domingo, abril 10, 2016

DAYR PLATES ALMEIDA DE NEGRI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 09 de abril de 2016.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA:  DAYR PLATES  ALMEIDA DE NEGRI





Prestes a completar 104 anos de vida a professora Dayr Plates Almeida de Negri desfruta de perfeita consciência de tudo que se passa em torno de si. É um verdadeiro arquivo, lúcida, um espírito jovial, lembra-se de muitos fatos ocorridos em sua vida. Às vezes esboça um sorriso um tanto quanto misterioso, acaba contando algum acontecimento cômico que ela presenciou. Essa sua forma de encarar a vida, com otimismo e bom humor, talvez seja em grande parte responsável pela sua longevidade. Mantém perfeito equilíbrio alimentar. Relembra de fatos ocorridos quando ainda era menina sem alienar-se de acontecimentos presentes. Dona Dayr tem nove netos e sete bisnetos.

A senhora nasceu em que cidade?

Nasci em Rio Claro no dia 30 de novembro de 1913. ( Dona Dayr explica que nasceu em maio de 1912 e foi registrada após seis meses, a 30 de novembro de 1913). Seus pais são José Plates de Almeida e Delminda Plates de Almeida que tiveram os filhos: Clovis, Artur, Dario, Diva e Dayr. Eu sou a caçula. O meu irmão Clovis estava servindo o Exército em São Paulo quando houve a Revolução de 1922, foram todos chamados para frente da Revolução. O capitão escolheu-o para proteger suas filhas como guarda.  






RIO CLARO - COMPANHIA PAULISTA


COMPANHIA PAULISTA
                           


Qual era a profissão do pai da senhora?

Ele era ferroviário da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Era chefe do armazém de cargas. Viajei muito de trem. Teve um período em que papai estava como responsável pelo telégrafo de Barretos, nós íamos visitá-lo.

Essas viagens eram com a locomotiva a vapor, a famosa Maria Fumaça?

Viajei bastante com a Maria Fumaça, lembro-me de que vinha cisquinhos nos olhos. Era cinza que vinha da locomotiva. Era um passeio muito bom. Minha prima era dentista em Campinas, ela que tratava dos meus dentes. Eu ia de trem para Campinas, lembro-me que praticamente passava o dia lá, voltava com o trem já bem tarde. Eu ficava em sua casa esperando. (Ao fundo um galo persiste em cantar alto e afinado, durante a entrevista, dando um ar informal, parece estar concordando com tudo que sua dona fala).



A senhora gosta muito de uma música?

Gosto sim. É a música “Uma Lágrima Ainda!” eu executava essa musica ao piano.

Estudei piano por quatro anos no Colégio Assunção.

A senhora fez o curso primário em qual escola?

Uma parte eu estudei em Campinas, outra parte no Grupo Escolar Moraes Barros.  Meu pai foi transferido para Piracicaba quando a Companhia Paulista de Estradas de Ferro foi inaugurada em Piracicaba. Fomos morar em uma das casas da Companhia Paulista que existe até hoje, a nossa era a de número 16. 
O ramal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro de Piracicaba foi inaugurado em Piracicaba em 1922. Foi quando meu pai foi removido para Piracicaba como chefe do Armazém.  Eu tinha uns 10 anos. Lembro-me da inauguração da Estação da Paulista, na época foi distribuído um livro muito bonito, com ilustrações, que contava a história da Companhia Paulista. Infelizmente não guardei esse livro.

Morando na Paulista e estudando na Escola Moraes Barros, como a senhora ia para as aulas?

Ia e voltava a pé, era uma criançada que fazia esse percurso. Uma das professoras era Dona Vanda.

Após concluir o primário a senhora ingressou na Escola Normal, hoje Sud Mennucci?

Foi lá que tive como professores Thales Castanho de Andrade, Manoel de Almeida, lá me formei como professora, trabalhei 30 anos. O Thales Castanho de Andrade era alegre, gostava de contar uma piada, era amigo dos alunos. A fábrica de Bebidas Andrade situava-se em frente ao Grupo Moraes Barros, na Rua Alferes José Caetano, pertencia a Família do Thales Castanho de Andrade. Produziam variados tipos de bebidas, uma delas era a “Cotubaina”, Cotuba era uma forma popular de dizer que a pessoa era boa, bacana. Nos intervalos os alunos iam conversar com ele. Era um bom amigo e professor. O Dutra era parente da minha mãe. Nesse tempo a minha mãe tratava dos dentes com o Zézinho, não tenho certeza, mas acho que era da família Dutra, era um dentista antigo. O Erotides de Campos eu conheci pouco antes de ele falecer. Conheci o professor Benedito de Andrade, ele morava na Rua Boa Morte. Era negro, tinha vasta cultura. No Sud Mennucci foi feito uma documentação, com a participação de diversos autores, para ser aberto dali a 100 anos, isso foi feito em 1922, portanto daqui a 6 anos estarão abrindo essa cápsula do tempo. Meu marido era o melhor aluno da classe, ele foi escolhido para deixar uma carta lá dentro.

Após a formatura a senhora foi lecionar em que cidade?

Fui lecionar em Colina. Já fui casada, meu marido era professor. De Colina fui para Jaborandi, lecionar em uma fazenda, de lá fui para São Pedro, no Alto da Serra, em seguida fui para Laranjal. Após lecionar por 30 anos aposentei-me quando lecionava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, em Piracicaba, só aí trabalhei 15 anos. Lembro-me das minhas colegas, também professoras: Julia, Maria Aparecida, Terezinha, Maria José (Zezé), mãe da Maria de Lourdes Piedade Sodero Martins. Eu moro nesta casa desde que foi construída, já faz mais de 60 anos.

Os arredores eram diferentes?

Antigamente havia uma ou outra construção, tinha muito terreno vazio. Lembro-me da família Crocomo, ele trabalhava com calhas, chamei-o muitas vezes.

Naquele tempo como eram os alunos? Era gostoso lecionar?

A educação antiga era outra! O professor era respeitado. Quando apontavam: “Aquele é professor!” Tinha o respeito. Não era como hoje, desvalorizado. Naquela época era comum cada profissão ter um anel de uma cor e formato, o de professor era verde. O meu foi meu irmão que me deu quando me formei.

Era um orgulho para a família ter um professor em casa?

Era um cargo alto. Diziam: “Aquela é professora!”

Aonde a senhora conheceu o seu futuro marido?

No centro havia a praça antiga, as moças caminhavam em um sentido e os moços vinham no sentido contrário. A gente trocava olhares, foi assim que conheci meu marido Pedro de Negri, era professor também. Casamos a 9 de setembro de 1935, na Catedral de Santo Antonio, o celebrante foi o Monsenhor Rosa.

Quantos filhos vocês tiveram?

Tivemos cinco filhos: Cássio, Leda, Pedro, João Paulo e Fátima.

A senhora teve um tio que foi para a Guerra de Canudos?

Era o irmão da mamãe, Antonio de Oliveira, carinhosamente chamado como Tonico, ele foi combatente, mas quando votou estava muito perturbado, era efeito da guerra, dizem que foi uma guerra horrível. Meu tio saiu de casa, desapareceu, foi intensivamente procurado pela família que nunca mais o localizou.
(Guerra de Canudos foi o confronto entre o Exército Brasileiro e os integrantes de um movimento popular de fundo sócio-religioso liderado por Antônio Conselheiro, que durou de 1896 1897, então na comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia.)

Após aposentar-se a senhora teve alguma outra atividade?

Passei a ser dona de casa.

A senhora assiste televisão?

Faz tempo que eu não ligo a televisão.

Qual é a sua religião?

É a católica, era a religião também dos meus pais. Eu rezo por todos.

Como a senhora vê as mudanças através dos anos?

Infelizmente houve uma queda, as coisas pioraram. Pelas notícias que tenho até diretor de escola já sofreu agressão de aluno. Ameaça explicita, soube de um caso em que o aluno mostrou uma bala de revolver e disse ao professor: “-Olha aqui para você!”.

E o piano, a senhora ainda toca?

O piano permanece aqui, há anos que eu não toco, tocava mais piano quando era solteira. Reunia as colegas em casa, elas cantavam e eu tocava.

A que horas a senhora acostuma acordar?

Não tenho hora para acordar. Quando acordo, acordei!

De onde vem esse seu bom humor?

Pedindo a Deus!

É mais fácil encarar a vida com bom humor do que com mau humor?

Deve ser com alegria! Quando tenho alguma contradição ou tristeza penso: “Deus que me mandou, tenho que cumprir, eu que tenho que resolver”. Uma ocasião o Petrin ia para São Paulo e o Pedro Roberto, meu filho ia junto, o Petrin estava estreando uma perua que havia comprado. Deixaram avisada a data da volta, mas não vieram. Já era de madrugada e não apareciam, meu marido estava desesperado. Eu o chamava de Negri. Disse-lhe: “Negri! Não adianta preocupar-se! Se faleceu não tem jeito. Se houve desastre está no hospital muito bem tratado. Vamos esperar!”. No outro dia ele chegou, o carro o Petrin tinha encrencado. Eu não me desespero. Talvez por isso tenha atingido essa idade.

O Governador Adhemar de Barros nasceu em Piracicaba?

Nasceu em uma casa na esquina da Rua Ipiranga com Rua Boa Morte.

A senhora tinha como vizinha uma sinagoga?

Era vizinha com o fundo do nosso quintal, a frente da sinagoga ficava na rua de trás, na Rua Ipiranga. Nós ouvíamos suas orações.

O Rio Piracicaba mudou muito?

Faz anos que não vou lá! Não posso falar nada porque não sei nada sobre a reforma que fizeram lá. Na nossa época os passeios eram feitos na Escola Agrícola, no Mirante, na Estação da Paulista, onde muitos esperavam a chegada do pessoal que vinha de São Paulo. Quando eu era criança a plataforma da Estação da Paulista era ponto de encontro da população, como se fosse o jardim da Praça José Bonifácio.  Todo mundo encontrava-se lá, muito bem vestidos. Tem uma passagem cômica que me lembro, duas milionárias estavam usando pincinê ( Pince-nez) que é um modelo de óculos desprovido de hastes Sua fixação era feita apenas fixando-o sobre o nariz. Era de ouro, elas queriam exibir-se. Para mostrar o ouro, elas iam caminhando, lendo o que viam pela frente, usando e exibindo o pincinê.  Um dos funcionários da Companhia Paulista, o Oscar, que trabalhava como portador era muito engraçado, fez um pincinê de arame e passou a imitá-las. Foi muito engraçado!

Isso foi em um tempo em que para comer certas frutas, como a maçã, por exemplo, tinha que trazer de trem.

Na Rua Boa Morte esquina com a Rua Gomes Carneiro, tinha uma vendinha, existia um pau onde amarravam os cavalos, principalmente do pessoal que vinha dos sítios.

A senhora era freqüentadora da Igreja Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Frades?

Eu freqüentava só a Igreja dos Frades. Em frente havia uma praça.

Das padarias que existiam na época, próximas a casa da senhora quais eram?

A Padaria Cardinalli, situada na Rua Boa Morte esquina com a Rua Ipiranga. Tinha também a Jacarei. Isso no tempo em que o leiteiro deixava o litro de leite na janela, deixávamos o litro vazio e eles trocavam pelo litro com leite.

Havia muitas serenatas nesse tempo?

Um pouco! O Cobrinha já cantava naquela época, tinha uma voz muito bonita. ( Victório Ângelo Cobra, mais conhecido pela alcunha de “Cobrinha”).





Quando era mocinha alguém fez serenata para a senhora?

Só meu marido.

A senhora fez uma viagem em uma charrete, da cidade de Laranjal Paulista?

Meu marido tinha uma charrete, ele disse-me: “Vamos para Piracicaba de charrete?” Respondi-lhe: “Vamos!”.

Como chamava o cavalo?

Dourado. Ele tinha uma cor entre marrom claro e dourado. Quando voltei fui de jardineira, aberta nas laterais. (Os ônibus com as laterais abertas transportavam na ida e na volta moças e senhoras, que usavam chapéus floridos. Pelo formato de carroceria, toda aberta na lateral e pelas flores dos chapéus falavam que os ônibus pareciam jardineiras).


                                                      JARDINEIRA

A senhora freqüentava o Teatro Santo Estevão?

Lembro-me de ter ido a um casamento de  Luiz Crazyquilck, ele cortava cabelo, convidou todos os seus clientes.

Naquela época os professores lecionavam vestidos com terno?

Dentro de casa usava-se terno! Papai não tirava o terno. Levantava e vestia o terno, dentro de casa mesmo. O Maestro Dutra era primo em segundo grau de mamãe.

Seus ex-alunos visitam a senhora?

Tem algumas ex-alunas que já vieram algumas vezes me visitar.

Logo que inaugurou a Estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Piracicaba, acima da estação era uma área praticamente agrícola?

Nós íamos buscar água de poço, havia o chão de terra, um barranco e logo acima havia chácaras. Nós íamos às chácaras buscar água. Nas proximidades da Estação da Paulista.
Nas casas existentes nas dependências da Estação da Paulista não havia poço de água?

As casas da Companhia Paulista já eram com água encanada. Quando viemos para Piracicaba, em 1922 já havia água encanada. Em toda a cidade havia filtro de barro, a água era “suja”, marrom. Por isso íamos buscar água de poço em poços de propriedades  de conhecidos.

Naquela região havia muitas cabras soltas?

(Nesse momento Dona Dayr deixa escapar um sorriso meio maroto, fico intrigado Ela então explica).

Na Estação da Companhia Paulista há até hoje uma carreira de casinhas, um dos vizinhos tinha cabras, outro vizinho era um alemão, Sr. Carlos Jansen, muito caprichoso, que tinha uma bonita horta. Numa terceira casa havia uma moça que freqüentava bailes, quando ela retornava, por brincadeira de mau gosto abria a porteirinha e soltava as cabras que devoravam a apetitosa horta. O alemão pediu, falou, não adiantou. Já sem ter a quem apelar, engenhoso, encheu uma lata de urina, através de um sistema de fios e cabos, dependurou a lata, de tal forma que quando abrissem a porteirinha a lata despejaria seu conteúdo no malfeitor. Uma madrugada, com toda a armadilha pronta, de casa ele escutou uma voz feminina gritando: “-Aiiiiii.....!”. A moça foi abrir a porteirinha e foi contemplada com um banho inesperado. Naquela época as retaliações não envolviam tanta violência, eram feitas de forma mais inteligente, há um caso de uma conhecida nossa, cujo marido era namorador. Certa vez ele trouxe um frasco de perfume, embrulhado para presente. Achando que era para ela, a esposa aguardou, passadas algumas semanas ela percebeu que seria presente para outra, ela simplesmente despejou o perfume e substituiu por urina e voltou cuidadosamente na embalagem original, embrulhada.  O resultado eu desconheço.

Ficou na memória da cidade a pontualidade rigorosa com que o trem partia.

Muitos acertavam o relógio com o apito do trem.

Com a experiência de vida que a senhora têm a seu ver o mundo está no caminho certo ou tem que mudar?

Primeiro de tudo temos que ter Amor ao Próximo. Respeito ao próximo. Atualmente há a falta de religião, a religião conduz a pessoa. Agora que a “moçada” não tem regras, não tem nada pode notar no que estão.

Qual é a sua opinião sobre o computador?

Nunca mexi, mas acho ótimo. É uma grande descoberta.

E o atual Papa, qual é a opinião da senhora a respeito?

Não tenho acompanhado suas ações, sei que seu nome é Francisco.

Em sua opinião o que acontece quando a pessoa deixa de viver?

Eu acredito que existe uma proteção de Deus ainda. A alma permanece. Hoje não temos mais princípios religiosos, e a responsabilidade por isso é dos pais. Especialmente a mãe. Se guiar um filho ele irá para um bom caminho. O filho segue o que é o pai e a mãe.

Pode ocorrer de bons pais e mães terem filhos problemáticos?

Nesse caso deve estar ocorrendo algum tipo de desvio de caráter gerado pelo próprio filho, o que chamaram antigamente de “pessoas com problema de cabeça”. Outro fator são as companhias com quem os filhos andam.

O que a senhora acha das grandes obras e salários descomunais que existem no futebol?

Em minha opinião o imenso volume de dinheiro que é gasto com futebol deveria ser aplicado para melhorar as condições de vida dos mais necessitados.

As roupas da época eram adquiridas prontas ou a senhora mandava fazer?

As roupas que as crianças usavam no cotidiano eu fazia. As roupas mais sofisticadas, chamadas “de passeio” eu mandava fazer. Quem fazia era uma costureira chamada Isabel. Os ternos para o meu marido eram feitos por um alfaiate.

Como é a alimentação da senhora?

Cedo como pão, café com leite. Às dez horas às vezes eu como uma fruta. No almoço eu posso comer de tudo, só evito sal e gordura. À tarde tomo um lanchinho. E a noite ali pelas oito e meia da noite uma sopinha.  O que vier eu como.

Uma das iguarias muito consumida até alguns anos era o pudim de pão. Há um comentário de que a senhora fazia um pudim de pão excepcional. Qual é a receita?

Se pega um pão amanhecido, pica-se, esfarela-o bem com as mãos, Poe açúcar a vontade e um ovo, mistura-se tudo se despejando leite, deixando a massa mole, não deve ficar dura e coloca-se para assar durante uns quarenta minutos. Quando estiver mais frio do que quente, chuvisca canela em cima. Tem que ser pão amanhecido, não pode ser feito com pão fresco. Outra receita que se fazia muito era o Licor de Folhas de Figo. Eu faço tudo pelo meu olho, não tenho medida. Se pega a folha de figo, lava-se muito bem, se for uma folha muito grossa corta-se um pouco, deixa uns dez dias de molho na pinga, depois se faz uma calda meio grossa com açúcar, se junta a pinga com a folha de figo e a calda, coando-se em uma peneira. Deixa mais uns dez dias para sair o gosto forte ficam suaves.

Após fornecer essa duas receitas, Dona Dayr sorriu muito disposta, posou para algumas fotos. A sua serenidade e bom humor é contagiante.

MAURICIO GONÇALVES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de Abril de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 
ENTREVISTADO: MAURICIO GONÇALVES

Mauricio Gonçalves nasceu em São Paulo no Bairro Vila Maria. São seus pais Maurílio Dias Gonçalves, marceneiro, e Maria Benedita Gonçalves que tiveram mais dois filhos: Benedito Luiz Gonçalves e Luisa Gonçalves. Mauricio é casado com Ana Lucia Ferraz Gonçalves, são pais de três filhos: Mauricio, Márcio e Tatiana.
O senhor estudou em que escola?
Fiz o curso primário na Escola Machado de Assis. Eu levava o almoço para o meu pai e ficava ajudando em pequenas atividades, como limpar fórmica, a organizar as coisas na oficina em que ele trabalhava.
A oficina de marcenaria de propriedade dele?
Não, ele era funcionário. Ela situava-se na Rua Teodoro Sampaio, próxima da Avenida Henrique Schaumann, nessa época já morávamos na Rua Beatriz, na Vila Madalena, em uma vilinha de casas chamada “Vila Cristóvão Colombo”composta por cinco casas. Lembro-me que minha mãe leva-me à creche que ficava em frente à Igreja do Calvário, na Rua Cardeal Arcoverde. Ali eu passava o dia inteiro, minha mãe trabalhava como empregada doméstica.
Como o senhor ia da sua casa até o local de trabalho do seu pai?
Ia a pé até o ponto de bonde na Vila Madalena, ali apanhava o bonde, Meu pai dava-me o dinheiro da passagem do bonde, na época ainda era o bonde aberto, até o cobrador chegar ao local onde eu estava, o bonde estava subindo a Rua Teodoro Sampaio, eu era molecão, saltava do bonde em movimento, o dinheiro destinado a pagar o bonde ficava comigo. Houve uma época em que morei com meus pais na Rua Teodoro Sampaio antes do Largo da Batata, eu tinha um padrinho que era dentista, o Odilon de Souza.
Um dos seus primeiro ofícios qual foi?
Fui trabalhar na Brindes Brasil, ficava na Rua Xavier de Toledo, ao lado do Mappin. Na época foi lançado um cinzeiro com o formato da caminhonete DKW, chegamos a vir vender aqui em Piracicaba. De lá fui trabalhar como ajudante de funileiro e pintura. Depois fui trabalhar como ajudante de mecânico em uma oficina mecânica situada a Rua Vital Brasil, no Butantã. Naquela época existia muitos carros da marca Morris,  o cambio era na alavanca de direção. Tínhamos aqui em Piracicaba “carro de praça” hoje chamado de taxi, em sua maioria era o famoso “Biriba”, um carro Mercedes-Benz, a diesel, com motor de dois tempos. O Simca fazia muito sucesso na época.
O Simca era um automóvel de mecânica complicada?
Não. Era um veículo com três marchas. Era bom, andava bem rápido. Suspensão boa. Quem tinha um Simca era sinal de que o proprietário tinha dinheiro. O Simca Rally era luxuoso. Após um ano trabahando fui convocado para alistar-me no serviço militar ali a na Rua Maria Paula (baixos do Viaduto Jacareí). Fui dispensado por excesso de contingente. Com 18 anos viemos morar em Piracicaba, tinha um tio que tinha uma casa para alugar aqui. E para arrumar serviço? Meu tio tinha um caminhão que retirava terra. Só encontrei esse serviço. Pense: “- Vou encarar!”. O caminhão dele era um basculante, carroceria alta, um Ford 1946, a gasolina. 


                                               Ford 1946 - Carroceria de madeira
Meu tio ensinou-me a dirigir, o caminhão tinha quatro marchas, a alavanca de câmbio não parava no lugar, tinha que calçar com o pé. Tinha também a marcha reduzida. Carregava areia retirada do Rio Piracicaba, próximo ao trampolim que existia na época. Carregava tudo com a pá. Areia molhada, O bom é que na hora de descarregar era só erguer a caçamba. Quando foi feita a antiga agência do Banco do Brasil, ao lado do Hotel Central, situada na Praça José Bonifácio esquina com a Rua Moraes Barros. Tirei muita terra dali, havia muitas pedras grandes, aquelas pedronas chamadas “de fogo”. Nessa época meu pai adoeceu, voltou para São Paulo e eu o acompanhei. Meu pai faleceu. Fui trabalhar no Instituto de Psiquiatria de Guarulhos. Era enfermeiro.
Era um lugar terrível?
Os internos eram levados pela policia. Era um serviço muito delicado, um dos problemas era impedir que os internos se despissem. Eram dois andares, no andar superior ficavam as mulheres.
Isso no tempo da “terapia” do eletrochoque?
A eletroconvulsoterapia (ECT), também conhecida por eletrochoques, é um tratamento psiquiátrico no qual são provocadas alterações na atividade elétrica do cérebro induzidas por meio de passagem de corrente elétrica. Tinha que segurar o paciente, colocava-se um pano em sua boca para que não mordesse a língua, o enfermeiro aplicava na cabeça uma corrente elétrica de 110 volts. O aparelho tinha a aparência de um controle remoto com uma esfera na extremidade, era encostada na cabeça do paciente. Era uma cena muito difícil de assistir.
Como enfermeiro o senhor fazia de tudo?
Fazia de tudo, dava banho, levava os remédios que eles tomavam lá que aprendi a aplicar injeção. Tirava amostras de sangue.
Havia muitas pessoas qualificadas que eram internadas?
Tinha pessoas com ofício definido, pintores, marceneiros, só não podiam dar ferramentas nas mãos deles pelo risco que ofereciam. Havia um alto índice de alcoólatras. Assim que eram internados geralmente eram amarrados na cama, eles corriam o risco de caírem da cama e sofrerem alguma fratura. Chegavam bem alterados. Tinham delírios, viam criaturas inexistentes. Os médicos receitavam a medicação e aos enfermeiros cabia cumprir as regras e dar os remédios. A roupa deles era carimbada cada um com seu próprio número. Eles se desentendiam por causa de roupas.  Permaneci nesse hospital um ano.
Era comum o interno ficar cantando, dizendo palavras desconexas?
Isso existia! Cantavam as músicas da época como as de Francisco Alves, Isaurinha Garcia. Cantavam no pátio. Muitas vezes tive que carregar o interno até a sua cama, alguns eram pessoas muito pesadas. Imobilizava-o com faixas. A enfermeira trazia o remédio, dava-lhe um “sossega-leão”, a pessoa acalmava-se e dormia. As famílias visitam os internos, com exceção do primeiro domingo, dia em que não havia visita.
Quantos pacientes tinham nesse hospital?
Na minha ala eram 30. Havia 40 alas, totalizando 1.200 internos. Trabalhei também no Instituto de Psiquiatria da Vila Formosa, que tinha sido u convento de freiras. Tinha uma unidade do hospital em Tupã, trabalhei lá também. Eu trazia paciente de São Paulo para Piracicaba, no então Cesário Mota, a maior incidência era de alcoólatras. Era comum entre nós enfermeiros dizermos em tom de brincadeira: “Let's Go to Tupã!” quando tinha que remover um interno até aquela cidade. A coisa pegou de tal forma que no fim até os internos iam cantando esse refrão dentro da perua Kombi.
O senhor ia dirigindo uma Kombi cheia de alienados?
Tinha um enfermeiro que acompanhava, e eram medicados antes de viajarem. Os internos mais trabalhosos eram os de Santos, geralmente estivadores, pessoas com grande força física. Entravam na perua protestando, falando palavras de baixo calão. Nós procurávamos acalmá-lo, tinha alguns enfermeiros que para relaxar diziam: “ Let´s Go to Tupã” e lá íamos nós para o Instituto de Psiquiatria de Tupã. Na época o hospital psiquiátrico de Santos era temido pelo rigor com que tratavam os internos. Quando encerraram as atividades do Hospital Franco da Rocha os hospitais congêneres foram fechando.
O serviço de motorista é desgastante?
É. Para quem tem cabeça fraca é. O motorista tem que gravar bem as ruas que está passando. Gravar ruas, travessas e estradas que está entrando. Fui caminhoneiro, viajava muito para o Nordeste, dirigia um caminhão Mercedes-Benz modelo 1111. Carregava moenda no Dedini e voltava com sucata de usina. Trabalhei com Alfa-Romeo, modelo novo, na Concrepav, em Piracicaba, A marcha reduzida era no painel. Transportei bobina de papel para a empresa Rodomeu. Carregava aqui na Klabin e levava para Santos. Trabalhei na Transportadora Lubiani, com o Antonio Lubiani. Lá eu trabalhei com carreta, Scania 110.
Dizem que a Scania é excelente, mas tem que ser delicado ao dirigir.
Tem que ser delicado com ela. Não pode ser bruto.
Quantas marchas tem uma Scania?
São 10 marchas. São 5 marchas normais e mais 5 reduzidas. Eu descia a Serra de Santos em décima marcha, a mão só no “Maneco” (freio de mão que trava o veículo). Quando chegava ao Jardim Casqueiro a roda estava quase pegando fogo! Descarregava no depósito e subia com container. O caminhão Scania tem um botão que solta o terceiro eixo, para fazer manobras, ele desalinha, a carreta tem um freio na mão,embaixo do volante, o cavalo o freio é no pé. Dirigir é uma arte.
O senhor trabalhou como motorista em São Paulo, com qual carro?
Fui motorista de frota em São Paulo, dirigia um Volkswagen conhecido como “Zé do Caixão”, é um modelo quatro portas, era verde garrafa. Era um bom carro. Trabalhava a noite toda, para de manhã entregar o carro e a féria, tinha uma percentagem do valor apurado. Tinha que trabalhar muito. Os lugares bons de arruar passageiros era a Estação da Luz, a rodoviária.
Foi quando o senhor decidiu mudar de profissão?
Em Piracicaba fui trabalhar como taxista, meu ponto era no Jardim Brasil. Não parava, era o dia inteiro para cima e para baixo. Naquela época tinha charretes que faziam o serviço de taxi ali no Jardim Brasil, só que custava mais caro do que o taxi feito pelo carro. Eu trabalhava com um Simca, o dono do carro ia todo dia à minha casa buscar a féria do dia, na época, morava com a minha mãe.
Como o senhor conheceu a sua futura esposa?
Eu deixei de trabalhar com o taxi e fui trabalhar na Empresa Marchiori, no ônibus circular, o cobrador era o Dino. Eu fazia a linha de ônibus que passava pela Rua São João, lá é que ela tomava o ônibus. Fiz sinal para o cobrador, para dizer à aquela moça que eu queria falar com ela. Ela veio conversar comigo e assim passamos a namorar.
Em que local foi o casamento?
Foi celebrado pelo Padre Jorge , na Igreja da Vila Rezende a 27 de novembro de 1975. Fomos morar na Rua Zeferino Bacchi, na Paulicéia. Continuei trabalhando na Empresa Marchiori, depois sai e fui trabalhar na Empresa Monte Alegre, com ônibus de turismo. Trabalhei com a Empresa Paulicéia que fazia a linha Paulicéia, Monte Alegre.
Foi um período difícil de dirigir ônibus?
Eram veículos que exigiam muito do motorista. Até a alavanca do câmbio chegava as vezes a sair em minha mão. Lembro-me quando o Marchiori adquiriu dois veículos, o de número 37 e o 38, monoblocos, motor traseiro. Era outra vida. No período de Natal os moradores da Vila Independência vinham passear na Praça José Bonifácio, no centro da cidade, o ônibus vinha lotado. Os passageiros eram educados, respeitavam o motorista. Havia alguns engraçadinhos que davam o sinal com o pé, eu simplesmente seguia em frente. A garagem da Viação Marchiori era na Rua Tiradentes, na época a empresa tinha cinco ônibus, para estacionar na garagem era um vãozinho pequeno. Dava um trabalho danado para estacionar naquele espaço diminuto. O primeiro ônibus começava a circular às cinco horas da manhã, as quatro e meia os motoristas eram conduzidos por um ônibus que tem um apelido muito conhecido ”Negreiro”, uma referência aos navios que transportavam os escravos. É um termo conhecido e utilizado em quase todo o Brasil.
De lá o senhor foi trabalhar na Prefeitura Municipal de Piracicaba?
Acredito que foi em 1989, o prefeito era Adilson Benedito Maluf, estava em seu segundo mandato. Passei a ser motorista do prefeito. O Adilson estava assumindo, havia um grande número de pessoas na Praça da Igreja São Benedito, ele entregou-me a chave do carro e disse-me para ir buscar a primeira-dama, Rosa Maria Bologna Maluf, foi ela quem criou a Festa das Nações, inicialmente funcionava no Lar Fransciscano de Menores. Era um automóvel Ford Galaxie  marrom capota preta, automóvel com três marchas, a gasolina.
O senhor usava uniforme?
Usava roupa social. Depois passei a usar um conjunto safári. O prefeito Adilson às vezes ia sentado no banco traseiro outras no banco do passageiro ao lado do motorista. Ele conversava muito sobre engenharia. Percorria todas as obras, viajava pelo interior do estado.
O senhor conheceu muitos políticos famosos?
Conheci! Uma ocasião eu levei o Ulisses Guimarães para a sua casa em Pinheiros, São Paulo. Conheci Guilherme Afif Domingos, Orestes Quércia, Luiz Antônio Fleury Filho  Lembro-me de Fernando Henrique Cardoso que veio dar uma palestra na Unimep. Na época a prefeitura tinha um automóvel Corcel, levei o Fernando Henrique Cardoso com esse Corcel até a sua residência em São Paulo, no Pacaembu. O Deputado Pacheco Chaves e o deputado Francisco Antonio Coelho, o Coelhinho, sempre estavam sendo transportados em veiculo que eu dirigia. Eram pessoas muito boas. Nessa minha profissão conheci muitas pessoas de expressão política. A cachaça de Piracicaba sempre foi famosa, as vezes levava como presente a algum conhecido, pegava um corotinho de madeira com o Seu Armando e levava a tão apreciada cachaça de Piracicaba.
Após o término do mandato do Prefeito Adilson Benedito Maluf o senhor foi trabalhar em qual departamento?
Fui trabalhar na Rádio FM Municipal. Jamil Netto era o diretor. Em seguida fui trabalhar como motorista do presidente da EMDHAP – Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba, José Maria Teixeira. Trabalhei também como motorista do Secretário de Obras Walter Godoy.
O senhor aposentou-se quando?
Foi quando tive um AVC, por volta de 2008.
O senhor quando foi motorista do prefeito Adilson Benedito Maluf chegou a ter algum problema mecânico com o automóvel?
Tive, com o Ford Galaxie Landau, dentro do túbel da Avenida Nove de Julho, o cachimbo e ignição estragou, o prefeito estava dentro do carro. Peguei um taxi, desci a Avenida Nove de Julho até o seu final, no Itaim, encontrei uma oficina, expliquei o caso, ele pegou uma tampa do distribuidor, fomos até o carro quebrado, ele trocou a peça e pronto, já estávamos a caminho do nosso destino. O Adilson permaneceu no carro esse tempo todo. Não tinha outra saída. Ainda mais dentro do túnel.

O prefeito Adilson Maluf trouxe a Caterpillar para Piracicaba, projetou o anel viário, asfaltou a estrada de Anhumas. Foi um prefeito muito dinâmico. 

Postagem em destaque

      TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS     TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS       TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS             ...