domingo, março 13, 2016

LUZIA PINTO DE LIMA GORGA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de janeiro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: LUZIA PINTO DE LIMA GORGA


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Luzia Pinto de Lima Gorga nasceu em Piracicaba a 20 de março de 1937. Filha de Antonio Pinto de Lima e Angelina Casarini que tiveram dez filhos: Airtom, Oswaldo, Antonio, Olga, Dirce, Dirceu, Terezinha, Aparecida, José e Luzia.  Seu pai era caboclo e sua mãe filha de italianos. Casada em segundas núpcias com Antonio Gorga Filho.
Quando a senhora era ainda criança, sua família morava em que local?
Morávamos na Rua São João próximo a Rua Marechal Deodoro. Aliás as ruas eram todas de terra a Avenida Carlos Botelho era de terra com pedregulho. O bonde passava na frente da nossa casa, a linha do bonde era próxima a calçada. Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, na época eu tinha sete anos, tínhamos mudado para uma casa situada na ESALQ.  Para ir até o Grupo Escolar Moraes Barros, íamos de bonde, comprávamos passe escolar na prefeitura, quem vendia os passes chamava-se Mário Moreno, que nas horas vagas era sanfoneiro.
O que levou a família da senhora a residir nas dependências da ESALQ?
O meu pai era funcionário da ESALQ, motorista, ele nasceu na ESALQ e trabalhou por 54 anos na ESALQ.  Meu avô paterno, Luciano Pinto de Lima, nasceu em terras pertencentes a ESALQ, ele era do tempo de transportar angu para escravos na Fazenda Morro Azul para onde tinha ido trabalhar. Mais tarde trabalhou com aquela antiga carrocinha de lixo, varria a rua e colocava o lixo na carrocinha conduzida a mão. Já com bastante tempo como funcionário da prefeitura, minha avó faleceu, ele passou a morar com a minha tia que morava próxima ao Aviário da ESALQ.  O eu pai nasceu onde hoje é a Colônia do Bananal. Ainda menino o meu pai levava água em corote para as pessoas que trabalhavam na roça. Quando já tinha idade apropriada tirou a habilitação como motorista e passou a ser motorista da ESALQ. Transportava alunos na perua, na caminhonete, naquele tempo havia o transporte de alunos no mesmo formato como eram transportados os bóias-frias. Colocavam umas tábuas eles iam sentados. Era uma caminhonete aberta onde meu pai levava os alunos para aulas na zona rural. Naquele tempo havia uma grande preocupação com as formigas que existiam em grande quantidade. Lembro-me que meu pai dizia: “Não fique andando como barboleutas pelo parque”. Ele usava esse termo mesmo”barboleutas”.
Era o tempo em que havia muita saúva no Brasil?
Havia muita saúva, elas eram exterminadas com o uso de máquinas que enchiam os formigueiros e suas ramificações com a fumaça de carvão em brasa e arsênico. Dr.  Mariconi era professor da ESALQ nesse tempo.O fato do meu pai ter que estar sempre a disposição da ESALQ permitiu que morássemos nas casas que existiam próprias para funcionários. Ele ficava de plantão.
Quantos funcionários moravam nas dependências da ESALQ?
Havia as colônias de casas, a ESALQ tinha quatro colônias, tinha a colônia da carpintaria, em frente ao atual restaurante, havia a colônia que meu pai chamava de “pombal”, eram umas casas ao lado da outra, todas pintadas de branco, essas ficavam próximas ao prédio principal. Depois tinha a conhecida como “colônia das vacas” por estar próxima ao gado leiteiro da escola. E tinha a colônia do Bananal, beirando o Rio Piracicaba. Tinha ainda sete casas no pomar e mais sete casas no campo de aviação. Os funcionários muitas vezes durante a noite tinham que dar assistência as criações, como por exemplo, o parto de uma vaca.
Após concluir o Grupo Escolar Moraes Barros a senhora foi estudar em qual escola?
A minha primeira professora no Grupo Moraes Barros foi Dona Antonia Martins de Toledo, irmã do diretor José Martins de Toledo. De lá fui para a Escola Industrial, sou da primeira turma da Escola Industrial, o diretor era o Sr. Mario Boscolo. Naquele tempo a denominação correta era Escola Técnica Fernado Febeliano da Costa. O bonde da Vila Resende saia do lado da catedral, ao chegar próximo a atual Câmara Municipal havia um desvio na linha, era onde um bonde prosseguia em direção ao centro e outro em direção à Vila Rezende, até onde hoje existe um posto de gasolina, no final da Avenida Rui Barbosa. Próximo havia a estação de trem da Sorocabana que seguia até o Porto João Alfredo, hoje Artemis.
Quantos anos a senhora permaneceu na Escola Técnica Fernando Febeliano da Costa, a Escola Industrial?
Foram quatro anos em período integral. Nós almoçávamos na escola. Ensinavam além das matérias regulares outras como corte e costura, desenho, pintura. entravamos as sete e meia da manhã e saíamos às cinco horas da tarde. Tinha aulas de ginástica, era matéria obrigatória. O professor José Vicente Caixeta dava aulas na Escola Industrial.
Tinha uma fanfarra famosa lá?
Naquele tempo chamava-se fanfarra depois passou a ser chamada de Banda Marcial. Fiz parte da fanfarra, tocava surdo. O professor Danilo Sancinetti foi o primeiro a comandar a fanfarra depois veio o professor Henrique Wolgemuth Miller. Todos os professores eram muito competentes, nós aprendíamos muito com eles. A maioria eram professores que vinham de outras cidades e ficavam em pensões em Piracicaba. O uniforme da fanfarra era uma saia preta, uma blusa branca, gravata, sapato colegial, sendo que na gravata estavam a iniciais FFC – Fernando Febeliano da Costa. Por uns dois anos joguei basquete na quadra do XV. Teve um ano que a Escola Industrial fez ginástica rítmica no antigo campo do XV, o “Roberto Gomes Pedrosa”, na Rua Regente Feijó. Uma aluna ficava em um tablado, era tocada a música e toda a escola acompanhava os movimentos rítmicos.
Havia uma rivalidade muito grande entre o Industrial e o Colégio Dom Bosco para ver quem tinha a melhor fanfarra?
Havia, mas era mais acirrada no desfile de 7 de Setembro. Havia um grande entusiasmo popular em ouvir e ver a fanfarra desfilando.
Com que idade a senhora concluiu o curso na Escola Industrial?
Eu tinha de 15 para 16 anos. Recebemos o diploma na Sociedade Italiana di Mútuo Socorro Aos 18 anos entrei na Décima Terceira Ciretran, isso no tempo do Dr. Adir da Costa Romano, Zenon Batista Citrângulo. Janio Quadros era o governador do Estado. A Ciretran era na Rua São José, junto a delegacia. Isso foi por volta de 1958. Naquela época era tudo feito a máquina, a carteira de habilitação era feita na máquina de escrever. Fazia aqui mesmo, não ia para São Paulo. O exame para habilitação era feito por dois peritos e pelo delegado. Eram exames teóricos e práticos. No Ciretran fiquei uns dois anos e meio, fui trabalhar na fábrica de cordas do Dr. Virgilio Lopes Fagundes, a  Agave Industrial Limitada, o escritório era na Rua Treze de Maio, perto do Museu Prudente de Moraes. O contador era o Pedro Natividade. O Dr. Virgílio tinha uma mangueira no quintal, era dessa manga Tommy. Quando amadurecia, a esposa dele trazia em um pratinho a manga picadas em pedaços para nós. Era muito atenciosa. A fábrica ficava em Santa Terezinha, havia muitas mulheres que trabalhavam lá. Permaneci na Agave uns dois anos e meio. Em 1960 eu casei-me. Tivemos um filho, Alaor Pinazza Júnior, já falecido.
Após o casamento a senhora parou de trabalhar fora de casa?
Depois e cinco anos de casada é que entrei na Prefeitura Municipal. O prefeito era Luciano Guidotti. Fui trabalhar na Secretaria de Finanças, na Contabilidade. No prédio da Rua São José. Isso foi em 1966, em 1968 o prefeito Luciano Guidotti faleceu. Era um homem muito serio, não gostava de funcionário vagabundo. Permaneci na prefeitura de 1966 até 30 de dezembro de 1992. Quando comecei a trabalhar a prefeitura funcionava ainda na casa que tinha pertencido ao Barão de Serra Negra, o prédio foi demolido e hoje é um páteo.  
Após a morte de Luciano quem assumiu a prefeitura?
Foi o vice-prefeito Nélio Ferraz de Arruda. No nosso tempo era tudo feito com máquinas de somar. A informática entrou quando eu estava saindo. Um curso que fiz e foi muito útil foi o de datilografia com Dona Rosa Orlando Canto, a Dona Rosinha, na Rua XV de Novembro quase esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo. Ela não queria alunas de unhas compridas, vinha coma tesourinha cortando as unhas das alunas. Em cima do teclado da máquina havia uma tábua, que permitia escrever sem ver as letras. O exame final era a cópia de um texto, ela ficava com um cronometro marcando o tempo. Fiz o Curso Técnico em Contabilidade na Escola de Comércio Cristovão Colombo. Trabalhei com Luiz Mattiazzo, Florivaldo Coelho Prates, Joanin Bouchardet e Antonio Barrichello. Quando estudava contabilidade na escola do Pedro Zanim e Dona Branca, eram marido e mulher, o secretário era o Bertoco. Tinha aula de português com o professor Cotrin. Quando entrei na Escola de Contabilidade, em 1970 tinha 34 anos, eu era a avó da turma. Com esse jeito, logo essa diferença de idade desapareceu. Sou considerada e condecorada como “Amigos dos Bombeiros”, uma condecoração da qual tenho muito orgulho. Recebi das mãos da então prefeita de São Paulo, Luiza Erundina.
 Meu marido e eu fomos até São Paulo, no Ibirapuera, para receber essa comenda. Teve uma demonstração dos bombeiros, minha cunhada tinha ido junto, eu estava tão absorta com aqueles malabarismos dos soldados, tinha alguém batendo no meu ombro, disse-lhe: “ – Lindinha, pare de bater! Olhe lá que espetáculo!”. Era a prefeita Luiza Erundina que queria me cumprimentar! Fui funcionária pública e tinha orgulho em poder servir as pessoas que procuravam o serviço municipal. Por esse desempenho tenho o reconhecimento da Guarda Civil, do Tiro de Guerra. Nunca fui de estabelecer dificuldades para estabelecer a importância das minhas funções ou por vaidade pessoal.
A senhora é vaidosa?
Eu era muito elegante, até hoje com meus 79 anos sou vaidosa. Mantenho minha agilidade. Acredito que tem muito a ver com hereditariedade. . Meu marido é muito calmo, eu já sou mais agitada. Sempre fui.
A seu ver, de forma geral, o funcionalismo publica mudou?
Mudou! Falta humanidade, solidariedade. Sempre tratei o contribuinte com muita atenção e em particular os idosos eu sempre fiz o que foi possível. Alguns secretários tinham um respeito muito profundo por mim, diria até certo temor. Fiscalizei muitas casas de caridade. Sempre fui muito rigorosa na análise da documentação, sem, no entanto deixar de usar o bom senso. Quando encontrava alguma coisa polemica já tomava uma atitude enérgica. Já ocorreu de em viagens, por descuido, o secretário apresentar as despesas e incluir algum item que a legislação não admite como despesa. Eu fazia o secretário restituir a despesa indevida. Quando houve períodos de contenção de despesa na prefeitura, muitas vezes eu reduzia a quantidade dos itens que eram requeridos.
A senhora lembra-se do tempo em que o pronto socorro era na antiga rodoviária?
Lembro-me! Lembro-me também do Pronto Socorro que funcionou na casa do Pretel, onde hoje é um cartório, na esquina da Rua São José com a Rua do Rosário. Ali por um período funcionou a prefeitura, o prefeito era João_Herrmann_Neto. Lá tinha a imagem de Nossa Senhora Aparecida, eu tinha um carramanchão que dava umas flores azuis, eu cortava e levava para colocar junto a imagem. O João Hermann dizia: “Já sei! A Luzia esteve por aqui!”.
A seu ver, como era o prefeito João Hermann Neto?
Eu gostava dele, era uma pessoa muito expansiva. Sempre olhou muito pelos funcionários. Em qualquer lugar ele abraçava, beijava. Eu sou do tempo em que o Tribunal de Contas vinha para conferir as contas da prefeitura.
Lembro-me da Madalena, que freqüentava sempre a prefeitura. Dia 27 de setembro ela faz aniversário, nós comprávamos uma  champagne e oferecia para ela.
A senhora conheceu a vereadora Ditinha Pinezzi?
Conheci! Era muito extrovertida. Brigava com Luciano Guidotti. Conheci o seu marido Vicente Pinezzi. Vereador não ganhava salário nenhum. O prefeito Luciano Guidotti doava seu salário. Elias Sallun trabalhava com Luciano Guidiotti. Conheci Haldumont Nobre Ferraz, o pai dele era farmacêutico, quando eu tinha 10 anos de idade o pai do “Tiquinho”, como era conhecido o Haldumont furou a minha orelha para colocar brincos. O Tiquinho foi vereador. Trabalhei com João Maffeis Netto. Conheci Jamil Netto, Xilmar Ulisses. Trabalhei com Lazaro Pinto Sampaio, Hide Maluf.
A senhora lembra-se quando foi criado o SEMAE?
Onde está a Câmara Municipal existia um local que eram umas casinhas, ali era o SEMAE, depois foi para um local em frente ao Cine Broadway. Lembro-me de uma funcionária que trabalhava lá, super competente, a Maria Aida.  Na esquina da Rua São José com a Rua Alferes José Caetano ficava a Funerária do Libório. Na esquina oposta ficava o Bar da Lola.
As instalações a prefeitura na antiga mansão do Barão de Serra Negra estavam superadas?
Não tinha mais condições de comportar uma prefeitura, estava tudo desgastado, só havia dois banheiros para todos os funcionários. Na parte inferior do prédio funcionava a Cooperativa dos Funcionários Públicos de Piracicaba. No dia 7 de julho de 1968 em que Luciano Guidotti faleceu, o páteo da Câmara Municipal ficou com muitos idosos do Lar dos Velhinhos de Piracicaba, do qual Luciano Guidotti foi benfeitor por muitos anos. Seu corpo foi velado no prédio da Câmara Municipal. Lá pelas quatro horas o corpo foi levado a pé até a Catedral de Santo Antonio, depois é que foi levado em carro aberto do Corpo dos Bombeiros. Foram necessários dois caminhões basculantes para levar todas as coroas de flores.
A senhora lembra-se da queda do Comurba?
Minha mãe estava em casa. Lazinho Capelari recolheu os entulhos com o poder de pão com mortadela e café com leite.
A senhora conheceu “Nhô-Lica”?
Conheci, eu estava no grupo escolar. Ele andava com uma capa preta, recolhia pedras da rua que dizia serem preciosas.
Como era a poesia que a senhora ouviu ainda criança?
O Meton Maranhão tinha um gato chamado Cazuza. O Zambello,chefe da guarda matou o Cazuza. Naquela época tinha muita raposa, gato do mato, cobra, meu irmão mandava cobra para o Butantã. Isso há 60 ou70 anos. O Meton era meio poeta, ele fez uma música: “Zambello chefe da guarda/Só mata raposa e coruja/Com um tiro da espingarda/ Matou o meu Cazuza”. Eu tinha uns doze anos nessa época. Sou do tempo em que subíamos a caixa de água da ESALQ para espantar as corujas. A caixa tem dois andares, lá em cima onde há uma bola com água dentro e nós chamávamos de bola da água.
Do grupo escolar a senhora lembra-se de algum trecho de música?

De José Martins de Toledo, Dona Antonia Martins de Toledo. Nós cantávamos no recreio, de dois em dois para subir, tinha um Cristo na parede, subíamos a escada cantando: “A escola querida do alegre recreio/ do mais vivo anseio por muito estudar/ e vós amiguinhos que vós mocidade/ oh quanta saudade irão nos levar/assim vamos hoje / de flores ou lentes/ de louros de dentes / a fonte cingir/ jamais esse dia tão cheio de glória/ em nossa memória irá de porvir/ aplausos e palmas aos mestres zelosos/ aos guias que a infância conduz/ a eles louvores e nossos afetos” Outra música que me lembro, sobre o “A” encarnado: “O “A” encarnado da Luiz de Queiroz/ o “A” encarnado saúda todos nós/ Os universitários de todo interior/ Vieram mostrar sua pujança e seu valor/Vamos ao esporte/ Vamos com amor/“. Isso ouvi quando era criança, na época em que foi construído o ginásio da agronomia. 

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