sexta-feira, outubro 07, 2011

Jorge Luis Uzcátegui

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 08 de outubro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: Jorge Luis Uzcátegui
“É da nossa natureza sentir mais satisfação ao atingir uma meta quando a tarefa é mais difícil. As coisas fáceis trazem um prazer superficial. As músicas mais simples, rapidamente ficam irritantes e deixam de ser estimulantes”, conforme afirma Nicholas Hudson, biólogo. Boa parte das pessoas ouve músicas eruditas com uma freqüência maior do que imagina sem saber, no entanto, que está diante de uma composição clássica. É o caso da famosa “música do gás”: todos a conhecem, mas poucos sabem que se trata de Für Elise de Ludwig van Beethoven. Filmes e novelas há muito tempo, também utilizam a música clássica. Segundo Charles Sanders Peirce: “Quando se atrela a melodia erudita a um produto, várias e várias vezes (pois a publicidade é repetitiva), o público alvo começa a relacioná-los. Primeiro, é apenas som; depois de certo tempo, a música já é automaticamente ligada ao produto. As sensações que ela provoca, dessa maneira, também se ligam àquele objeto que se quer vender”. A música “erudita” ainda gera um bloqueio, por ser considerada um fenômeno inatingível para as pessoas comuns. Musica erudita é uma das únicas formas de composição que continua a vigorar por séculos. As pessoas que gostam de música "padronizada", simplesmente não perceberam a riqueza e beleza da musica erudita, e o fato dela ser acessível. É interessante observar que para alguns jovens a música erudita é estereotipada como "coisa de velho rico", sendo que muitos deles de forma quase clandestina escutam clássicos em seus aparelhos mp3. Jose Antonio Abreu é o carismático fundador de um sistema de orquestras de jovens que já transformou a vida de milhares de crianças na Venezuela. Em 1975 fundou a Orquesta Sinfónica Nacional Juvenil, criou orquestras infantis e juvenis pelo território venezuelano, especialmente nas localidades mais carentes. A organização dessas orquestras serve como um mecanismo de inclusão social, utilizando a música clássica como meio de integração. Essa iniciativa compreende um conjunto de mais de cento e oitenta conservatórios musicais, contando atualmente com 350.000 músicos profissionais. Uma verdadeira revolução cultural, que desmistifica o acesso a cultura vinculado ao poder aquisitivo, ou a castas de pseudo-intelectuais. Piracicaba dá um grande passo nessa direção. Graças a piracicabanos altruístas, e com rara percepção do futuro, o milagre que José Antonio Abreu realiza na Venezuela passa a ser implantado em nossa cidade com a Orquestra Filarmônica Tchaikovsky, tendo a participação entre outros dos maestros Fernando Ortiz de Villate e Jorge Luis Uzcátegui, regente da Orquestra Sinfônica da Universidade da Califórnia, em Los Angeles (Estados Unidos), nascido em 8 de janeiro de 1983 em Caracas, Venezuela.

Maestro Jorge Luis Uzcátegui quais gêneros de música se praticam na Venezuela?

Temos as músicas típicas como salsa, merengue. Já faz 35 anos que temos uma boa tradição de música erudita. Crianças de qualquer estrato social estão praticando musica erudita.
Quem é o responsável em despertar tanto o interesse pela musica erudita na Venezuela?
O Maestro Jose Antonio Abreu é a pessoa que fundou o Sistema de Orquestras Infantis e Juvenis da Venezuela. Essa missão está encarregada de agrupar todos os jovens em cada localidade, cidade ou povoado da Venezuela para executar música clássica, retirar ou evitar que esses jovens se envolvam com crimes, drogas, através da música de grande nível.
A Venezuela está atualmente em um regime político diferenciado isso influi nessa ação?
O mais interessante disso é que há uns 10 anos quando o Presidente Chaves havia começado o seu mandato era opositor da cultura. Ele achava que a musica clássica não era importante para a sociedade. A partir do momento em que viu a obra do Maestro José Antonio Abreu e o impacto social que pode ter a música erudita ele redobrou o apoio dado em todos os sentidos para a orquestra.
Quantos jovens venezuelanos estão envolvidos com a música clássica?

Hoje perto de 350.000 jovens são músicos, a população do país é cerca de 30 milhões de habitantes, com isso afirmamos que temos o maior número “per capita” de músicos do mundo, mais de um por cento da população pode tocar em uma orquestra profissional em qualquer parte do mundo. Eles começam a estudar ainda bem novos, a partir de 3 a 5 anos, com 12 anos já são jovens formados, que podem executar música de alto nível. O contrabaixista Edicson Ruiz foi convidado para integrar a prestigiosa Orquestra Filarmônica de Berlin aos 16 anos de idade, se não fosse por essa obra ele talvez nunca tivesse a chance de tocar um instrumento musical. Outro exemplo é Gustavo Dudamel que é o Diretor Titular da Orquestra Filarmônica de Los Angeles.

Como surgiu esse trabalho aqui no Brasil?

O maestro peruano Fernando Ortiz de Villate está tratando de realizar uma obra semelhante a que foi feita na Venezuela. Recrutando pessoas de todos os extratos sociais e idades, para integrarem essa ação musical. Hoje estamos iniciando um ensaio com a orquestra e o coral ás três horas da tarde e deve terminar por volta das 10 horas da noite. Notei que em Piracicaba falta apoio por parte de pessoas particulares, de empresários, do estado brasileiro. Falta muito apoio para se formar em Piracicaba um movimento que se espalhe para todo o país e seja motivo de orgulho para o Brasil. Temos que compreender que essa iniciativa pode mudar o mundo.

Qual a faixa etária dos músicos venezuelanos envolvidos nesse sistema?

As orquestras são classificadas por idade dos seus integrantes: maternal, pré–infantil, infantil, juvenil, profissionais. Qualquer integrante de uma orquestra juvenil venezuelana toca em orquestra profissional.

Eles têm alguma outra profissão ou são apenas músicos?

Os menores ainda são estudantes de escolas convencionais. Muitos exercem outras profissões além de serem músicos, e em muitos casos se não fosse pela música não teriam tido a oportunidade de se qualificarem intelectualmente, academicamente, espiritualmente. O acesso ao instrumento musical supriu toda a sua vida: através de uma bolsa de estudo para que estudassem em um colégio, para se alimentarem. A música é a única linguagem que não sofre barreiras, todo mundo pode falar com o coração: sem impor diferenças de religião, cor, econômico, social. Para fazer musica pode ser a pessoa muito rica ou a muito pobre, a finalidade de ambos é a mesma, a qualidade sonora, capaz de cativar o coração do ser humano.
Qual é a semelhança do brasileiro com o venezuelano?

Há muitas semelhanças! O Brasil é um país ideal para iniciar um projeto assim, somos latinos, muito parecidos, temos a mesma cultura, somos pessoas que se doam por completo para conseguirmos nossos objetivos. Temos humildade suficiente para entendermos que temos que melhorarmos a cada dificuldade encontrada. A música é a única forma onde se encontra igualdade social, tão propagada politicamente como socialismo.

O projeto no Brasil está começando em Piracicaba?

No Brasil existem lugares que são inspirados na obra da Venezuela. Na Bahia há um movimento já bem avançado, e está em um estágio avançado por ter recebido apoio do governo, apoio privado e inclusive recebeu apoio da Venezuela. Isso mostra que pode se conseguir resultados. O Maestro Fernando Ortiz está encontrando uma maneira de que músicos de 12 a 70 anos se exercitem aqui. O coral tem uma média de idade mais elevada. Uma pessoa empenhada em participar em um projeto desses envolverá nele sua família, sua vida irá mudar. Ela irá encontrar a magnitude e a força da música.

O sonho do senhor é realizar um evento com música erudita do porte do Rock in Rio?

Absolutamente! Essa é a idéia! Na Europa acontecem eventos onde são executadas musicas clássicas e músicas eruditas com público de 300.000 pessoas, isso ocorre porque essas músicas são as musicas populares dessas nações. Qualquer musico formado em musica erudita tem nível para fazer musica popular, compreende todos os pormenores da musica ele estudou harmonia, solfejo, composição, contraponto. Para ele a música popular pode parecer um pouco simples demais. A música erudita quando se torna um hobby de uma criança, desenvolve 30 por cento do cérebro, que não irá se desenvolver em quem não pratica esse tipo de atividade, intelectualmente ele estará mais bem preparado para atuar em qualquer área.
Como um povo sem tradição em gostar de música erudita pode mudar tanto?

Através de trabalho árduo e muito apoio. Muitas pessoas ao ver as mudanças ocorridas com os participantes desse projeto, ela também quer participar. Todos querem ser mais felizes. Com a música temos resgatado pessoas que vivem em absoluta pobreza e extrema violência, que seriam possíveis criminosos. O que vemos são resultados, rapazes que trocaram os vícios, as ruas, pelos instrumentos. Temos até uma orquestra dentro de um presídio, estamos ensinando musica clássica aos presos, para acalmar um pouco a violência.

Na década de 60 em diversos países surgiram movimentos jovens de contestação, a era hippie e a contracultura. Estamos vivenciando uma versão repaginada?
Me considero uma pessoa altamente entusiasta e ao mesmo tempo objetivo. Se eu achasse que tudo que estamos falando agora, não vou conseguir, não estariamos perdendo tempo. As pessoas daquela época queriam mudanças, mas não tinham claramente como mudar, queriam a paz e o amor. Só que não sabiam como conseguir isso. No processo que estamos realizando as pessoas estão desenvolvendo sua mente, sua disciplina, na Venezuele é um fato, é algo concreto. Deixou de ser um sonho, hoje é realidade.

O senhor mora em que país?

Moro nos Estados Unidos, em Los Angeles, dirijo a Orquestra da Universidade da Califórnia.

Nos Estados Unidos o senhor está desenvolvendo projeto semelhante?

Sim, atualmente estou elaborando um projeto com o Maestro Fernando, em Los Angeles, formando orquestra com crianças, para resgatá-los, e unificar as culturas, Los Angeles é uma cidade com população composta por pessoas vindas de todas as partes do mundo, muitos extratos sociais distintos. A idéia é criar união entre tantas diferenças, através da musica.

O senhor acredita que no Brasil o sistema deve repetir o sucesso realizado na Venezuela?
Existe todo o potencial para que isto aconteça. Assim como foi na Venezuela irá exigir muito esforço, foram 35 anos de trabalhos.
Porque Piracicaba foi escolhida para a implantação do projeto?

Piracicaba tem uma grande virtude, além de ser uma cidade acessível, pesquisamos qual o local ideal para se prestar a implantar esse projeto, além dos recursos naturais da cidade, o povo aqui parece ser especial, isso é muito importante, a população deve sentir orgulho de que aqui se originou algo muito grande. Há empresas e pessoas importantes que podem colaborar muito, com poder aquisitivo, que contribuam com a sociedade. Hoje em Piracicaba temos o coro, o balé e a Orquestra Filarmônica Tchaikovsky, envolvendo 100 artistas é um grupo que se originou em pouco tempo. Deve seguir crescendo, necessita e requer urgentemente o apoio do povo de Piracicaba.

Como é a relação da Orquestra Filarmônica Tchaikovsky com outras orquestras de Piracicaba?

Existe uma espécie de resistência, por algo novo, que surgiu há pouco mais de um ano, como pessoa eu penso que se me oferecem algo, com muita boa vontade, no mínimo devo provar. Se não der certo abandono. É preciso que apóiem, aprendam, contribuam, escutem. Algum dia as coisas serão movidas por si mesmas, é melhor unir-se, poderá ter o orgulho de ter participado do sistema desde o seu início.

Há algum pré-requisito para entrar para a Orquestra, coro ou balé?

Há! Muita vontade de trabalhar e muito otimismo. Não existem aqui os recursos que temos na Venezuela, mas buscamos conforme a necessidade.

Quanto é cobrado do aluno?

È absolutamente gratuito! Com o devido apoio há a intenção de remunerar o estudante, como fazemos na Venezuela. Há a concessão de bolsas de estudos. O único requisito é que tem que estudar e participar dos ensaios diariamente. Todos os dias de segunda a sexta depois do colégio tem três horas de ensaio.

O senhor está fazendo uma verdadeira revolução!

Estou de acordo! Totalmente! Tudo que fazemos é documentado, para aperfeiçoarmos cada dia mais. Minha tese de doutorado em Los Angeles é sobre nosso projeto. A música é a manifestação artística mais poderosa que existe. Mesmo antes do ser humano aprender a falar havia música, havia ritmos. Quando trabalho com o coral, quero ter a certeza de que eles cantando em qualquer idioma saibam o significado de cada letra, de cada palavra e a sua pronuncia correta. Como cantar se não sabem o que estão dizendo?

Falta divulgação do trabalho feito em Piracicaba?

Falta apoio, divulgação, pessoas que se juntem a nós com o mesmo entusiasmo que temos pela música, há aqueles que têm tempo disponível, outros que possuem recursos financeiros, outros podem ter um instrumento disponível, sem uso. As pessoas têm que se contagiarem acreditando que podem realizar muito através da musica.

Esse trabalho com a música pode ser uma alternativa a dependência química?

Claro que isso pode ser feito! Um rapaz que pode tocar Mozart ou Beethoven e que entende o significado dessa música, e como funciona o comportamento de comunidade de uma orquestra, interdependente, ele também irá compreender como a sociedade vive em harmonia. A droga se converte na música e a música se converte na nossa droga, na nossa paixão, queremos fazer musica o tempo todo, a diferença é que a droga nos mata e a musica nos dá mais vida, mais força.






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