domingo, dezembro 11, 2011

GERALDO ZARATIM

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 10 de dezembro de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: GERALDO ZARATIM

Quem acompanha o mundo das artes e da literatura sabe que alguns artistas e escritores só tornaram-se celebridades e tiveram suas obras reconhecidas após alcançarem o segundo plano. O pintor pós-impressionista Vincent Van Gogh, por exemplo, vendeu pouquíssimas de suas obras ainda em vida. Uma década após seu falecimento, em 1890 expressionistas alemães reconheceram seu talento. O mesmo aconteceu com dois grandes compositores: Franz Schubert, cuja maioria de suas obras nunca ouviu executada, e Johann Sebastian Bach, cujas mais de 1.000 composições só vieram a ser reconhecidas depois de sua morte. Os motivos para uma vida de insucesso são os mais variados: desde a falta de divulgação das obras até o choque com os costumes e as tradições de determinada época. Então, somente décadas ou mesmo séculos mais tarde é que o reconhecimento chega e o sucesso acaba por acontecer. O termo arte naïf aparece como sinônimo de arte ingênua, original ou instintiva, produzida por autodidatas que não têm formação culta no campo das artes. Nesse sentido, a expressão se confunde freqüentemente com arte popular, arte primitiva por tentar descrever modos expressivos autênticos. Geraldo Zaratim, a exemplo de diversos artistas piracicabanos, expressa sua sensibilidade de forma original. Com a velocidade das mudanças ocorridas na cidade, materializou em modelos ou maquetes, símbolos marcantes de uma época: A Usina Monte Alegre, o Engenho Central, locomotivas, bondes, veículos, edifícios, tudo com material reciclado. Realizou exposições nos mais diversos lugares, como no Terminal Interurbano de Piracicaba, no Museu da Água, no Engenho Central, em supermercados de grandes redes, escolas. Ministrou cursos para professores de uma conceituada escola particular. Com sua simplicidade, e até certa timidez, Geraldo tem quase 100 peças devidamente armazenadas em sua residência. Por muitos anos foi funcionário de uma indústria de tratores, localizada em Piracicaba, com papel, cola, tinta e muito talento, construiu réplicas da linha completa de produtos dessa empresa. Por motivos que desconhece nunca conseguiu expor aos seus ex-colegas o seu trabalho. Geraldo Zaratim realiza suas obras por idealismo. Não busca fama ou dinheiro, nunca teve qualquer trabalho seu remunerado, nem mesmo os cursos que ministrou. Um ex-prefeito da nossa cidade apaixonou-se por uma de suas obras, ele simplesmente a doou, hoje ela encontra-se no Museu da Água. Os valores das obras de Geraldo ainda são mal compreendidos, além de preservar a história, ele indica a direção de como educar as futuras gerações para a reciclagem, de forma lúdica. Uma didática perfeita. Detalhista, ele retrata o passado e o presente em suas obras. A única duvida é se alguém viverá para conhecer o futuro reconhecimento desse autentico artista. Geraldo Zaratim é filho de Henrique Zaratim e Luiza Balaminut Zaratim., nasceu no dia 17 de dezembro de 1941, na cidade de Rio das Pedras, na Fazenda Viegas. Teve um irmão, já falecido, Iris Zaratim. Aos cinco anos seus pais mudaram-se para o bairro Monte Alegre.

Quem eram os proprietários da Usina Monte Alegre quando sua família mudou-se para lá?

Era a família Morganti, nessa época estava ocorrendo a evolução da usina de açúcar, foi no auge do açúcar. Fomos morar na colônia chamada Vila Odila, na casa número 27, era uma casa recém construída, fomos os seus primeiros moradores, as fechaduras da porta era um trinco simples, as janelas tinha tramelas (tranca para portas e janelas moldada em madeira, com um furo no centro), na porta ficava encostada uma cadeira, o ultimo a chegar empurrava a porta com a cadeira e entrava. Permaneci no Monte Alegre até 1975.

Tinha um time de futebol no Monte Alegre?

Era o União Monte Alegre Futebol Clube, joguei como zagueiro central, cheguei a fazer teste para ir jogar no União Barbarense, só que naquela época o futebol amador em Piracicaba tinha mais reconhecimento do que o futebol profissional. Um jogador do MAF, do Jaraguá, do Atlético Piracicabano, ele preferia permanecer em Piracicaba, em função das amizades, dos colegas, do que ir jogar em um time profissional. O União Monte Alegre era uma potência, Baltazar jogou lá. Joguei contra o Coutinho, que era jogador do Palmeirinha, onde atualmente é o Pão de Açúcar, no Bairro Alto era o campo do Unidos e do El Tigre. Era um ralador, um campo de terra, tinha até pedra no meio do campo, as chuteiras daquela época não ofereciam conforto como hoje, após um jogo era comum aparecer bolhas no calcanhar. O União Monte Alegre tinha sua sede, existia no Monte Alegre um cinema, salão de baile. Os filmes projetados em cinemas do centro de Piracicaba eram projetados lá.

Qual era o nome do cinema?

Cine UMA, União Monte Alegre. Os bailes de primavera, Primeiro de Maio, Carnaval, eram realizados só com o pessoal da usina, moravam ali na vila umas 500 famílias. Pessoas de fora não entravam. Eu poderia levar um convidado, mas me tornava responsável por ele e seu comportamento. Não pagávamos nada para entrar, apenas uma mensalidade simbólica, quem mantinha o clube era a família Morganti. O fundador foi Pedro Morganti, que ficou tomando conta após o seu falecimento foi seu filho Lino Morganti. O Hélio Morganti tomava conta da Usina Tamoio também da família, situada em Araraquara. Tinha outros filhos, Fúlvio Morganti, Renato Morganti e uma filha que nós a chamávamos de Dona Bitch, era muito festeira, tinha um Cadillac, “Rabo de Peixe”, conversível, preto.

Com que idade você foi á escola?

Aos sete anos passei a freqüentar O Grupo Escolar Marques de Monte Alegre, o ensino era rigoroso, se faltasse á aula o diretor mandava o servente se informar o porquê da ausência. Minha primeira professora chamava-se Dona Lavínia, era rigorosa, uma verdadeira mãe para nós. Existiam seis salas de aula, biblioteca, auditório com piano, e uma quadra de basquete. Naquela época não existia merenda, entrava as sete horas da manhã, ao lado da escola tinha uma entrada lateral, as ruas eram de terra, andávamos descalços não tínhamos sapatos, ao chegar com os pés sujos de barro, já na entrada do portão tinha uma caixinha de água, tinha que lar os pés para entrar na escola, o servente da escola ficava observando se todos lavavam os pés antes de entrarem na escola. Havia um pano para enxugar os pés. Na hora do recreio, a mãe ou o irmão, levava em caldeirãozinho o almoço, isso ás nove horas da manhã. Naquela época não havia INPS, décimo terceiro salário, cesta básica, não havia hora extra.

Em que período você estudava?

Estudava na parte da manhã. Meu pai trabalhava na seção de caldeira, depois passou para a sessão de moenda, a minha mãe cortava cana, eu saia da escola e ia ajudar a minha mãe a cortar cana, com doze anos. Quando completei treze anos fui trabalhar na refinaria de açúcar da usina, trabalha doze horas ao dia, havia uma balança de ponteiro, uma pessoa enchia um saquinho de cinco quilos de açúcar filtrado, ao meu lado havia um balde e uma concha, pesava os cinco quilos, e passava ao companheiro ao lado que costurava o saquinho. Depois de uma época passei a trabalhar das seis horas da manhã até as duas horas da tarde e das duas horas da tarde até as dez horas da noite a cada semana trocava de período.

Naquela época quanto pesava um saco de açúcar?

Pesava 60 quilos, quando eu tinha dezesseis ou dezessete anos não havia essa lei onde o menor não pode trabalhar hoje a marginalidade existe porque o menor não pode trabalhar. Se um adulto ficasse doente e não pudesse ir trabalhar, eu ou alguém com a minha idade o substituía, carregava carreta com trezentos sacos de açúcar. Tinha uma esteira, um funcionário vinha com carrinho do tipo que existia nas estações de estrada de ferro, com cinco sacos de açúcar, pegava do carrinho e soltava na esteira, duas pessoas ficavam empilhando em cima do caminhão.

Como era o lazer?

Tínhamos bastante, o cinema funcionava ás quintas, sábados e domingos, ás sete e meia da noite. Assisti King Kong, Titanic, originais em preto e branco. Cleópatra, O Maior Espetáculo do Mundo, esses já coloridos. O cinema comportava umas 400 pessoas. Existiam shows no palco do cinema, cheguei a ouvir a dupla Tonico e Tinoco se apresentarem lá, assim como Parafuso, Pedro Chiquito. O Rio Piracicaba passava encostado com a usina, tinha um clube chamado Teixeirada, onde tinha quadra de basquete, brinquedos, gangorras, balanços, jogo de bocha. O time União Monte Alegre era denominado “Galo Suburbano”, porque ganhava quase todas as partidas.

O que era de fato a Teixeirada?

No inicio foi formado por uma pessoa chamada Teixeira um rancho de pescaria, aos poucos foram aumentando, tinha uma escada de tijolo a vista onde encostavam os barcos de pesca, devia ter uns 20 metros de largura e uns 20 degraus, ao lado havia dois escorregadores para nadar no Rio Piracicaba, havia também um trampolim. O pessoal que gostava de pescar faziam jantares, jogavam baralho, era um ambiente para as famílias se divertirem. Quando eu casei, em 19 de dezembro de 1971, o almoço foi feito lá, era bem organizado.

Como você conheceu a sua esposa?

Ela nasceu ali em 17 de abril de 1945, seu nome é Maria Therezinha Bortolazzo, morava a três casas da minha casa. Ali você nascia, crescia, brincava junto, casava, era uma família. O famoso jogador André Cruz nasceu no Monte Alegre.

Sobre a igreja, quais são suas lembranças?

O padroeiro é São Pedro, cheguei a ver uma restauração realizada após Volpi ter pintado a igreja. Os habitantes mais antigos diziam que Volpi se hospedava na fazenda e dirigia a equipe de pintores da própria usina que cuidavam da manutenção das casas dos moradores. A obra é de Volpi, sendo que as pinturas tiveram a colaboração dos pintores de lá. Cada funcionário da usina deu um dia de trabalho para erguer aquela igreja. Quando Pedro Morganti criou seu império no Brasil, mandou um engenheiro realizar uma réplica idêntica a igreja de Siena, a cidade onde nasceu ele nasceu, acredito que cabem umas 300 pessoas sentadas. As crianças tinham aulas de catecismo e no dia de São Pedro faziam a primeira comunhão, o Cônego Juliani foi pároco dessa igreja. Quando começava a safra de cana após a missa ele benzia todo maquinário, inclusive a locomotiva. Na usina existia carpintaria, manutenção de pintura, eletricista, olaria. Só dentro da usina tinha umas 300 casas. Existia um estábulo com umas 50 ou 60 vacas, de leite, holandesa, o ambiente era tão bem conservado que não se via um fio de capim fora do lugar. O leite era vendido para os empregados a preço de custo. Existia açougue, torrefação de café, fábrica de macarrão, farmácia, ambulatório médico, com instalações para pequenas cirurgias. Médico das sete da manhã ás cinco da tarde, dentista. Centro de puericultura. Parteira. Dois quartos para ficar internado. Era tudo comprado na caderneta. A energia elétrica era gerada por dois enormes turbo geradores, que fornecia energia para a usina na época da safra. A usina não pagava energia para a companhia elétrica, ela produzia a própria energia, com o vapor das caldeiras, alimentadas com bagaço de cana e lenha, em 1959, 1960 já se usava álcool nos caminhões e carros da usina, misturado com gasolina.

Você trabalhou na produção de açúcar?

Trabalhei onde peneirava o açúcar, depois passei para a parte de cima, ali era onde cozinhava o açúcar, exigia muita experiência. Era onde o xarope era cozido até chegar no ponto de soltar nas batedeiras, não existia manômetro, nenhum equipamento auxiliar, era tudo “no olho”. Saia uma base de 30 a 40 sacos de 60 quilos cada tacho, Quando acabava a força e parava aquela batedeira cheia, aquilo virava um concreto, tinha que subir em cima com uma cavadeira e cavoucar, levava meio dia para desenroscar aquilo tudo.

Não tinha nem ladrão de galinha?

Todos se respeitavam e se estimavam. Aos domingos na Teixeirada tinha mais de 50 a 60 pessoas nadando , brincando, divertindo-se. Naquele tempo existia o sandolin, uma espécie de caiaque. A profundidade do Rio Piracicaba ali é de uns 4 metros. A União dos Refinadores foi criada pelo Pedro Morganti, onde faziam o famoso açúcar União. A Área abrangida pela família Morganti abrangia o Santa Rita, Taquaral, Perdizes, ia até a divisa com Rio das Pedras, do outro lado ia até o Marafon , em Limeira, a Fazenda São Pedro.

Quando foi seu ingresso na Caterpillar?

A Caterpillar adquiriu a área onde iria construir suas instalações, essa área havia pertencido á Usina Monte Alegre, a Caterpillar começou a fazer terraplanagem do terreno, uma pessoa de nome Luiz Lazarim, iniciou a contratação de funcionários, ele me convidou para trabalhar na empresa. O número do meu registro era 52. Entrei como operador de empilhadeira. A construtora era a Morrisson. Com o tempo passou a vir chapas, peças, na época as máquinas de solda eram no eletrodo ainda, não tinha ponte rolante, com guincho eu ficava virando peças, muitas peças que precisavam serem cortadas iam para a Painco em Rio das Pedras. A primeira máquina que saiu da Caterpillar de Piracicaba foi um Moto Scraper Caterpillar 621, o meu primeiro supervisor que veio de Santo Amaro, São Paulo para cá, foi Luiz Carlos Calil, atual presidente da Caterpillar. O transporte foi feito pela Transportadora São José. Aposentei-me na Caterpillar em 1987, continuei trabalhando até 1991.

Como surgiu a sua vocação para as obras artísticas?

Com o passar do tempo vi que o progresso estava devorando coisas do passado que foram muito importantes para muitas pessoas, tive a iniciativa de tentar manter a memória através de maquetes feitas de material reciclado. Ganhei muitos elogios, porém pouco apoio. Atualmente tenho um acervo considerável.

Qual seu maior desejo?

É poder dar continuidade ao meu trabalho com miniaturas e preservar a memória de Piracicaba.





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