sábado, dezembro 05, 2015

FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)



PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de novembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:FRANCISCO AJUDARTE LOPES ( LELO)
Francisco Ajudarte Lopes é mais conhecido como Lelo, um apelido que recebeu ainda na infância. Nascido a 16 de fevereiro de 1948,em Piracicaba, filho de Antonio Ajudarte Lopes e Maria Encarnação Baiestero, são brasileiros de ascendência espanhola. Tiveram oito filhos: João, Pedro, Antonio, José, Benedito, Terezinha, Francisco e Domingos. Seu pai trabalhava na lavoura no bairro rural Pau Queimado. Plantava cebola, alho, vassoura. Francisco Ajudarte Lopes casou-se em 1994 na Igreja dos Frades, dessa união nasceu seu filho Francisco Ajudarte Lopes Junior. Acometido de deficiência visual total, em decorrência da diabetes, Lelo é uma pessoa de bem com a vida, muito estimado por todos que o conhece, tem como fiel companheiro o seu rádio. Ouve televisão, mas dá preferência ao rádio.
Quando sua família mudou-se para a cidade qual era a sua idade?
Eu deveria ter uns três a quatro anos. Moramos inicialmente na Rua Baroneza de Rezende, travessa da Avenida Madre Maria Teodora, depois fomos para a Rua Botucatu, em seguida fomos morar na Avenida Edgar Conceição, entre as Ruas Santos e Rua Campinas, em uma casa onde mais tarde foi construído nos fundos um boche, conhecido como “Boche do Espanhol”, nós moramos na casa que mais tarde veio a ser a residência desse espanhol, dono do boche. Em seguida fomos residir na Rua da Palma, em uma casa aonde mais tarde vieram a residir a família da Maria José, casada com Zico Detoni, fundadores da Loja Detoni. Um dos rapazes, o Paulo, irmão da Mazé (Maria José), na época foi cadete da Academia de Agulhas Negras, seguindo a carreira militar com grande êxito. Mudamos novamente, para a Rua Conselheiro Costa Pinto. Em seguida fomos residir próximo ao barracão da MAUSA, no bairro Higienópolis.
Quando vocês foram residir no bairro Higienópolis não havia ainda a Avenida 31 de Março?
Era tudo chão de terra, tempo da nascente Olho da Nhá Rita, íamos pegar guaruzinho no Ribeirão Itapeva. Passávamos pela linha do trem, por cima do pontilhão. Lembro-me da Bica do Morlet, que ficava junto a linha do trem.
Naquele tempo era comum existir na Paulista água de poço?
Era comum a água de poço no bairro da Paulista. Enchia o reservatório de água usando uma bomba no poço e uma mangueira. As ruas eram todas de terra.
Você estudou em qual escola?
Estudei até o quarto ano primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição, na Rua Alferes José Caetano, ao lado da Igreja dos Frades. Era escola mista. Entravamos em fila. Em 1959 conclui o quarto ano. Lembro-me que na Rua São Francisco de Assis, esquina com a Rua Alferes José Caetano, havia um prédio pequeno antes de construírem o prédio de vários andares onde funciona a Assistência Social Mariana. Em frente a Igreja dos Frades existe uma praça, do lado esquerdo há um salão onde eram projetados filmes. Fui cordigero. Uma vez por mês tinha uma procissão que dava a volta no quarteirão. Tinha a procissão de Santo Antonio, a banda ia tocando. Cheguei a conhecer Frei Liberato, Frei Crispin. Ao lado da Igreja dos Frades,havia um local onde eram realizadas as quermesses. Havia o campo dos cordigeros, a trave ficava próxima ao muro da Rua Alferes José Caetano. Havia um bambuzeiro no fundo. Na Avenida Dr. João Conceição existia a Madeireira do Galesi, que pegou fogo.  O Morro do Enxofre (Atual Avenida Madre Maria Teodora) era terra, demorou em asfaltarem. Ali subiam os caminhões carregados de cana-de-açúcar, a molecada fazia uma festa. Onde hoje é a Avenida Nove de Julho também subiam caminhões carregados com cana. Subia pelo campo do Jaraguá Futebol Clube, passavam pela casa do Lovadini, lembro-me bem de um Ford 1946 que sempre fazia esse caminho. De vez em quando o motorista parava e saia correndo atrás da criançada, mas não conseguia pegá-los. Ele voltava ao caminhão. Para sair era difícil. Nós corríamos atrás do caminhão, chegávamos até a subir sobre a carga para tirar feixes de cana. Era fácil tirar a cana, ela escorregava, nós íamos tirando e jogando, quando o caminhão chegava à Rua da Palma nós descíamos do caminhão e íamos coletando as canas. Lembro-me dos irmãos Alcides, Hélio e José Saipp. A família Saipp até hoje é proprietária da tradicional Casa dos Presentes, na Rua do Rosário, entre a Avenida Dr. Edgar Conceição e Avenida do Café. O Hélio Saipp iniciou suas atividades comerciais com uma casa de ferragens na Rua do Rosário esquina com a Avenida Edgard Conceição. Na esquina oposta havia a beneficiadora de arroz de propriedade de Augusto Grella e João Sabino Barbosa. Na esquina da Rua do Rosário com a Avenida do Café havia o armazém do Gasparotti, atravessando a rua havia o moinho de fubá e beneficiamento de arroz, era de propriedade de Ernesto e Antonio Grella. Onde hoje é a Loja do Italiano era um comércio de propriedade do Vecchini que faleceu de forma trágica sob as rodas de um caminhão. Na esquina da Avenida do Café com a Rua do Rosário existia o açougue do Rubens Zillio, pais do Tite, da Rosinha, Valmir e um filho mais novo. Na Paulista tinha tanta figura! Lembro-me do Geep, dono de um bar, fabricava sorvetes. Na esquina da Avenida Dona Jane Conceição, esquina com a Rua do Rosário, havia um terreno, onde mais tarde foi a Angemar, hoje é uma série de lojas. Naquele local era colocado o pau de sebo com o Judas na ponta. Era uma tradição no bairro. Era também onde se armavam os circos e parques que vinham para o bairro.  Na esquina oposta, onde hoje é a farmácia Drogal havia o Bar Serenata, de propriedade de Miguel Fernandes. Antes o bar dele era no sobrado que fica em frente a Estação da Paulista, existe até hoje, é uma escola de inglês.Uma quadra abaixo na esquina da Rua Boa Morte com Rua Joaquim André havia o Hotel Paulista. O Miguel havia sido motorista de jardineira. Entre as figuras folclóricas do bairro, havia o mecânico Miltinho Novello. Ele teve um acidente, perdeu quatro dedos de uma das mãos. Havia um japonês que tinha uma quitanda onde atualmente é a Padaria Takaki. Era muito cuidadoso com o produtos que vendia, tinham que ter uma excelente qualidade. O Miltinho colocou a mão que tinha os dedos amputados sobre um mamão e disse ao proprietário: “ Eh Seu João! Este mamão está podre!”. O japonês ficou muito bravo com ele, imaginou que o mesmo havia enfiado os dedos dentro do mamão. Foi quando o Miltinho mostrou-lhe a mão sem os dedos, acompanhado de uma sonora gargalhada. O Miltinho era um tremendo brincalhão. Na Rua do Rosário, quase em frente a atual Original Calçados, havia a Farmácia Nossa Senhora da Penha. O proprietário era Miguel Victória Sobrinho, que tinha um pequeno problema de audição. Era um homem alto, magro, ágil. O Miltinho arrumou uma boneca grande, do tamanho de um bebê. Vestiu a boneca, colocou um xale na mesma, tinha todas as características de um recém-nascido. O Miltinho disse ao farmacêutico: “Miguel! Miguel! A criança está com febre!”. A princípio pelo tom de voz de Miltinho, falando baixo, o farmacêutico estava tentando entender o que se passava com a criança. Aproximou-se da mesma para poder vê-la melhor. Miltinho propositalmente soltou a boneca dos braços. Em um salto olímpico Miguel tentou segurar a “criança” que foi ao chão. Desesperado, achou que a “criança” poderia sofrer danos irreversíveis. Miltinho ria a não poder mais da cena inusitada. São fatos que os moradores mais antigos do bairro até hoje lembram.
Com que idade você começou a trabalhar?
Comecei a trabalhar em 1960, aos doze anos. Trabalhei um pouquinho também na fábrica de doces do Natalin Stenico. Lembro-me dele, dos seus irmãos: Aurélio, Agapito, Sabino. Lá eu fazia doces como paçoquinha, pé-de-moleque, doce de leite, fazia umas chupetinhas de açúcar, O Natalin inventou e fez uma máquina de descascar amendoim, era um rolete com aqueles pregos de prender arame, jogava o amendoim em casca e ia girando uma manivela. A casca ia quebrando, depois passava em uma peneira. Para moer o amendoim e fazer paçoquinha era socado no pilão. Mais tarde é que apareceu uma maquininha de moer. Eles faziam muitos tipos de doces, um deles eram as “velas” de doce. Toda colorida. Dali fui trabalhar em um armazém em frente ao Colégio Assunção, ao lado do Bazar do Tola, era uma espécie de filial da Casa Munhoz. Ali fiquei uns três meses. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes, em frente a casa onde morou o advogado Dr. Jacob Dhiel Neto, havia uma enorme bebedouro de água, próprio para cavalos, com um cano curvo jorrando água continuamente. Havia um furo na parte superior desse cano, de tal forma que se tampando com a mão a saída da água pelo cano a mesma saia pelo furo, permitindo que as pessoas matassem sua sede. Ao lado passava o bonde. Nós esperávamos o bonde passar, apertavamos a ponta do cano e a água saia pelo furo molhando os passageiros. Fazíamos isso e saiamos correndo. Coisas de moleque. A criançada passava pelo pontilhão do trem sobre a Rua Benjamin Constant, bem mais na frente havia outro pontilhão, perto da hoje Avenida 31 de Março, embaixo passava a Estrada de Ferro Sorocabana.
Você andou muito de bonde?
Andei muito! Andava no estribo, subia ali próximo a Igreja dos Frades, quando chegava próximo ao centro pulava do bonde. Tive um tio, o Zuza Morato que trabalhava no bonde. Era vizinho do Neco Cardoso, pedreiro famoso.
Após o armazém você foi trabalhar com o que?
Fui trabalhar em uma serralheria de propriedade de Alfredo Matiussi e Rodolfo Hoff. Isso foi em 1960. Lembro-me que o primeiro serviço que eu fiz foi um vitrô pequeno. Com o tempo fui aprendendo. Quando ia soldar usava a mascara de proteção. Naquela época não havia a policorte, cortava com um tesourão, eu mesmo ia cortar um ferro redondo de 5 e 1/8 nem conseguia balançar. Tinha que fazer muita força.
Em que local ficava a serralheria?
Onde hoje existe a Casa de Calçados Annabella, o Hélio Saipp tinha a oficina, ele vendeu para o Hoff e para o Alfredinho, dividiu o prédio pela metade e montou a casa de ferragens em uma das metades do prédio. Posteriormente essa oficina mudou para o Aliberti, na esquina da Rua do Rosário com a Avenida Madre Maria Teodora. Ali era o armazém do Silvio e do Domingos Aliberti, tinha um boche. Eles pararam com o boche, acertaram o piso e alugaram para o Alfredinho.
Ao lado havia uma sorveteria?
Era o Bar da China. O proprietário era o Seu Zico. Era o melhor sorvete da Paulista, em muitos lugares da cidade não achava um sorvete como aquele. O sorvete de coco branco era feito com leite.
Trabalhei em serralheria com o Jacob Forti e o outro parceiro dele, o Romanini. O Antonio Forti trabalhava na ESALQ, era irmão do Jacob.A sobrinha do Jacob casou-se com o Nazareno Filizolla, mais conhecido como “Sonrisal”.  Lá fiquei de 1967 até 1974, de lá fui trabalhar com Antonio Capputo, conhecido como “Italiano”. O Alfredo Matiussi era meio sócio. O Italiano fazia peças mais elaboradas, tudo martelado, eram peças artísticas. Permaneci por uns quatro ou cinco anos trabalhando lá. Voltei a trabalhar com o Jacob que tinha mudado para o bairro Caxambu. Sai de lá e fui trabalhar com o filho do Augusto Grella, o José Augusto Grella.   
O ramo de serralheria mudou?
Hoje está mais pesada, antigamente faziam grades baixas. Hoje fazem portões enormes, basculantes. Há mais ferramentas, quem tiver a prensa faz muitos tipos de serviço, uma porta de aço, por exemplo, basta levar a medida que fornecem tudo cortado.
Dentro da sua realidade, quando teve a noticia da deficiência visual total, foi um choque muito intenso?
Foi tudo muito rápido. No inicio encarei com muita coragem, depois que a poeira abaixou, senti bem. Busquei todos os recursos possíveis, aqui e em outras cidades. Quando recebi a noticia de que a minha doença era irreversível já fazia algum tempo que não enxergava mais nada.
Você conseguiu ter forças para superar?
Não tive nenhuma reação de revolta. É obvio que gostaria de voltar a enxergar.
Em algum momento você pensou em alguma medida extrema?
Jamais isso passou pela minha cabeça. Continuei a ser a mesma pessoa que sempre fui. Tive muito apoio da minha família.
Você sonha quando dorme?
Sonho! E geralmente comigo mesmo trabalhando na oficina! Tem tanta coisa boa para sonhar eu só sonho com serralheria!
Você era bom de futebol?
Não! Quando jogava no juvenil era meio-esquerda. O uniforme do Jaraguá Futebol Clube era verde e branco. Nosso maior adversário era o Atlético da Vila Rezende. O Palmeirinha era um time bom também. O Náutico. Tinha time bom, a bola era de capotão, um peso danado. Meu pai não deixou fazer duas coisas: subir em pau de sebo para tirar o Judas e nem deixou que eu engraxasse sapatos, mesmo eu tendo feito uma caixa.
Você conheceu a família Canale?
O João Canele era meu padrinho de batismo.
Você freqüentou  Cine Paulistinha, situado na Rua Benjamin Constant, aonde hoje funciona a Freio Tec?
Quantas vezes fui ao Paulistinha! Teve um dia que passou o filme “Marcelino Pão e Vinho”, teve uma hora em que o barco pegava fogo, nesse exato momento, o aviso de saída de emergência do cinema deu um curto circuito, foi uma correria naquele cinema! Do lado do Cine Broadway havia uma casa, na esquina, nós abríamos o portão e pulávamos o muro saindo no banheiro do cinema. Entrava no cinema sem pagar ingresso.
Você conheceu a Padaria Cruzeiro na Avenida Dr.Paulo de Moraes?
Quando morei no bairro Higienópolis continuava a sair com a minha turminha da Praça Takaki. Ia para o centro, para o cinema, depois voltava, eu ia para casa sozinho, para ir até o bairro Higienópolis atravessava o pontilhão. Passava na Padaria Cruzeiro, comprava uma bengala, duas bengalas e ia comendo. A Avenida Dr. Paulo de Moraes terminava na Rua do Rosário, onde havia dois barracões, um era sede do Jaraguá, com mesa de snooker, e no outro havia um salão grande, eles mexiam com café ali.  Onde hoje está tudo construído tinha mangueiras, pés de abacate manteiga, aqueles abacatinhos pequenos. Tinha um tal de “Segundinho” que arrendava a parte que tinha frutas.
Você desfilou em carnaval alguma vez?
Não. Mas tem uma música “Quando Eu Me Chamar Saudade” retrata bem a realidade. Gosto dessa música.

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