domingo, junho 19, 2016

CHRISTOVAM VAZ

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com  2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/



ENTREVISTADO: CHRISTOVAM VAZ
Christovam Vaz do alto dos seus quase 89 anos é um exemplo de que o ser humano pode atingir seus objetivos mesmo em condições adversas. Violinista, professor de violino, com muita garra, homem de princípios elevados, aproveitou cada momento que teve para realizar seu sonho de ser músico. Foi agricultor, comerciante, corretor de imóveis, por vinte anos atuou como motorista de taxi em São Paulo, sempre com o violino no porta malas do automóvel, para nos poucos momentos de folga estudar música e violino. Garantiu o sustento da sua família, trabalhando muito, sem deixar a arte de lado. Hoje tem uma família unida e três violinos, amigos inseparáveis. Escreve poesias, letras de música, foi Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS, fundada em 1975 pelos maestros Ary Vieira e João Fonseca da Rocha, elogiada entre outros, pelos maestros Souza Lima, Isaac Karabitchevsky e Eleazar de Carvalho. Christovam Vaz por três anos foi voluntário do CVV de Sorocaba. Atualmente Christovam Vaz e sua esposa Elisa da Encarnação Diogo Vaz residem em Piracicaba.
O senhor nasceu em que data?
Nasci no dia 20 de outubro de 1927, em Coroados, noroeste do Estado de São Paulo. Meu pai é Casemiro Vaz e minha mãe é Alexandrina dos Prazeres Vaz que tiveram os filhos: João, Guilherme, Clotilde, Alzira, Manoel e Christovam. Meus pais vieram de Portugal, casados, meu pai era marceneiro. Inicialmente foram morar em Birigui e em seguida em Coroados. Infelizmente ele faleceu precocemente, com hanseníase. Na época eu era muito pequeno, guardo poucas lembranças. Eu era o filho caçula, tinha uns dez a doze anos. Moramos um período em Sertanópolis, no Paraná. De lá viemos para a cidade de São Paulo.
O senhor fez o curso primário em que escola?  
Estudei no Grupo Escolar da Vila Guilherme. Tinha que trabalhar, fui trabalhar em uma fábrica de vidro, a Nadir Figueiredo, que ficava no Belém. Meu serviço era junto ano forno.
O senhor era praticamente uma criança e trabalhava junto ao forno?
Eu fazia o possível para chegar mais perto e jogar água fria, para manter constante a temperatura do forno. Essa atividade era considerada insalubre, com isso eu recebia uma espécie de subsidio. As peças de vidro eram montadas em uma máquina e nós as levávamos para o forno. Um forno especial para recoser aquelas peças. As peças saiam do forno já preparadas.
Como era feito o vidro?
Há duas origens: os cacos de vidros ou montado com a matéria prima: areia, barrilha e demais componentes. Usávamos barrilha substituindo o sabonete ou sabão para lavarmos as mãos ao sair do serviço, ou para almoçar.
A Nadir Figueiredo produzia que tipos de produtos?
Produzíamos copos, jarras. Já era uma empresa grande quando trabalhei lá.
O senhor chegou a conhecer Nadir Figueiredo?
Havia até uma brincadeira entre nós, dizíamos quando ele chegava: “O homem está chegando!”, isso porque sentíamos o perfume do charuto que ele costumava fumar.
O senhor teve outra atividade na empresa Nadir Figueiredo?
Após trabalhar na produção das peças em vidro, fui trabalhar na lapidação, tinha que ter o dom artístico para trabalhar na lapidação. Fazia desenhos no vidro. Havia uma pedra junto a uma espécie de torno de madeira, que era manipulado junto ao vidro branco ou colorido. A peça lisa era marcada por esse torno de madeira, era riscado o que seria feito depois. O desenho não era a mão livre, era feito na máquina depois era lapidado.
Havia algum tipo de proteção: óculos, luvas?
Não usávamos, não havia nenhum tipo de preocupação exagerada. Naquele tempo não tinha, hoje há equipamentos especiais de proteção individual.
Nessa época o senhor morava com a sua família?
Morava na Vila Maria. Naquele tempo o movimento na Vila Maria era pequeno. Eu trabalhava no Belém, na Rua Passos. A empresa através de alguns diretores, montou uma divisão da Nadir Figueiredo, no Belém mesmo, mas em outro endereço, depois de algum tempo fomos trabalhar em uma unidade situada na Rua Voluntários da Pátria, em Santana. Lá trabalhei como lapidador. Lapidador era considerada uma profissão. 
A empresa Nadir Figueiredo produzia vasilhames como garrafas, por exemplo?
Na época, que eu me lembre não produzia. Eram mais jarros e copos. Havia também uma produção de cristal, as peças eram fabricadas utilizando o que chamávamos de cana. Na ponta havia uma bolinha, mergulhava-se no vidro líquido e levava para a máquina, era a máquina que dava o formato da peça. Antes soprava com a boca a ponta da cana para injetar ar e dar inicio ao processo. Era um serviço onde só os adultos trabalhavam. Criança era só para criar o vidro. Eu era criança, já tinha saído da escola para trabalhar.
Da sua casa até o trabalho, qual condução o senhor utilizava?
Ia de bonde! Ali na nossa região não havia o bonde fechado, conhecido como “camarão”, só existia bonde aberto. Andava meia hora a pé para pegar o bonde. As ruas eram todas de terra, quando chovia andava com um chinelo dependurado nos ombros, ia descalço, quando chegava ao serviço lavava os pés e colocava o chinelo. Nesse tempo o Rio Tiete era limpo, andavam de barco, nadavam. Inclusive eu e outras pessoas pegávamos um barco na Vila Maria Alta, havia a Vila Maria Baixa. Íamos passear até o Corinthians. Lá havia uma ponte de madeira, nós conhecíamos a região como Parque Novo Mundo.  Naquela época havia um zoológico, na Rua 7,  uma lembrança que muitos guardaram é que o dono do zoológico faleceu sob a pata de um elefante
Até que ano o senhor permaneceu trabalhando na Nadir Figueiredo?
Permaneci até 1947, quando me casei.
Como o senhor conheceu sua futura esposa?
Na escola! Foi lá que conheci Elisa da Encarnação Diogo Vaz, minha esposa. Tivemos dois filhos, Diogo e Elisabete. Temos sete netos e dois bisnetos. A Elisa morava a duzentos metros da minha casa quando nos conhecemos, íamos e voltávamos da escola juntos. Naquela época éramos crianças. Quando Elisa completou 16 anos e eu tinha 17 anos começamos a namorar. Antes de casar Elisa trabalhou seis anos na São Paulo Alpargatas situada na Rua Almeida Lima. 

                                      Elisa da Encarnação Diogo Vaz e Christovam Vaz

A senhora chegou a trabalhar na fabricação do famoso calçado alpargatas?
Naquela fábrica fazíamos alpargatas, tapetes, lonas. Quando nasceu a minha filha deixei de trabalhar na Alpargatas.
Após o senhor sair da Nadir Figueiredo qual foi a sua próxima atividade?
Fui trabalhar em um bar em sociedade com meu irmão Manoel, o bar ficava no Alto da Vila Maria. Permaneci uns dois anos. Em seguida adquiri um empório, junto com a minha esposa. Era o “Empório São Judas Tadeu”, ficava no Jardim Japão.  Permanecemos por seis anos com esse empório. Em seguida fomos para Arthur Alvim onde ficamos três anos com um bar. De lá fomos para a Rua Antonio de Barros, no Tatuapé, como proprietários de um bar. Após vender esse bar, adquiri com um sócio um bar na Avenida São João, em frente ao Cine Pomodoro. O sócio faleceu. Foi uma experiência difícil, as imediações eram freqüentadas pela “malandragem” da época. Perto da Folha de São Paulo, na Alameda Barão de Limeira, era um local mal freqüentado, até o odor era marcante, cheirava mal. Vendemos o bar para nos livrarmos daquilo. Naquela época a rodoviária não existia ainda, foi construída depois nas imediações. Decidi mudar de atividade, com meu cunhado Manoel, fui ser corretor de imóveis. Tinha escritório na Praça da Sé. Além das vendas e locações vendíamos terrenos em loteamentos, como no Butantã, na Avenida Raposo Tavares. Ganhei muita experiência com essa atividade.
Após encerrar a carreira de corretor de imóveis qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar como taxista. Trabalhei nessa profissão por vinte anos, em São Paulo. Trabalhei sempre com Fusca, das mais diversas cores: amarelo, cinza, azul. Trabalhava durante o dia, quando tinha movimento avançava até as dez horas da noite. Meu ponto era fixo, ficava no bairro Pompéia, naquele tempo o ponto já tinha telefone. Passei a trabalhar com taxi para poder estudar violino.
Quando o senhor passou a gostar de música?
Quando nasci! Ainda pequeno já tocava violão, cavaquinho, ainda muito pequeno eu já cantava afinado. Meu irmão mais velho executava musica com o cavaquinho, eu ainda muito novo, quando percebia que havia uma mudança de notas acompanhava já bem afinado. Isso no interior, no meio do mato. Na época trabalhávamos no sítio, próximo a Sertanópolis, no Paraná.
Sua paixão pelo violino nasceu quando?
Eu tinha atração não só pelo violino como pelo violão também. Onde estávamos não havia cursos especializados, estudávamos “a olho”. Sem método. Após vir para São Paulo, depois de muitas experiências, passei a estudar violino metodicamente.
O primeiro violino que o senhor adquiriu foi quando?
Comprei um violão na Casa Di Giorgio, em 1946, pagando a vista.  Eu estava com meu irmão quando adquiri esse violão, é um instrumento com 70 anos! O violino eu adquiri em 1950. Não era um violino de origem famosa, mas tinha boa qualidade. Conheci um professor que passou a me dar aulas de violino.
O senhor também gosta de serestas?
Gosto e muito! Fiz muitas serenatas, em especial para minha namorada, atualmente minha esposa. Tinha um amigo que cantava divinamente.
Qual era a reação da senhora? Era um sinal de que a moça estava ouvindo, acender a luz do quarto, a senhora acendia?
Meu pai não gostava. Mas eu abria a janela.
Christovam completa:
Havia um acordo entre nós seresteiros, íamos fazendo serestas para as namoradas ou pretendentes de cada um, com isso varávamos a noite tocando e cantando. Tinha um senhor que morava na Vila Maria e mudou-se para o Ipiranga. Fomos fazer uma serenata para a filha dele. Ele veio nos atender, gentilmente, pediu que entrássemos o enamorado era o Alfredinho. Ele muito tímido foi embora logo, nós amanhecemos na casa desse senhor, comendo e bebendo a vontade. Éramos sempre belissimamente recebidos. Era raro oferecerem alguma recepção, mas sempre nos escutavam.
Em que ano o senhor e sua esposa casaram-se?
Casamos no dia 5 de abril de 1947, temos 69 anos de casados. A cerimônia foi na Igreja São José do Belém. Tínhamos que nos confessar antes do casamento, fomos, era uma sexta-feira Santa, estávamos na fila da confissão, ela e eu, houve algum problema com o padre, ele deixou o confessionário e não voltava. Após uma longa espera decidimos ir embora.
Como taxista o senhor teve inúmeros tipos de passageiros.
Sem dúvida. Inclusive dois assaltos, que se considerarmos o tempo em que trabalhei, 20 anos, está bom demais! Não foram violentos, não agrediram. Em um dos assaltos os assaltantes deixaram-me na Estrada de São Miguel Paulista. Pegaram um pouco de dinheiro que eu tinha, o violino, que estava no porta malas, eles não mexeram. No dia seguinte a polícia trouxe-me o carro de volta. Certa ocasião eu estava na Avenida São João, centro de São Paulo, esperando o farol abrir, vi uma pessoa esperando um taxi, parei, o “passageiro” entrou no carro, nisso ia entrar um segundo passageiro, estavam juntos, a policia chegou! Já estava de olho neles, prendeu-os e já me dispensou. Eu sou muito devotado a crença do amor, da bondade. Na crença do crédito perante Deus.
Trabalhando como taxista o senhor conseguia ter tempo e disposição para estudar violino?
Eu queria estudar, mas não tinha tempo nem como estudar. O meu estudo musical foi sempre meio difícil. Quando adquiri o taxi além de trabalhar eu sempre dava um jeito de estudar no Conservatório de Guarulhos, onde estudei por cinco anos.
O senhor através do tempo adquiriu conhecimento suficiente para tornar-se professor de violino?
Foi um bom curso, mas como eu necessitava dividir minhas tarefas, estudar e trabalhar para manter a minha família, deixei de aprofundar-me mais, da forma que eu gostaria, no estudo do violino e da música. O importante é que fiz o curso completo.
O senhor tocou violino em orquestra?
Toquei no Conservatório Amador de Guarulhos. Éramos chamados a tocar em diversos locais. Tocamos por duas vezes no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei como profissional na Orquestra de Osasco, mas a política, que no momento não recordo os detalhes, desmontou a orquestra.
O senhor mencionou Araçoiaba da Serra, qual é a relação do senhor com essa cidade?
Lá adquirimos um empório. Adquirimos uma chácara de 4.000 metros. Assim que cheguei à cidade, indicaram-me um maestro, João Fonseca da Rocha, uma grande alma. E ele me aceitou. Passei a integrar a orquestra. Gravamos o Hino Oficial de Araçoiaba da Serra na cidade de Tatuí. Eu era Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS.
Atualmente o senhor faz poesias?
Tenho poesias que faço, algumas já foram publicadas. Procuro expressar o melhor que o ser humano tem dentro de si.
O que a música significa para o senhor?
Sem ela eu não seria nada. Eu precisaria ser musico conhecer música, para completar a minha existência. Um grande pensador já disse que a música é a arte divina por excelência.
O senhor lembra-se com saudade de Araçoiaba da Serra?
Hoje me emocionei (chorou) quatro vezes ao ouvir o Hino de Araçoiaba. Lugar santo, divino onde morei por 22 anos. Além da música fizemos grandes laços de verdadeiras amizades. O Universo é dirigido pelo amor, veja a força que o amor tem! Quem usou essa força foi o Criador!


Poesia que o Sr. Christovam fez à sua esposa Elisa: A minha amada e/ querida Elisa/ Meu segredo vou revelar/Dizendo a toda gente/ Por que tão derrepente/ Meu coração reprimido/ Dentro de um peito partido/ Vive feliz a cantar.  Porque não dizer tudo agora/ Com verdadeira mansidão/ Tirar de dentro prá fora/ Toda minha devoção/Revelando meu intento/Quero a todos confessar/ Estou cansado, não agüento: Meu desejo é te Amar! 

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