o porta-malas que pode ser acessado pela enorme tampa traseira que era também um banco extra, chamado de “banco da sogra”, já que dentro só tem dois lugares. Fizemos a viagem no “banco da sogra”, a estrada era de terra. (N.J. Era como no carro do Pato Donald, que leva seus três sobrinhos, Huguinho, Zezinho e Luisinho, no banco da sogra).

O senhor foi matriculado em que escola em Pirassununga?

Foi na Escola Prof. Ascanio de Azevedo Castilho. Sempre tinha tirado nota 100. Eu era muito levado e inteligente. Ás vezes saia de casa e ia para Cachoeira das Emas, e debaixo da ponte ficava pescando! Na época havia dois bares grandes para atender aos pescadores.
Nesse período o senhor trabalhava?

Eu era engraxate em uma barbearia que existia a dois quarteirões acima do Centro Telefônico. O Centro mudou da Rua Duque de Caxias para a Rua José Bonifácio, em frente ao jardim. Havia um ponto de carro de praça (N.J. Taxi), eram veículos fabricados em 1929. 1930. Continuando essa rua bem adiante havia a raia de corrida de cavalos.

O senhor como engraxate teve um fato marcante?

Em Pirassununga havia o quartel, um oficial entrou na barbearia e eu engraxei a sua bota, na época usava-se cromo alemão, eram botas vistosas. Ele era do Segundo RCD, Segundo Regimento de Cavalaria Divisionária. Um tenente me levou para o quartel para só para engraxar as botas dos oficiais. Eu tinha entre 9 e 10 anos de idade.

O senhor foi acometido pelo tifo?

Fui, quando adoeci tinha 58 quilos e cheguei a pesar 22 quilos, minha altura é de 1 metro e setenta e três quilos. Quem cuidou de mim foi a minha mãe, que quando solteira havia trabalhado como enfermeira. Isso foi em Mairinque. O médico atendia só durante o dia, a noite era o Zé Enfermeiro quem tratava dos pacientes. O médico tinha dado o diagnóstico de tuberculose. Ela foi até São Roque conversar com o médico Dr. Júlio cujo sobrenome no momento não me lembro. Lá chegando minha mãe disse-lhem “- Dr. Eu me lembro desse cheiro que está entranhado no meu filho. Para mim é de tifo”. Na época quem tinha tifo era obrigado a ir para o hospital do Mandaqui. E lá morria. O pessoal tinha medo de contrair a doença! Minha mãe transportou a banheira de ágata de um quarto existente nos fundos de casa, meu irmão e seus amigos foram apanhar folhas de eucalipto, existia muito eucalipto, para fornecer lenhas para as locomotivas a vapor. As folhas de eucaliptos eram fervidas, á tarde quando a minha febre atingia 40, 41 grau Celsius, fervia a água na mesma temperatura. Ali eu permanecia até a febre abaixar. Meu irmão me tirava da banheira, enrolado em um lençol, me levava para a cama. A minha mãe com um pedaço de miolo de pão molhava no leite e passava pelos meus lábios. Dr. Julio veio aplicou-me uma injeção na barriga. Daí uma hora ela ligou para ele, que voltou correndo, eu estava inchando. Eu nunca irei esquecer de uma caixinha onde estava escrito Park Davis, em que ele trouxe o medicamento. Na hora desinchei. Foram mais 40 dias na rotina do banho de eucalipto. Comecei a melhorar. E assim sobrevivi.

O senhor recebia bem pelo seu serviço?

Era a coisa mais gostosa do mundo ganhar gorjeta daqueles homens. Eram todos oficiais. Se uma engraxada custava 2 eles me davam 5, 10 ! No dia de natal levei um ordenado para a minha mãe que ela se regalou!

O senhor conheceu João Guidotti?

Ele morava em Pirassununga! Tinha uma loja de “Dois mil réis”, semelhante ao que temos hoje denominado de lojas de R$ 1,99. Só que lá qualquer item custava dois mil réis. Ele morava vizinho ao centro telefônico, eu cortava molduras para fazer quadrinhos, trabalhei algum tempo com ele. O Luciano Guidotti nessa época ainda morava em Limeira.

Após permanecer por algum tempo trabalhando no quartel o senhor foi para onde?

Fernando de Souza Costa, interventor do Estado de São Paulo tinha uma chácara em Pirassununga. Ele realizava as suas ligações para lá, essas ligações sempre exigiam o auxílio da telefonista para completá-las. Minha mãe conversou com ele, e conseguiu que eu fosse me profissionalizar no Instituto Educacional Bento Quirino em Campinas.

Quais cursos o senhor realizou nessa instituição?

Fiquei lá por quatro ou cinco anos. Aprendi de tudo. Aprendi a trabalhar como torneiro mecânico, serralheria, carpintaria, mecânico de ajustagem, marcenaria, fundição, ferragem de carroça, ferreiro. Era tudo de graça, era dada a parte teórica e a prática, um dos cursos que era dado era o de escultura em barro.

O senhor após concluir seus cursos no instituto onde o senhor foi trabalhar?

Minha mãe tinha sido transferida para Limeira. Permanecemos lá por um ano e poucos meses. Fui trabalhar na Dierbergher, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro. De lá fui para a Ford, em Limeira, da Ford fui para a Chevrolet de propriedade do Lucato. Minha mãe tinha angina, e por isso foi transferida para uma cidade com um clima que era mais propício para ela, fomos morar então em Indaiatuba. Lá fui ferreiro na ferraria do Lino Lui. Um fato curioso é que o Lino era magro, porém ninguém conseguia vencê-lo na queda de braço. Eu tinha aprendido a ferrar cavalo, ferrar carroça de madeira.

Qual é o segredo para ferrar um animal?

Não há segredo! O segredo é o cachimbo. Um tipo um cabo de vassoura com um furo, nesse furo é passado um aro de couro, fica uma argola de couro, coloca-se na parte superior da boca.

E essa história de número de buracos de ferradura?

Se o animal for maior, terá um maior número de pontos de fixação no casco. Se for menor, uma ferradura com menor número de buracos.

Em média quanto tipo dura uma ferradura?

Em média um ano. Mesmo que não desgaste a ferradura, por exemplo, em estrada de terra, o casco cresce, a ferradura deve ser trocada.

Quanto tempo demorava-se para ferrar um burro?

Dependia do burro! Tinha burro que era demorado. Os de tropa, nem amansados não era, eram bravos. Demorava uma hora, meia hora.

O senhor fazia aro de ferro de carroça qual era o segredo ara fazer esse aro?

Você mede o tamanho do aro, se medir três metros, se pega uma barra de ferro com nove metros e 3 centímetros, remonta as pontas, cardeia-se, remonta cinco centímetros de cada lado

O que é cardear?

Depois do aro feito, prende-se, fura as extremidades, coloca-se o arrebite, e poõe no fogo em brasa. Quando estiver bem vermelho, coloca-se na bigorna, joga-se areia, e com o martelo liga um no outro. Fica uma peça só. Em seguida coloca-se carvão na volta inteira do aro, avermelha a peça toda. Quatro pessoas com a tenaz, e encaixa na armação de madeira. Em seguida joga-se acua em cima.

Quanto tempo dura um aro de ferro em uma carroça com roda de madeira?

Se andar na terra dura bastante tempo, em pedregulho irá comendo o ferro, e se rodar só em paralelepípedo o aro vai alargando-se, o calor do paralelepípedo mais as pancadinhas dada com o movimento natural da carroça irá alargar o aro.

A mãe do senhor arrendou um hotel em Indaiatuba?

Era o então Hotel Boseli, que passou a chamar-se Hotel Brasil a maior freqüência era de professoras de Piracicaba que lecionavam no sítio e de caixeiro viajantes. Nessa época minha mãe casou-se com o Chefe da Estação Sorocabana.de Indaiatuba. Ele colocou-me com caixeiro de armazém na estrada de ferro. Era o que hoje seria montar a cesta básica de cada funcionário. Cada funcionário tinha um tipo de pedido, tínhamos que montar o pedido.

O pai da esposa do senhor era também ferroviário?

O pai minha esposa, Ana Luisa Corazari Leite era Chefe de Trem, eu a conheci quando ela estava levando almoço para ele. Fui sendo promovido, me mandaram para Itapetininga. Por motivos de reestruturação de pessoal da Sorocabana, fui guindado a um cargo de destaque na hierarquia. Já me deram farda, passei ter o direito de andar na primeira classe.

O senhor casou-se em que dia?

Foi no dia 7 de março de 1948, em Mairinque, o padre era de origem oriental, ele falou tudo em latim eu não entendi nada. As bodas de Prata foi na Igreja São Judas Tadeu. As bodas de Ouro foi na Igreja São Pedro, foi o Padre Jorge quem fez, eu gostei da cerimônia!

O pagamento dos funcionários era feito pelo trem pagador?

Havia um trem especial que corria a linha pagando os funcionários. Logo depois essa função passou para o estabelecimento bancário. Um caso verídico, foi de um caixa, extremamente meticuloso, muito detalhista, empolado em sua autoridade. No dia do pagamento ele chamava os funcionários pelo nome preservando as grafias originais e acentuando-as. Na seqüência da fila para receber ele chamou: Baptista de Assumpção, entoando todas as sílabas, ou seja, Bapitista de Assumpição. Ao que o funcionário respondeu: “Prompto!” (“prompito”.) repetindo o processo!

O que Estrada de Ferro Sorocabana tinha em Porto Epitácio?

Ficava na barranca do Rio Paraná, lá havia os barcos da Sorocabana que subia com os passageiros até Foz de Iguaçu.

O senhor chegou a fazer essa viagem?

Eu e mais alguns amigos, também ferroviários da Sorocabana íamos pescar lá. Era eu, Barini, Nicola e Micheli, morávamos em Mairinque, quando tínhamos folgas de quatro dias pegávamos os passes a que tínhamos direito e viajávamos.

O senhor estava em primeiro lugar no almanaque da Sorocabana, ou seja, seria promovido como chefe de estação de uma importante estação?

De fato. Só que por ter detectado algumas situações de desmandos administrativos, fui preterido, talvez por aqueles que se beneficiassem dessa situação. Eu já havia anteriormente chefiado mais de uma centena de homens nas oficinas de manutenção, com pleno êxito.

Existia passe livre para algumas classes?

Existia. Militares, religiosos, crianças, professores.











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