domingo, agosto 13, 2017

NELSON CARRANO TORRES


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Terça Feira 01 de agosto de 2017.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: NELSON CARRANO TORRES

 


Nelson Carrano Torres nasceu em Piracicaba a 6 de janeiro de 1943, filho do conceituado Dr. Alcides Di Paravicini Torres, engenheiro agrônomo, professor, pesquisador e Severina Carrano Torres (Nena) professora de formação, assim que casou-se deixou de lecionar. Nelson Carrano Torres é o diretor da Agência Torres Passagens e Turismo, mais conhecida como Agência Torres. Foi entre muitas atividades Secretário Municipal do Turismo de Piracicaba na gestão do prefeito Humberto de Campos. É vice-presidente da Associação dos Municípios de Interesse Cultural e Turístico de São Paulo (AMITUR). É o presidente fundador da Associação das Agências de Viagens Independentes do Interior do Estado de São Paulo (Aviesp).

O senhor morava dentro do campus da Esalq?

O meu pai foi catedrático de zootecnia, cientista, foi diretor da Esalq por três vezes, é do meu conhecimento que foi o única vez que a Esalq teve o mesmo diretor por três vezes. Naquela época a então Escola Agrícola, como era denominada, era afastada do mundo, fazia-se uma verdadeira viagem para chegar até lá. Tiveram seis filhos: Flávio, Flávia, Paulo, Nelson, Alcides e Guilherme. Meu pai foi assistente de Nikolay Atanasoff, deu aula na seção dele de zootecnia e foi continuador da sua obra. Com a saída do Dr. Atanasoff meu pai assumiu a cátedra. O Dr. Atanasoff praticamente foi o implantador da zootecnia na Esalq, ele chegou com conhecimentos que estava trazendo da Bulgária e da França. Meu pi foi fundador do Rotary Club de Piracicaba e o Atanasoff frequentou o Rotary daqui. Eu tenho parentes que foram cafeicultores no sul da Bahia, meu tio tataravo foi o Barão Di Paravicini, a origem Di Paravicini é suiça. Nessa última vez que fui àBahia estive na casa da Maria Machadão. Ali era o encontro dos latifundiários. Fui olhar ao lado da cabeceira dela, fizeram uma vitrine, lá dentro tinha um livro, era o livro do Nikolay Atanasoff !

Foi um privilégio muito grande morar na casa do diretor da Escola de Agronomia?

O meu pai concluiu a construção da casa do diretor da Esalq. Nós moramos em uma casa que foi construída na décima quarta cadeira de zootecnia, que o pessoal chama de aviário. Não existia essa parte da Esalq, ela foi adquirida pelo Governo do Estado, posteriormente a doação feita por Luiz de Queiroz, em 1939 acharam por bem desapropriar uma área, onde era a Vila Boyes, que ia até o Rio Piracicaba. Antes disso foi acertado com o meu pai para ele desbravar aquele mato, ali era mato fechado. Meu pai construiu uma casa para nós morarmos, casas para os funcionários do aviário, salas onde ele dava aulas, ele foi praticamente um desbravador daquela área. Isso foi no ano em que nasci. Mudamos para a residência recém construída em 1943 onde morei por 30 anos, até a aposentadoria de meu pai.

O meio de transporte para a “cidade” era o bonde?

Até as onze horas da noite era o bonde. Se perdesse o último bonde tinha que vir a pé. Quando era o horário de pico eles colocavam um segundo vagão ou reboque tracionado pelo bonde. Como era praticamente a única forma de transporte, o bonde professores, alunos.

O seu pai teve automóvel?

O meu pai tinha.  Na Escola de Agronomia tinha no máximo uns dez automóveis. Os dois primeiros anos eu estudei em uma escola rural que havia na Escola da Agronomia para os filhos dos moradores. Não havia separação entre as crianças, era uma família. Nessa época, meu pai tinha sob sua supervisão uns quarenta funcionários, a minha vida foi junto com os filhos deles. Para nós aquilo tudo foi um paraíso. Depois que saí da escolinha, comecei a estudar no Grupo Escolar Morais Barros e posteriormente no Colégio Piracicabano.

Da Escola Agrícola até o Grupo Escolar Moraes Barros qual era a condução que o senhor utilizava?

Eu ia de charrete. Com essa idade não era possível ir sozinho, ia com o charreteiro, ele me trazia eu voltava de bonde. Eu pegava o bonde no ponto, atrás da catedral, atravessava o jardim, passava pelo então Teatro Santo Estevão. A seguir passei a estudar no Colégio Piracicabano. Ia de charrete, voltava de bonde, ou ia a cavalo.

O senhor ia estudar no Colégio Piracicabano, situado a Rua Boa Morte, em pleno centro de Piracicaba, montado em um cavalo?

Chegava ao colégio, amarrava o cavalo, ele ficava pastando, tinha bastante gramado atrás do colégio. Era uma égua mansinha, chamava-se “Cigana”. Não aborrecia ninguém. Para os meus passeios aos sábados e domingos eu usava o “Chavequiar”, era um garanhão árabe. Para vir com ele para a cidade tinha que dar umas quatro ou cinco voltas para ele acalmar um pouco.

Tinha outros alunos que iam a Colégio Piracicabano montados a cavalo?

Só eu que, ia cavalo!

Além de andar a cavalo o senhor praticava algum esporte?

Eu era remador. A primeira atividade empresarial que tive foi fabricar sandolin. Fiz uns 20 e poucos sandolin.

Era um pouco exótico um aluno ir assistir as aulas em pleno centro montado em um cavalo?

Era um pouco exótico, mas não muito. O Colégio Piracicabano nessa época tinha o internato masculino e feminino. Noventa por cento dos internos eram filhos de fazendeiros, oriundos do Mato Grosso, Paraná. Era a elite. Hoje estamos falando do agro-negócio, a elite naquela época era denominada de “fazendeiros”. Para eles um cavalo era uma figura comum. O resto da cidade também estava acostumado com a circulação de animais pela cidade, havia carrinhos de tração animal que entregavam pão, leite. Estamos nos referindo aos anos 50, havia bebedouros para cavalos em frente a Estação Sorocabana, Estação Paulista. Não era usual o aluno ir a cavalo para escola porque não tinham o animal e todos moravam na cidade, moravam perto do Colégio.

Lembro-me do Sebastião, do Seu Urias. O Sebastião além de bedel tomava conta do internato masculino, pessoa fantástica. Tive aulas com grandes mestres: Arquimedes Dutra, Demóstenes Correa.  Benedito de Andrade foi meu professor e amigo, ele dava aula para mim no colégio e depois na Brasserie. Um fato curioso é que Benedito de Andrade falava alguns idiomas e eu também então falavamos em algum idioma diferente só para convencer os freqüentadores da nossa mesa. A nossa mesa sempre foi a mesa 10. Na nossa mesa sentavam pessoas que falavam diversos idiomas, ou seja, mais de quatro idiomas, faziam parte dela o médico Galaor Araujo Filho, Dr. Jardim,  e outros, todos eles muito modestos. Tínhamos uma nobre e sábia figura que apreciava muito as empadas da Brasserie. Entrava apenas para comprar uma empada. O detalhe é que tinha que ser a empada que ele escolhia. Pela importância da pessoa e a situação inusitada, cada vez que ele entrava, como por milagre, fazia-se silêncio e todos convergiam os olhos para aquela importante figura e sua detalhada escolha. Era um espetáculo imperdível.  Os proprietários da Brasserie eram o Zica, João, Giba e Ineizinha.

Ao lado da Brasserie existia o Restaurante alvorada, de Oscar Nishimura, você chegou a conhecê-lo?

Ele morava no apartamento no andar de cima do meu apartamento. Freqüentei muito o Alvorada. Tinha uma pizza excelente. A Joana, sua filha foi minha colega de classe.

Na Rua do Rosário havia a entrada para um centro de esportes do Colégio Piracicabano, com quadra coberta, piscina.

A piscina era o Sebastião quem tomava conta. Era a única piscina da cidade. Nós que fomos alunos naquela época mantemos contato até hoje, às vezes nos reunimos 20 a 30 colegas em uma chácara.

O professor Gustavo Jacques Dias Alvim é dessa época?

O Gustavo foi meu professor, o pai dele era amigo do meu avô, Dr. Alcides Torres, ambos eram médicos. Dr. Alcides Torres foi clínico, professor da Faculdade de Farmácia que havia em Piracicaba. Foi professor na Faculdade de Medicina no Rio de Janeiro. A defesa de tese do meu avô era sobre ferimentos de projéteis (balas) na Guerra dos Canudos da qual ele participou. Ele era do corpo médico. Em 1932 meu avô foi para frente de batalha, Walter Accorsi foi ferido na coxa com um tiro de fuzil. O Dr. Walter Accorsi toda vez que me encontrava contava a história de que em outra ocasião o meu avô havia salvado a vida dele. 

Os seus estudos continuaram no Colégio Piracicabano?

Fiz o ginásio e o científico no Colégio Piracicabano, estudei alguns anos no Sud Mennucci. Meu pai não gostava muito que eu viesse de cavalo para a cidade, ele me ajudou a comprar uma motocicleta. Foi uma Excelior 98cc, comprada do Agenor Canobello em 27/12/1957 quando eu tinha 14 anos, custou Cr$ 11.500,00. Para essa cilindrada da motocicleta não era exigida a carteira de motociclista. Tinha em Piracicaba um pessoal aficionado por motocicleta, gostávamos da motocicleta pela sua mecânica, como máquina. Toda motocicleta que eu comprava eu a desmontava, depois montava novamente, eu gostava muito de mecânica. Participei de corridas de motos em Interlagos, Piracicaba, Londres. Fui proprietário de mais de 60 motos, adquiria, usava, vendia. Tive todos os modelos da BMW, sendo que a mais antiga foi uma de ano 1938. Depois 1948, 1951.Tive algumas Harley Davidson, quando falo que tive algumas, é que ia trocando, vendia uma e adquiria outra. Em função dos meus recursos, as primeiras eu adquiri em leilões da Polícia Rodoviária. Eram sucatas, reformava, fazia com que ela ficasse em bom estado. São máquinas boas, em média 400 quilos cada uma, a minha  segunda moto foi uma Zundapp – 1.939, 250cc comprada de Miguel Sanchez.. É uma máquina alemã, muito utilizada na Segunda Guerra Mundial. Tive várias Zundapp, uma delas era de 1.000 cilindradas, quatro cilindros. Por sinal era uma máquina que puxava um Sidecar para metralhadoras. O Sidecar eu deixei. Comprei só a moto, imaginei o que iria fazer com um trambolho daqueles. Se eu tivesse recursos teria segurado, Mas como estava querendo andar mesmo, o sidecar atrapalhava. Tive Maserati que na época era rara também.

Piracicaba tinha muitas motos?

Nós tínhamos um clube, inclusive fui eu que fundei.  Sou um dos fundadores do Piracicaba Moto Clube. Pircicaba foi a cidade do interior que teve o maior número de motos Indian.

Tem uma fotografia muito interessante do Anísio (do estacionamento de carros) em pé sobre uma motocicleta em movimento.

O Anísio é parceiro meu! A “nossa pista” era na Avenida Carlos Botelho, em chão batido de terra. Eu morava ali perto, na Escola Agrícola, e o Anísio morava no maio da Avenida Carlos Botelho, por coincidência em frente a casa do Mineiro (Nilson), que era o melhor mecânico de motos que havia no Estado.

Quantos associados faziam parte do Moto Clube de Piracicaba?

Tínhamos uns quarenta motociclistas.  Alguns dos que faziam parte eram o Pedro Santos que tinha uma Indian, O Loirão (Anísio) tinha uma Indian, tive Indian, Harley.

E a Jawa era uma moto que fazia sucesso?

A Jawa era uma das melhores motos, mas era uma moto muito civilizada, por sinal antes de eu ter a minha moto a minha irmã tinha uma moto Jawa 250 isso é uma raridade também, na cidade mulher não andava de moto, e a minha irmã Flávia foi uma das pioneiras. Eu tive diversas motos Jawa também: 250; 175; 350 eram feitas na Tchecoslováquia, era uma moto muito boa e não era cara.

Todas com tração com corrente?

Das que eu tive, a BMW e a Zundapp tinham tração com cardan. A Zundapp e a BMW eram de fabricação de 1938, já com cardan. Eram motocicletas que tinham alguns avanços que o restante do mundo foi conseguir quarenta anos depois.

Quais eram os locais para os quais vocês iam passear com as motos?

O nosso ponto de encontro era em frente da bomboniere do Seu Passarella. Fazíamos “ponto” também em frente ao INCO - Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina, ao lado da Cafeteria Nova Aurora, parávamos um pouco adiante do Passarella, em frente a Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin. Atualmente ali é parte do estacionamento do Bradesco. Parávamos ali, 20, 30 motos.

Qual era a reação das demais pessoas com relação a tudo isso?

Como proporcionalmente a população o número de motocicletas era pequeno, de certa forma o motociclista era visto como um sujeito excentrico. Não era considerado como um veículo de transporte e sim como uma excentricidade.

Andavam com capacete ou sem capacete?

Não existia capacete, luvas, nem óculos.

E nas estradas de terra?

Ia no peito mesmo! Às vezes algum inseto atingia o olho, o mais comum era usar um óculos normal como proteção para os olhos. No nosso grupo havia dois ou três participantes que usavam capacete de couro que eram utilizados pelos pilotos de avião durante a Segunda Guerra Mundial, mas era mais para compor um visual do que para proteção. O Mineiro tinha um capacete de couro, assim como o Roni Leite do Canto, que era outro expert em mecânica, ele também dava assistencia técnica para o revendedor Lambretta de Piracicaba, que  era o Cadiolli, ficava na Rua XV de Novembro.  Naquele tempo quase ninguém usava capacete, as estradas em sua grande maioria era de terra, só a estrada que ia para São Paulo que tinha um pedacinho asfaltado,  a velocidade nossa em viagem não era excessiva, o pessoal gostava muito de Indian, Harley, BMW que eram motos estradeiras, pneu largo.

Qual era o horário mais comum para essas viagens?

Costumavamos viajar a noite, reuniamos ali em frente ao Zanin e inventava ali pelas tantas: “Vamos para Poços de Caldas?”. Íamos para Poços de Caldas, lá havia uma vida noturna muito animada. Ficávamos lá até de madrugada, chegava umas cinco, seis horas da manhã voltávamos. Daqui até Poços de Caldas eram cerca de 150 a 160 quilômetros. Iamos parando, se divertindo.

Duas coisas perigosas são a poeira e a chuva. A poeira pela derrapagem e a chuva pelo risco que oferece a lama.

Procurávamos viajar com tempo bom. Quando chovia, paciência! Os primeiros pingos só que são um pouco confusos. Depois se acostuma. Íamos muito para São Paulo, nosso destino era a Rua Augusta.

Um artista, apresentador, comediante, apaixonado por motocicleta, o Jô Soares, ele também era freqüentador da Rua Augusta com sua motocicleta.

Era meu companheiro de BMW! Andamos muito cada um com sua moto. Ele fazia ponto em frente ao Bolinha. Havia dois locais que freqüentávamos, o Bolinha, onde comíamos a famosa feijoada e outro era o Pandoro, onde tinha o tradicional Caju Amigo, uma bebida suave a base de caju.Nós começamos a freqüentar a Rua Augusta uns dez anos antes do Jô Soares aparecer por lá. Quando ele começou a freqüentar a Augusta ele tinha uma moto igual a minha, BMW R69S, essa moto foi lançada em 1974, freqüentávamos a Rua Augusta próximo a atual Avenida Faria Lima. Freqüentávamos a Rua Augusta inteira, tinha muitos restaurantes bons, o Gigetto, Babo Giovanni, casas de shows, em frente ao então Hotel Ca'd'Oro, que infelizmente encerrou suas atividades. Quando encerrou o ciclo da Rua Augusta começamos a frequentar a Nestor Pestana, onde tem o Teatro Cultura, o Kilt, este último encerrou também suas atividades recentemente.  

Você chegou a conhecer a famosa casa noturna “La Licorne”,frequentada por personalidades nacionais e internacionais como  o diplomata americano Henry Kissinger, figura proeminente na política externa dos Estados Unidos entre 1968 e 1976, Nat King Cole, Júlio Iglesias?

Eu morei quase em cima do La Licorne. Na época eu estudava no Mackenzie, morava na Rua Dr. Vila Nova, na frente do prédio onde eu morava era o La Licorne, e embaixo do prédio havia outra casa de shows. Era a época de ouro da Rua Major Sertório. Logo acima tinha o João Sebastião Bar que marcou uma época em São Paulo, era uma época romântica, elegante, ali tinha jazz, música clássica, a freqüência em ambos os locais era composta por um pessoal mais refinado, não era um local que a visão distorcida de alguns rotulou de forma grosseira. Poderíamos comparar sem sombra de duvidas o La Licorne com o Moulin Rouge de Paris do tempo de Toulouse-Lautrec, a frequência era de intelectuais, de pessoas com recursos proporcionais ao meio. A frequência feminina era elitizada. Nessa época quem gostasse da madrugada tinha que ir em um ambiente desses porque não tinha outro lugar para ir. Muita gente ia lá para tomar um drink, conversar, ver amigos. Música ao vivo, tudo da melhor qualidade. Era o lugar aonde tinha o champagne francês, assim como o vinho. Geralmente em outros locais a bebida era alterada. Lá tinha qualidade em tudo, segurança total. A Rua Major Sertório inteirinha era extremamente segura.

Nessa época um dos célebres boemios era Adoniran Barbosa, algum dia o encontrou?

O pessoal dessa faixa nós encontrávamos no Bar Brahma, na decantada esquina Avenida Ipiranga com Avenida São João. Ali sempre tinha e continua tendo, artistas famosos dando uma “canja”. Angela Maria, o saudoso Cauby Peixoto e tantos outros. É interessante que ali havia muitos artistas e muitos piracicabanos! Isso porque era próximo ao ponto de ônibus do Expresso Piracicabano. Na época não havia rodoviária em São Paulo. No lado oposto ao Bar Brahma havia a garagem de ônibus que o Expresso Piracicabano usava, o Zefir usava. No andar superior  da garagem de automóveis que iam para Santos, ficava o “Palácio de Cristal”. Isso é uma curiosidade, hoje ninguém pode imaginar ser possível ter existido um lugar aonde o cavalheiro ia, muito bem alinhado, e pagava para dançar por determinado tempo. Era o Taxi Dancing. Era um ambiente de máximo respeito.

Em que ano o senhor foi para São Paulo?

Eu me formei em Economia em 1968 no Mackenzie. O primeiro ano fiz em Piracicaba, na ECA- Faculdade de Economia, Contabilidade e Administração, nesse ano tive aula com o Professor Gustavo Jacques Dias Alvim. Quando estudei no Mackenzie eu ia para São Paulo de moto, saia de Piracicaba as seis horas chegava lá as sete e meia. A aula começava às oito horas. A estrada não tinha tanto movimento embora um pequeno trecho fosse sem asfalto. Às vezes ia de carro.

Qual foi o seu primeiro carro?

Foi um Simca – Fiat 8, - 1.100cc - 1.949 comprado em 20/11/1962 por R$300.000,00 de Waldemar Bordone. Comprei, desmontei, montei de novo. Na época do Mackenzie eu já tinha um carro que eu preparava para corrida eu usava para chegar mais depressa a aula. Ou a moto, BMW 750 uma R75.

Com as motos, os carros, velozes, o senhor era uma personalidade de destaque no Mackenzie?

Acho que era um dos mais pobres que estudavam lá. Talvez o mais sem juízo, em ir de moto de Piracicaba até lá. Destaque econômico eu nunca tive nenhum, nunca tive dinheiro. Talvez em função da moto o pessoal gostava. Ninguém tinha uma BMW 750! Naquela época as motos não tinham chegado para os boys.

Nelson, e as garotas admiravam a moto?

A maior vantagem da moto era essa!

Quando o senhor começou a trabalhar com turismo?

Por volta de 1964 a 1965. Comecei fazendo turismo sem ter agência própria. Tudo surgiu com a motocicleta. Quando tive possibilidade de ter uma moto mais potente passei a viajar pela America Latina, conheci Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, fiz umas duas viagens sozinho, outras com outro motociclista, me hospedava onde dava certo. O motociclista viaja com pouca roupa, mochila. Fiz umas viagens de carro também para alguns países onde não dava certo ir de moto. Conheci a América Latina inteira. Fui para alguns países da América Central que me interessavam. O Caribe eu conheci em uma segunda fase. Participei de uma excursão com destino ao Peru, México e Estados Unidos.  Quando chegamos lá, os organizadores da viagem, era uma viagem para estudantes, pediram-me, em função da minha facilidade com línguas, para que os ajudasse.

Como o senhor adquiriu essa facilidade com línguas?

O meu pai desde o grupo escolar já exigia que eu falasse em inglês com ele. Tive também a oportunidade de passar muito tempo com meus avôs e todos eles estudaram francês. A literatura deles era toda em francês, e me deram a literatura. Li bastante em francês. Minha família é italiana, tenho um primo na Itália, isso vai facilitando. Depois essas minhas viagens pela América Latina a gente vai aprendendo o espanhol. O importante é a base, eu tive quatro anos de latim. Como eu gostava do latim, tive facilidade com as demais línguas derivadas do latim. Tive aulas de espanhol com José Salles. Tive aulas de francês com dois excelentes professores: Dr. Josaphat de Araújo Lopes e Louis André Mená Neptine, eu gosto muito de francês, tinha a base de egramática, não foi difícil. Também gostava de inglês, meu pai me dava orientação. Me dei bem com outras linguas como o suaíli (suaíli ou suaíle também chamado de suahíli e conhecido pelas formas vernáculas Swahili ou Kiswahili) que é uma lingua falada em uma parte da África e como já fui bastante para lá, em Nairóbi, perto do Kilimanjaro deu para prticar.

A Itália tem muitos dialetos?

Têm! Só que estão sendo esquecidos, nas cidades grandes, não são usados, a Itália é uma autêntica colcha de retalhos, chegamos a ter 70 países na Itália (Principados, ducados) , cada um para não ser igual ao outro reforçava o seu dialeto. Na Itália tem a família Carrano que são parentes da minha mãe, são da região de Santa Maria de Castelabate fica no Parque Nacional de Cilento. Apesar de estar perto de Salermo, tem dialeto também. Cinco quilômetros adiante tem outro dialeto, e assim por diante. Isso porque os feudatários queriam ser diferenciados.

Por  muito tempo o senhor publicou na imprensa piracicabana muitas informações sobre turismo.

Por mais de 30 anos publicamos uma página semanal no Jornal de Piracicaba, em “O Diário” foram mais uns 10 anos. Sempre sobre turismo. Já faz tempo que escrevo em “A Tribuna Piracicabana”

A agência de viagens como surgiu?

Bom, voltamos da excursão que tinhamos mencionado anteriormente, e que me escolheram como lider do grupo, tradutor, interprete, enfim o responsável, Até que formalmente pediram-me para tomar conta desse grupo enqunto eles recepcionam novos grupos que estavam chegando. Eu fiz como base Nova Iorque e Flórida, tinha uma companhia aéraea que usávamos muito, a Braniff International Airways, saia daqui fazia escala em Lima, Panamá, México, San Antonio, Nova Iorque, Miami, São Paulo. Fiz umas quinze excursões dessas, ou indo junto ou esperando eles chegarem em San Antonio, pegava o grupo, naquela época acompanhavamos o grupo. Gostei da coisa, essas excursões pararam eu acabei ficando em uma agência de viagens em Nova Iorque, na 46 quase esquina com a 5º. Fiquei lá uma boa temporada, aprendi essa parte básica da agência, vendiamos passagens para os americanos que vinham para o Brasil e recebíamos os brasileiros que iam para lá. Após alguns meses acabei vindo para o Brasil, depois voltei e fiquei em Miami, aprendendo um pouco mais, conhecendo um pouco mais da região, naquela época ainda não tinha Disney World. O que nós tinhamos de atração era só Miami, Sea Florida, Everglades National Park, Key West.Chegando de lá, comecei a trabalhar, sozinho, em Piracicaba. Comecei a levar grupos daqui. Deu certo. Aluguei uma sala na Galeria Lucia Cristina, onde era a Loja Mantel, do Paulo Carbon. Em seguida o João Chiarini, que era dono de “O Pilão” saiu de lá, me ofereceu, fui para a loja dele. Na Mantel eu tinha uma funcionária só. No Pilão já tinha diversos funcionários. Depois do Pilão fomos para aquele prédio que era do Banco da Cooperativa dos Plantadores de Cana, atrás da catedral.

Foi a primeira agência de turismo de Piracicaba?

Foi a primeira e única por uns dez anos. Iniciamos em 1965. Era a única agência do Estado de São Paulo a Oeste de Campinas. Campinas tinha duas ou três agências. Graças a isso esta agência atendeu o Estado de São Paulo inteiro, inclusive Ribeirão Preto, até hoje tenho inúmeros clientes de Ribeirão Preto. São clientes desde aquela época. Atendemos o Sul do Mato Grosso, Sul de Minas Gerais, Norte do Paraná. Ontem recebi uma mensagem de um cliente de Minas Gerais que compra comigo ha mais de 50 anos, chama-se Luiz Custódio Cotta Martins. Eu vendia muito no passado para o pessoal do nordeste do Brasil, eram empresários ligados a cana-de-açúcar, lá não havia agência de viagens. Como sou um expert na área de eventos sucro-alcooleiro, eu levava e acompanhava o pessoal. Tem alguns líderes que já me contrataram para fazer eventos, para Maceió já levamos quase 5.000 pessoas em um evento. A Agência Tores foi a primeira agência de viagens a entrar oficialmente em Cuba, oficialmente quer dizer com autorização oficial, naquela época era proibido ir à Cuba. Levei uns 30 grupos para Cuba. Organizamos a parte receptiva em Cuba, do Brasil levamos 320 pessoas. Tivemos que fretar dois aviões para levar o pessoal.

Qual foi o impacto que os passageiros tiveram ao chegar a Cuba?

Foi muito interessante, muito forte e revelador. Passamos a admirar bastante o cubano. Como é que pode um país, uma pequena ilha daquela, fazer frente ao poderio militar da maior potência mundial,com um bloqueio total. Não se pode transportar um remédio. Isso foi tão bom para eles que passaram a produzir seus próprios remédios. Só da cana-de-açúcar eles conseguirarm criar mais de 200 sub-produtos ligados a saúde, hoje esses sub-produtos são de certa maneira infiltrados para as grandes empresas, o pessoal acaba usando a tecnologia cubana para uma série de enfermidades que nunca ninguém descobriu com toda a parafernália que eles tem, para se ter uma idéia os cubanos nem computador não tinham naquela época. Esse congresso que organizei lá, tive que usar os nossos computadores. Além dos computadores precários que eles tem, os hackers destruiram os computadores. Usei os meus computadores, dois computadores que levei. Quer dizer que se não fossem os nossos computadares teria sido um desstre total na organização. Forças ocultas destruiram os computadortes deles. Eu e uma funcionária que levei tocamos não só a parte do Brasil, como a parte do mundo inteiro que estava lá. Esse congresso é feito a cada três anos em um local sucro-alcooleiro de expressão no mundo.

O turismo que o senhor promove tem um foco comercial também?

É bastante grande na parte empresarial. Relativo a parte de cana-de-açucar temos clientes até hoje no nordeste.

Foi um nicho que foi descoberto ou criado?

É um nicho. Quando comecei com isso Piracicaba era muito mais forte do que é hoje em termos da indústria de base. Tudo que fazia no Brasil para o stor sucro-alcooleiro era feito pelas Industrias Dedini e nas empresas que orbitavam em torno da Dedini. A Torres era parte da estrutura ligada ao setor sucro-alcooleiro sendo que Piracicaba tem a Sociedade dos Técnicos Açucareiros do Brasil, que é sediada aqui, é uma entidade importante. Temos aqui o maior centro de pesquisa sobre cana-de-açúcar do mundo, que é a Esalq. Acabamos tendo uma forte ligação com esse pessoal. Por intermédio do meu pai, pelo fato de termos morado lá, a nossa ligação com a Esalq é muito forte. Assim como com o pessoal que estudou lá. Temos uma forte entrada também no setor de cafeicultura. Somos agentes oficiais também para os cafeicultores. Pessoal do Sul de Minas Gerais, Mococa, Espirito Santo. Que são os produtores de café fino. Normalmente eu organizo as excursões dos compradores que vem do restante do mundo do sudeste asiático, da Asia, da África, esse intercâmbio eu pratico bastante. Participo muito também do setor voltado ao controle da poluição tanto ambiental como das águas, temos trabalhado bastante em conjunto com essa área, que está sendo motivo de preocupação do mundo, é outro nicho do mercado nosso.

O turismo tradicional é também um foco da Torres?

Posso dizer que hoje o turismo empresarial e comercial representa cinquenta por cento da receita da minha empresa.

O Brasil está aprendendo a explorar o turismo?

Não! Não está! Estamos explorando o turista e não o turismo!  Não estamos absorvendo o que vemos lá fora. O grande entrave que nós temos são os governos, político “xix” que nomeia o sobrinho, com isso ficamos sem os grandes tomadores de decisões, sem os grandes líderes. Com isso nós ficamos praticamente sozinhos, é dificil empresas do porte da nossa tomarmos decisões de nivel mundial. Turismo receptivo, que é o que produz mais riquesa para o país, ele tem que ser apoiado pelo governo. Como é que vou sair daqui e fazer propaganda de Piracicaba na Noruega, na Nova Zelândia, ou nos Estados Unidos. Isso é parte do serviço que o governo deveria fazer. A mesma coisa eu digo do turismo municipal, é um absurdo que o turismo municipal não gasta um centavo para trazer turista para gastar em Piracicaba. E por que? Qual é o interesse nosso em trazer o turismo para cá? O gasto que ele tem aqui dentro só em níveis sociais é fantástico. O emprego no campo do turismo é a atividade mais democratica, mais niveladora que existe, se dermos mais empregos a esse pessoal que está aguardando o turista chegar quais serão os mais beneficiados? Um guardador de carro, um garçom, auxiliar de cozinha, que é o pessoal menos qualificado, que não tem colocação em indústria ou outros locais. Só que esse pessoal em Piracicaba fica marginalizado porque nós vamos ao Deus dará.

Piracicaba tem infra estrutura hoteleira para receber turistas?

Não! Acho que está faltando ainda.

Se o senhor quiser fazer um evento para 3.000 pessoas existe condições?

Tem! Sabe onde ponho esse pessoal? Àguas de São Pedro, Rio Claro. Quando tem grandes eventos aqui eu hospedo uma parte do pessoal. O demais vão para Rio Claro. Àguas de São Pedro, São Pedro. Os que querem um hotel um pouco melhor estou colocando em Campinas. As diretorias e o pessoal que quer ficar em um hotel bom coloco em Campinas.

O que falta à Piracicaba para mudar esse quadro?

Falta incentivo! O Poder Público tem que incentivar para que venham hotéis para cá. Quem faz um hotel aqui é uma briga de foice para conseguir uma liberação. Um apoio. A grande maioria desiste e vai escolher outro lugar. Existe centenas de municipios oferecendo, correndo atrás dos investidores. E nós fazemos o contrário! O Conselho tem que ser da área empresarial: hoteleiros, gente ligada ao setor.

O senhor que é um homem que conhece inúmeros lugares do planeta, pode afirmar que Piracicaba tem potencial para o turismo?

Posso afirmar que Piracicaba não só tem potencial turístico, como é a cidade que tem o maior potencial turístico do interior do Brasil. Tirando as praias, não existe nenhuma cidade que tenha o potencial que Piracicaba tem. As belezas que nós temos. Qual é a cidade que é atravessada por um rio, com um salto no meio da cidade, dentro de uma área de mata atlântica, preservada, isso no aspecto geográfico, Qual é a cidade que tem a Casa do Fundador? Uma cidade de 250 anos que tem uma casa do fundador, não existe. Há pessoas que dizem que ali não é a Casa do Fundador, Aqui se faz ao contrário.

Tivemos a casa do Barão de Serra Negra que foi demolida.

Quer um absurdo maior do que isso! Derrubam um palacete imperial para fazer estacionamento! Piracicicaba tem coisa fantásticas. Temos uma Esalq! Dá para ficar dois dias dentro da Esalq. Temos um aeroporto fantástico aqui, que é o Viracopos, está a 45 minutos de Piracicaba. É o melhor aeroporto da América Latina.

Atualmente a Agência Torres ocupa as antigas instalações do Clube de Regatas de Piracicaba.

Além do sentimento romantico e poético do local, uma das razões por que mudamos é  a facilidade do cliente estacionar em nosso estacionamento próprio. Antes eu estava ocupando as mansões do Dedini. Inclusive em uma das salas havia uma pintura muito detalhada das Industrias Dedini. Era um afresco, quem restaurou fui eu, paguei para o Galdi que é o melhor pintor muralista que nós temos. Depois que sai do prédio, foi alugado e no processo da reforma para a nova empresa pintaram uma obra de arte com tinta latex, escondendo-a.

 

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