domingo, março 25, 2012

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 de março de 2012.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/



ENTREVISTADA: LUCILA MARIA CALHEIROS SILVESTRE
Nascida a 21 de novembro de 1951 na cidade de Piracicaba, filha do professor e funcionário público que também trabalhou na Secretaria de Finanças, Rinaldo Calheiros e Yvone de Oliveira Calheiros. O casal teve ainda um filho, Rinaldo Calheiros Filho.
Você morava em que região da cidade?
Morava com a minha família na Rua D. Pedro II, nas proximidades de onde hoje funciona a Casa Dom Bosco, quase esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo.
Seus primeiros estudos foram feitos em que escola?
Foi no Grupo Escolar Alfredo Cardoso. Nossa família tinha se mudado para o Bairro Alto, nas antigas casas do Peu, o Grupo Escolar Alfredo Cardoso ficava a dois quarteirões de casa, era bem pertinho. O Ginásio e o Normal eu cursei na Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo. No início ia de bonde, ia a pé até o centro e La tomava o bonde. Com a retirada dos bondes passei a ir de ônibus.
Você chegou a lecionar?
Dei aula por um ano no MOBRAL, Movimento Brasileiro de Alfabetização, á noite, funcionava no Grupo Escolar Alfredo Cardoso. Fiz o cursinho CLQ e entrei na ESALQ, no curso de Economia Doméstica, isso foi em 1972.
Em linhas gerais o que compreende o Curso de Economia Doméstica?
Refere-se a tudo aquilo que o ser humano utiliza dentro de uma residência. Tanto a parte de alimentação e nutrição, setor em que a ESALQ é bastante forte com a tecnologia de alimentos. A parte de vestuário, com fibras têxteis, habitação. Fizemos a planta baixa de uma residência, observando tudo àquilo que uma casa necessita para oferecer boas condições de vida, número de dependências com relação aos seus habitantes. Adequando para o modo de vida de quem irá habitar. A operação com equipamentos domésticos básicos, desde o uso correto, higienização de um liquidificador, máquina de lavar, os cuidados essenciais para evitar graves acidentes. A própria postura durante as atividades domésticas. Abordamos psicologia, atividades infantis, a vida com as crianças, formal e não formal e didática. Para isso tivemos que fazer os dois primeiros anos de faculdade juntos com os agrônomos, nós cursamos matérias como: matemática, cálculo, física, química, micro e macro economia. Toda parte pesada do curso de agronomia enfrentamos. O Curso de Economia Doméstica era feito em quatro anos.
O Curso de Economia Doméstica da Esalq foi extinto?
No momento em que foi extinto, politicamente, educacionalmente não interessava mais. Esse curso tinha sido criado para que acompanhássemos os agrônomos em seu trabalho e realizar a promoção humana dentro da zona rural do Brasil.
A extinção do curso foi em função dos problemas de promoção humana no Brasil ter sido plenamente resolvidos?
Acredito que foi ao contrário, poderia haver uma exposição maior dos problemas existentes. Hoje vemos apresentadoras de televisão levando mensagens básicas, Ana Maria Braga, outros programas que divulgam o aproveitamento de alimentos. Como decorar uma casa.
A televisão comercial passa informações, só que inclui o merchandising.
Isso faz parte do processo, como você coloca no ar um programa sem um apoio financeiro. O Economista Doméstico poderia fazer uma triagem sobre as reais necessidades primárias da população. Fizemos dentro do curso a Educação do Consumidor. Em química e bioquímica é informada a composição de um produto, o qual pode ser substituído por substâncias caseiras. Hoje se ensina mito o uso de produtos alternativos, de baixo custo, como vinagre, bicarbonato de sódio, produtos utilizados na limpeza. Materiais mais simples podem substituir com eficiência produtos de custos mais elevados. Isso faz parte do trabalho do profissional em Economia Doméstica.
Que não cria nenhum interesse ao meio comercial!
Hoje ainda se fala, são dadas várias dicas sobre esses produtos de custo mais acessíveis. Inclusive há um programa na Net que dá as dicas sobre como utilizá-los. Isso era para ser difundido para toda a população, pelo Economista Doméstico, e que infelizmente não foi possível fazer.
O curso de Economia Doméstica poderá algum dia voltar a existir?
Acho meio difícil. Todos os cursos de Economia Doméstica sempre foram ministrados em faculdades Estaduais e Federais. Esse curso foi trazido para Piracicaba por uma professora americana.
No curso foram abordados aspectos sobre a psicologia infantil, qual é sua opinião a respeito?
Tivemos esse curso, inclusive com laboratório de comportamento humano, Dona Iracema, uma professora cearense, falava-se muito em Jean Piaget e falava-se muito de Summerhill, “não dizer não à criança”. Eu fui educada de maneira diferente, minha mãe estabelecia limites, mas de uma forma consciente, onde eu entendia o porque do “não”. No caso de se falar um palavrão, minha mãe sentava, explicava o significado daquela palavra, os problemas que essa palavra poderia causar. Acho que a consciencia da criança é importante. Infelizmente hoje em alguns casos há uma negociação, para um ato bom ela negocia algo en troca. A criança não realiza algo pelo simples fato de ser uma boa ação. Quando adulta ela só fará as coisas com segundas intenções. Torna-se uma pessoa egoista, infeliz. Há uma grande felicidade em fazer algo por alguém sem esperar absolutamente nada em troca. É uma alegria interna indiscutível.
Você é religiosa?
Nasci na religião católica, mas sou da doutrina espírita.
A humanidade passou por períodos evolutivos, você acredita que hoje vivenciamos um período de intensas mudanças e nem todos tem essa consciência plena?
É o caos que antecede a ordem. Sempre há o conflito entre o positivo e o negativo para encontrar o caminho do bem. Hoje estamos tendo possibilidade de expormos tudo que há no interior do ser humano. Não há limites: moral, ético. Não há a necessidade de esconder mais nada, ela mostra aquilo que ela é. A sociedade de hoje aceita tudo.
Isso é bom ou ruim?
Eu acho ótimo que não se esconda nada.
Isso significa que o não há manipulação do ser humano?
Não é nesse sentido que digo, mas sim na tendência natural que se manifesta de forma explicita: ela irá praticar violência, roubo se for essa a sua natureza. Quantas pessoas nós encontramos, se manifestam de forma muito agradável, mas que na realidade estão interpretando o que julgam ser um modelo ideal, eticamente, moralmente. A realidade elas é outra, bem diferente. Às vezes são pessoas que convivem conosco. A mídia proporcionou uma grande transparência, não se esconde mais nada. Isso é um dos motivos que vemos tantas coisas ruins acontecendo, hoje o volume de informações que nos chegam é muito grande. O ser humano atualmente pode se manifestar da forma que ele é. Sempre existiu o mal e o bem, o que acontecia era que muita coisa era oculta. As pessoas não se importam com a repercussão de determinados fatos. Ela passa por cima.
Quando você se formou foi lecionar em uma colônia de holandeses?
Fui trabalhar em uma colônia de holandeses em Paranapanema, perto de Avaré. Lecionei no Colégio Técnico de Economia Doméstica que tinha lá. A colônia participava de atividades dentro do colégio, dentro da pré-escola, e seus filhos eram levados ao curso de economia doméstica, eu tinha uns 45 a 50 alunos, o curso era noturno. Havia acomodações próprias para os professores. Durante o dia eu dava aula em uma pré-escola. Lá permaneci por dois anos e meio, depois vim para o Colégio Trajano Camargo, em Limeira, onde ensinei alimentação, nutrição, decoração. Vim para Piracicaba na época em que o então prefeito João Herrmann Neto estava fazendo os Centros Polivalentes de Educação e Cultura (Cepecs). Vim para montar os berçários, treinamento e capacitação do pessoal dos berçários. Os primeiro foram no Piracicamirim, Santa Terezinha e Matão, hoje Jardim São Paulo. Cada Cepec tinha mais de 100 crianças. Os berçários tinham cozinhas separadas, lactaristas. Naquela época Piracicaba tinha muita desnutrição infantil, não por falta de alimentos, mas por erros de alimentação, falta de cuidados da família. Nas segundas-feiras era uma tristeza, as crianças tinham diarréias, vomito. As mães não tinham a alimentação adequada para a criança. A macarronada, feijoada, que ela comia era também servida para a criança. Trabalhamos coma as crianças e com a as mães, orientando a educação alimentar. Trabalhei muito na periferia.
Controlar a qualidade oferecida pela merenda escolar envolve complexidade?
É muito difícil trabalhar com alimentação escolar. Infelizmente alguns fornecedores, sem muita lisura, na hora da concorrência apresentavam produtos de excelente qualidade. A Rede escolar compra toneladas de alimentos. Quando elas chegavam, no meio ou até mesmo o lote inteiro era de qualidade inferior. Tínhamos o trabalho de abrir e analisar os lotes. Isso causava sérios problemas, muitas vezes precisávamos do produto, entregavam quando nossos estoques estavam quase sem nada, eram retidos os produtos fora das especificações. Tínhamos problemas dentro da escola, com os vereadores porque o produto não tinha sido entregue, e com o fornecedor.
Isso é crime?
É crime, você está comprando produto de qualidade, higienicamente seguro, pagando e recebendo um produto de qualidade inferior, com o custo bem menor.
Faltam leis mais rígidas?
Leis já existem, o que falta são profissionais capacitados e que tenham o comportamento de verificar e sejam sérios no seu serviço. Na minha época trabalhávamos em quatro economistas domésticas, hoje duas são professoras da ESALQ, éramos linha dura. Até então não tinha profissionais que trabalhavam com serviço de alimentação escolar. Saímos de uma escola chamada ESALQ, que tem seus laboratórios, as especificações dos produtos eram bem feitas. Exigíamos aquele tipo de alimento. As pessoas que recebem esses alimentos devem ser profissionais e sérios. O poder público pode capacitar com qualidade se houver deficiências. Muitas vezes o profissional quer fazer um mestrado, um doutorado, e onde ele está trabalhando não se permite que ele faça, e é exatamente esse o diferencial que depois ele retribui no serviço. Na Biblioteca Municipal eu não fiz o mestrado nem o doutorado, mas considero importante. Fiquei mais na parte administrativa. Tenho um funcionário que fez o curso de graduação, está fazendo o mestrado, o que ele aprende lá ele trás para a biblioteca. Isso melhorou muito o nosso trabalho aqui. Ele desenvolve projetos pensando de uma forma acadêmica mais elevada.
Como você veio para a Biblioteca Pública Municipal?
Sai da merenda escolar e fui trabalhar na Secretaria de Planejamento, cujo secretário era Barjas Negri. Após trabalhar em diversos projetos, ele pediu que organizasse a biblioteca existente. Funcionava apenas em um andar. Com suporte de dois arquitetos desenvolveu a biblioteca infantil, e me envolveu na realização desse projeto. Tinha muitas coisas na biblioteca que tinham que ser organizada de melhor forma. Fui ficando, ajudando a equipe a organizar essa biblioteca. Em 1997 vim como coordenadora, continuei na biblioteca, acabei optando por ficar aqui, assumindo como diretora.
Atualmente você exerce uma função importante, na Biblioteca Municipal.
Sou Ex-Diretora. Em dezembro último deixei a direção da Biblioteca Municipal. Continuo na área de Programação Cultural. Estamos trabalhando em um sistema diferenciado, as bibliotecárias são as responsáveis pelo acervo, Antonio Luiz Bragatto é o responsável pela manutenção do prédio.
Quantas obras existem na Biblioteca Municipal?
Por volta de 68.000 a 70.000 volumes. Estamos sempre renovando, recebemos doações de livros, substituímos livros com o mesmo título pelo que está em melhor estado de conservação.
Ocorre algumas vezes da pessoa fazer uma faxina em casa e mandar até mesmo objetos inservíveis como doação?
Já ocorreu, já recebemos atestado de óbito, holerith, óculos. Os livros que não temos e estão em bom estado conservamos. Existem outros que o único recurso é o descarte.
A biblioteca tem algum ambiente especial para tratar livros com fungos, mofo?
Não temos, é um tratamento muito especial, tem um alto custo e a biblioteca ainda não comporta. Principalmente porque esse trabalho é feito com obras mais raras. Realizamos a limpeza mais habitual, mecânica. Não temos sistemas com tecnologia avançada com tratamento através de gases especiais. Temos uma lei, que graças a Deus a Câmara Municipal aceitou, de descarte dessas obras que não serve para a Biblioteca Municipal e nem para as bibliotecas ramais. Nem para doação. Serve só para descarte. São obras didáticas, obras com ortografia antiga, hoje as bibliotecas estão saturadas desse tipo de material. Isso é um fato comum em todas as bibliotecas. A nossa biblioteca não possui livros raros, mas tem livros antigos. Há obras que um pesquisador pode consultá-las, usando os cuidados necessários, como máscara, luvas. Recebemos muitas apostilas de cursinho, livros rasurados, obras de escritores populares, que já não temos mais onde colocar.
Você já teve a curiosidade em saber quantos exemplares de “O Mago” de Paulo Coelho existiam na biblioteca?
Deve ter dois ou três, não deixamos mais do que isso, temos que deixar espaço para outros livros também. Temos uma lei que permite a reciclagem de obras inservíveis, esse dinheiro entra para o fundo de apoio à cultura, e reverte em novos livros e materiais.
Quais são as outras bibliotecas sob a responsabilidade do município?
Temos a do Parque Orlanda, Vila Industrial e Ônibus Biblioteca.
O brasileiro lê?
Lê! Ele não tem acesso, custa caro para ele. A Biblioteca Municipal de Piracicaba tem uma freqüência de mais de 150 pessoas por dia. O empréstimo de livros é bastante grande.
Eles procuram periódicos como jornais e revistas ou livros?
Buscam muitos livros, romances, de auto-ajuda.
O auditório da biblioteca comporta quantas pessoas?
É para 110 pessoas. É utilizado para atividades educativas e culturais.
Os jornais diários são mantidos encadernados?
Eram encadernados, temos até 1995 micro-filmados. O processo de micro filmagem é muito caro, a digitalização é mais acessível. Só que para efeitos legais a digitalização não é considerada valida enquanto a micro-filmagem é. Estamos colocando em discussão a relação custo benefício. São poucas pessoas que usam micro-filmagens para apresentarem em cartórios. O uso maior da micro-filmagem é feito por pesquisadores que irão utilizar a informação em alguma obra ou trabalho acadêmico. Estamos analisando se vale à pena investir em micro-filmagem ou digitalizamos esses jornais por um custo bem menor. Nós não temos espaço para guardar mais jornais. A encadernação é cara.
Você é política?
Considero-me um agente político, se não formos um agente político dentro de uma prefeitura não sobrevivemos. Temos que ter a consciência de que temos que trabalhar politicamente para a população. Não sou filiada a nenhum partido político. Tem pessoas dentro de alguns partidos que não levam isso a ferro e a fogo, tanto faz você pertencer e um ou outro partido político. Ele vê a capacidade do profissional. Outros pensam de forma diferente, se não pertencer ao partido é excluído. Como sou funcionária pública e preciso do meu emprego, não assumo nenhum partido, trabalho para aquele que vier, desde que tenha um trabalho decente e com um programa. Eu tive a felicidade de todos os prefeitos que entraram respeitarem isso. Respeitaram o projeto de trabalho. Consegui trabalhar com todos harmoniosamente sem que estivesse filiada a partido nenhum. Pensando só no trabalho. A prefeitura é uma empresa. Só que nem todos os políticos quando assumem olham a prefeitura como uma empresa. Uma empresa precisa de bons profissionais, projetos de trabalho, para que isso caminhe independente de partido ou de política. O ser humano, aos poucos, a duras penas, está evoluindo.

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