sexta-feira, agosto 21, 2015

JOSÉ CARLOS CATALINI



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de agosto de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: 



JOSÉ CARLOS CATALINI


José Carlos Catalini nasceu a 1 de março de 1963, a Rua Boa Morte, 1932 em Piracicaba. Filho de Luiz Catalini e Lúcia Brunelli Catalini, que tiveram também os filhos Cláudio e Marlene. José Carlos tem uma filha, Rayanna.
Até que idade você residiu a Rua Boa Morte?
Residi lá até os 35 anos. A casa existe até hoje, fica bem em frente ao Lar Escola Maria Nossa Mãe. Ali aprendi a conviver com o barulho do bonde. Tenho até um episódio pitoresco, eu era criança deveria ter uns sete anos, minha mãe estava lavando a calçada, usando a mangueira, eu peguei a mangueira e joguei água nos passageiros do bonde. A reação dos passageiros não foi muito agradável! Colocávamos nos trilhos do bonde tampinha de metal, tiradas ao abrir refrigerantes, bebidas. Gostávamos de ouvir o barulho que as rodas faziam ao passar sobre elas. Muitas vezes o motorneiro (condutor) parava o bonde para tirar as tampinhas da linha. Muitas vezes ia passear de bonde, ia até a garagem, que ficava na Avenida Dr. Paulo de Moraes, logo após a Rua da Glória, do lado esquerdo. Lembro-me do trem da Companhia Paulista. A estação ficava  aproximadamente a duas quadras da minha casa. Ao lado da minha casa ficava a fábrica de bebidas do Thomaz Del Nero, que foi meu padrinho, ele engarrafava a então famosa Caninha 18. Lembro-me de que havia dois tonéis enormes de madeira onde era depositada a aguardente.

Você morava em frente ao Lar Escola Maria Nossa mãe, um local em que abrigava meninas. Você lembra-se desse período em que o Lar Escola funcionava como internato?
Lembro-me sim! Elas moravam no Lar Escola. Inclusive tem um primo nosso que adotou uma menina que residia lá. Ele tinha sete filhos homens, queria ter uma filha. Ele foi o fundador do primeiro trailer de lanches que abriu em Piracicaba, isso foi em 1978, ficava na Rua Governador Pedro de Toledo entre  a Rua Riachuelo e Rua Floriano Peixoto. Tanto que o seu filho, Marco, mais conhecido como Sule, é proprietário do “Rei do Chope” e anuncia: “Há 37 anos o melhor lanche da cidade”.
Você estudou em qual escola?
Estudei no “Barão do Rio Branco” onde fiz o primário e o ginásio. Minha primeira professora foi Dona Maria Helena. Lembro-me ainda da Dona Mafalda, Dona Nininha, o “Cridão” que era o zelador. O diretor era José Wander Parsia. Após concluir o ginásio fui estudar o colegial no Instituto de Educação Sud Mennucci. Após concluir fui cursar Histologia (ciência que estuda os tecidos biológicos), na Unimep.

O seu pai, Luiz Catalini, foi pioneiro em uma atividade na cidade?
Na época meu pai e meu tio José Catalini fundaram uma empresa especializada em demolições. Meu avô, Giacomo Cataline era “grameiro”, vendia grama. Ele era natural da Itália. O primeiro depósito da empresa de demolição foi na Rua Joaquim André, atrás da Igreja dos Frades. Isso foi em 1957. Até então, acredito que era o próprio pedreiro quem fazia a demolição dos prédios. Não sei dizer o que era feito desses materiais todos, uma vez que não havia um depósito específico para o material que era retirado das demolições.
Como o seu pai e o seu tio retiravam os produtos frutos das demolições?
No inicio eles não tinham nenhum meio de transporte, pagavam o frete para terceiros. Após algum tempo conseguiram adquirir um pequeno caminhão. Da Rua Joaquim André eles mudaram para a Rua Benjamin Constant, onde hoje é a Casa Rosário. Antigamente ali não existia nada, era um terreno baldio. Mais tarde eles mudaram o depósito para a Rua Santa Cruz esquina com a Rua São Francisco de Assis e José Pinto de Almeida. Meu pai alugava aquele terreno, o proprietário era o Pedro Cobra. Atualmente está sendo construído um edifício no local pela arquiteta Bia Coury. Ao lado havia o Piacentini que trabalhava com álcool, que mais tarde sofreu um incêndio e atualmente é uma academia de ginástica. Hoje vejo muitas obras sendo realizadas pela arquiteta Bia Coury, quando éramos crianças ela brincava conosco no jardim em frente ao então Colégio Assunção. No Lar Escola ajudávamos as irmãs a cuidarem do jardim, fazíamos pequenos serviços. Elas nos davam às vezes pirulitos, cenouras, produto da horta que elas cultivavam.
Com quantos anos você começou a trabalhar?
Com 11 anos meu pai já me levava junto com ele, para ajudar a carregar tijolos. Na época tínhamos um caminhão GMC. Minha mãe não gostava, Dizia: “- O menino é criança Luiz! Imagine! Deixe-o brincar, quando crescer um pouco mais ele vai!”. Meu pai respondia: “Está na hora dele começar a trabalhar, tem que ensinar ele a trabalhar! Ele não deve ficar com a mente vazia e começar a fazer coisas erradas!”.
Você passou a gostar de trabalhar com demolições?
Já faz 32 anos que meu pai faleceu, eu continuo a trabalhar nesse ramo, comecei com 11 anos, hoje estou com 52, são 41 anos que trabalho nessa atividade.
O cliente que deseja demolir uma casa, qual é o procedimento?
Geralmente a pessoa quer que faça a demolição, tire todo o material, para ele construir um prédio novo. Alguns querem ficar com o material, nesse caso cobramos pela demolição realizando todo o trabalho de limpeza da área. Geralmente a pessoa não quer nada.
Com a onda de novas construções você deve ter tido muito serviço ultimamente?
Tenho bastante trabalho, mas hoje já tem muitas empresas nesse setor. Alguns até sem a devida experiência ou conhecimento.
A demolição é um serviço que deve ser feito por profissionais do ramo?
Tem que ter conhecimento para não fazer coisas erradas. Como por exemplo, causar danos ao vizinho. Tem que saber como vai demolir para evitar acidentes pessoais. Muitas construções que vamos demolir estão tomadas por cupins. O grande perigo é no alto, o madeiramento. Há casas que ainda tem o madeiramento feito com coqueiro. Se não me falha a memória, na Rua Joaquim André com a Rua José Pinto de Almeida ainda tem uma casa cujo madeiramento é com coqueiro. As telhas são aquelas feitas por escravos, “feitas nas coxas”. As telhas são desiguais, variam conforme a coxa do escravo que a fez, havia o escravo mais gordo e o mais magro. É conhecida por telha comum, telha nacional ou telha caipira.
Quando chove há a penetração de água com o uso dessas telhas?
De forma alguma! É a melhor telha que existe! O problema dela hoje é o trânsito pesado das nossas ruas. Os caminhões passam, elas trepidam e escorrega um pouquinho. De vez em quando tem que mandar uma pessoa subir no telhado e ajeitar as telhas em seu devido lugar. Ela não é como a telha paulistinha que tem uma garrinha que fica na ripa.
Você já pegou algum tijolo diferente?
Quando a casa é muito antiga sempre aparecem tijolos com algumas iniciais. Como por exemplo, LC, com uma cavidade em forma de losango no meio do tijolo. Aquele tijolo com a suástica nazista, mostrado na televisão eu nunca vi aqui em nossa região.
Quanto pesa um tijolo normal?
Cerca de um quilo e setecentas gramas.
Qual foi o tijolo mais pesado que você pegou até hoje?
Foi um tijolo de uns seis quilos e quinhentos gramas. Estava em uma fazenda, quem me arrumou esse tijolo foi o Roberto Aragon. O tijolo media uns vinte e dois centímetros de largura por uns trinta e cinco centímetros de comprimento. Os tijolos grandes que existem em Piracicaba medem vinte e nove centímetros por quatorze centímetros. Pesam em torno de quatro quilos e quinhentos gramas.
Em frente ao Lar Escola existia um sobrado, da família Aguiar, a demolição foi feita por vocês?
Foi. Isso deve fazer uns trinta anos. Sobrado dá bastante trabalho, porque o sobrado tem concreto. Quebramos tudo na marreta, hoje se usa martelete.
Qual foi a casa mais antiga que vocês demoliram?
Acredito que tenha sido a casa situada a Rua Rangel Pestana, ao lado das Lojas Marisa. Era feita de pau-a-pique ou barrote, amarrada com cipó. Inclusive teve uma parede que caiu na rua. Não houve dano maior porque tomamos a precaução de irmos bem cedo para iniciar a demolição quase de madrugada. Nós percebemos que era uma construção estranha. Inclusive o cupim conseguiu comer o pau-a-pique. Antigamente podia fazer isso. Hoje a legislação está bem mais rigorosa, não pode fazer barulho antes das oito horas da manhã.
Quanto tempo você demora em demolir uma casa com uns cento e vinte metros de construção?
Uns vinte e cinco dias mais ou menos. Isso se for tirar tudo com cuidado. Se a pessoa tem pressa a demolição é feita mais rapidamente, só que nesse caso cobramos pela demolição. Tem que colocar uma equipe maior vai haver muita perda de material, temos que colocar máquinas.
A questão da reciclagem de material está funcionando?
Funciona! O próprio descarte de entulho tem lugar apropriado para ser feito. Para o proprietário regulamentar a construção nova ele tem que apresentar a documentação referente a demolição feita anteriormente.
Há casos de pessoas que contratam um pedreiro e ele mesmo faz a demolição, se não for um contrato com uma empresa atualmente a legislação é muito rígida nesse sentido?
O risco de ocorrer um acidente de fato existe. Se não houver um contrato com uma empresa responsável o proprietário poderá ter sérios problemas.
Você tem alguma história inédita que tenha acontecido?
Tenho algumas, uma delas ocorreu em Rio Claro. A noite alguns gatunos entraram em uma loja maçônica, acenderam umas velas para enxergarem melhor, acabaram incendiando o prédio. Queimou tudo! Não tinha mais nada! Madeiramento, telhado, tudo caiu. Pratos antigos de porcelana quebraram-se todos. Não havia mais nada no local. Havia um sótão e lá tinha um caixão de defunto! Quando o empregado comunicou-me, imaginei que fosse uma brincadeira dele. Ele pediu que jogasse uma corda, joguei, quando olhei, vi que ele estava descendo o caixão de defunto, inteiro! Com visor. Só não tinha nada dentro.
Foi um susto?
Foi um susto grande, não sabíamos se tinha algo dentro. Graças a Deus estava vazio. Naquela época tínhamos uma caminhonete Toyota, trouxemos para Piracicaba o caixão dentro da Toyota. Por onde passávamos com aquele caixão o pessoal ficava assustado. Não era normal. Isso foi em 1985.
O que vocês fizeram com o caixão?
Ele ficou aqui guardado. Por uns dois ou três anos. Como todo mundo que vinha comprar material via o caixão, eu tinha que explicar a mesma história, eu fiquei enjoado. Veio uma pessoa, um vizinho, pediu o caixão acabei dando. Ele disse que iria vender, no fim transformou aquilo em um brinquedo, colocava os amigos dentro Tanto fizeram que acabaram destruindo o caixão. Outra ocasião um empregado achou uma caixinha de música, era toda de ouro, estava em um porão. Ele não sabia que era uma caixinha feita com ouro, acabou dando para a sua filha brincar, certo amigo desse empregado, espertalhão, percebeu que a caixinha era ouro. Acabou indo a uma loja, adquiriu uma boneca e trocou. Nem eu sabia que era uma caixinha de ouro. É interessante que cada casa antiga que você pega ela já vem com muitas lendas. Demolimos mais de trezentas casas. O antigo Banco do Estado de São Paulo foi demolido por nós. Meu tio, José Catalini, demoliu o Hotel Central. 
Ali havia muito material importado. Os lavatórios eram ingleses. Demolimos o Quarto Cartório, inclusive refletiu na Capela Passo do Senhor do Horto, uma construção muito antiga, de barro, foi motivo de muita preocupação para nós. A famosa lanchonete Daytona, ícone da juventude de certa época, anos 70, foi nós que demolimos.
O que mais atrapalha uma demolição?
É a chuva, o vento. Primeiro tira-se o telhado, coloca-se a bica, que é uma espécie de canaleta de madeira, muitas vezes tem que emendar várias tábuas de cinco metros, ali as telhas escorregam uma a uma, alguém segura a telha embaixo, quando é muito alto a pessoa que segura a telha embaixo usa luvas.
Você já demoliu casas sofisticadas, com lustres importados?
Já tive casos assim. Isso foi em uma época em que as coisas antigas não eram tão valorizadas. Na Rua José Pinto de Almeida, entre a Rua Prudente de Moraes e a Rua São José, havia uma casa antiga, com lustres de cristais. Os tijolos antigos do Colégio Piracicabano fomos nós que fornecemos, são frutos de demolição.
Qual é mais caro, o milheiro do tijolo antigo ou do novo?
O tijolo antigo tem um custo maior. Há pouco tempo vieram uns portões que foram feitos na forja pelo Seu Antonio Caputo, pai do Giovani Caputo, que faz até hoje esses trabalhos artesanais. Ele estava fazendo uns lustres para a atriz Regina Duarte.
Ao fazer uma demolição qual é aproximadamente o índice de perda de material?
Sabendo tirar, se for uma construção bem antiga, a perda gira em torno de sete por cento. Se for construção moderna a perda é bem maior.
Você recebe a visita de muitas pessoas famosas, interessadas em coisas antigas?
Vem muita gente famosa, o Paulinho da dupla Cesar e Paulinho já esteve aqui, Craveiro e Cravinho, Dr. Daruge. Enfim pessoas de bom gosto que procuram coisas antigas.
Qual é a sua indicação para tratamento de cupim?
Material contaminado com cupim tem o local apropriado para descarte. Alguns estudiosos do assunto às vezes solicitam se temos algum material para fornecer com o intuito de analisarem. Geralmente são estudantes da ESALQ.
Não há tratamento para exterminar o cupim?
Existem muitos produtos que dizem exterminar o cupim, a meu ver, dependendo do comprometimento da madeira é inútil tentar tratar. Se for passível de tratamento o cupinicida pode auxiliar e até resolver. Na Rua Governador Pedro de Toledo havia o Bazar do Cego, fomos demolir só que havia um enxame muito grande, era uma colméia gigante, segundo disseram ela existia há mais de quinze anos. Pedimos auxílio ao pessoal da Escola de Agronomia, eles conseguiram levar a colméia embora. Já tomei muita picada de abelha, já cheguei a pular do telhado, por causa de abelhas, aquelas caboclas, quase todos os telhados que chegávamos para demolir tinham a abelha cabocla. Antigamente noventa por cento dos telhados tinha esse tipo de abelha. Hoje parece que sumiram.
E escorpião?
Conforme a região de Piracicaba, encontramos bastante. Uma ocasião, no Jardim Colonial encontramos em uma demolição mais de quarenta escorpiões. Tivemos que colocar luvas para poder mexer nas telhas. Encontramos muitas aranhas nessas casas. Geralmente as caranguejeiras.



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