domingo, abril 14, 2013

MONSENHOR JAMIL NASSIF ABIB

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 13 de abril de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/


                        ENTREVISTADO: MONSENHOR JAMIL NASSIF ABIB


Monsenhor Jamil Nassif Abib nasceu a 4 de março de 1940 em Canitar, Estado de São Paulo, que era denominada anteriormente como Fortuna, distrito do município de Chavantes. Canitar ficava na linha da Estrada de Ferro Sorocabana, entre Chavantes e Ourinhos. Filho primogênito de Tanus Abib, brasileiro, nascido em Lençois Paulista e Rosalina Nassif Abib, brasileira, nascida em Itapetininga, tiveram ainda os filhos: Jorge, Jalil e Jeanete.


Qual era a atividade profissional do pai do senhor?


Papai tinha uma casa de comércio, a semelhança de meu avô e meus tios. Meu avô, Miguel Abib, libanês, se estabeleceu nesse distrito de Canitar. Era casado com Nasha Abib Gandur Maluf, libanesa. Ambos tinham se casado no Líbano quando vieram para o Brasil já tinham uma filha, Lorice. Os registros de imigração normalmente registram a vinda dos espanhóis, italianos, portugueses.


Foi no período em que se divulgava mundo afora que no Brasil se achava ouro no meio da rua?


Há até uma história de um determinado imigrante que ao saber que no Brasil havia dinheiro na rua, desembarcando no porto de Santos, caminhando, viu uma cédula de dinheiro com valor significativo, trazida pelo vento, vendo aquela nota, chutou-a e disse à si mesmo: “ Ah! Vou começar a recolher dinheiro depois do almoço!”.


A imigração árabe foi distinta de outros povos?


Os árabes tiveram um tipo de imigração diferente, não vieram em blocos para trabalhar na agricultura. Eles vieram de forma independente, isso dificulta uma pesquisa sobre eles. Sei que minha avó e minha tia ficaram no Líbano quando meu avô veio para o Brasil, posteriormente elas vieram também. Os meus avôs tanto paterno como materno não foram mascates. Meu avô Miguel adquiriu uma fazenda, junto com meus tios, meu pai, trabalhavam ali, acredito que não ficaram por muito tempo com essa fazenda, também nunca descobri qual era a atividade agrícola ali praticada. Foi na época em que a terra não era cara, tinha havido a quebra do café de 1929. As fazendas foram desmembradas dos grandes cafezais. Junto com os filhos, meu avô estabeleceu uma casa de secos e molhados em Canitar. Em 1938 meu pai se casou, estabelecendo-se por conta própria. Ele fornecia para os colonos remanescentes das fazendas. Nessa época o café já não era o Ouro Verde. Aliás, Ouro Verde era o nome de um trem da Estrada de Ferro Sorocabana. Era o melhor trem da época. A região da média sorocabana desenvolveu-se ao redor da cultura do café. Meu pai montou essa loja porque ali no aglomerado urbano do distrito era onde ficavam os serviços, o pessoal vinha fazer compras ali nos finais de semana. Lembro-me que meu pai vendia e anotava em um livro, onde havia a página do interessado. Ele ia anotando, ao final do mês, quando as pessoas recebiam o salário, eles iam fazer o acerto no armazém. O armazém tinha de tudo, alimentos, roupas, tecidos, ferramentas. Ali havia um grupo escolar.


O senhor chegou a estudar nessa escola?


Foi onde estudei o primeiro ano, no Grupo Escolar de Canitar, a minha primeira professora foi Dona Maria José Fortes. Tinha uma igreja cuja padroeira era Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. O pároco vinha de Chavantes, a cuja paróquia Canitar pertencia, ou então algum padre de Ourinhos, distante oito quilômetros de Canitar.


O senhor foi batizado lá?


Fui batizado a 7 de setembro de 1940, com seis meses e três dias de vida, em Ourinhos. Fui batizado no dia em que meu primo fazia seu primeiro aniversário e meus pais comemoravam dois anos de casados. Naquela época os meios de transportes não eram tão fáceis como são hoje. Nós morávamos em Canitar, meu primo em Jacarezinho, onde morava a família da minha mãe. Acredito que o fluxo de pessoas era maior para Ourinhos do que para Chavantes.


O segundo ano escolar o senhor estudou em Canitar?


Fiz o segundo ano em Jacarezinho, distante uns 30 quilômetros de Canitar. Ia de trem até Ourinhos, de lá seguia de ônibus para Jacarezinho, apanhava o ônibus no pátio da Estação da Estrada de Ferro em Ourinhos. Eu ficava na casa dos meus avós maternos, minha avó chmava-se Labibe Nassar Sfeir e meu avô materno chamava-se Nassif Salomão Sfeir, também libaneses. Esse meu avô tinha uma fazenda em Jacarezinho e se estabeleceu com uma loja de secos e molhados.


Em que ano o senhor passou a estudar em Jacarezinho?




Em 1948 meus avós paternos já tinham vindo para Sorocaba, era um pólo de atração das pessoas que haviam perdido seu trabalho com a quebra do café. Sorocaba era chamada de “Manchester Paulista”, porque ela tinha indústrias. A mão de obra vinha com o objetivo de trabalhar nessas fábricas. A cidade inchou, é uma cidade de um passado rico, no passado do tropeirismo o foco era Sorocaba, onde havia feira de muares. Com o desenvolvimento da indústria e a febre amarela que abateu-se sobre a cidade no final do século XIX fez com que a cidade estagnasse, enquanto São Paulo crescia. As indústrias de Sorocaba tinham seus escritórios em São Paulo, o dinheiro corria em São Paulo. Lá era apenas o parque fabril. Sorocaba ficou marginalizada e começou a inchar em termos de população, apenas com a construção da Rodovia Castelo Branco, que deveria ser uma auto-estrada, Sorocaba-São Paulo, na sucessão do governo estadual mudou seu trajeto, passando entre Itu e Sorocaba, prolongando-se na direção do Oeste. Tanto que era chamada de Auto-Estrada do Oeste, depois é que colocaram o nome de Castelo Branco. A partir daí Sorocaba retomou seu desenvolvimento. A cidade mudou seu perfil. Meu avô estabeleceu-se em Sorocaba, passou a multiplicar seus estabelecimentos, de uma loja passou para duas, três, os filhos foram casando, montando sua própria loja. Logo meu pai seguiu a trilha, uns dois ou três anos depois meu pai veio para Sorocaba onde montou uma loja só de tecidos e miudezas. Devo muito a Jacarezinho, cresci e guardo boas recordações do tempo em que morei lá e das visitas que fazia em companhia da minha mãe para nossos familiares residentes naquela cidade. A minha primeira comunhão foi feita em Jacarezinho a 1 de janeiro de 1948.


O senhor foi coroinha?


Fui coroinha na igreja Nossa Senhora da Assunção, catedral de Jacarezinho, a família da minha mãe era muito religiosa, tinham um poder aquisitivo maior, estudaram em colégios internos de São Paulo. Meus avós maternos mantiveram seus filhos internos em São Paulo.


Ajudava as missas logo pela manhã?


Tinha que pular cedo, porque ganhávamos um cartãozinho que proporcionava um prêmio no final do mês, geralmente livros, doces. Havia sempre um prêmio para os mais assíduos. A batina do coroinha era vermelha com roquete branco.


Coroinhas estão sujeitos a cometerem gafes em publico, o senhor teve algum fato marcante?


O meu terror era pegar o turíbulo, tinha que mantê-lo alto, ajoelhávamos com o turíbulo, como era criança, às vezes a mão abaixava, o turíbulo batia no chão e derrubava as brasas. Aconteceu que uma vez derrubei as brasas em cima do tapete, a solução foi pisar em cima para acabar com a combustão. Esse fato deu-se em Sorocaba, eu estudava no Grupo Escolar Antonio Padilha. Sempre freqüentei igreja por conta da tradição da família da minha mãe.


Qual igreja o senhor freqüentava em Sorocaba?


Em um primeiro momento passei a freqüentar a capela do Seminário Diocesano, a Capela de São Carlos Borromeu, hoje é sede de paróquia. São Carlos Borromeu foi cardeal de Milão na época do Concílio de Trento. Eu freqüentava o seminário, inclusive estudava o catecismo, mesmo tendo feito a primeira comunhão continuei a estudar o catecismo. A preocupação com a educação religiosa continuou. Foi freqüentando o catecismo, junto das Irmãs da Divina Providência que cuidavam da parte de serviços do seminário que passei a alimentar essa idéia de entrar para o seminário.


Com que idade despertou a vocação do senhor para a vida religiosa?


Devia ter de 9 a 10 anos. Naquele tempo era assim, não se aceitava no seminário pessoas com mais idade. Fiz paralelamente meus estudos no terceiro e quarto ano primário, o curso preparatório, que era feito em escola particular, antes de fazer o exame para entrar para o ginásio. A professora era Dona Julica Bierrenbach, ela é da família do almirante-de-esquadra Júlio de Sá Bierrenbach. Fiz o prepraratório lá, era um grupo que se reunia no quintal da casa dela. As vezes na sala. Lembro-me de alguns dos alunos, entre eles Jaime Pinsky, hoje proprietário de uma editora, ele tinha um primo Antonio Kahn que também freqüentava as aulas, assim como Miriam Pavlovsky. Logo depois entrei para a primeira série no ginásio Ciências e Letras encostado na igreja do Mosteiro de São Bento, que tornou-se a igreja que passei a frequentar, continuando a ser coroinha, nessa altura meu pai mudou-se da primeira casa para uma casa mais central. Quando eu estava com uns 10 anos, o pessoal do seminário vizinho a nossa residência anterior, seu reitor que depois foi bispo de Bragança Paulista, Antonio Misiara, foram a casa dos meus pais para pedir a licença para que eu entrassse para o seminário. Encontraram oposição, mais do meu pai do que da minha mãe. Continuei insistindo, já no primeiro ano de ginásio, morando perto do Mosteiro de São Bento, fui aposentando a idéia de entrar no seminário. Quando eu ia começar a segunda série, um dia após o almoço, era no começo de março, meu pai questionou-me a queima-roupa: “- Esse negócio de você ir para o seminário, se for para ir, vamos já! Se não for já, não irá mais!”. Rapidamente pensei: “ Se eu for, posso sair, se eu não for não irei mais. Então eu vou!”. Na mesma hora ele me levou ao Seminário Diocesano, já tinha começado o ano letivo. O reitor me aceitou extraordináriamente. Comecei o ano escolar fora de época. Permaneci no seminário até 1958, fiz o ginásio e o correspondente ao colégio. Naquela época os cursos de seminário não eram reconhecidos pelo governo. Não tinhamos diploma, era coisa interna do seminário. Tinhamos visitas dos parentes apenas uma vez por mes, no domingo a tarde, mesmo quem como eu, morava em Sorocaba.


Como eram os dormitórios?


Eram três salões grandes, divididos por faixas etárias: pequenos, médios e grandes. Havia um diretor de disciplina que tinha um quartto no mesmo andar.


A que horas os seminaristas levantavam-se?


As cinco horas da manhã. Tinha meia hora para higiene pessoal. Banho era tabelado, tinha turmas para tomar banho, terça e quinta por exemplo, sempre banho frio, nem pensar em banho quente. Em Sorocaba punhamos batina na quarta série, usavamos permanentemente, era preta com uma faixa azul. Éramos os “embatinados”, até para jogar futebol jogava-se de batina, com chuteiras. Usava-se uma batina mais rota. A noite, quando íamos dormir, havia um horário de apagar a luz, quem tinha batina só podia tirá-la após apagarem-se as luzes. De manhã, ao bater o sinal para acordar, na cama mesmo o seminarista punha a camisa, puxava a batina e levantava-se de batina. A disciplina era muito rígida. Desciamos do dormitório e não podia mais subir durante o dia, a não ser que fosse horário de banho.


Não se tomava banho todos os dias?


Não, eram tabelados os dias, dois ou três dias por semana. A não ser quando tinha jogo de futebol. Essa disciplina rígida acaba levando a ter muito método, todos os colegas que deixaram o seminário, e os encontrei já adultos, comentavam: “- A melhor coisa que o seminário me ensinou foi disciplina!”.


Como era a piscina do seminário?


Nós íamos a piscina do Scarpa. Havia o Baixadão do Scarpa, onde existia uma associação esportiva, nós uságamos uma vez por semana a piscina deles. Desciamos em fila pelas ruas da cidade, os que tinham batinas e os que não tinham , era um espetáculo, imagine aquela turma, chegamos a ter 200 seminaristas, todos enfileirados. As vezes íamos a passeio em alguma chacara, o trajeto era feito a pé. Da mesma forma íamos para as celebrações na catedral.


O curso superior o senhor realizou aonde?


Em 1959 fui para o Seminário Maior em Aparecida do Norte, na época não havia seminários como temos hoje, pequenos seminários. Havia grandes seminários, para 200 alunos. Permaneci em Aparecida do Norte por três anos cursando filosofia. Em 1962 vim para São Paulo, no Bairro do Ipiranga, para fazer Teologia. Em 1964 o país vivia um período de radicalização ideológica que influenciou todos os setores da sociedade. A Igreja estava vivendo a experiência da Ação Católica, dividida por segmentos: Juventude Agrária Católica – JAC; Juventude Estudantil Católica – JEC; Juventude Independente Católica – JIC; Juventude Operária Católica - JOC; Juventude Universitária Católica – JUC. Ação Católica teve um desenvolvimento que vem vindo, isso vem amadurecendo e se desenvolvendo desde o Papa Pio XI, já no período da Segunda Guerra Mundial. Havia na Igreja uma fermentação ideológica muito forte. Estávamos em uma época de mudanças, para se dar um exemplo, em Aparecida fazia muito calor, os seminaristas fizeram um pedido ao reitor, que fosse possível usar batina branca, atraia menos calor. Aconteceu o impensável, o reitor disse que podíamos tirar a batina. Ninguém jamais tinha pensado nisso. Passamos a usar batina só em cerimônias. Quando passamos a estudar Teologia em São Paulo, voltamos a usar batina todos os dias de manhã, a tarde e á noite. Conheci Frei Beto, que me contou em 1963 que iria entrar para o seminário no ano seguinte, ele era estudante católico, do movimento JEC.


No período de movimentação ideológica houve transferências de seminaristas?


Houve, inclusive eu e o Padre José Maria de Almeida que foi vigário da catedral de Piracicaba fomos para junto dos Claretianos em Curitiba, freqüentando regularmente até terminar o curso. Dom Aniger, Bispo de Piracicaba, foi até Curitiba, nos procurou e nos animou a vir para Piracicaba. Em 1964 vim pela primeira vez para Piracicaba, aqui passou a ser a minha diocese. Fui ordenado sacerdote na Catedral de Piracicaba no dia 09 de janeiro de 1966. Fui para Rio Claro, onde permaneci por três anos, fui como ajudante do pároco, com a incumbência de fundar uma nova paróquia, a de Bom Jesus, que foi fundada em 1966, fui o primeiro pároco do Bom Jesus, no inicio de 1969 fui transferido para Santa Maria da Serra, regularizei o meu curso de filosofia, me inscrevi para fazer tese em história na faculdade de Rio Claro. Acabei sendo aceito como historiógrafo em caráter precário do Museu Paulista. Quem estava lá na época era um piracicabano, Mário Neme.


O senhor é acadêmico de diversas instituições. Pode citá-las?


Sou acadêmico do Instituto Histórico de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina, Sorocaba e Piracicaba, da Academia Piracicabana de Letras.


O senhor estava seguindo uma carreira universitária?


No período em que permaneci em Santa Maria da Serra, pelo fato da paróquia ser assistida aos finais de semana, aproveitei o tempo útil para trabalhar no Museu do Ipiranga, pertencente a USP. Eu estava agregando créditos para pós-graduação na USP, fiz até exame de qualificação. Tive que interromper para prestar assistência a minha mãe que estava muito doente e acabou falecendo. Dom Aniger me transferiu de Santa Maria da serra para a Paróquia de São Dimas, em Piracicaba. A minha decisão é ser padre e não a de fazer carreira universitária. Após dois anos na Paróquia de São Dimas, fui removido para Rio Claro como Vigário Episcopal, foi em 1975, tinha um trabalho de coordenação da área que compreendia Cascalho, Cordeirópolis, Santa Gertrudes, Rio Claro toda, Ipeúna, Corumbataí, Analândia, além da minha paróquia de São João Batista. Cheguei a cuidar de cinco paróquias ao mesmo tempo. Permaneci em Rio Claro por 31 anos. Em 2006 vim como pároco da Igreja de Santo Antonio, Catedral de Piracicaba.










MYLTON JOAO TOMAZINI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 06 de abril de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

                                     ENTREVISTADO: MYLTON JOAO TOMAZINI


Mylton João Tomazini nasceu em Elias Fausto a 21 de fevereiro de 1935, filho de Adolfo Tomazini e Ida Boscolo que tiveram ainda os filhos Luiz Tomazini, Valdemar Tomazini e Miltes Tomazini. Seus pais eram proprietários da Fecularia Brasil em Elias Fausto, uma cidade na época com uns 8.000 habitantes. Realizou o curso primário no Grupo Escolar “General Mascarenhas de Moraes”, sua primeira professora foi Dona Elza. O professor Opoty Camponês do Brasil foi muito importante na vida de Mylton, a sua didática era marcante.Após um curso preparatório, prestou um concurso e foi admitido em um ginásio estadual em Capivari.


Qual era a distância entre Elias Fausto e Capivari?


Eram 18 quilômetros que eu ia de trem pela Estrada de Ferro Sorocabana, tempo em que as locomotivas a vapor soltavam as fagulhas, era movida a lenha, mesmo com calor os vidros ficavam levantados. Eu ia às segundas feiras e voltava aos sábados, morava em pensão.


O senhor era ainda um menino, naquela época era um grande sinal de independência morar em uma pensão?


Sai de casa com 14 anos. Formei-me com 18, em seguida fui embora para São Paulo. Antigamente só se conseguia entrar em uma faculdade em São Paulo, não existiam tantas faculdades. Existiam os cursos intermediários: científico e clássico fiz o clássico na Escola Estadual Pucca, para entrar na faculdade de direito. No início morava em uma pensão na Rua Frederico Steidel. Um dos moradores era Walmor Chagas que estava no início de carreira ele dividia o quarto com dois artistas do Rio Grande do Sul: Rita e Guilherme. Logo depois ele se casou com Cacilda Becker. Ficamos amigos.


O senhor ingressou em qual faculdade?


Entrei no Mackenzie em 1956, me formei em 1960. Morava em república nas imediações da faculdade. Na Rua Maria Antonia já havia a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Dois anos antes de me formar em direito já era solicitador acadêmico e trabalhava no Banco da Lavoura, situado na Rua 24 de Maio, mais tarde passou a ser Banco Real. O banco construiu uma sede nova na Rua Boa Vista, fomos para lá, eu me formei e o banco me aproveitou como advogado. Passei a ser um dos quatro advogados do banco por uns 12 anos até o dia em que fui convidado para ser advogado do Grupo Erling Lorentzen pertencente ao genro do rei da Noruega, ele era proprietário da Companhia Brasileira de Gás – Gasbrás fiquei advogado do grupo.


Advogado de banco é uma atividade exaustiva?


Foi a maior escola que eu tive. Não só profissional como também pessoal. Quando entrei no banco morava na Bela Vista, trabalhava do meio dia às seis horas da tarde estudava a noite no colégio e pela manhã fazia cursinho para vestibular. Fazia esse trajeto a pé. São Paulo sempre foi glamoroso. A Avenida Paulista é exuberante.


Por quanto tempo o senhor permaneceu trabalhando na Gasbrás?


Permaneci por uns quatro anos, a sede era no Rio de Janeiro, a filial de São Paulo ficava no Brás. Nessa época eu já era casado com a professora Célia Baldini. Conheci a minha esposa em um sábado a tarde, sentando-me casualmente ao lado dela no Cine República, que era um cinema muito grande e freqüentado pelos jovens, situava-se na Avenida Ipiranga. Marcamos um encontro, eu tinha dito que era Tomazini e ela disse-me que era Baldini, quando nos encontramos descobrimos que éramos da mesma cidade: Elias Fausto. Nesse ano meu irmão foi candidato a prefeito, tendo o tio dela como adversário. Meu irmão não foi eleito, foi pára São Paulo onde fez a carreira de magistrado. Eu fiquei com meu tio como prefeito. Casamo-nos na Paróquia de São José do Belém. Moramos na Rua Cajuru, próximo ao Largo de São José do Belém. Depois mudamos para o Campo Belo, no Brooklin. Moramos em São Paulo até 1975 aproximadamente. Conheci a Tecelagem Campo Belo em pleno funcionamento.


O senhor chegou a utilizar o bonde que passava pelo trecho que deu origem a Avenida Ibirapuera e a Avenida Vereador José Diniz?


Cheguei a utilizar o bonde, não sei por que foi extinto.


Qual foi outra empresa em que o senhor trabalhou em São Paulo, na área jurídica?


Fui trabalhar para um grupo de judeus oriundos da Alemanha que tinha um complexo têxtil, fui convidado para constituir, formar o departamento jurídico, era uma empresa com 700 a 800 funcionários, permaneci muito tempo trabalhando com eles, chegaram a ter 2.500 funcionários, era a Karibê Indústria e Comércio Ltda, um dos produtos fabricados era o Ban Lon Karibê. A empresa era tão conhecida que ao voltar de uma audiência deparei-me com Yolanda Costa e Silva, esposa do Presidente Costa e Silva, fazendo uma visita à Karibê, adquiriu vários vestidos, eles faziam vestidos muito bonitos, parados em frente a empresa havia uns quatro carros oficiais, com bandeirinha e tudo. Quando cheguei eu já tinha perdido a festa. Só que algo interessante aconteceu. Passou alguém em frente a empresa, viu aquele aparato, deve ter se dirigido à Rua Oriente, julgando ter presenciado alguma fiscalização muito rigorosa, já imaginando que a empresa poderia sofrer conseqüências imprevisíveis. Como importávamos e exportávamos em alta escala, trazíamos máquinas, equipamentos. Recebi um telefonema do representante da Alemanha perguntando o que estava acontecendo, se a empresa estava passando por dificuldades. Fiquei preocupado, levei à diretoria esse fato, chamei um especialista, ele fez uma bela análise do balanço da empresa, fiz um comentário e publicamos uma página inteira nos jornais “O Estado de São Paulo” e “Folha de São Paulo”. No dia seguinte os diretores estavam emocionados, receberam aplausos de muitos clientes, da colônia radicada no Brasil. Conseguimos reverter o quadro. Os proprietários eram quatro irmãos: Arthur, Leopoldo, Enrique e Gustavo e um cunhado, Josef.


Eles revolucionaram o mercado na época?


Foi uma época áurea, o produto Karibê era vendido com muita facilidade.


O senhor fazia muitas viagens para a empresa?


Viajava muito para o Rio de Janeiro, o governo federal era concentrado no Rio. Eu trabalhava com os projetos de desenvolvimento com incentivo governamental. No tempo do Delfim Neto.


Como era o Delfim Neto?


Extraordinário. Ele sentava-se a mesa conosco, rodeado por três ou quatro assessores, ele tinha uma mente privilegiada. Quando discutia em uma reunião com industriais ele mantinha cada um dos assessores especializado em um segmento. Não dava para contestar qualquer pretensão. Ele fechava o cerco.


O senhor viveu o período revolucionário em plena atividade profissional.


No dia da revolução de 1964 eu ainda era superintendente da Gásbras. Tínhamos receio de que os terroristas fizessem algum mal com os nossos reservatórios de gás. Na madrugada do dia 31 de março eu estava no DOPS, por coincidência tínhamos descoberto um desvio de botijões de gás feito por ladrões eventuais. Nunca tive nada com política, estava a trabalho.


Com que idade o senhor radicou-se em São Pedro?


Vim para cá com 41 anos, primeiro parei em Campinas, tinha mais de uma centena de mandados de segurança em andamento, tinha que administrá-los, isso demorou uns três anos.


Como iniciou o hotel?


A princípio foi uma brincadeira, por hobby, não tinha o que fazer.


Esse espírito hospitaleiro tem alguma raiz familiar?


Os meus pais me contam que os meus bisavós eram hoteleiros no Tirol, tinham uma hospedaria. Acho a hotelaria muito nobre, há uma carência de hotéis no Brasil. Minha atividade na hotelaria envolve a hospedagem do turista e a realização dos eventos. Hoje temos 18 salas de eventos com uma infra-estrutura que poucos hotéis no Estado de São Paulo têm.


Quantas mil pessoas o hotel pode abrigar simultaneamente?


Comporta 1200 pessoas. Há um hotel nosso que está sendo terminado ao lado com 75 apartamentos, já temos 125 apartamentos, além de contarmos com a colaboração do Hotel São João e do Hotel Avenida de Águas de São Pedro que faz parte do grupo.


A Copa trará algum reflexo?


Irá refletir se os hotéis credenciados forem acionados, irá haver muita procura de hotéis opcionais.


O senhor tem uma atividade de planejamento e não tão operacional?


Uso o meu espaço para criar, planejar. Temos uma equipe maravilhosa de funcionários. Pelo quarto ano estamos incluídos na lista das 100 melhores empresas para trabalhar em pesquisa feita pela revista Época.


Há empresários que centralizam muito as funções?


Nosso hotel é administrado por 15 pessoas, funcionários estabilizados, cada um em seu segmento: manutenção, jurídico, cozinha, restaurante, financeiro, vendas, manutenção, relações humanas.


O senhor é bom cozinheiro?


Não! Minha mulher é uma exímia cozinheira, por causa dela que o hotel cresceu. Crescemos pela qualidade da nossa comida. Desde os primórdios do nosso negócio ela orientava a cozinheira. Tivemos sorte em conhecer uma pessoa que é muito disciplinada, ela está conosco há 33 anos. Ela deixou de ser apenas funcionária, é integrante da nossa família. Essa mulher desenvolveu muito a parte de gastronomia.


Qual é a “Pièce de résistance”, o prato que se destaca na cozinha do hotel?


Arroz e feijão feito na panela de ferro em fogão de lenha. Por incrível que pareça o executivo não come arroz e feijão. Ele não tem essa chance. Quando vem para cá ele entra no arroz e feijão. Em São Paulo você jamais irá pedir arroz e feijão no Fazano. ( Ambiente altamente sofisticado com a cozinha é inspirada nos sabores das diversas regiões da Itália). O nosso trivial é arroz, feijão e carne de panela. Há também hoteleiro que tem vergonha de por arroz e feijão na mesa. Há uma grande empresa que seus executivos estavam no concorrente, um dia vieram conhecer o nosso hotel, não sabiam que tínhamos uma estrutura grande. Perguntaram se podiam almoçar, disse-lhes que seria um prazer, só que a comida não era a que eles estavam acostumados. Sentaram-se a mesa comigo, naquele dia foi servido arroz, feijão e bisteca. Eles comeram muito bem. Ao terminar disseram: “-É isso que precisamos! É disso que o pessoal está reclamando!”. Foram ver a sala, ganhamos um cliente pelo estomago, pela simplicidade, com nossos hábitos próprios, sem artificialismo.


A região é propícia para esse tipo de turismo?


São Pedro é uma cidade que tem um nome muito bonito.


O senhor recebe turistas estrangeiros?


Muitos. Hoje temos dois intérpretes dentro do hotel. Falam inglês, italiano, alemão e castelhano.


Qual é a reação mais expressiva dos turistas estrangeiros?


Ficam maravilhados com a fartura de alimentos. Na Europa isso não existe. No restaurante temos 50 metros quadrados só de alimentos. Para nós faz parte do nosso costume, para eles é motivo de espanto. O Brasil é o melhor país do mundo, posso afirmar com o conhecimento de bastantes lugares. Em lugar nenhum se come melhor do que no Brasil.


Para pessoas que seguem uma dieta especial há alimentos diferenciados?


Na própria mesa existe. Fornecemos alimentos para crianças de 2 anos até adultos com 90 anos.


Quantos anos têm o Hotel Fazenda Fonte Colina Verde?


São 33 anos, nascemos um pouco depois do Hotel São João.


Além da atividade hoteleira o senhor teve incursões em outras áreas?


Fui proprietário da Rádio Onda Livre, funcionava a 50 metros do hotel. Sempre imaginei que a rádio poderia ser uma alavanca para divulgar o turismo de São Pedro. (Atualmente a Rádio Onda Livre AM e FM estão baseadas na cidade de Piracicaba, pertencendo a outro grupo de empreendedores).


O senhor tem quantos filhos?


Três: Lísia, Sérgio e Eduardo. Temos uma nova rádio, a Rádio Pop, FM, situada na cidade de Charqueda.


O senhor edita um jornal interno?


Desde a fundação do hotel temos um jornal interno; “Jornal do Colina”, na coluna Mensagem do Presidente abordo assuntos variados. Normalmente acordo às cinco horas da manhã, ouço rádio, Jovem Pan, Eldorado, CBN através de rádio comum. As sete e pouco, tomo café e assisto o jornal matinal da TV Globo, desligo. Leio a Tribuna, o Jornal de Piracicaba, a Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre uma leitura e outra sento com os meus assessores, rimos a vontade. Vivo o meu mundo e sou muito feliz dentro dele. Abro a porta, vejo os passarinhos, são mansos, ficam a dois metros de distância. Estou cercado de mato por todos os lados. À noite no Hotel Colina Verde é muito bonita, temos apresentações de teatro, shows. Contratamos artistas, temos um anfiteatro para 800 pessoas, com ar condicionado. Todos os humoristas mais famosos já estiveram aqui. José Vasconcelos antes de falecer se apresentou aqui. Há um apartamento especial para eles.


Qual foi o artista mais exigente que o senhor teve aqui?


Pedrinho Mattar. Era cheio de manias, quando morei no Campo Belo minha vizinha ao lado era irmã do Pedrinho, era professora de piano, o Pedrinho vivia com ela, da minha casa eu ouvia as apresentações dele ao piano. O saxofonista que toca no Programa do Jô Soares, o Derico, é filho dessa vizinha. Sobrinho do Pedrinho Mattar. Conheço o Derico desde quando ele tinha 3 anos, minha esposa estava fazendo o almoço ele vinha até a cozinha para visitá-la. O Derico é uma pessoa distintíssima, ele vem sempre se hospedar aqui. Ele foi amigo de infância dos meus filhos.








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