domingo, junho 19, 2016

MARLENE LICCIARDELLO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 


ENTREVISTADA: MARLENE LICCIARDELLO



Marlene Licciardello em sua luta solitária conseguiu vencer por mérito as dificuldades que a vida lhe ofereceu. Criou sua própria infra-estrutura, deu apoio a outras pessoas e mostrou que com fé, trabalho e persistência nada na vida é impossível. Sem estar sob a luz de holofotes, Marlene foi pouco a pouco conquistando seu espaço.  Com a serenidade dos que dominam as dificuldades que a vida nos apresenta, Marlene Licciardello conta-nos um pouco da sua vida, que se não teve o brilho das estrelas tem a determinação que só os vencedores conhecem.
A senhora nasceu em qual cidade?
Nasci em São Paulo, na Maternidade do Brás, a 26 de maio de 1941, filha  única do casal Francisco Licciardello, italiano nascido na Sicilia,  e Helena Filomena Melacci Licciardello. Meu pai era joalheiro, estabelecido na Avenida São João, junto a Praça Júlio Mesquita, centro de São Paulo.
Ele decidiu vir da Itália para o Brasil motivado por algo?
Ele veio com recursos próprios, a família Pauletti o influenciou muito para que viesse ao Brasil. Eram compadres que já tinham vindo para o Brasil. Como se dizia na época “Fizeram a América!”. Ficaram muito bem de vida, com uma situação financeira privilegiada, voltavam sempre para a Sicília para visitar os parentes. Papai se influenciou, falavam muito do Brasil, na época ele tinha vinte e poucos anos.
E aqui ele conquistou uma boa situação financeira?
Era uma época em que se permitia o uso de jóias, as famílias adquiriam jóias  e usavam-nas. Além da joalheria ele trabalhava também como relojoeiro.
Como seus pais se conheceram?
Mamãe morava no bairro do Belém e trabalhava como modista de alta costura. Um dia o relógio dela deu problema, ela foi até a relojoaria do meu pai levada por uma amiga que conhecia o trabalho dele. Ele disse-lhe: “-Amanhã a senhora pode vir buscar!”. No dia seguinte ela foi, levou o relógio e percebeu que não estava muito bom. Papai fez isso de propósito, para que ela voltasse! Quando ela voltou conversaram, ela disse que seus pais eram da Calábria, a simpatia mutua gerou o pedido de namoro por parte do meu pai. Casaram-se na Igreja do Brás, perto da Rua Piratininga. Isso foi em 1939, em 1941 eu nasci. A lua de mel deles foi em uma fazenda em Jacareí.  Na época papai tinha um automóvel conhecido popularmente por “baratinha”. Era um Ford 1929.
Os seus estudos começaram em qual escola?
Começaram na Escola Sagrada Família, na Avenida Nazareth. Depois fui para o Colégio Maria José. Depois fui para o Colégio Dante Alighieri.



O  Dante Alighieri  era uma escola de elite?
Ainda é! Atravessávamos o Trianon para chegar a Alameda Jaú. O ônibus do próprio colégio nos levava. O Colégio Maria José também tinha ônibus que vinha buscar os alunos. Por volta de 1946 meu pai decidiu voltar a Itália. Foi muito difícil, encontramos um país pós-guerra. Fomos para a cidade onde meu pai nasceu: Catânia. O país todo estava em situação precária. Os pais dele sempre escreviam que lá estava bem, já passou a guerra. Na realidade quando eles chegaram não bem assim. Fomos com um navio italiano, a viagem durou 15 dias. Decidimos voltar ao Brasil, viemos pelo navio brasileiro Cuiabá, a viagem durou um mês. Na volta minha mãe passou muito mal, não comia. Quando chegou à costa brasileira, o navio fez uma escala em Salvador, meu pai desceu, comprou uma panela e fez macarrão para a minha mãe, dentro da cabine. Meu pai era muito engenhoso, inteligente. Antes de ir para a Itália ele estava muito bem de vida, tinha várias propriedades. Na Itália ele perdeu tudo. Antes de voltar para o Brasil, foi para Milão, sozinho, de trem, onde comprou máquinas para fazer correntes grumet, foi ele quem iniciou no Brasil a fabricação dessas correntes. Em sociedade com um italiano, milanês, eles estabeleceram a fábrica na Rua da Consolação. Fez sociedade com a A. C. Belizia S. A. Jóias e Relógios, joalheiros famosos em São Paulo. Meu pai faleceu muito moço, com 54 anos, eu tinha 19 anos. O sonho dele era me formar, ele dizia: “-Minha normalista!” ou “Minha professorinha!”.  Quando ele faleceu, eu estava estudando, formei-me no Instituto Proença, na Mooca. Era uma escola famosa, difícil de entrar.
Com o falecimento do seu pai, a senhora e sua mãe tiveram que sobreviver sozinhas, como foi?
O meu pai acreditava que iria reverter as coisas, tornar a ser o grande industrial que já tinha sido, só que não deu tempo disso acontecer. O choque foi muito grande, e de repente eu me vi como arrimo de família. Já tinha me formado como professora, mas na época quem estava iniciando tinha que ir para o interior, mamãe não tinha boa saúde. Houve um concurso na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, situada na Rua Rangel Pestana, 300. Comecei como escrituraria, permaneci nessa função por uns seis anos, tive uma chefe muito boa, a senhora Laura Prado, trabalhei no Setor de Empenhos, empenhávamos notas de empenho para poder pagar as despesas públicas, inclusive dos fiscais de renda, do pessoal. Eu fazia o DSI - Departamento de Serviço do Interior. O Estado alugava prédios, os aluguéis iam diretamente para a Secretaria da Fazenda, os processos vinham, eu fazia o empenho para poder liberar os pagamentos. Carvalho Pinto era o Secretário da Fazenda, trabalhava no mesmo prédio, era um homem honestíssimo. Ele reestruturou a Secretaria da Fazenda, descentralizou.
Para a senhora essa mudança foi boa ou ruim?
Para mim foi bom, o fato de não ser muito antiga não deu acesso a uma chefia. Só que eu era a única que tinha o Curso Normal, e a minha chefia disse-me que eu iria fazer um curso que o governo estava dando na famosa Fundação Getulio Vargas era um curso de três a quatro meses, ali na Avenida Nove de Julho. Para mim foi motivo de grande alegria, participar de uma entidade de alto nível, junto àqueles alunos de uma condição selecionada. Se você soubesse como estudei, sábado, domingo, feriado. Eu queria e precisava ter boas notas.  Tirei notas altas já nas primeiras provas, aquilo repercutiu muito. Quando voltei da FGV fui para a chefia. A minha chefe, Meire Vasconcelos, foi muito boa, ela disse-me: “-Você precisa ter nível universitário!”. Eu não queria mais estudar, minha mãe tinha quebrado o colo do fêmur, pensei que voltar à escola já com 28 anos, tudo isso pesava. Criei a coragem necessária e fiz a faculdade de administração de empresas, na atual Universidade São Judas Tadeu. O meu objetivo era fazer a faculdade para garantir a chefia, só que saiu um concurso para Técnico Administrador Fiz o concurso, entre 300 candidatos passei em décimo quarto lugar. Saí da Secretaria da Fazenda e fui para a Secretaria do Planejamento, situada na Avenida Higienópolis. Era o Departamento de Orçamento e Custo. A essa altura eu morava na Rua Maria Antonia. Morei 30 anos lá. Fiquei Chefe do Departamento de Orçamento e Custos, fazia inclusive o orçamento da Secretaria da Agricultura, que era enorme. Tudo isso era feito a mão. Era um serviço fenomenal. Fazia o levantamento das despesas, existiam formulários que ia para todos os setores de cada secretaria. Para fazer uma previsão do que eles precisavam. Desde material de consumo como lápis, papel, caderno até material permanente, maquinários, máquinas de escrever. Recebíamos esses formulários, computávamos tudo em máquinas manuais, no inicio usava a máquina de calcular Facit de girar. Não existiam máquinas elétricas, depois é que veio a Olivetti elétrica. Não existia computador.
Depois fui para a Secretaria da Justiça.
Ficava no Pátio do Colégio, isso após cinco anos como técnicos administradora, fui como assessora. Eu não fazia a parte mecânica, dava pareceres em processos na minha área de finanças. Era tudo muito técnico, havia um controle muito bem estruturado em todas as secretarias. Quando entrei na Secretaria da Fazenda trabalhava do meio dia às seis horas da tarde. E trabalhava no sábado, das nove horas da manhã até o meio dia. Depois tiraram o sábado e passamos a entrar às onze horas da manhã. Depois veio o horário integral. Trabalhávamos das oito horas da manhã até as seis da tarde. Eu ainda era escrituraria e precisava comprar um telefone para minha casa. Além de custar uma fortuna não era fácil comprar, não existiam telefones disponíveis. Até que apareceu um plano onde podia adquirir um telefone para pagar em 24 prestações. O meu salário não dava para pagar uma prestação. Como havia muito serviço na nossa chefia, quem queria às seis horas da tarde ia embora para casa, quem quisesse fazer hora extra ficava ate às onze horas da noite. O continuo ia buscar o lanche em frente à Secretaria, geralmente era sanduíche bauru e Coca-Cola.
Naquela época podia sair no centro de São Paulo às onze horas da noite.
Era uma maravilha! Ficava na Praça da Sé esperando o ônibus.Nunca houve nada. Eu tomava o ônibus na Praça Clovis Bevilacqua.  Não existia metrô. As duas praças, Sé e Clovis Bevilacqua foram unificados. O edifício Santa Helena foi demolido, na gestão de Olavo Setubal. Lembro-me das Lojas Clipper, tinha uma amiga da mamãe que dizia: “- Vamos passear na Clipper!”. Eles tinham uma perua que transportavam os clientes. Ficávamos felizes em andar naquelas peruas. Quando tinha meus onze anos, mamãe dizia, vamos nos arrumarmos bem, iremos até a Rua Direita e depois na Rua Barão de Itapetininga. Era chiquérrimo. Na Rua Direita só podia andar bem arrumada, de salto alto. Fazia compras na Marcel Modas. Casas Fretin.
A sua mãe trabalhava fora de casa?
Não. A minha mãe ficou muito doente, quando fomos à Itália sofremos um desastre de trem, ela ficou com a coluna ruim, perdeu parte do pulmão. Foi traumatizante. Em 1993 minha mãe faleceu. Eu fui para a Itália, tinha trabalhado 30 anos no Estado, já estava aposentada. O irmão do meu pai, meu tio Umberto, estava vivo, morando na Itália. Revi a casa dos meus avós, estive com meus primos, parentes.
Como você veio morar em Piracicaba?
A princípio eu pensava em morar na Itália, tenho passaporte italiano. Recebi um convite para ser secretária do Clube Atlético Paulistano onde me tornei Coordenadora de Eventos Culturais. O Clube Paulistano tem um teatro maravilhoso. Permaneci quase dois anos. Foi uma experiência interessante. Foi a época em que informatizamos o clube. Até então era tudo feito a mão. Nas minhas férias eu vinha com a mamãe para Águas de São Pedro, no Hotel Villa. Aposentei-me, vim com a minha mãe, ficamos um tempo em Águas de São Pedro, depois fomos para São Pedro, onde ela faleceu.  Voltei para São Paulo, só que já não me acostumava mais no apartamento na Rua Maria Antonia. Queria qualidade de vida. Voltei para São Pedro, aluguei uma casinha lá e deixei meu apartamento fechado em São Paulo. Faleceu uma prima em São Paulo, fui ao enterro, e as outras três irmãs dela, também minhas primas, estavam em uma situação que tinha que ter alguém que olhasse por elas. Por muitas vezes fui de São Pedro até a Rua Taquari, na Mooca, para dar assistência às três primas: uma na cadeira de rodas, outra com quase 100 anos, outra que faleceu recentemente, eram primas da minha mãe.
Um dia vindo de São Paulo, passei e vi: Lar dos Velhinhos. Achei interessante. Entrei, conversei com diversas pessoas, passou algum tempo voltei em outubro de 2008. Estavam construindo algumas casas, mostrei interesse em adquirir uma, fui apresentada à Suzi, que cuidava dessa área, comprei uma casa. Chegando a São Paulo, comentei com as minhas primas, elas foram radicalmente contra qualquer mudança, a casa em que moravam tinha sido construída pelo pai delas. Convenci-as de ao menos tentar morar aqui sem vender a casa em São Paulo. Quando aqui chegaram, adoraram. Minha prima Catarina ia fazer 100 anos no dia 13 de junho de 2009 fizemos a festa na casa do Lar no Monte Alegre, com a família toda. Dali a uma semana ela faleceu.
Quantos idiomas você fala?

Português, inglês e italiano. Faço parte do Friendship Force que é um clube internacional de amizades. Fui para a Bélgica, Alemanha com esse grupo, isso foi em 2012. De lá fui para a Itália, rever minhas primas. Não via a hora de voltar ao Brasil. Gosto muito do meu país. 

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