segunda-feira, junho 27, 2011

RICARDO MARTINI E JOÃO AUGUSTO MARTINI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 17 de junho de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: RICARDO MARTINI E JOÃO AUGUSTO MARTINI
Lembranças além de imagens trazem aromas e sabores. Atualmente as crianças e adolescentes consomem bolachas, principalmente as recheadas, devoram batatas fritas e salgadinhos, especialmente de uma marca líder de mercado. O consumo é alavancado por ações de marketing muito bem elaboradas. As crianças e adolescentes de algumas décadas passadas tinham outros hábitos alimentares, mesmo porque a maioria dos produtos consumidos atualmente não existia na época. O consumo de refrigerante era apenas em datas especiais: aniversários, casamentos, festas de fim de ano e mesmo assim de forma regrada, conforme ditava as normas do bom comportamento. O mesmo acontecia com os doces e salgadinhos. Restava a criança a opção do doce caseiro, obtido a partir das frutas mais abundantes: abóbora, mamão, laranja ou batata. Esses sim eram devorados com avidez, as famílias normalmente numerosas rapidamente consumiam a iguaria. Os folguedos, o trabalho precoce, o desenvolvimento físico, tudo colaborava para que as crianças e adolescentes encontrasse nos doces o repositório de energias. As tão famosas “vendas”, armazéns, ou padarias tinham sempre uma vitrine de doces, que aos olhos do pequeno cliente tinha o impacto de uma vitrine de joalheria. Uma figura que o tempo se encarregou de extinguir era a do ambulante, com sua cesta de vime coberta por um pano branco imaculado, levando quitutes aos consumidores. Tinham roteiro e freguesia já determinada, assobiavam, tocavam apitos ou gritavam refrões apregoando seus produtos. Eram pessoas queridas e respeitadas, quase faziam parte da família. O chamado “doce caseiro” teve como referência a cidade de Tietê, onde fervilhavam fabricas domésticas, com suas receitas passadas por gerações. Hoje muito pouco ou quase nada resta dessas fabricas de doces. Piracicaba é famosa pelas suas tradições: o Rio Piracicaba, a Escola de Agronomia, o Lar dos Velhinhos, O XV de Novembro, a Rua do Porto e seus peixes, a famosa cachaça, hoje mais difícil de ser encontrada, a pamonha, a Gengibirra do Orlando, os doces Stenico e Martini. Muitos piracicabanos, longe da terra natal chegam a sonhar com essas maravilhas. Mal colocam o pé na cidade e acorrem a cada um desses locais, um rito quase sagrado para quem esteve fora da terra abençoada, seja por pouco tempo ou por anos, o peso da saudade é sempre muito forte. Agostinho Martini Neto constituiu há 80 anos uma empresa que produz em escala industrial doces com as mesmas características do chamado doce caseiro. A partir de uma cesta de vime carregada embaixo do braço, determinado, ele chegou a fornecer doces para gigantes como a Volkswagen do Brasil. Sempre com a mesma qualidade. O seu aguçado espírito empresarial fez com que preservasse todos os itens que integraram o desenvolvimento da sua indústria, mantendo veículos e objetos em um local apropriado, um verdadeiro memorial da sua empresa. Muitas empresas já se preocupam em ter seu memorial, sabem do valor agregado que isso representa. Um acontecimento marcante na história de Piracicaba foi a celebração do casamento de Agostinho Martini Neto com Joana Rocha realizado em 1935 na Igreja Bom Jesus: o noivo ao invés do tradicional terno usava a farda verde do Integralismo, assim como muitos dos convidados envergavam suas fardas. (O Movimento Integralista foi fundado por Plínio Salgado no dia 7 de outubro de 1932, em síntese diz que o homem vale pelo trabalho, pelo sacrifício em favor da Família, da Pátria e da Sociedade, o Homem deve praticar as virtudes que o elevam e o aperfeiçoam).

Ricardo Martini, você é neto de Agostinho Martini Neto?

Sou, meu pai é João Augusto Martini e minha mãe Julieta Maria de Castro Martini, nasci em 15 de fevereiro de 1976. Sou engenheiro civil formado pela Escola de Engenharia de Piracicaba, tenho Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos na ESALQ, onde a minha tese de mestrado aborda a produção de doces sem utilização de açúcar. Aos 21 anos fui morar por um ano em um kibutz em Israel (Combinando o socialismo e o sionismo no sionismo trabalhista, os kibutzim são uma experiência única israelita), em Londres permaneci por dois anos, tenho passaporte italiano, isso permitiu que eu trabalhasse como cidadão europeu. Entre outros serviços trabalhei na London Eye: uma elegante roda gigante às margens do Rio Tamisa, de onde se tem uma belíssima vista panorâmica de Londres, a duração da volta da roda é de meia hora, meu trabalho era servir champanhe e canapés durante esse giro, era um passeio especial, com um numero menor de pessoas, de 2 a 10, geralmente em cada ambiente cabem 25 pessoas.

Qual é a sensação de trabalhar como garçom na roda gigante London Eye?

Muito legal! Todos os dias eu fazia pelo menos um passeio na roda gigante, e ainda ganhava algum dinheiro pelo meu trabalho, que na realidade era um bico que eu fazia a noite, durante o dia trabalhava em uma empresa de pesquisas. As pessoas que freqüentavam a roda gigante eram muito comportadas, sem atitudes extravagantes, a cena mais inusitada que presenciei foi um pedido de casamento, o pretendente simulou que estava passando mal, todos acreditaram, inclusive eu, foi quando ele se ajoelhou e pediu a moça em casamento, isso tudo dentro da roda gigante! Foi bonito! Essa roda tem de 35 a 40 metros de altura.

Em que ano você voltou ao Brasil?

Voltei em 2001. Vim para trabalhar com a nossa família. Foi meu avô Agostinho Martini Neto que aos 16 anos iniciou essa empresa. Já naquela época meu avô tinha o apelido de Neguinho, mais tarde passou a ser chamado de Seu Neguinho, a origem desse apelido é desconhecida. Meus bisavôs Andrea Martini e Maria Fantazia tinham um bar na Rua Moraes Barros, próximo a Rua Santa Cruz, a minha bisavó fazia doces de abobora, batata e cocada e meu avô saia com cestos de palha vendendo os doces pelas ruas, além de venderem no próprio bar. Rapidamente as pessoas passaram a fazer encomendas de doces. A cidade embora fosse bem menor tinha moradores residindo em localidades dispersas, isso fez com que meu avô tivesse a necessidade de adquirir uma charrete e um cavalo isso foi em 1934. Em 1936 mudaram para o prédio onde até hoje se situa a fábrica, na Rua Ipiranga, 1725. Em 1938 ele adquiriu o primeiro veículo a motor, um Chevrolet 1928, que foi utilizado até 1950, na época ele já tinha cinco furgões que faziam entregas de doces pelos bares da cidade. Ele vendeu esse Chevrolet, a pessoa que adquiriu utilizou-o até 1970, foi quando ela ofereceu ao meu avô para recomprá-lo. Meu avô comprou o Chevrolet, restaurou, e ao construir a loja de vendas junto a fabrica colocamos esse veiculo e outras peças em um espaço que formam o acervo Martini, onde estão máquinas, equipamentos de escritório.

A Martini chegou a empregar quantos funcionários?

Chegamos a ter perto de 100 pessoas trabalhando conosco. Trabalhávamos com pêssegos, fazíamos extrato de tomate. Na década de 40 tínhamos forno a lenha, eram feitas queijadinhas, creme e outros doces. Foi quando surgiu o famoso doce “mata-fome”, que era na verdade um reaproveitamento de doces que no processo de fabricação quebravam, ou tinham tamanho fora do padrão, eram triturados, fazia-se um bolo com um creme em cima, era o famoso mata-fome! Eu não cheguei a comer, mas recebemos todo dia alguma pessoa que diz: “A época do mata-fome era boa!”. Chegam a pedir que voltemos a fazer só que não temos mais forno à lenha e nem todos os doces de forno que fazíamos na época são produzidos, torna-se inviável a fabricação do mata-fome.

Quantos filhos seu avô Agostinho Martini Neto teve?

Três filhos: Aljovil Martini (Homenageado com uma rua em seu nome no bairro Dois Córregos), João Augusto Martini, Lucio Carlos Martini (Titá). Dos 11 netos apenas eu permaneço trabalhando na Martini. Diante das circunstâncias econômicas e culturais do nosso país quem trabalha sério passa por muitas dificuldades: a carga tributária é muito grande, as margens de ganho são muito pequenas. Para ganhar dinheiro é mais fácil trabalhar como funcionário do governo ou em uma grande empresa, compensa muito mais do que ter seu próprio negócio. Em 1970 Pelé disse que devíamos cuidar das nossas crianças, quem sabe se a próxima geração tiver consciência de que a nossa sociedade deve mudar talvez daqui a umas duas gerações possamos chegar a viver em um país melhor. A nossa educação é deficitária, não temos pessoas qualificadas para mudar o país hoje. Há mais de uma década foram criadas leis que dão diplomas a quem nem sequer sabe ler. Não adianta ter um diploma se a pessoa não tem qualificação.

A sua vivência por diversos países propiciou conhecer a valorização que cada povo dá á produtos com tradição?

O piracicabano dá valor ás tradições como o peixe do Rio Piracicaba, o caldo de cana, a pamonha, o doce Martini. É comum chegar alguém afirmando que o filho ou parente próximo está na Europa e vai mandar um doce Martini. Até mesmo para piracicabanos residentes em outro estado são enviados doces de nossa fabricação. Dizem que a pessoa está com saudade de Piracicaba, alguém da família passa no Martini e compra um docinho para enviar á essa pessoa. Toda semana escutamos uma história envolvendo os doces fabricados pela Martini.

Quais os tipos de doces são fabricados atualmente?

Temos os doces em massa como a queijadinha, o creme, os doces típicos de festas juninas: paçoca, pé-de-moleque, cocada, torrone. Temos o doce sírio. Depois os doces em caldas e cremosos, todos a base de frutas. A partir de 1970 meu avô passou a fornecer para a Volkswagen, vendíamos caminhões de doces para ela que servia como sobremesa dos cerca de 20.000 funcionários. Até 1970 tínhamos fornos a lenha e produzíamos bolos de casamentos, minha avó com uma equipe de confeiteiras chegou a fazer 40 bolos em um fim de semana. Quando passamos a atender as cozinhas industriais substituímos os fornos a lenha, com isso alguns doces foram deixados de serem fabricados, inclusive os bolos. Nos anos 90 as empresas passaram a terceirizar as cozinhas, as condições de negociação foram modificadas, essas empresas terceirizadas passaram a impor até 70 dias de prazo para efetivarem os pagamentos dos produtos que entregávamos, além de estabelecerem preços de fornecimento aviltados, estabelecendo um leilão entre fornecedores e priorizando o menor preço em detrimento da qualidade.

Seu avô Agostinho Martini Neto fez muitas entregas com charrete?

No inicio ele trabalhou com charrete, depois ele adquiriu um Chevrolet ano 1928, fazia entregas em bares de Piracicaba, alguma coisa ele mandava para fora da cidade. Com esse veículo ele também ia buscar a matéria prima para fabricar os doces. Na época da guerra houve racionamento de açúcar, mesmo assim ele não deixou um dia sequer de funcionar a fábrica. Certa vez ele fez uma viagem de 12 horas de ida mais 12 horas de volta para ir buscar 10 sacos de trigo em Santos, isso com o Chevrolet 1928. Até uns 20 anos atrás todas as sexta feiras meu avô distribuía gratuitamente doces para as crianças que vinham á fábrica.

Como era seu avô?

Era muito trabalhador, levantava ás 5 horas da manhã e trabalhava até as 10 horas da noite. Quando o primeiro funcionário chegava a caldeira já estava ligada, as frutas quase todas descascadas. A empresa era uma grande família, era normal alguém vir trabalhar na empresa e logo em seguida trazer o irmão, primo para também trabalhar na Martini. O funcionário mais antigo está conosco há quase 50 anos. Dona Rosa trabalhou 50 anos conosco, hoje ela tem 100 anos, só não vem trabalhar pela dificuldade em andar, faz uns 10 anos que ela parou de trabalhar. Nos anos 40 meu avô era o único proprietário de carro e telefone que existiam no bairro, era comum ele ajudar a transportar pessoas, ceder o uso do telefone, era de número 587.

Você já recebeu visitantes estrangeiros?

No ano passado vieram dois ônibus com funcionários coreanos da Hyundai, eles comeram bastante pé-de-moleque. Muitas famílias piracicabanas trazem visitantes estrangeiros.

Quantos tipos de doces a Martini fabrica atualmente?

Entre caldas e massas são cerca de 50 doces. Em dezembro de 2010 abrimos uma segunda loja, fica no Mercado Municipal.

João Augusto Martini, filho de Agostinho Martini Neto, em que dia o senhor nasceu?

Nasci em 5 de janeiro de 1943, sou formado pela ESALQ e me formei na primeira turma de administração da UNIMEP

O doce sírio fabricado pela Martini é uma receita dada por alguém conhecido?

Foi Tuffi Elias quem ensinou ao meu pai a formulação e a fabricação do doce sírio.

Os doces Martini já estiveram presentes nos mais diversos locais.

Na Piracicaba de algumas décadas só tinha o Cemitério da Saudade, na época de finados ao longo do Estádio Barão de Serra Negra, em frente ao cemitério, montavam-se barracas vendendo os mais diversos artigos, os nossos doces estavam presentes. No início, ainda quando não existia o estádio era um bosque, com o Chevrolet 1928 levavam-se doces, mais tarde com o Chevrolet ano 1951 era feito o abastecimento de doces nessa barraca. No inicio era feita a venda de doces em praticamente todos os bares, armazéns e padarias, com visitas pelos menos 3 vezes por semana, lembro-me nitidamente do bar do Seu Augusto Cardinalli, pai do Didi Cardinalli, lá na Vila Rezende, aonde tinha o Valler. Santo Bueloni, Falanghe foram fornecedores que sempre que necessário deram crédito ao meu pai. Mais tarde chegamos a fornecer supermercados em nível nacional, só que o aumento dos custos de logística inviabilizou a manutenção dessas vendas. Passamos a atuar no mercado institucional das grandes indústrias, por volta de 69, 70 a indústria automobilística como Volkswagen, Mercedes Benz, Scania investiram nos refeitórios próprios, com o advento de planos econômicos elas passaram a terceirizar o serviço. A concorrência tornou-se feroz, as contratadas passaram a reduzir cada vez mais os custos, nós acompanhamos até o limite onde poderíamos manter nossa qualidade. Atualmente atendemos grandes empresas, um número menor delas, mas sempre com nosso padrão de qualidade.

 
João o seu pai participou de política?

O meu pai casou-se com o uniforme verde muitos dos convidados envergaram seus uniformes verdes, perfilados participaram da cerimônia, eram todos seguidores de Plínio Salgado do Partido Integralista. As vindas de Plínio Salgado á Piracicaba eram conduzidas pelo meu pai. A participação dele no meio social foi muito grande, a própria vinda do Corpo de Bombeiros de Piracicaba teve a participação dele, assim como a Guarda Mirim recebeu muito apoio dele. Os clubes sociais de Piracicaba tiveram nele um grande benemérito.





3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei muito de ler sobre a história da família Martini. Meu pai foi amigo de integralismo do sr. Agostinho.Foi muito bom matar as saudades desse pessoal. Esperamos que a Fábrica de Doces Martini continue em plena atividade por muitas e muitas gerações. Parabéns, Ricardo, por estar fazendo parte desse empreendimento muito caro a todos nós piracicabanos.
Abraços
Cecília Regina Pereira (neé Gallina)

Terezinha Ferrari disse...

Desde sempre os doces Martini fizeram parte de minha vida! Muito respeito e admiração por essa família batalhadora. Só o que é muito bom dura tanto tempo!

Unknown disse...

Desde de criança como doces Martini principalmente a queijadinha,mata fome torrone,cocada,pé de moleque e creminho,tenho quase 50 anos meus filhos cresceram comendo doces Martini,essa semana fui buscar mata fome que saudades voltei ao passado

OBRIGADA DOCES MARTINI CONTINUEM SEMPRE ASSIM COM AS MESMAS QUALIDADES

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