domingo, agosto 07, 2011

PAULO ROGÉRIO ARANTES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 30 de julho de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: PAULO ROGÉRIO ARANTES
A Escola de Música de Piracicaba “Maestro Ernst Mahle” é um patrimônio cultural de inestimável valor para Piracicaba. Desde os seus primórdios, contando com nomes importantes da cultura piracicabana, entre outros: Leandro Guerrini, Maria Olívia e Dr. Nelson Ferraz Meirelles, Maria Dirce de Almeida Camargo, ela notabilizou-se por reunir pessoas com apurada sensibilidade á musica. Ernst e Maria Aparecida Mahle é um casal cuja dedicação de quase cinco décadas consolidou o sonho dos pioneiros. Abnegados, dedicaram todos seus esforços para formar uma cultura musical na cidade. De forma muitas vezes anônima, aplicaram recursos pessoais em prol da causa, jamais tiveram qualquer espécie de remuneração pelos serviços prestados mesmo ocupando cargos de direção. Com absoluta certeza Ernst e Maria Aparecida são os grandes patronos da expressiva importância que Piracicaba ganhou no cenário internacional da música. Para certificar-se disso basta olhar quantos alunos que se iniciaram na Escola de Musica de Piracicaba e hoje são estrelas de grandes orquestras nos mais diversos pontos do planeta. O árduo trabalho do casal Mahle, coadjuvado por inúmeros piracicabanos a cada dia traz mais resultados, provando que investimento em educação a médio e longo prazo é a opção correta. Neste mês de julho, Piracicaba sediou o II Festival Internacional de Música Erudita de Piracicaba. Foi extremamente gratificante á cidade poder assistir as apresentações de alguns ex-alunos da escola que atuam profissionalmente nas mais afamadas orquestras do exterior, entre eles Paulo Rogério Arantes. Nascido em 3 de dezembro de 1956 na vizinha cidade de Americana, filho de Odilon Martins Arantes, protético, e Mercedes Argentim Arantes.
O senhor passou a morar em Piracicaba em que ano?
Em 1971 nossa família mudou-se de São Paulo para Piracicaba, viemos morar em uma casa situada na Rua Treze de Maio esquina com a Rua Benjamin Constant. Tive o privilégio de estudar em um ginásio denominado GEP-3 Ginásio Estadual Pluricurricular, a intenção era proporcionar uma cultura mais abrangente aos alunos, isso incluía o ensino de música e artes plásticas. Lá aprendi a tocar um pequeno instrumento, uma flauta Bloch, mais conhecida como flauta doce. Passei a estudar no Ginásio Dr. Jorge Coury, ao comparar com a escola de onde eu vinha achei esta escola muito chata. Naquela época meninos e meninas que estudavam no Jorge Coury no horário do recreio não se misturavam, cada qual ficava em determinada área do pátio, o mesmo procedimento era adotado ao dirigirem-se ás classes, primeiro entravam as meninas, depois os meninos. Isso foi em 1972. Decidi um dia levar a minha flauta e tocar no período de recreio. Sentei em um cantinho e passei a tocar. A Professora Jandira Ramos, professora de música, passou, me viu e perguntou: “Você gosta de música?”. Disse-lhe que gostava muito. Ela então me perguntou se eu gostaria de me aprofundar no estudo de musica, ao que lhe respondi que estava além das minhas possibilidades, arcar com o custo de uma escola de musica. Ela disse-me: “-Aqui há uma escola de música que dá bolsa de estudo se você for aprender a tocar algum instrumento raro!”. Perguntei-lhe o que era um instrumento raro, e sua resposta foi: “-Fagote, Oboé!” Eu não sabia que tipos de instrumentos eram! Fui com a Professora Jandira Ramos até a Escola de Musica, a secretária disse que havia uma bolsa de estudos para oboé. Ai entra Ernst Mahle na minha vida, fiz o teste, passei e comecei a estudar oboé na Escola de Musica de Piracicaba, hoje Escola de Musica de Piracicaba Ernst Mahle.
Quem foi o seu primeiro professor de oboé?
Foi José Davino Rosa, de São Paulo, me ensinou muito. Parte da pedagogia do Mahle era colocar os alunos tocando em grupo. Após três ou quatro meses de estudo de oboé ele me colocou na orquestra infantil, com 30 a 40 componentes com idade de 7 a 14 anos. Diariamente eu saia do Colégio Jorge Coury, onde estudava na parte da manhã, ia á Escola de Musica onde permanecia o resto do dia.
Qual era impressão dos seus pais com relação ao fato do senhor permanecer por tanto tempo estudando musica?
Meu pai gostava um dia ele ficou preocupado, achava que eu não me alimentava bem. Na verdade à noite eu comia bem. Meus pais me apoiaram muito, embora eu ache que no começo eles não imaginavam que eu me tornaria um musico profissional, e naquela época nem era esse o meu objetivo. Fui para conhecer e acabei gostando. Em 1975 eu já estava em certo nível, foi na época dos festivais de férias, que eu acho uma época de ouro, havia muito incentivo do governo para o acontecimento desses festivais, vinham do exterior professores extraordinários. Em Piracicaba havia o Concurso Jovens Instrumentistas do Brasil, instituído pelo Mahle e Da. Cidinha. Fiz a segunda, terceira e quarta edição nos anos de 1973, 1975 e 1977. Eles tinham dividido o concurso em vários ciclos etários, entrei no segundo ciclo, onde enfrentei instrumentistas com mais tempo de oboé. O objetivo não era ganhar um premio e sim participar, e através dessa participação fazer um programa, isso motivou uma aceleração do progresso técnico, tinha que estudar muito mesmo, e as peças não eram fáceis, vinha participantes de todo Brasil. Em 1974 ocorreu o Festival de Campos de Jordão, que naquele ano foi em São Paulo, e do qual eu participei e gostei muito, realizou-se no Teatro Municipal de São Paulo. Tive o privilégio de participar do concerto final, o professor gostou do meu trabalho e me colocou para tocar a Nona Sinfonia de Beethoven. Em 1975 ocorreu um festival em Curitiba, que foi chave para a minha carreira. Da Alemanha veio o professor Ingo Goritzki, que dava aula em Hanover, fui junto com Luiz Carlos Justi. Éramos oito alunos na classe do professor Ingo, esses festivais tinham como praxe cada aluno tocar uma peça, ele disse que não iríamos tocar a peça, pois isso não adiantaria nada se não soubéssemos a base. Em junho de 1976 ele veio á Brasília, fui até lá, no final do ano Ingo veio á Salvador eu estive lá, em 1977 ele veio a Curitiba, para onde fui de novo e ele me deu uma carta para ir para a Alemanha. Foi decisivo, com ele fui aprendendo, seu objetivo era de formar uma escola de oboé no Brasil. Muitos oboístas que estão hoje por ai foram alunos dele.
Quem patrocinava?
Eram bolsas! Acredito que com as relações que o Mahle tinha no mundo musical e com o bom currículo que tínhamos conseguíamos bolsas, esses festivais eram caros, a mensalidade do meu curso custava o dobro do salário do meu pai. Com a vinda do Ingo todos nós começamos a focalizar a Alemanha. O Luis Carlos Justi foi o primeiro dos oboístas bolsista do DAD que é o organismo de intercâmbio acadêmico da Alemanha, ele foi estudar na classe de Ingo Goritzki. Após receber a carta convite de Ingo fiz o pedido de bolsa, passei a me preparar para ir, tinha que fazer o programa, realizar exames. O irmão do Luis Carlos, o Paulo Justi era professor de biologia no Mello Ayres e aos 25 anos resolveu aprender a tocar fagote. Um dia por acaso, fomos á Praça da Catedral e com um flautista, Cristhian, tocamos, descompromissadamente. Após apresentarmos várias peças, um senhor começou a conversar conosco, pediu para tirar uma fotografia. Não sabíamos, ele era do Jornal de Piracicaba, e publicou um artigo a respeito da nossa apresentação. No domingo seguinte tocamos novamente, o mesmo senhor voltou, e perguntou qual era a nossa finalidade em tocar em praça pública aos domingos. Dissemos então que era para mostrar outro tipo de musica, diferente do samba e ritmos populares. Tocávamos Vivaldi, Bach. O Paulo teve a iniciativa de dizer: “Nós estamos a vontade, quase Ad libitum”. (Ad libitum é uma expressão latina que significa "à vontade”). Esse virou o nome do trio. Na época havia o empréstimo compulsório de 16.000 cruzeiros para o turista que fosse viajar ao exterior. O Paulo, o Cristhian e eu queríamos ir para a Alemanha, mas não tínhamos o dinheiro para realizar esse empréstimo compulsório. Em 1977 houve em Piracicaba o concurso Jovens Instrumentistas, na banca estava um senhor chamado Guniov, que era da Radio Bremen da Alemanha, e amigo da família de Cristhian. Ele nos deu um convite para tocarmos na rádio. Decidimos usar esse convite para sermos dispensados do Depósito Compulsório. Passamos a cuidar dos papéis para a viagem á Alemanha, ocorreram muitas passagens anedóticas em nossa peregrinação pelos mais diversos órgãos oficiais responsáveis pela concessão da isenção do depósito. Fizemos inúmeras viagens á São Paulo, e conhecemos o zelo extremo pela burocracia existente na época. Quando tudo parecia ter chegado ao fim aparecia uma nova solicitação de preenchimento de novos documentos ou autorizações oficiais. O auge foi ter que pedir a assinatura do Secretário da Cultura, do Estado de São Paulo, algo que o funcionário que nos atendia julgava impossível. Felizmente conseguimos, nesses postos há também pessoas dispostas a ajudar. No dia 5 de dezembro seria feita a viagem á Europa, fizemos os papeis, mas estava tudo acertado de nessa oportunidade eu não iria, em função do custo do vôo. No dia do meu aniversário, meu pai perguntou-me o que eu desejava como presente de aniversário. Disse-lhe que nem imaginava, poderia ser uma camisa, ou talvez um barbeador elétrico. Foi quando ele perguntou-me: “-Você não queria ir para a Alemanha?”. Disse-lhe: “-Claro! Só que não temos os recursos!” Foi quando ele respondeu: “- Claro que temos, o dinheiro está na frente da nossa porta!”. Papai tinha um fusquinha 1300, novo, que ele havia adquirido. Sua proposta foi de vender e adquirir um veículo usado. Consultando o Paulo Justi, e realizando os cálculos meu pai disse que dava para pagar a passagem, mas o dinheiro não dava para pagar o período da minha estadia. O Paulo afirmou que muitos amigos poderiam ajudar, comecei a fazer uma vaquinha até surgir 500 dólares, foi interessante como surgiram muitas mãos que me ajudaram. Serviu para mostrar que não somos nada quando estamos sozinhos. Assim fui para a Alemanha para ficar por dois meses.
Isso foi em que cidade?
Foi em Hanover. O tempo foi passando, chegou a hora de voltar ao Brasil, eu deveria retornar á Alemanha em junho, tanto o Ingo como o Luiz Carlos ponderaram que eu deveria aproveitar esse tempo para me aperfeiçoar mais. A minha pergunta foi de que forma eu iria me sustentar na Alemanha. Uma colega, Cornelia Mutzenbecher, tinha alunos de flauta doce, ela propôs que eu assumisse seus alunos e ganhasse pelas aulas. O Luis Carlos disse-me: “Eu tenho alguém que paga o alojamento para você, sob a condição de que essa pessoa se mantenha anônima.”. Muitos anos depois fiquei sabendo que essa pessoa era Dona Cidinha Mahle. A diretora da Casa do Estudante permitiu que eu ficasse lá, embora já não tivesse mais vagas.
Como você se comunicava com seus alunos?
Muito mal! Quando eles falavam e eu não entendia nada. De repente como se ocorresse um “clique” passei a entender da mesma forma que uma criança aprende a falar. O Luis Carlos me passou mais alguns alunos de outra escola. Nisso saiu a bolsa de estudos que eu havia pleiteado. Fui para Freiburg para aprender alemão corretamente. Voltei para Hanover para estudar. No final da bolsa tive que tomar a decisão de voltar ao Brasil ou permanecer na Alemanha. Decidi ficar. Prestei um concurso na Orquestra Sinfônica de Nuremberg, onde ingressei, já era então musico profissional. Continuei estudando paralelamente, junto com Goritzki, até 1982. No começo de 1983 fui para a França, a minha esposa era francesa. Estudei por três anos na Escola Nacional do Raincy perto de Paris, com o professor Alain Denis, lá eu tive contato com o professor Maurice Bourgue, que é um dos nomes com mais peso no oboé francês. Ocorreu a oportunidade de fazer um concurso na Alemanha, na Orquestra Filarmônica de Gelsenkirchen onde permaneci de 1986 até 1989. Ai houve uma surpresa, em Nuremberg há duas orquestras, a Orquestra Sinfônica onde eu já havia ocupado um cargo, outra, maior, é a Orquestra Estatal Filarmônica de Nuremberg que é a orquestra da ópera. Um colega resolveu sair da orquestra para lecionar no conservatório da cidade. Pleiteei, fiz o concurso e estou desde 1989 até hoje.
Quantos músicos compõem essa orquestra?
No momento são 90 profissionais, é um conjunto grande. Nosso teatro foi o primeiro do mundo a montar Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo), de Richard Wagner em Pequim. Até hoje ninguém mais tocou essa obra completa na China. São quatro óperas que Wagner escreveu, chama-se trilogia com um preludio, Das Rheingold (O Ouro do Reno), Die Walküre (A Valquíria), Siegfried e Götterdämmerung (O Crepúsculo dos Deuses), ao todo são 17 horas de música. Tocavamos um dia, no dia seguinte faziamos a pausa, e assim permanecemos por 17 dias na China.
O II Festival Internacional de Musica Erudita de Piracicaba abrange que atividades?
É um curso de férias com concertos com alunos e professores do Brasil e do Exterior. É um excelente acontecimento.

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