sábado, setembro 04, 2010

MARIA MAGALI GUIDOLIN E JOSÉ ADROALDO GUIDOLIN

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de setembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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http://www.teleresponde.com.br/

                                                                       Magali e José
ENTREVISTADOS: MARIA MAGALI GUIDOLIN E JOSÉ ADROALDO GUIDOLIN
A Avenida 31 de Março em Piracicaba é hoje uma das mais movimentadas artérias que cortam a cidade, com seus enormes galpões abrigando estabelecimentos comerciais que atuam nas mais diversas áreas. Onde hoje é o Bairro Higienópolis até algumas décadas era uma região de muitas chácaras, com as características próprias de imóveis de zona rural, animais de grande porte, água de poço, criação de aves, caprinos, suínos, plantas frutíferas. Rancho Alegre é um nome que permanece na lembrança dos piracicabanos nascidos há 50 anos ou mais. Um confeiteiro húngaro, Luiz Acs, deixou seus país, veio para o Brasil, foi encaminhado para a lavoura de café, onde suas mãos de artista adaptaram-se ao trabalho pesado. Após algum tempo saiu do campo e foi para São Paulo onde acabou indo trabalhar no Fasano, templo gastronômico que até hoje aguça o refinado paladar de clientes portadores de carteiras bem recheadas, a elegância e a mística do Fasano sempre acompanhou a evolução da cidade de São Paulo, em mais um século de existência ocupou diversos endereços em uma clara demonstração de sintonia com sua clientela. Nesse ambiente de muito glamour Luiz Acs exerceu o ofício de confeiteiro, aprendido em sua pátria. Determinado dia, acompanhado de seu pai, veio até Piracicaba, provavelmente em prospecções de novas oportunidades, e acabou permanecendo em Piracicaba. A cidade de São Pedro é conhecida no Brasil e em outros países pela qualidade e beleza dos seus bordados.
Museu Gustavo Teixeira - São Pedro
O inicio dessa atividade que veio a ser um cartão de visita de São Pedro, foi pelas mãos de Joana de Barros Furlani, que em 1929 começou a ministrar aulas de bordado a dezenas de alunas, os famosos trabalhos em ponto cruz, que requer habilidade e muita paciência de quem se propõem a bordar.
                                    Ponto-cruz: um bordado típico de Dona Joana
Quando dona Joaninha mudou-se da cidade, uma de suas alunas, Ana Hermelinda Baltieri prosseguiu seu trabalho, que teve, a partir de 1940, reconhecimento público. A partir dessa época, o bordado produzido em São Pedro tornou-se um importante ramo de negócio devido às muitas compras feitas por turistas. O Museu Gustavo Teixeira guarda trabalhos e objetos de uso pessoal de Dona Joana uma alusão ao “Museu do Bordado Joana de Barros Furlani”. Dona Joana casou-se em São Pedro. Contraiu segundas núpcias em Piracicaba, com Luiz Acs, ambos construíram o Rancho Alegre, que fabricava doces e salgados, tinha amplas instalações para festas sociais, além de um restaurante freqüentado por muitos piracicabanos ilustres. As coxinhas, empadinhas, croquetes, bom bocados, folhados, caçarola italiana bolos com decoração artística minuciosa, assados muito comuns na época, leitoas, patos, cabritos, o famoso frango com polenta. Em 25 de maio de 2008, o prefeito Barjas Negri esteve no Jardim Higienópolis onde junto à comunidade e, demais autoridades entregou oficialmente o novo centro de lazer do bairro denominado “Joana de Barros Furlani” com área de 2.575 metros quadrados, totalmente gramada, um campo de areia cercado por alambrado, brinquedos, bancos de madeira, iluminação, lixeiras, calçadas e pista de caminhada, mesa de jogos, bebedouro e total iluminação. Nesta entrevista sua filha mais nova, Maria Magali Guidolin nascida em Piracicaba a 25 de março de 1943, juntamente com seu marido o engenheiro agrônomo José Adroaldo Guidolin nascido em Piracicaba a 26 de novembro de 1940 ajudam a resgatar lembranças do Rancho Alegre.                                                         
A mãe da senhora é muito conhecida na cidade de São Pedro?
Minha mãe, Joana de Barros Furlani, nasceu em 24 de junho de 1914 e faleceu em 20 de março de 1996, foi ela quem levou o bordado para São Pedro, atualmente tem seus trabalhos em bordados no “Museu do Bordado Joana de Barros Furlani”, de São Pedro, há até a cadeirinha utilizada por ela para bordar quando ainda era interna do Lar, foi doada pelas irmãs para o Museu do Bordado. Minha avó faleceu quando minha mãe era ainda criança, o meu avô ficou viúvo com os filhos para criar e educar, naquela época a melhor opção foi encaminhá-la para o Lar Escola Maria Nossa Mãe. Ela foi criada e educada pelas freiras, recebendo a sua formação e inclusive aprendendo a bordar. Saindo do Lar, ela foi morar em São Pedro com uma família, e foi onde também se casou. Em São Pedro ela passou a ensinar as pessoas a bordar, na rua, nas calçadas, na praça. Á tardezinha as pessoas se aproximavam dela e com ela aprenderam a bordar. Essa história foi pesquisada e publicada pelo jornal O Estado de São Paulo.
Ela mudou-se para Piracicaba?
Juntamente com meus três irmãos, frutos do seu primeiro casamento, ela passou a morar na Rua São José em Piracicaba, bordando, fazendo doces e salgados para manter a casa. Após algum tempo ela conheceu o meu pai, Luiz Acs.
O pai da senhora nasceu onde?
Meu pai, Luiz Acs, veio da Hungria, imigrou com seus pais, ao chegar ao Brasil foi trabalhar na lavoura de café em São Manoel, mesmo tendo feito o curso de confeiteiro na Hungria, ele dizia que quando começou a trabalhar na lavoura “pegava no guatambu”! Conforme melhorou a situação foi morar em um sítio adquirido pela sua família em Mogi das Cruzes. O meu avô paterno faleceu em Piracicaba em 1956. Antes de vir morar em Piracicaba meu pai foi confeiteiro no Fasano em São Paulo, isso em uma época em que tinha que ter muito conhecimento para ser confeiteiro. Em Piracicaba ele trabalhou entre outros lugares, como gerente na Fábrica de Massas Cacique, de propriedade de Augusta Maigton, que fabricava macarrão, bolachas. (José Aldroaldo lembra-se de que entre os doces feitos pelo seu sogro, a elite piracicabana da época consumia muito o bolo folhado, e o Apfelstrudel que é um folhado de maçã).
                                              Livro de receitas de Luiz Acs
A senhora realizou seus estudos onde?
A Pré-Escola eu estudei no Externato São José, o primeiro ano no Sud Mennucci, depois no Instituto Piracicabano, e o curso técnico na Escola Cristovão Colombo a Escola do Zanin. Morávamos na Rua São José, quando em 1948 mudamos para a chácara que passou a ser o Rancho Alegre. Lembro-me que eu e minha irmã íamos para a Escola Sud Mennucci caminhando pela linha do trem da Sorocabana. Era uma verdadeira viagem! De manhãzinha caminhávamos em direção da escola quando víamos o trem da Companhia Paulista passar, indo para São Paulo.
O Rancho Alegre surgiu como?
Lembro-me que antes de ser adquirida a área da chácara, havia a opção de comprar uma casa muito grande, localizada a Rua Voluntários de Piracicaba, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Santo Antonio, outra opção que surgiu na época era adquirir a Padaria Jacareí, que existe até hoje com esse mesmo nome. Meus pais decidiram por adquirir área da chácara. Passamos a fazer doces e salgados, como folhados, empadas, coxinhas, croquetes, torta de banana, mil folhas, sonhos que eram entregues em vários colégios de Piracicaba como no Dom Bosco, Piracicabano, Colégio Assunção e outras escolas, eram levados, em um tabuleiro, por carrinho de tração animal. Eu estudava na Escola Zanin, levava meu lanche, meus colegas queriam também, com isso passei a levar uma bolsa com material de escola e outra com doces e salgados. Passava uma listinha onde meus colegas escreviam quais doces ou salgados iriam querer que eu levasse. Eu ia a pé, caso chovesse tinha levar um par de calçados para trocar.
                                                           Festa de casamento no Rancho Alegre
José Adroaldo algumas pessoas vendiam os doces e salgados produzidos no Rancho Alegre, de porta em porta?
Lembro-me de Dona Justina, com seu avental impecável, uma cesta grande, vendia bom-bocado, creme, empada. Era uma das pessoas, e ficou na história da cidade que ela percorria, eu era um garoto de uns 10 anos.
                                                                      Apfelstrudel            
O acesso ao Rancho Alegre era por onde?
Pela Rua Benjamin Constant, até a Avenida Dr. João Conceição, continuando até a Avenida Bairro Verde, nesses trechos as ruas eram calçadas com pedregulhos, a Rua Benjamin Constant era utilizada nos dois sentidos de direção. Caminhando pelos trilhos atingíamos a Avenida Independência, algumas vezes sentíamos medo de alguém desconhecido, e dávamos uma volta, indo sair na mesma Avenida Independia, só que na altura da Santa Casa, uma volta enorme. Era uma área formada por chácaras, muitas com mangueiras, as ruas existentes hoje não havia na época. A própria Avenida Independência era apedregulhada, não era asfaltada. Onde hoje é o Teatro Municipal Dr. Losso Neto era o campo de futebol do Ipiranguinha. Na Avenida Independência as construções existentes eram a Santa Casa e o Seminário Seráfico São Fidélis, muitas casas foram construídas depois. No começo da Avenida Luciano Guidotti havia uma vilinha de casas, ainda há alguns vestígios dessas casas. Na esquina da Rua Riachuelo com a Avenida Independência surgiu uma das primeiras construções, um sobrado que ficava do lado esquerdo da Riachuelo.
José Aldroaldo, em que ano o senhor começou a namorar a sua esposa Magali?
Foi em 1960, eu morava na Rua Moraes Barros, 1410, tomava o ônibus que subia a Moraes Barros, da Auto Viação Marchiori, descia no ponto em frente a Santa Casa e de lá vinha cortando o caminho para chegar até o Rancho Alegre.
Magali, a senhora lembra se ao mudar para a chácara que veio a ser denominada de Rancho Alegre, havia alguma construção?
Tinha que ter uma casa, porque se nós estávamos mudando da Rua São José para uma chácara, éramos sete pessoas, meu pai, minha mãe, meus três irmãos, minha irmã e eu, a casa existente deveria ser o suficientemente grande para comportar todos nós. As melhorias foram sendo feitas, até que se resolveu fazer esse rancho enorme, ai passou a ser uma atividade industrial, onde tudo era dimensionado para atender uma grande demanda. O movimento maior era aos fins de semana. No período em que o Comendador Antonio Romano presidiu o XV de Novembro, os jogadores tomavam suas refeições no Rancho Alegre. Muitos casamentos celebrados em Piracicaba tinham suas festas feitas no Rancho Alegre. Pode-se dizer que era o que hoje chamamos de buffet, contratávamos garçons para o serviço, a capacidade era para atender até duzentas pessoas, com toda estrutura necessária, as louças eram brancas, talheres de inox. O fogão era enorme, a lenha, com uma característica interessante, ele não ficava em um canto como encontramos sempre os fogões a lenha, foi construído de forma que permitisse o acesso por ambos os lados. Lembro-me que ainda criança, colocava um caixote de madeira para alcançar as panelas.
Qual foi o período de atividades do Rancho Alegre?
O inicio foi em 1948, época em que não havia nem energia elétrica, permaneceu com a família toda trabalhando até 1965. Não houve continuidade por parte dos filhos, meu pai ainda permaneceu trabalhando por mais alguns anos, minha irmã foi lecionar em São Sebastião, no litoral norte, a minha mãe dividia-se entre São Sebastião e Piracicaba. Meu pai fazia muitos salgados para a Célia Perches, ele ia entregar a pé. Os salgados servidos no Clube de Campo de Piracicaba eram feitos por ele. As festas finas de Piracicaba eram abastecidas com salgados, doces, bolos confeccionados pelo meu pai. Além de atender a encomendas de varias partes da cidade, tivemos duas casas de lanches, uma na Rua XV de Novembro e outra na Rua Moraes Barros, funcionando ao mesmo tempo.
No Rancho Alegre eram criados animais para serem abatidos e servidos aos clientes?
Criávamos muitos perus, cabritos, carneiros, porcos. Havia uma horta, era uma chácara muito grande. Meu tio João e minha tia Gertrudes Garcia moravam na chácara, os animais eram cuidados por ele. O Nestor foi uma das pessoas que trabalhou por muitos anos conosco, mais tarde ele trabalhou na Tutti Bonna Massa.
Como surgiu o nome Rancho Alegre?
Minha mãe que deu esse nome, ela gostava de muita gente reunida. Aos sábados e domingos eram realizados os almoços freqüentados por muitas famílias. Nós tínhamos uma nascente de água maravilhosa na nossa chácara, meu pai servia muitos professores da ESALQ, que vinham almoçar no Rancho Alegre, a água da nascente em analise feita por eles foi considerada potável. Telefones só existiam o da Paróquia Imaculado Coração de Maria (Igreja da Paulicéia) e o nosso, que era o número Rural 20, servia a todos os moradores vizinhos.
Há quem ainda se lembre dos doces e salgados feitos no Rancho Alegre?
Até hoje me procuram, querem que eu faça um daqueles bolos que meu pai fazia, infelizmente não posso atender.
A senhora gosta de futebol?
Gosto muito, eu ia assistir aos jogos no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, a famosa “Panela de Pressão”, tinha a minha carteirinha de associada do XV de Novembro.

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