sábado, junho 04, 2011

Geraldo Ometto

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 28 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: Geraldo Ometto
Para dar esta entrevista Geraldo Ometto teve que adiar um compromisso assumido anteriormente, ele iria podar uma quaresmeira que já estava com seus galhos muito altos. Na garagem da sua casa uma pick-up compacta, muito moderninha, com lona na caçamba, objeto de desejo de muitos jovens, sugere que ali mora alguém que dirige. Geraldo Ometto foi lavrador, pedreiro, motorista de taxi, poceiro (que fabrica poços de água), comerciante, carpinteiro, exímio fabricante de cachaça, atividade que ainda pratica, produzindo em um pequeno alambique, cachaça artesanal, destilada “gota a gota”, sem nenhuma pressa, como ele mesmo afirma, “- Só para o gasto”! No quintal da sua casa cultiva uma horta com boa variedade de verduras, que abastece a cozinha de cinco famílias. Com um torno elétrico faz peças de madeira, fabrica, conserta, cria objetos, móveis. Ele acabou de voltar de uma viagem á passeio em Recife, onde permaneceu por vários dias. Passear é com ele mesmo, regularmente ele assume com muita segurança o volante da sua reluzente pick-up e acompanhado da sua animada esposa vai até Santa Maria da Serra, cerca de 80 quilômetros de estrada, um motorista que deveria servir de modelo, caso os órgãos de trânsito o descobrisse, afinal em aproximadamente 60 anos dirigindo ele nunca levou uma única multa de trânsito. Geraldo Ometto tem quase 91 anos! Em determinado instante ele confidencia: “- Nem eu acredito que tenho essa idade!” Nascido no bairro rural Floresta, em Piracicaba, a 12 de janeiro de 1921, filho primogênito dos 10 filhos do casal Jorge Ometto e Assunta Scarpari Ometto.

Que atividade rural era exercida na propriedade dos pais do senhor?

Era a lavoura, com plantação de milho, arroz, feijão algodão. Depois passaram a cultivar a cana de açúcar, passando a produzir pinga. Foi lá que aprendi a fazer cachaça. O sitio da nossa família era no Bairro da Floresta, ficava distante de 18 a 20 quilômetros de Piracicaba, quando chovia para vir à cidade só a cavalo, as carroças não passavam pelas estradas, o barro era tanto que em alguns lugares ao andar atolava até o joelho. Escola tinha apenas no Bairro do Serrote. Quando eu tinha 12 anos meu pai contraiu uma pneumonia muito forte, tive que deixar de ir á escola para ajudar na roça. Fui arar a terra, os vizinhos participavam de mutirão para se ajudarem. Eu não podia nem com o peso do arado.
Como o arado era puxado?
Arava com tração animal, lembro-me de dois animais com os quais trabalhei, a Calçada e a Estrela, enquanto eles puxavam o arado eu ia andando atrás, dirigindo onde ia passar a ferramenta. Até me casar aos 26 anos fiz essa vida. O meu avô barganhou o sítio da Floresta por outro na Fazenda da Glória, localizado no então Distrito de Charqueada, lá que aos 24 anos conheci a minha futura esposa, Maria Simonaggio Ometto nascida no Distrito de Charqueada, no dia 17 de janeiro de 1927, filha de Antonio Simonaggio e Judith Precoma Simonaggio O nosso casamento foi na casa do meu pai, tanto o Padre Luiz Perroni, como o escrivão foram até lá para celebrar o nosso casamento, isso no dia 26 de abril de 1947. Permanecemos residindo no sítio do meu pai. Alguns anos depois tive que deixar de trabalhar na roça, por ordem médica. Passei a exercer a atividade de comerciante. Comprei um armazém vizinho ao nosso sítio, nesse armazém permaneci por cinco anos. Em seguida adquiri um armazém na Usina Tamandupá, tinha de tudo, roupa, papelaria. Permaneci lá por uns cinco ou seis anos. A Usina Tamandupá era de Pedro Meneguel. Situav-s logo adiante da Usina Costa Pinto.
Quem fornecia as mercadorias para serem vendidas no armazém?
Itens de menor porte eram fornecidos por vendedores que iam oferecer seus produtos em nosso estabelecimento. Compras maiores eram feitas junto ao estabelecimento de Valentim Valério, situado na Vila Rezende. Da família Valério trabalhava no armazém a Alzira, Celeste, Neide, o prédio existe até hoje. As compras eram feitas uma vez por mês, eu vinha de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, outras vezes eu vinha de ônibus. Eu tomava o trem pela manhã, na parada que existia no Recreio, fazia as compres e a tarde tomava outro trem de volta. As compras eram entregues pelo caminhão do Valério. Nós tínhamos cerca de 200 clientes que pagavam através de cadernetas. Alguns compravam durante o ano todo e o pagamento era feito uma vez por ano. Isso foi por volta de 1954.
O senhor teve quantos filhos?
Tivemos cinco filhos: Elza, Lúcia, Antonio, José Geraldo e Ângela Judith.
Em que ano o senhor mudou-se para Piracicaba?
Foi em 1956, viemos morar em frente a Igreja dos Frades, por seis anos fomos proprietários do bar existente na esquina da Rua Alferes José Caetano com Rua São Francisco de Assis, conhecido como “Bar dos Frades”. Foi uma época em que vinha muita romaria de outras cidades á procura de Frei Paulino. Íamos á missa todos os domingos. O prédio era de Mario Bressan.
Dona Maria, quando tinha casamento a senhora dava uma espiadinha para ver se a noiva estava bonita?
Claro que olhava!
Seu Geraldo, de lá o senhor mudou-se para onde?
Eu soube que iam construir uma nova igreja, a Igreja São José. Em frente na esquina, havia uma quitanda acanhada, pertencia a um senhor de nome Porfírio, era uma casinha baixa, simples, em volta não existia mais nada. A água era de poço. Na Rua Sud Mennucci entre a Avenida Dona Jane Conceição e Dr. Edgar Conceição havia uma santa cruz. O Cônego Luiz Juliani era bem jovem quando assumiu a Igreja São José, nem portas existiam nela! As ruas eram de pedregulho. Conheci a Paulista quando não havia quase nada aqui, a atual Rua Madre Maria Teodora era conhecida como Morro do Enxofre, para quem subia do lado esquerdo tinha valetas ao lado da rua, dava até medo, tinha bananal, cafezal isso em 1930. Meu avô Pedro Ometto e meu pai tinham 4 carroças, eles trabalharam no aterro da Cia Paulista aquela terra foi transportada em carroça, onde hoje estão construindo um viaduto.
Nesse local o senhor montou um comércio?
Montei um bar, com caldo de cana, sorvete. Hoje mesmo uma pessoa me perguntou se me lembrava do sorvete que eu inventei, o sorvete de cana! Era um sorvete muito bonito, feito com a garapa, eu não dava conta de produzir, de tão grande que era a procura. Foi um sucesso! Eu ia buscar a cana de açúcar pra fazer garapa com uma caminhonete Ford 1929, ia até o Bairro do Serrote.
Há quanto tempo o senhor é habilitado para dirigir veículos?
A minha carteira de habilitação é de 1956, nunca fui multado. Nunca perdi um ponto na carteira. Fui taxista por 15 anos, o meu ponto era na rodoviária, fui trabalhar com um Dodge ano 1945. Tive um Aero Willys branco, fazia muitos casamentos, inclusive os de sítios. Em um determinado dia levei um passageiro até o consultório do Dr. Samuel Neves, na Rua Prudente de Moraes, situado ao lado do famoso prédio Comurba, que estava em construção. Após deixar o passageiro segui na direção da Rua Governador Pedro de Toledo. Escutei um barulho ensurdecedor, uma enorme nuvem de poeira levantou-se, era o prédio que desabava, logo atrás de mim. Fiquei com muito medo, só fui parar na rodoviária, onde era o meu ponto de taxi. Naquela época não se via quase ninguém pelas ruas nas madrugadas. O pronto socorro, na época denominado de SAMDU - Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência funcionava no mesmo prédio da rodoviária. Lembro-me do nome de alguns dos antigos colegas de taxi: Antonio Viana conhecido como Bigode, Osvaldo Regonha, Pancho, Paco, éramos em 10 motoristas, uma turma muito unida.
Qual atividade o senhor exerceu após deixar de trabalhar com taxi?
Fui proprietário do Supermercado Paulista, na Rua do Rosário esquina com a Avenida do Café, onde hoje funciona a Paulistinha Cosméticos. De dois a três anos depois vendi e adquiri uma chácara, passei a trabalhar como pedreiro, carpinteiro, marceneiro.
Atualmente o senhor tem uma horta em sua casa?
Tenho, com boa variedade de verduras, existem dois canteiros grandes, gosto muito de comer verduras.
O senhor dirige até hoje?
Dirijo! Temos uma chácara em Santa Maria da Serra, distante uns 75 quilômetros de Piracicaba, vou e volto, dirigindo, na cidade dirijo regularmente.
Qual é a receita para chegar a idade do senhor com essa disposição?
Acredito que seja comer na hora certa, tudo natural, nada de produtos enlatados, não abusar de bebidas alcoólicas, uma pinguinha pode tomar que não faz mal, desde meus 14 anos que trabalho com cana de açúcar, até hoje produzo pinga para o gasto. Ao levantar tomo apenas café com leite, às 11 horas eu almoço arroz, feijão, carne de frango, a carne bovina quase não como, salada e fruta o que vier eu como. Pão eu gosto de comer torrado, que eu me lembre nunca comi manteiga. Gosto de queijo meia cura. Às seis horas eu janto, geralmente uma sopa. As 9 ou 10 horas da noite vou dormir, acordo ás cinco da manhã.
Como se produz uma boa pinga?
A cana de açúcar deve ser cortada na hora de produzir a pinga, tem que estar no ponto certo de ser cortada, a fermentação natural deve ser respeitada, alambicar com a maior calma do Brasil, tem que sair aos pingos, sem garapa ou restilo. É uma cachaça com custo de produção alto, não tem como competir com os produtos industrializados. Meus amigos provam e gostam. Corto a cana, alambico, faço tudo sem auxilio de ninguém.
O senhor toma um aperitivo?
Só na hora do almoço ou se ficar encharcado de chuva, tomo uma pequena dose, apenas uma, não repito. De vez em quando tomo uma lata de cerveja, mas não gosto muito não. Faz 66 anos que convivo com a minha esposa, ela nunca me viu sequer ligeiramente “alto” por ter ingerido bebida alcoólica, e olha que sempre tive contato com bebida alcoólica, quer seja na produção da pinga ou na comercialização nos bares em que fui proprietário. Aprecio um bom vinho, faço o meu próprio vinho, atualmente não tenho uva plantada na minha chácara, em minha casa tenho dois pés de uva, nesse ano que passou fiz seis litros de vinho, sem conservantes, um vinho puro. Os tiroleses de Santana iam buscar pinga em nossa fazenda, fazíamos mil litros por dia, fornecíamos para indústrias como Tatuzinho, Cavalinho, Del Nero. Cem litros de garapa rendem vinte litros de pinga.
Seu Geraldo, o senhor gosta de bailes?
Quando eu era solteiro parecia um cachorro veadeiro, descobria bailes em todos os cantos, depois que me casei nunca mais freqüentei bailes. Morava no sítio, encilhava o cavalo e ia.
O senhor ainda sobe em árvore para apanhar frutos?
Subo! Agora mesmo vou sair para podar uma quaresmeira na casa de um amigo. Há pouco tempo tive que cortar uma árvore bem alta, com uma serra do tipo que eletricista usa, eu vim cortando a árvore de galho em galho.
O senhor toma algum remédio?
Nenhum! Até a minha pressão arterial é perfeita.
Gerolamo Ometto foi um comerciante muito expressivo em Piracicaba, qual era o parentesco com o senhor?
Era irmão do meu nono (avô), ele tinha agência de venda de veículos e outros negócios em Piracicaba. Pedro Ometto da Usina Costa Pinto era primo do meu avô, vieram como imigrantes da Itália para o Brasil.
Como se constrói um poço de água?
Marca-se no chão a medida da largura do poço, geralmente um metro, um metro e dez centímetros, dois metros, conforme a vontade do dono do poço cava-se, até chegar onde dá água. Se for local de terra mole tem que revestir com tijolo por dentro. Na minha chácara construí um poço com 21 metros de profundidade, sendo que revesti internamente por 10 metros. Ao cavar um poço se encontrar uma camada de rocha muito grande é necessário usar o auxílio de explosivos. Com uma broca é feito um buraco, coloca-se pólvora grossa, na ponta põe-se um pavio. Após a explosão com um feixe de ramos grandes retira-se a fumaça, basta subir e descer com uma corda esse feixe por duas ou três vezes. Uma pessoa cava o poço, outra fica em cima puxando a terra pela corda. O poceiro desce com uma corda amarrada em um ponto firme na superfície, outra corda enrolada na carretilha tem um pedaço de madeira amarrado na ponta, é onde o poceiro senta-se, segurando na primeira corda ele movimenta-se entrando e saindo do poço. Após a profundidade de vinte metros o ar já começa a ficar mais difícil de respirar.
O senhor já construiu chaminé?
Em dois meses construí na Fazenda Matão, de propriedade da nossa família, uma chaminé com 50 metros de altura, o segredo da construção de uma chaminé é trabalhar com o prumo, ele é “prumado” por dentro, por fora tem outro prumo com o desconto, em uma chaminé com 50 metros de altura pode sair de baixo com parede de dois metros de largura e vai afunilando até chegar ao topo com 50 centímetros de cada lado e um metro de boca. O miolo nunca se estreita, se tiver um metro em baixo, no topo terá também um metro. O material sobe por fora da chaminé.







ANTONIO MACIENTE

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

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Sábado 28 de maio de 2011

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

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NTREVISTADO: ANTONIO MACIENTE
Em 1970 no Estado de São Paulo houve a fusão da Força Pública com a Guarda Civil e a adoção do nome Polícia Militar. Todas as datas comemorativas da Polícia Militar e até mesmo seu hino mantêm ainda hoje a menção e a memória da antiga Força Pública, pois no processo de junção com a Guarda Civil prevaleceu na corporação a cultura da Força Pública. Antonio Maciente nasceu 21 de maio de 1920 no distrito de Charqueada, filho de Vitório Maciente e Ana da Encarnacion Sota Maciente aos 91 anos conserva as lembranças dos nove anos em que trabalhou como soldado da Força Pública. Com uma memória prodigiosa, lembra-se dos nomes completos de personagens de outrora. Ainda menino, aos 12 anos, já iniciou a lide como tropeiro, conduzindo animais de um lado para outro. Ingressou na Força Pública servindo em diversas localidades do Estado de São Paulo, permanecendo por alguns anos em Piracicaba nos tempos em que a Força Pública mantinha nesta cidade pouco mais do que uma dezena de homens. Sem nenhuma consulta apenas recorrendo a memória ele narra fatos curiosos, cita locais, personalidades alguns até pitorescos como o conhecido João da Curva, pessoa que narrava seus feitos irreais com muita naturalidade. Após desligar-se da vida de soldado ingressou como um dos primeiros funcionários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, onde permaneceu até aposentar-se. Antonio Maciente e sua esposa tiveram seus dias de Romeu e Julieta, apaixonados lutaram muito para permanecerem juntos, na época tiveram que transpor obstáculos impostos aos enamorados. Embora seja muito ligado a família, Antonio atualmente viúvo, conserva sua vida própria, independente, mora sozinho, dando-se ao prazer de ir de ônibus da sua casa situada no centro até um conhecido supermercado localizado na Praça Takaki, não se esquecendo de passar em uma loja de variedades onde adquire as guloseimas das netas e bisnetas. Uma rotina que completa com a visita ás casas dos seus filhos aos fins de semana.

Quando o senhor nasceu a sua família morava em que local?

Morava em uma fazenda de propriedade de Acácio Ferreira, situada no então Distrito de Charqueada, era lavoura de café. São meus irmãos: Osório Benedito, Rosa, Belmira, Sebastião, Aparecida, Maria, Clementina, Benedita, João Batista, todos nós nascemos nas proximidades de Charqueada.

O senhor trabalhou na lavoura?

Até os 12 anos de idade trabalhei na cultura de café, milho, algodão, o meu pai era colono de café.

A partir dos 12 anos que trabalho o senhor passou a fazer?

Fui viajar com tropa, os tropeiros eram Alfredo Rodrigues de Moraes, Domingos Chiaramelo, João Sebe. Mais tarde em Piracicaba trabalhei com o famoso tropeiro José Pretel, que construiu a casa situada na Rua São José esquina com a Rua do Rosário, onde veio a ser gabinete do Prefeito Municipal (Adilson Benedito Maluf) e onde funcionou o Samdu (Serviço de Atendimento Médico de Urgência), e até pouco tempo foi sede da Uniodonto de Piracicaba. Trabalhei como tropeiro até os meus 22 anos. Eu era bom cavaleiro, um tropeiro se interessou pelo meu desempenho e me colocou como “madrinheiro de tropa” que é o cavaleiro cujo cavalo tem um sino dependurado no pescoço e é seguido pelos demais animais da tropa (cavalos, éguas, mulas, burros).

Como era composta a tropa?

Geralmente viajávamos em três tropeiros levando um número variável de animais, 20, 30, 50. Andávamos o dia todo, parávamos em lugares pré-determinados, os proprietários desses locais, chamados de pousos, alugavam os pastos para deixarmos os animais. Dormíamos onde dava até mesmo ao relento, tínhamos o pelego que fazíamos de colchão e o poncho era o nosso cobertor. Viajávamos pela região de Piracicaba: Rio Claro, Botucatu e outras localidades próximas.

O senhor foi jóquei?

Em São Pedro havia uma raia, onde havia as corridas de cavalo, lá eu disputei muitas corridas, tenho 1,60 de altura e sempre pesei 60 quilos.

Quando foi seu ingresso na Força Pública?

Foi nessa época, achei que deveria trabalhar na polícia, havia um decreto recrutando candidatos á soldados da Força Publica, uma comissão veio até Piracicaba onde cadastrou os interessados, nas instalações existentes até hoje na Rua São José esquina com Luiz de Queiroz foi feito o cadastro de mais de uma centena de candidatos. Dormíamos lá, e fazíamos os exames na Rua do Porto, um médico acompanhava as provas de resistência, corridas de 100 metros com pés descalços, 1000 metros calçado com botina ou sapatão, o chão era de terra. De 300 candidatos apenas 106 seguiram para São Paulo, para realizarem exames mais detalhados. Fomos de trem com passagem fornecida pelo Governo do Estado. Dessa centena de candidatos foi escolhida uma dezena, os demais foram dispensados.
Chegando a São Paulo para onde os candidatos se dirigiram?
Fomos para a Avenida Tiradentes esquina com Jorge Miranda, junto ao Primeiro BC (Batalhão de Cavalaria) e o Primeiro BG. (Batalhão de Guarda) na esquina havia a escola de polícia. Após seis meses de estudos, em 1942, eu “passei a pronto”, pedi para trabalhar em Campinas, pois era o batalhão que destacava em Piracicaba.

Como soldado da Força Publica qual foi seu primeiro trabalho em Piracicaba?

Nos tempos da Segunda Guerra Mundial, as usinas de força eram guarnecidas, na região tínhamos diversas usinas de energia em Piracicaba, Carioba, Joaquim Egidio, Salto Grande. Em Piracicaba ainda existe os prédios onde funcionava a usina de força, próxima á Fábrica de Tecidos Boyes. Quando vim trabalhar pela primeira vez em Piracicaba vim para a guarda da usina, eu morava no quartel situado na esquina da Rua São José com Luiz de Queiroz, o prédio permanece ainda lá, em cima funcionava a Força Pública, embaixo no porão era o quartel da Guarda Noturna. Por muito tempo fiz as refeições na pensão do João Buriol, ele era negro, sua esposa chamava-se Escolástica, situava-se na Rua Boa Morte entre a XV de Novembro e Rangel Pestana, aonde mais tarde veio a funcionar o Hotel Brasil. Na esquina da Rua Boa Morte com D.Pedro II havia um posto de gasolina, era o Posto São João, de propriedade do Nathan, e arrendado ao Benedito Rocha, o prédio existe ainda. Por um período de tempo tomei as refeições no Bar São Benedito de propriedade de João Zaia, ao lado da catedral e junto onde hoje existe um supermercado, entre Rua XV de Novembro e Moraes Barros. Naquele local existiam os chamados “expressinhos”, de propriedade da família Gianetti, era automóveis Ford 1941 que faziam viagens de Piracicaba á São Paulo, era o único meio de transporte rodoviário para São Paulo, não existia linha de ônibus.

Como era o leito das ruas de Piracicaba nessa época?

Era chão de terra com pedregulho, um determinado vereador não dizia “pedregulhar a cidade” e sim “apedrejar a cidade”.

Quando o senhor se casou?

Casei em 1 de dezembro de 1946 com Zoraide Conceição, como na época a catedral estava em reforma o meu casamento foi celebrado na Igreja São Benedito, tive como padrinhos Antonio Oswaldo e Serafim Tricânico proprietário de dois ônibus que faziam a linha de Piracicaba a Torrinha. Fomos residir na Rua D.Pedro II próximo a Rua Boa Morte, em frente ao Externato São José. É anterior a minha época, mas diziam que ali havia carrinhos de tração animal que transportavam quem os contratasse, á semelhança dos carros que servem como taxi. Contava-se na época que Nhô Felix tinha ali um carrinho de aluguel, era um carrinho muito bonito, puxado por um cavalo também muito bonito, com isso todo mundo dava preferência ao carrinho de Nhô Felix. Por esse motivo o cavalo trabalhava demais. Isso gerou uma referência, quando a pessoa sentia que estava trabalhando demais ela dizia: “- Você está pensando que eu sou cavalo de Nhô Felix?”

Nessa época o senhor era soldado, como era a farda?

Usava-se sapatão onde era encaixada a perneira, usava-se culote, que era uma calça sem barra, era amarrada embaixo, em seguida tinha a túnica e o quepe. A túnica tinha sete botões, o quepe tinha a figura de dois fuzis cruzados. Na cintura tinha um revolver Colt Cavalinho calibre 38, tambor de seis tiros, oxidado. Levava também um fuzil que tinha um pente com 5 balas. Durante todo o tempo em que estive no Oitavo BC em Campinas eu tive um fuzil, para onde eu fosse como destacado ou em diligencia eu levava esse mesmo fuzil. Aos 23 anos fui destacado como soldado em Santa Maria da Serra, na época uma pequena vila, havia um cidadão de nome Antonio Ribas, trabalhador de roça, que respondia pela segurança da localidade, fazia as vezes de delegado, eu era a única força policial local.

Em que local o senhor se hospedava?

Eu morava na cadeia. Na pensão de Olimpio de Campos eu tomava minhas refeições. Eu preferia dormir na cadeia onde tinha mais conforto e segurança. Não havia ninguém preso. Naquele tempo ninguém tinha chuveiro quente, tomava-se banho em uma bacia. Quando estive no quartel em São Paulo existia o banho de chuveiro, porém com água fria. Na cidade de Piracicaba não existia chuveiro elétrico, a energia elétrica distribuída não suportava a instalação de chuveiro.
O senhor trabalhou em Limeira?

No tempo da Segunda Guerra trabalhei na Machina S.Paulo em Limeira, dizia-se que era indústria de material bélico, de propriedade do Dr. Trajano de Barros Camargo, a empresa era guardada por 10 soldados, as refeições eram feitas em uma pensão da cidade, foi adaptado um quarto para os soldados dentro da própria indústria.

O senhor estava aquartelado em Campinas?

Estava, até que veio uma comissão para selecionar soldados para completar o batalhão de São Paulo. Pela ficha sanitária dos 1800 soldados existentes em Campinas, Geraldo Arruda que era da cidade de Rio das Pedras e eu, fomos os selecionados para integrar o Primeiro BC, em São Paulo.

Qual foi o local em que o senhor passou a trabalhar?

Fui prestar serviços no Carandiru, no bairro Santana., ficava na muralha vigiando os presos, com o fuzil embalado. Permaneci trabalhando lá por uns três anos. Dormia no quartel na Avenida Tiradentes. Todos os dias um grupo de 30 soldados saia do quartel e ia até o Carandiru, a pé.

O senhor conheceu Meneghetti?

Cheguei a ver o famoso ladrão Gino Amleto Meneghetti, era um homem de estatura pequena, mas muito esperto.

O senhor trabalhou em Pirassununga?

Em Pirassununga havia uma escola voltada ao ensino agrícola, a grama dos jardins dessa escola foi plantada por presos de guerra. Éramos em 14 soldados para cuidar de pouco mais de duas dezenas de presos italianos, eles foram aprisionados quando estavam no navio SS Conte Grande. Foi feito um cercado eles não podiam fugir de lá. Tinha um alojamento de presos e outro menor para os soldados. Eram presos que não ofereciam nenhum perigo, tinhamos uma relação muito cordial, havia um soldado que era o nosso cozinheiro e um preso italiano que era cozinheiro dos presos, muitas vezes fui comer no alojamento dos presos, a comida era bem melhor. Isso foi no tempo em que Fernando de Souza Costa era o interventor no Estado de São Paulo.

Em que ano o senhor voltou á Piracicaba?

Fui destacado para Piracicaba em 1944, fiquei alojado no quartel situado na esquina da Rua Luiz de Queiroz com São José. Nessa época a cidade não tinha calçamento, só havia pedregulho na cidade. Como soldado trabalhava a pé. Por muito tempo trabalhei na Caça e Pesca, os fiscais eram Geraldo Pinto de Almeida e Nonô, ambos civis.

O senhor conheceu João da Curva?

Conheci-o e o irmão dele o Titi. João da Curva morava na Rua Alferes José Caetano, entre as Ruas D. Pedro I e Rua Ipiranga, era proprietário de um rancho de pescaria, Estive no rancho dele varias vezes, era um bom cozinheiro. Entre as muitas histórias que ele contou, uma delas foi a seguinte: “Ele foi fazer uma necessidade orgânica, tirou o relógio do pulso e colocou em uma pequena árvore, após satisfazer a necessidade, saiu e esqueceu o relógio. Passados 10 anos ele lembrou-se, voltou ao local, a árvore estava crescida, grande, foi quando ele viu lá no alto o relógio, escutou tic...tic...tic....o relógio trabalhando!”. Ele passou a ser chamado de João da Curva pelo causo que ele contou para muita gente, inclusive para mim, dizia que queriam matar um veado, na hora em iam atirar o veado fazia uma curva e erravam o tiro. O que ele fez? Entortou o cano da espingarda, quando o veado fez a curva ele atirou, acertando o veado. Isso ele contou para mim!

O que o senhor disse á ele?

Apenas dei risada! Não queria perder o amigo. Ele contava tudo isso muito sério.

Quanto tempo o senhor permaneceu na Força Pública?

Trabalhei por nove anos, dei policiamento quando Getúlio Vargas, Brigadeiro Eduardo Gomes, Luis Carlos Prestes estiveram em Piracicaba. Quando o Partido Comunista foi fechado em Piracicaba eu tomei posse do prédio em nome da lei, localizava-se em uma rua existente onde mais tarde foi construído o Comurba e hoje abriga o Poupa Tempo. Conheci Adhemar de Barros, o primeiro delegado regional de Piracicaba Dr. Calmon de Brito foi até um rancho de pescaria, onde Adhemar estava pescando, sem camisa, chinelo, shorts, foi Dr. Calmon quem cuidou para preservar a privacidade de Adhemar, achei um gesto muito bonito.
O senhor fez muitas prisões em Piracicaba, pode citar algum nome em especial?

Prendi Pedro Lopes, um conhecido ladrão de cavalo, recebemos a denuncia de que ele estava em Pirassununga, tomei um carro de aluguel (taxi) e fui até aquela cidade onde dei voz de prisão a ele. Na noite de 29 a 30 de agosto de 1945 estavam presos Pedro Lopes, Mathias Gonçalves e Sérgio Bandido, três malfeitores que batiam, roubavam e matavam. Eu era responsável pela guarda, também chamado de “cabo de guarda”. Desconfiei do comportamento dos presos, alertei os dois soldados que estavam subordinados as minhas ordens. No dia seguinte Pedro Lopes teve a fuga facilitada por outro cabo de guarda, que foi expulso da polícia.

Em que ano o senhor deixou a polícia?

Foi em 1949. Fiz uma abordagem á um marginal armado de revólver que apontava a mesma á cabeça de um refém, com um golpe só desarmei-o. Ele foi ferido, correu um processo, onde por interferências políticas fui afastado da Força Publica. Mais tarde tive reconhecido meu perfeito desempenho na ação, e poderia ser reintegrado, mas já estava trabalhando em melhores condições na Faculdade de Odontologia de Piracicaba, onde permaneci por 26 anos, como responsável pela manutenção e almoxarifado. Na FOP convivi com grandes nomes como Prof. Liberalli, Prof. Antonio Carlos Nedeer, Profa. Clotildes Fernandes, Prof. Miguel Morano Júnior, Prof. Eduardo Daruge, Prof Waldemar Romano e tantos outros.





domingo, maio 22, 2011

SYLVIO ARZOLA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADO: SYLVIO ARZOLA
O Prof. Dr. Sylvio Arzolla graduou-se em 1953 pela Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz. Em 1957 conseguiu uma bolsa de estudos por dois anos na cadeira de Química Biológica. Em 1959 foi convidado para ser professor na cadeira de Química Agrícola. Mais tarde com a formação de novo departamento, Sylvio Arzolla passou para o Departamento de Solos, Geologia e Fertilizantes onde permaneceu até 1989. Publicou livros didáticos, apostilas e trabalhos dentro da sua área de atuação. Participou de mais de uma dezena de cursos de pós-graduação, além de inúmeros congressos, seminários, no Brasil e no exterior, laureado com diversos prêmios. Dotado de grande amor ás artes, Sylvio Arzola participou de muitas oficinas literárias, publicou um grande número de poesias, recebendo diversos prêmios nessa modalidade de expressão. Filiado a diversas entidades literárias de Piracicaba teve seu talento reconhecido por elas, recebendo prêmios e títulos das mesmas. A sua ascendência italiana parece estar presente quando Sylvio põe-se a cantar, como fez por 30 anos em diversos corais sacros ou as tradicionais serestas, juntamente com nomes consagrados da nossa cidade, entre eles Cobrinha, Zezé Adamoli, Toninho Marchini, Bolão. Sylvio Arzolla foi um dos responsáveis técnicos pelo desmembramento da área que integrava a Chácara Nazareth e transformou-se no Bairro Jaraguá. Entre suas lembranças permanece a imagem de infância, quando ruas como a da Boa Morte, Rosário, e muitas outras que hoje integram a zona central da cidade eram ruas de terra, sem calçamento. Lembranças do bonde que ia á Agronomia, á Paulista ou á Vila Rezende. Teve participação ativa na Igreja dos Frades, onde conheceu inúmeros freis que tiveram presença marcante junto à comunidade religiosa. Foi Congregado Mariano, sua esposa pertenceu a Congregação Filhas de Maria, na época instituições fortes da igreja católica. Meticuloso, detalhista, está muito bem inteirado dos fatos atuais. Habilidoso, mostra as barras de ferro que soldou há pouco tempo. Criativo, transforma em poesia fatos corriqueiros. Nascido em Piracicaba a 5 de janeiro de 1924, é filho dos imigrantes italianos Rocco Antonio Arzolla, natural de Nápoles e Ida Dal Pozzo Arzolla nascida em Treviso que imigraram para o Brasil onde se conheceram.
O pai do senhor estabeleceu-se em Piracicaba com qual atividade?
Ele montou uma loja e oficina de fabricação de calçados na Rua Boa Morte esquina com a Rua Ipiranga, em frente onde atualmente há a Padaria Do Lar, atualmente há um sobrado construído no local. Foi ali que eu nasci, o mais novo de sete irmãos: Rafaela, Afonso, Emilia, Lila, José e Antonio.
Onde o senhor estudou suas primeiras letras?
Fiz o primeiro ano de grupo no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, os outros anos eu estudei na Escola Normal (atual Sud Mennucci), o ginásio estudei no Externato São José, aonde mais tarde veio a se instalar a Faculdade de Odontologia, na Rua D.Pedro II esquina com Alferes José Caetano, o colégio estudei na Escola Normal, por dois anos estudei de manhã fazendo o curso normal e a tarde, fazendo também o curso científico. Eu e um colega estudamos e nos preparamos para o exame de ingresso á Escola de Agronomia.
Em que ano o senhor ingressou na ESALQ?
Passei a fazer o curso de agronomia em 1949, formei-me em 1953. Por uns dois a três anos trabalhei na medição de terras, sítios. Em 1957 ganhei uma bolsa para trabalhar na cadeira de química biológica e paralelamente na química agrícola, com o professor Malavolta e professor Tuffi Coury. Em 1959 fui convidado para dar aulas, como professor assistente, no curso de Química Agrícola. Fiz o doutorado e passeia dar aulas, pela manhã teóricas e a tarde praticas, e realizava trabalhos de pesquisa que nesse período de tempo totalizou cerca de 40 trabalhos. Permaneci na ESALQ até 1989.
O loteamento do local onde hoje existe o bairro Jaraguá teve a sua colaboração técnica?
Isso foi na década de 40, eu era mocinho, junto com um engenheiro civil fizemos o loteamento dessa área pertencente á Chacara Nazareth, era um trecho delimitado pela Avenida Madre Maria Teodoro, Rua Santos, Avenida Nove de Julho e Ribeirão do Enxofre, onde atualmente existe a Avenida Abel Pereira. Onde hoje é a Avenida Dr. Paulo de Moraes, no sentido da Rua do Rosário em direção ao Rio Piracicaba, era área ocupada pelas plantações da Chácara Nazareth. Nessa década, a Rua do Rosário acima da linha do trem da Companhia Paulista era constituída por algumas casas esparsas. Em função desse trabalho conheci Dona Jane Conceição, uma senhora de estatura pequena, muito ágil. Cheguei a fazer um trabalho com adubação envolvendo a ESALQ e o famoso café existente na Chácara Nazareth. O bairro Jaraguá é composto em sua maior parte por terra roxa.
Em sua infância o senhor morava onde?
Morei na Rua Boa Morte, na esquina com a Rua Riachuelo havia a Farmácia Neves, em seguida vinha a casa de Romeu Simionato e a nossa casa onde anexo havia o comércio do meu pai, ali eram produzidos calçados, botas, foi lá que aprendi a costurar calçados, meu pai tinha sete funcionários nesse local. Ao lado, meu irmão Antonio abriu uma loja onde vendia os mais diversos produtos, papelaria, geladeira, arame farpado, tinha de tudo! Construiu ainda um barracão existente até hoje na Rua do Rosário entre as ruas José Ferraz de Carvalho e Gomes Carneiro. Participei da construção desse barracão, administrando a obra e fazendo a instalação elétrica e hidráulica. Era um deposito da loja e ali funcionava também uma engarrafadora de bebidas, mantida pelo meu irmão Antonio, como não havia água encanada assentei uma bomba no poço, já tínhamos energia elétrica na época. As ruas eram de terra, inclusive a própria Rua Boa Morte, onde a água era encanada. Aos 15 anos eu já consertava chuveiro elétrico.
O bonde transitava pela Rua Boa Morte, e as crianças brincavam na rua, não era perigoso?
Havia perigo, mas foram raros os acidentes ocorridos com crianças. Lembro-me de um acidente quando o bonde parou, um carro que vinha pela rua atropelou uma criança que foi atravessar a rua.
Qual eram as diversões mais comuns das crianças na época?
Além das tradicionais, como esconde-esconde, “pais”, tínhamos carrinhos feitos de madeira, inclusive os eixos e rodas, que costumávamos engraxar para rodar melhor, as crianças menores andavam de calças curtas. O curioso é que na época tínhamos a “roupa de domingo” e a outra para o dia a dia.
A família do senhor freqüentava mais qual igreja?
Freqüentávamos a Igreja Sagrado Coração de Jesus, conhecida como Igreja dos Frades. Não íamos quase á catedral, que na época da minha infância era o prédio antigo. Vi a construção da catedral nova, desde o alicerce. Entre as delicias da época tínhamos pastéis, os três locais mais famosos eram no Mercado Municipal, na Rua Governador Pedro de Toledo ao lado do Grupo Barão, e na Rua Prudente de Moraes, esquina com a praça, onde hoje há um banco, lá havia a Sorveteria Paris que além dos famosos sorvetes servia um delicioso pastel.
Em que ano o senhor se casou?
Foi em outubro de 1962, o casamento foi celebrado na Igreja São Judas Tadeu. Conheci a minha esposa, Dalva Maria Franco Arzolla, quando eu cantava no coral da Igreja dos Frades, onde cantei como tenor por trinta anos. Eu tive como regente Rossini Dutra, seu pai Benedito Dutra foi meu professor de musica no Externato São José. Elias de Mello Ayres foi meu professor na Escola Normal. Logo que casamos fomos morar em uma casa de propriedade do artista plástico Pacheco Ferraz. Era uma casa muito ampla, tinha um porão muito grande, uma das salas eu usava para estudar, nela abriguei telas pintadas por Pacheco Ferraz que sabendo do espaço vazio deixou sob minha guarda algumas de suas obras.
O senhor conheceu o músico Erotides de Campos?
Foi meu professor! De química! Era um bom professor de química, embora tenha vindo á Piracicaba para lecionar música, ele tocava violino, ele residiu na Rua Gomes Carneiro entre a Rua Boa Morte e Alferes José Caetano, a família dele morava próximo. Erotides tinha uma tristeza, foi convidado para dar aula de musica em Piracicaba, por injunções políticas foi preterido, tendo que se conformar em lecionar química.
Em 1932 ocorreu a Revolução Constitucionalista o senhor viu a saída dos voluntários?
Embora fosse um menino de oito anos, vi os voluntários partirem da Estação da Paulista.
Como foi para o senhor o período da Segunda Guerra Mundial?
A Segunda Guerra foi de 1939 a 1945, apesar de alguns estrangeiros terem tido alguns problemas nós não passamos por isso, mesmo meus pais sendo de origem italiana. Embora tivéssemos rádio em casa era proibido ligar. Em minha vida nunca vi meus pais falarem em italiano, minha mãe gostava da língua portuguesa, achava a língua mais bonita do mundo! O que eu aprendi de italiano foi em função de cantar musicas italianas.
O senhor chegou a freqüentar o Teatro Santo Estevão?
Freqüentei! Desde os meus 15 anos! Assisti a uma peça com um ator de sobrenome Machado, ligado á família que mais tarde foi proprietária da TV Record, esse artista cantou uma musica que memorizei tanto a musica como a letra e por anos a cantei, conservando até hoje.
Como era o Teatro Santo Estevão?
Era muito bonito! Meu tio José Mazzari, italiano, realizou pinturas internas no Teatro Santo Estevão e no Teatro São José. Um dos seus filhos formou-se em medicina e foi médico na Usina Monte Alegre. Passavam filmes no Teatro Santo Estevão. Onde foi o Shopping Ziliat tinha um cinema, lá eu assistia filmes com Tom Mix.
O senhor conheceu o seresteiro José Benedito Adamoli?
Foi meu colega de grupo, ginásio e escola normal. Cantamos serestas juntos.
O senhor freqüentava muito a Igreja dos Frades?
Fui presidente da Congregação Mariana que tinha por objetivo auxiliar as pessoas necessitadas. Nas cerimônias religiosas éramos identificados pelo uso de uma fita azul, usada como colar tendo em sua extremidade anterior uma medalha. Minha esposa Dalva Maria pertenceu a Congregação das Filhas de Maria, que se identificavam com uma fita vermelha usada em forma de colar e um véu sobre cabeça. Fiz uma relação dos frades que conheci na Igreja dos Frades, o primeiro Guardião que conheci foi o Frei Vital, ao todo conheci 52 frades que passaram pela Igreja dos Frades. Tinha a liberdade de freqüentar a parte interna do convento dos frades.
Abaixo uma das inúmeras poesias de Sylvio Arzolla

Canaviais

É manhã,
O sol surge no horizonte
E os cortadores de cana
Já se encontram no batente

A cana que foi plantada
Com esmero e carinho
Hoje, adulta é cortada
E levada ao moinho

Homens, mulheres, crianças,
Munidos com seu facão,
Vão cortando toda a cana
E amontoando-a no chão,

Vida dura e maltratada,
- É próprio da profissão,
Faça sol ou faça chuva,
É preciso ganhar o pão!

JOSÉ BENEDITO ADAMOLI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 14 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: JOSÉ BENEDITO ADAMOLI
José Benedito Adamoli nasceu em 6 de agosto de 1921, na Rua Ipiranga esquina com a Rua Benjamin Constant, em Piracicaba. É o filho caçula dos 11 filhos do casal Emilio Adamoli e Genoveva Penatti Adamoli: Maria, Pedro, Carlos, Emilio Reinaldo, João Egidio (Joca), Umberto Luiz, Osvaldo, Mauro Rodolfo, Mirtes, Carolina Francisca e José Benedito. Foi professor de matemática, lecionou por cinco anos na Escola Industrial em Piracicaba. Do alto das suas quase nove décadas de vida entre outras receitas para bem viver está a moderação de hábitos e costumes, é um seresteiro por excelência, afinado no violão e na voz, mantém o fôlego e o tom, impressionando a platéia com sua interpretação natural que invade o ambiente. Artista plástico, conserva suas telas em seu ambiente doméstico. Da varanda da sua casa pode ver do outro lado da rua a casa que foi do seu irmão Joca Adamoli, um dos mais renomados artistas plásticos piracicabanos, com obras em museus do mundo afora. Emílio Adamoli, seu pai, foi o pioneiro na construção de barcos em Piracicaba, até então era comum o uso de rústica canoas ou embarcações fabricadas fora da nossa cidade. A empresa da família por décadas extraiu areia do Rio Piracicaba, utilizada nas construções de edificações. Conversar com José Benedito Adamoli é fazer uma viagem ao passado recente, época com hábitos e costumes muito diferentes dos atuais.
Onde o senhor estudou as primeiras letras?
Foi no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, lembro-me do professor Salustiano Cruz, da Dona Branca Leite, da Da. Virgínia. O ginásio eu estudei no Externato São José, situado no prédio onde depois funcionou a Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Estudei dois anos de curso científico na Escola Normal ( mais tarde denominada Sud Mennucci), onde estudei mais dois anos e formei-me professor.
Em sua infância o senhor tinha alguma outra atividade além de estudar?
A partir dos 10 a 12 anos passei a ajudar o meu pai, realizando pequenas tarefas, como ir comprar alguma tinta, pregos, eram pequenas necessidades imediatas. Naquele tempo era muito comum “ir dar recados” á alguém, os telefones eram raros. Nossa família adquiriu o telefone de número 398, fazia parte dos primeiros quarenta aparelhos instalados em Piracicaba.
Quem construía os famosos barcos Adamoli?

Além do meu pai todos os meus irmãos trabalharam na fabricação de barcos, mais tarde, ao se tornaram adultos alguns se identificaram mais com outras atividades, o Joca começou a trabalhar em pintura, um irmão foi trabalhar com calçados, outro tornou-se mecânico.
Quais eram as madeiras mais utilizadas nas confecções dos barcos?
Eram o Ximbó e o Cedro. As toras eram cortadas nas serrarias do Cobra, do Paschoal Guerrini, mais tarde passaram a vir já serradas. Toda essa madeira vinha do Paraná, eram descarregadas, permaneciam secando por quatro a cinco meses. Após a secagem eram aplainadas, com elas eram feitos os barcos, após prontos recebiam um tratamento com óleo de linhaça e eram pintados com uma tinta cuja formulação o meu pai preparava. Os barcos fabricados por nós estavam presentes nos mais diversos recantos do território brasileiro.
Quais eram as dimensões mais comuns dos barcos?
Havia o de 5 metros e 20 centímetros, o de 6 metros e 80 centímetros e o de 7 metros, a largura era de 1 metro e 10 centímetros na boca, embaixo 80 centímetros. A altura da tábua era de 40 centímetros. Comportava de 5 a 6 pessoas. Deslizava muito bem, tinha mais peso que o barco de alumínio, o motor encontrava mais resistência no barco de madeira do que no de alumínio, isso permitia maior aderência á água para deslizar suavemente. Fazer um barco é uma verdadeira arte. Na época em que esse maravilhoso Rio Piracicaba tinha peixes como dourado, piracaju, piapara, jau, mandi, eram peixes de excelente qualidade. Até 1949 a 1950 pescava-se em abundancia no Rio Piracicaba, escolhia-se o peixe por espécie e tamanho, não se comercializava peixe, quando meu pai voltava da pescaria no Rio Piracicaba distribuía peixe com nossos vizinhos.
Como era a Rua Benjamin Constant no tempo da sua infância?
Era calçada com pedregulho, começava na Rua Regente Feijó e ia até onde hoje é o início da Avenida São Paulo. A estrada que ia para Tietê era de terra, foi construída com carroças tracionadas por burros, eram de 150 a 200 carrocinhas trabalhando. O que era muito curioso é que o primeiro burro puxava a carroça e os demais seguiam atrás, cada um tracionando uma carroça, praticamente um carroceiro dominava todas as carrocinhas. O que uma máquina faz hoje em duas horas na época não se fazia em um ano. A Rua do Rosário era a menos movimentada, passava uma carroça por hora! Passando a carregadeira de boi já existia a rua aberta, mas havia uma ou outra casa construída.
Onde hoje é a Avenida Armando Salles de Oliveira corria a céu aberto o Itapeva, o senhor nadou no Itapeva?

Nadei muito! Nadava o dia todo, a água era cristalina, a nascente era lá para os lados da Paulista, Piracicaba ia buscar água na nascente denominada Olho da Nhá Rita. Não havia filtro na estação de água íamos buscar água lá. Tinha uma guarita da Estrada de Ferro Sorocabana, a prefeitura fez um patamar com um cano de água saindo da nascente, era tudo muito bem arrumado.
O senhor conheceu Chico Carretel?
O Chico foi muito amigo meu, no inicio ele tinha uma olaria, que vendeu para a família Bená, depois ele foi proprietário de uma serraria na Avenida Paulo de Moraes, em frente ao Bar Soltini, de propriedade de uma família com 14 filhos. O Chico ganhou o apelido de Chico Carretel por ter sido sócio do “Ieié Gobett” em uma fábrica de carretel de madeira.
Próxima á residência da família do senhor havia uma fábrica de bebidas?
Era a fábrica de bebidas Orlando, quando eu nasci já existia essa fábrica, além da famosa gengibirra faziam capilé, maçãzinha, itubaina, fernet, Meu pai contava que por um período de tempo um químico alemão trabalhou junto com Vicente Orlando.
Por que o pai do senhor iniciou a fabricação de barcos em Piracicaba?
Ele gostava de pescar, naquele tempo havia canoas, constituídas por um tronco de árvore aberto no meio, lavrava-se a tora de madeira com machadinha, enxó, furava-se com ferro quente, ia cavoucando, demorava um “século” para fazer uma canoa! Meu pai fez uma canoa redonda, era feita de sarrafinhos, lembro-me que ele colocou o nome de “Ipiranga” nessa canoa. Mais tarde ele colocou uma bolina na canoa, dava mais estabilidade. Em seguida meu pai construiu um barco com fundo chato, chamava-se “Vinte e Nove de Novembro”, data em que ele lançou o barco no Rio Piracicaba. Logo em seguida ele passou a fabricar barcos, a princípio para Piracicaba, logo passaram a levar barcos para os mais diversos lugares.
Pedro Adamoli, o irmão mais velho do senhor, conhecia muito sobre fabricação de barcos?
Era um gênio criativo! Fabricou lanchas que foram adquiridas por clientes de Santos, Rio de Janeiro, ele trabalhou um período em construção naval no Rio de Janeiro, uma das suas especialidades eram lanchas de competição. Prestou serviços para a família Borges que tinha uma concessionária dos motores Johnson em São Paulo. A Mesbla de São Paulo adquiriu muitos barcos fabricados por nós em Piracicaba. Fizemos mais 30 catraias para a Sociedade Judaica de São Paulo. Fizemos uma 10 balsas de transporte pesado para a CESP Companhia Energética de São Paulo. Meu pai foi ampliando a área das nossas oficinas, adquirindo propriedades vizinhas. O transporte dessas embarcações era feito por carretas especiais, o Expresso Piracicabano do Gianetti, tinha umas carretas especiais para esse fim. Fazíamos até lanchas luxuosas com todas as acomodações que a tecnologia da época permitia como cama, fogão e outros recursos.
O senhor sempre gostou de música?
Aos 15 anos eu já tocava violão e fazia seresta! Meu irmão Osvaldo gostava muito de seresta, naquela época era necessário tirar alvará na delegacia de policia para o menor de idade tocar em uma seresta, os guardas de rua chamados de “grilo” apitavam a noite toda. Junto com o meu irmão e a turma da Rua do Porto íamos tocar por tudo quanto era lugar da cidade! Sempre a pé! As moças deixavam na janela um licorzinho para a gente tomar. A moça para quem era feita a serenata não saia na janela, para sinalizar que estava acordada acendia a luz.
E os pais da moça?
Ficavam dentro de casa, roncando! Á moça homenageada não se permitia o direito de sair e agradecer, apenas no dia seguinte se encontrasse com o seresteiro ela então poderia falar a respeito da serenata feita em sua homenagem. As serenatas eram feitas aos sábados e domingos.
O senhor freqüentava cinema?
Geralmente ás quarta feiras íamos ao Cine São José, lembro-me de ter assistido Tom Mix, Flash Gordon No Planeta Marte, eram seriados. Uma curiosidade daquela época é que havia muitos homens que não carregavam crianças, era uma função delegada ás mulheres.
O senhor tinha algum outro tipo de diversão?
Nós íamos pescar, geralmente de barco, para levar a embarcação até o Rio Piracicaba usávamos uma carroça de tração animal. Nadei por 15 anos no Rio Piracicaba, faz 60 anos que tenho rancho na barranca do Rio Piracicaba. Lembro-me que em uma ocasião pescamos 13 peixes pintados, por não ter para quem dar o excesso de peixe devolvemos mais da metade ao próprio rio. Lembro-me das festinhas que existiam em frente á catedral, no centro ao lado do antigo coreto havia um lago com peixinhos vermelhos, as crianças paravam, olhavam e respeitavam, sem sequer tocar na água. Havia festas também junto a Igreja Bom Jesus, ao lado da Igreja dos Frades, onde hoje é Assistência Social Mariana, em frente a Igreja dos Frades havia um cercado onde o pessoal que vinha do sítio deixava as carroças. Lembro-me de que no Largo São Benedito havia uma carroça com quatro rodas, puxada por cavalos, o condutor era um negro que usava fraque e cartola, funcionava como hoje funciona um taxi. Contratava-se a ida até o local onde se desejava ir. Os Fornazari tiveram carros e cavalos desse tipo na Rua Floriano Peixoto, onde hoje é a Mausa. Na frente tinha um pasto onde os cavalos ficavam soltos, tinha a garagem onde guardavam os respectivos carros de tração animal. O Libório tinha um carro desses com dois cavalos, até então o quem falecia era conduzido carregado pelas mãos dos acompanhantes até o Cemitério da Saudade. Imagine subir a Rua Moraes Barros do centro até o cemitério! Isso tudo feito vestindo terno! Era obrigatório o uso do terno! O chão era de terra. O primeiro carro fúnebre adquirido pelo Libório foi construído pelo meu irmão Pedro, no inicio houve certa resistência em deixar de levar o caixão carregado pelas mãos dos acompanhantes. Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra era um bosque com árvores frondosas.
O senhor chegou a ver hansenianos em Piracicaba?
Conheci muitos deles, andavam a cavalo, portando um bastonete com uma latinha na ponta, permaneciam montados no cavalo e esticavam o bastonete de tal forma que as pessoas davam moedas como esmola sem tocar no portador da doença.
O senhor jogou futebol?

Joguei pelo Cruzeiro de Piracicaba durante 14 anos, era lateral direito, joguei um pouco pelo União Monte Alegre, também no Samambaia que ficava junto ao São João da Montanha na Escola de Agronomia. O Cruzeiro ficava na Rua Floriano Peixoto. Onde hoje é o Colégio Dom Bosco era o Independente, onde é o SENAI era o Sorocabana Futebol Clube.
Como eram os bailes em sua juventude?
Ia aos bailes no Clube Cristóvão Colombo, situado no andar superior de uma edificação na Rua São José esquina com a Rua Governador.
Outra atividade da família Adamoli qual era?
O meu pai por gostar muito de pescar construiu o barco para o seu lazer, o meu irmão Osvaldo também gostava muito de pesca, um grande companheiro de pescas era o Cri-Cri, um cachorro preto de pelo liso, ficava na ponta do barco, quando ele percebia qualquer movimentação de que haveria pescaria ele já se movimentava, era o primeiro a subir no barco! Uns pescadores retiravam areia usando canoa, para encher uma carroça de areia levava um dia inteiro, entre eles havia o Sebastião, Tutu, Norca, Zé Meo, Lazinho Cabeça, Araponga. Fizeram a proposta para meu pai construir um barco grande e juntos formariam uma sociedade para extração de areia do Rio Piracicaba. Meu pai concordou, fez um barco onde cabiam duas carroças de areia, cerca de mil quilos. O negócio deu certo, meu pai fez mais alguns barcos, até fazer uma draga. Meu irmão Pedro colocou motor, bomba de sucção, encanamentos, no fim conseguiu fazer a extração de areia: extraia pela draga, caia no barco e despejava no barranco. Assim nasceu a empresa, que mais tarde até guindaste teve, também construído pelo Pedro, tinha um barco grande com seis caixas, cada caixa comportava um metro de areia, o guindaste tirava a caixa cheia e esvaziava no barranco. Chegamos a ter 80 funcionários só para carregar areia de forma manual, com a pá.
Como era transportada a areia da margem do rio até o comprador?

Com carroça puxada por três burros. A nossa chácara ficava onde hoje é o SESC, meu pai tinha comprado um alqueire de terras, ali era a cocheira dos animais. Eram 15 carroças e 96 burros só para puxar areia, subiam a Rua Moraes Barros. Havia muitos carroceiros que adquiriam areia que nós extraiamos e revendiam pela cidade.


LUIZ ANTONIO DE SIQUEIRA (LUIZÃO)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 7 de maio de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: LUIZ ANTONIO DE SIQUEIRA (LUIZÃO)
Ele nadou no Rio Piracicaba, desceu pelas águas do rio desde a conhecida popularmente como Ponte do Mirante até onde mais tarde veio a ser o Bela Vista Nauti Clube, cerca de 10 quilômetros de extensão. Fazia o trajeto da volta também. Viu muita boiada passar pela Rua Luiz de Queiroz e Rua Tiradentes. Tornou-se um talentoso técnico de som e imagem, criou um sistema revolucionário de registro de sessões em Câmaras Municipais, implantadas em 89 cidades do Brasil. Luizão é um modelo do piracicabano típico em sua essência: criativo, humilde, sincero e sempre com muita boa vontade em ajudar o próximo, em qualquer circunstância. Nascido em Piracicaba em 10 de novembro de 1954, Luiz Antonio de Siqueira é filho de Benedito Luiz de Siqueira e Elza Therezinha Soave de Siqueira, ele eletricista e ela dona de casa. O casal teve os filhos: João, Luiz, Benedito, Adriana, Sérgio.

Em que bairro de Piracicaba você nasceu?

Nasci na Rua Prudente de Moraes, 314, centro de Piracicaba. Na época a boiada era conduzida pelas ruas da cidade, entre elas pela Rua Tiradentes, ou Rua Luiz de Queiroz. Eu tinha de sete a oito anos, uma parte da Rua Luiz de Queiroz era de chão de terra, outra parte já tinha sido calçada com paralelepípedo. Onde hoje é o jardim na Rua Luiz de Queiroz havia um campo de futebol, a imensa figueira que domina boa parte da praça era uma planta muito jovem. Nesse terreno por diversas vezes foram encontrados fragmentos de utensílios indígenas, resquícios deixados pelos antigos ocupantes do local. Logo abaixo a Rua do Porto era toda de terra, habitada por pessoas que viviam da pesca. Não havia o requinte que existe hoje, era um local bem simples. Meu pai e seus amigos ficavam na Rua do Porto conversando, sentados junto ao chão.

Seu avô era um celebre pescador?

Meu avô Augusto Gomes da Silva era conhecido como “Gusto Poita”. Os barcos usavam uma poita (ancora) de ferro para estacionar, ele gira em torno do seu eixo sem sair do lugar. Ele era o único pescador que usava grandes varas de metro, ficava dentro da água, com a água batendo pelo pescoço, e permanecia com o seu corpo imóvel, sem sair do local. Ao pescar o peixe ele tirava-o do anzol colocando em um saco de pano imerso na água, ao sair do rio os peixes ainda estavam vivos. Meu avô tinha uma grande habilidade nos pés, de tal forma que praticamente travava os pés sobre o leito do rio, eu ainda menino muitas vezes ficava nas águas do Rio Piracicaba agarrado ao meu avô, que não se movia do lugar.
Era comum criança nadar no Rio Piracicaba?
Nós éramos jovens e nadávamos no Rio Piracicaba, lembro-me dos companheiros, entre eles o Foca, o Dito Polenta. Nadando íamos até o Bela Vista Nauti Clube, nunca medimos a distância, mas eu imagino que seja superior a 12 quilômetros. Fazíamos isso brincando! Descíamos pelo meio das águas do rio e subíamos pelas pontas, nas pontas não existe correnteza.
Não havia medo do famoso “Poção”?

O Poço é uma lenda! O que existe de fato é o rodopio das águas que bate nas pedras. Quando diziam que as pessoas morriam naquele local, geralmente tratava-se de pessoas que não tinham conhecimento do rio. No rio ao nadar você dá duas ou três braçadas para subir uma. Quando nos cansávamos, soltávamos o corpo e íamos á beira do rio, onde permanecíamos por algum tempo. Descansávamos e depois continuávamos subindo o rio. Com o Foca nadei dos 14 anos até quando foram encerradas as atividades do Clube de Regatas de Piracicaba.

E as famosas catraias?

Esse era o nosso hobby favorito, até hoje sonho em um dia poder adquirir uma catraia! Era a paixão da minha vida. Trata-se de um barco tipo bolha, com dois remos, pedaleira fixa, o banco onde o remador senta-se também é fixo. Era fabricado no próprio Clube Regatas com madeira marítima. Tínhamos barcos para 12 remadores, 15 remadores. Colocávamos o que na intimidade chamávamos de “anão”, uma pessoa de estatura pequena que ficava na ponta do barco dando a rota de direção que deveríamos remar, uma vez que remávamos dando as costas para frente do barco. Essa é a posição para tracionar os remos de forma correta. O nosso rio não tinha pedra, tinha peixe! O nosso problema era não bater em peixe grande! Ou até mesmo um cardume! Por ser um barco de velocidade, trabalhando sob muita pressão ele tem uma guia muito grande embaixo, no casco, movimentava também a guia de cima, que chamamos de leme, tinha que conhecer o funcionamento do barco. O rio era calmo, cheio de peixe. Muitas vezes minha mãe decidia fazer um cuscuz de peixe, eu tinha uma camiseta velha, apanhava-a, descia até a Rua do Porto, em frente à Fábrica Boyes havia o escoamento da água utilizada na indústria. A água passava por uma comporta, atravessava sob o leito da rua, movimentava o mecanismo da fábrica, sem jogar óleo ou algum tipo de poluente no rio, dizia-se “- Suba a comporta mais dois graus!” e aumentava-se a velocidade das máquinas. Essa água dava a volta dentro da fábrica toda e saia em uma espécie de funil encostado onde hoje existe a ponte pênsil. Naquele local ficavam peixes do tipo “guaru”, resíduos inócuos, como pó de pano saiam ali, isso atraia pequenos peixinhos. Com a camiseta em forma de coador apanhava uma grande quantidade deles e trazia-os vivos. Em casa minha mãe preparava e adicionava ao cuscuz! Comemos por muitos anos peixes do Rio Piracicaba.

Os peixes eram abundante no Rio Piracicaba?

Muitos pescadores jogavam uma rede para pescar, pegavam grande quantidade de peixes, geralmente não eram vendidas, as pessoas ficavam no barranco com bacias, os pescadores davam os peixes. O hobby era pescar: corumbataí, pintado. O cascudo tem um tipo de um fio nas suas costas, que deve ser tirado para eliminar o gosto de terra que irá permanecer se isso não for feito. Preparávamos e comíamos peixes na barranca do Rio Piracicaba, sem problemas ou abusos contra a natureza. Era um paraíso!
Isso foi antes de ser desviada água para o Sistema Cantareira?

Exatamente. Fui nascido e criado a dois quarteirões da Rua do Porto, freqüentava o Clube de Regatas onde meu pai era sócio há muito tempo, eu tinha ao meu dispor a piscina do Regatas e o Rio Piracicaba.

Havia enchentes do Rio Piracicaba?

Tenho lembrança de muito pouca enchente. Na verdade a avenida invadiu o Rio Piracicaba! A avenida era bem mais estreita, o Rio Piracicaba sempre esteve lá! Há muitos anos o vereador Juan Sebastianes já advertia que esse rio dali a algum tempo estaria morto, porque a base do rio é a mata ciliar e ninguém estava prestando a atenção nisso. A mata protege, alimenta o ciclo de vida aquático, qualquer pessoa leiga no assunto sabe que controlar a vazão do rio a bel prazer irá trazer prejuízos enormes a vida do rio. Essa conscientização deve existir desde o simples ato de um cidadão lavar um automóvel em via pública!
Você já atravessou o Rio Piracicaba andando sobre as pedras?

Já! E posso dizer que fiz isso chorando de tristeza! Imagine que eu ia até a ponte Irmãos Rebouças, mais conhecida como Ponte do Mirante, com uma bóia feita de câmara de trator, sentava nessa bóia e descia, pelas cataratas do Mirante, a altura da água não permitia que a bóia batesse nas pedras, a força da água impulsionava a bóia, não tinha como bater nas pedras. Se você fizer uma coisa dessas hoje irá morrer cortado pelas pedras! O volume de água é muito menor. Em casa em um dos quartos havia três camas onde eu e meus irmãos Beninho e João dormíamos. Não ouvíamos ruídos de carros, ás cinco horas da manhã acordávamos com o ruído das garrafinhas de leite batendo entre si, era o leiteiro chegando e deixando á porta da casa o litro de leite da família, muitas vezes deixando até mesmo o troco em dinheiro se o valor deixado fosse maior, isso quando não era retirado um pequeno vale de papel já pré-adquirido. Quando o Rio Piracicaba estava o que chamávamos de “bravo” ouvíamos o seu barulho a noite inteira, isso na Rua Prudente de Moraes, 314, a três quadras do rio! Era a coisa mais gostosa dormir com aquele ruído. O rio que nós conhecemos em tempos de enchentes é o rio que existia antigamente. O calor era abrandado pelo ar fresco que vinha do Rio Piracicaba. Ás vezes de madrugada tinha que se cobrir! Hoje a poucos metros do mesmo local, o trafego de veículos é tão intenso que apenas no período da 1 á 5 horas da madrugada temos um pouco do silêncio existente há algumas décadas.
No Mirante há um canal de água que vai até o local onde funcionava o Engenho Central, você chegou a nadar nesse canal?

Ninguém podia nadar ali, a água passa com muita velocidade, ficava muito próximo dos equipamentos do Engenho Central, funcionava como um funil para onde a água escorria. Um pedaço de pau de uma cerca que por acaso entrasse naquele canal poderia ficar preso em suas margens, sob a água, formando uma armadilha terrível. Havia uma fiscalização intensa naquele canal, existia um senhor que fiscalizava e cultivava algumas plantas no local. Nós entravamos pelo Mirante, antes do chamado Véu da Noiva há um bico por onde sai água com pressão, descíamos por ali, chamávamos aquela pequena corredeira de água de “Xixi do Noivo”. Havia umas pedras, descíamos por detrás delas com muito cuidado, era comum usarmos chinelos do tipo “alpargatas”, com sola de corda, para não machucar o pé, como por exemplo, ao pisar em algum peixe, como o mandi. Uma ferrada de mandi é muito dolorida.

Na Rua do Porto havia muitas olarias, vocês caminhavam por lá?

Não passávamos por ali. Tínhamos o limite do rio, conhecíamos os lugares perigosos do rio. Andávamos pela Rua do Porto até um determinado limite, não caminhávamos na direção dessas olarias que ficavam mais distantes. Meu pai determinava até que local podíamos ir, e ninguém mais se interessava pelo que tinha além. A nossa visão concentrava-se na Rua Prudente de Morais, Rio Piracicaba e Clube Regatas. Não tínhamos curiosidade de caminhar pelas margens, queríamos nadar no rio. O barranco do rio era todo formado por ranchos de pescadores. Onde hoje existe o bairro Nova Piracicaba era formada por área cultivada, pasto ou mato.

Como era um rancho típico de beira de rio?

Era um local onde as pessoas iam pescar, geralmente mantinham um bote no local, tinham seu fogão de lenha, uma casa muito rústica, poço de água, pescavam, preparavam o peixe, tomavam uma pinguinha, batiam papo com os amigos, davam-se boas risadas, os assuntos eram apenas coisas boas, depois ia cada um para a sua casa. Cada rancho tinha um dono, o que eu freqüentava era de propriedade do Seu Carlito. Ele morava na Rua Prudente de Moraes, 312, trabalhava no conserto de radiadores de automóveis. O hobby dele era o rancho, com seu Fordinho 1929 me levava com seus filhos, íamos até o rancho com esse carrinho, descíamos pela Rua Vergueiro, seguíamos pela Estrada do Bongue, passando ao lado das pedreiras existentes ali. Lembro-me bem do “Morro Tira Saia”, isso porque o Fordinho não tinha força para subir ao chegar lá, descíamos, ajudávamos a empurrar o pequeno veículo, assim que atingia o alto do morro subíamos e continuávamos o passeio, isso acontecia principalmente se tivesse havido chuva.

Como era a relação das crianças com os adultos?

Os adultos eram muito reservados, a conversa de pescador era entre eles, se meu pai estivesse em uma roda de adultos conversando nós não nos aproximávamos. Era assunto de adulto, assim como existia assunto só entre as mulheres.

Você pulava do famoso trampolim existente ao lado do Clube Regatas?

Saltei inúmeras vezes! Era um trampolim com duas pranchas, alto, tinha que saber pular, porque o rio não era tão fundo, quando caia na água tinha que saber virar o corpo para deslizar na água. O pessoal dizia que onde era chamado de “Poço” o rio tinha seis metros de profundidade, a profundidade do rio mais adiante gira em torno de três a quatro metros. Sob as suas águas não se enxerga nada. Nadávamos com a cabeça fora da água, olhando para frente.

Luiz, você exerceu diversas atividades profissionais, mas uma área sempre o atraiu?

Sou apaixonado por som e imagem. Trabalhei com Xilmar Ulisses em seu programa “Gosto não se discute” na Rádio Educadora, meu tio Sérgio José era técnico da Rádio Educadora, foi lá que aprendi a trabalhar com equipamento de som. Mais tarde fui convidado pelo Xilmar Ulisses e pelo Jamil Neto para trabalhar na parte técnica da Rádio FM Municipal, na época funcionava junto ao Semae, em frente ao Cemitério da Saudade. Às seis horas da manhã eu abria a rádio, tocava o Hino Nacional, o bispo Dom Eduardo Koaik fazia a oração e eu permanecia trabalhando na parte técnica até a uma hora da tarde. De lá eu saia e ia trabalhar no Focus Studio, do Fredinho Kraide, situado no ultimo andar do prédio Planalsucar na Rua Treze de Maio esquina com a Rua Santo Antonio. Eu trabalhava na parte técnica, fazia edição e filmagem, época da chamada “edição seca”. Usávamos equipamentos próprios de televisão, o Fred era um profissional muito exigente, trabalhava com uma máquina fotográfica Hasselblad, era um dos melhores estúdios da região. Fazíamos todos os trabalhos com som e imagem, na época já produziamos “book” em estúdio, a lendária modelo “Lu Borelli” foi uma das fotografadas pelo Focus Studio.

Na sua trajetória profissional surgiu o seu trabalho na Câmara Municipal, com a sua criação da Ata Eletrônica, implantada em muitas cidades do Brasil?

Fui convidado pelo vereador Bonassi para trabalhar com a implantação do sistema de imagem na Câmara Municipal, até então as atas era todas manuscritas. Com dois aparelhos de televisão Philco Hitachi desenvolvi o projeto, criei a TV Câmara e a Ata Eletrônica, criei o Arquivo Vivo da Câmara Municipal, Não existia nada disso. Uma ata normal era escrita em setenta folhas, ela passou a ser resumida em horários e datas e referências curtas. Isso revolucionou o registro dos trabalhos na Câmara Municipal. Outras câmaras foram conhecendo e se interessando.

Você instalou esse sistema pioneiro de Piracicaba em quantas localidades?

Instalei até hoje em 89 câmaras municipais do Brasil todo. Esta na WWW.ataeletronica.com.br as referencias com relação a esse trabalho. Em todas as câmaras desenvolvi o projeto, implantei, dei treinamento e autonomia para que essas instituições prosseguissem com seus próprios recursos.

Com isso você viajou muito pelo país?

Cheguei a viajar de 3 a 4 mil quilômetros por semana. Para se ter uma idéia, implantei a Ata Eletrônica até em Manaus!


domingo, abril 24, 2011

ELYDIO (IO) FERRAZZO e CARMEM NATALE FERNANDES FERRAZZO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de abril de 2011
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: ELYDIO (IO) FERRAZZO e CARMEM NATALE FERNANDES FERRAZZO
Nascido em 9 de agosto de 1936 é filho do imigrante italiano Giovanni ( João) Ferrazzo e de Carmem Canhoela Ferrazzo. Assim que chegou a Piracicaba, ainda muito jovem, Giovanni permaneceu por bom tempo residindo junto a família Ferrari, logo acima do pontilhão da Rua Benjamin Constant.
Após alguns serviços de diversas naturezas, em qual atividade ela passou a trabalhar?
Ele trouxe da Itália conhecimentos sobre a fabricação de vassouras, possivelmente aprendidos com seu pai. Aqui no Brasil ele montou uma pequena fábrica de vassouras. No Brasil só existia a vassoura caipira, ele introduziu vassouras das variedades quatro fios, cinco fios, colonial. Aos poucos foi se desenvolvendo, adquirindo um sobrado na Vila Rezende, onde mais tarde funcionou a Rovigo. Era um sobrado com uma casinha ao lado que ele alugava para um bar, embaixo eram portas abertas, onde funcionava a indústria de vassoura, com seis barracões. A primeira indústria que ele teve fabricava vassouras da marca “Elefante”. Tornou-se uma industria grande, carregava-se por dia até dois caminhões de vassoura, cerca de 80 funcionários chegaram a trabalhar nessa fábrica.
Nessa época seu pai já era casado?
Já era casado com a minha mãe que era filha de espanhóis, ele tinha a conhecido quando ela trabalhava nas Indústrias Del Nero, situadas em frente ao Lar Escola Nossa Mãe, na Rua Boa Morte.
Quantos filhos eles tiveram?
Quatro: Antonio, Carmem, Elydio e Ida Maria.
Além da indústria na Vila Rezende seu pai adquiriu outra propriedade?
Meu pai adquiriu da Família Maluf um barracãozinho que era utilizado para a fabricação de bebida, media 5 metros de frente por 45 metros de fundo. A palha utilizada para a fabricação de vassoura era importada da Argentina, era transportada pela Sorocabana, cada fardo pesava 200quilos. Junto com a palha vinha sementes que se desprendiam da palha. Meu pai passou a distribuir aquelas sementes. Com isso ele disseminou a plantação da palha da vassoura na nossa região. Sempre aconselhando o agricultor a fazer uma seleção por amostragem da melhor semente.
A fábrica de vassouras Elefante tinha um sócio?
Bene Gianetti era um dos grandes capitalistas da época, ele e meu pai tinham fortes laços de amizade, era muito comum ver os dois freqüentando o tradicional restaurante Pappini com seu jogo de bocce, o pastel da Giggetta. Era ali que se reuniam os Mazzonetto, Aleoni, Ometto, Dedini. Bertini, Carnera, Giovanetti, Sega. O Bene Gianetti gostava muito de caçar, meu pai tinha uma “baratinha” a gasogênio, os dois iam caçar, passavam o dia juntos, só voltavam a noite, eram amigos inseparáveis. Lembro-me do Posto do Paterniani, que ficava no final da Avenida Rui Barbosa, onde mais tarde se instalou o posto conhecido como “Posto da Velha”. Do lado direito do posto havia a sorveteria do Gustinho Cardinalli, era o melhor sorvete que existiu até hoje. Lembro-me do Comendador Mário Dedini quando iniciou suas atividades em um pequeno barracão, fazia peças para arado, conheci Leopoldo Dedini e o Armandinho Dedini quando jogava no Atlético. Houve uma época em que o meu pai e o Bene Gianetti se desentenderam. Meu pai alugou o prédio para o Bene Gianetti e deixou de participar na indústria de vassouras, mudando-se para o barracãozinho que tinha sido do Maluf, só que ele teve que esperar o Maluf desocupar o prédio, nesse intervalo de tempo ele alugou por alguns meses o barracão situado a Rua do Rosário, 2561, de propriedade de José Nassif. Nesse barracão nasceu a Indústria Canta Galo. Os atacadistas de São Paulo exigiam as vassouras Canta Galo, eles não tinham a mesma técnica que a nossa.
Como surgiu o nome Canta Galo?
Foi meu pai quem criou! Acredito que ele tenha achado o nome bonito, tanto que mais tarde deu origem ao Posto Canta Galo. Um pouco antes de mudarmos para o barracão que tínhamos adquirido na Avenida Dr. Paulo de Moraes adquirimos também um terreno vazio de 10 metros de frente por 45 metros, ficava em frente ao bebedouro destinado aos cavalos que tracionavam as carroças. Ao lado morava o Dr. Jacob Diehel Neto, morava encostado, cheguei a conhecer o célebre deputado Tenório Cavalcanti, que esteve em visita a Dr. Jacob. Vi inclusive a “Lurdinha” da qual o deputado não se separava. Era assim que ele denominava a metralhadora que portava para sua defesa pessoal. Tenório Cavalcanti andava vestido de preto. Nos fundos do nosso barracão havia terrenos vazios, com frente para a Rua Joaquim André, eram terrenos onde existiam pés de goiaba plantados. Na esquina o Joanim Fustaino tinha uma sapataria, os irmãos Giuliani começaram com uma lojinha na esquina. O francês que trabalhava na Morlet tinha uma casa em frente ao bebedouro de água, mais tarde o Morlet mudou-se para a Rua Joaquim André.
Com quantos anos você mudou-se da Vila Rezende para a Paulista?
Eu deveria ter uns 14 anos quando meu pai adquiriu a casa onde mudamos, a vendedora foi a Madame Balboux. Aos poucos meu pai foi adquirindo propriedades e lotes naquela região, inclusive meu tio José Ferrazzo dono das Bebidas Ferraspari de Jundiaí.
Quantos funcionários havia na fabrica de vassouras Cantagalo?
Devia haver uns 50 funcionários.
Na esquina da Avenida Dr, Paulo de Moraes com a Rua do Rosário há um enorme posto de gasolina, atualmente com a bandeira BR, aquela área foi adquirida pela sua família?
Ali tudo era um pasto, da Rua do Rosário até a Rua Alferes José Caetano não havia nenhuma casa. Aos poucos foram sendo construídas casas. Onde atualmente é o posto meu pai construiu uma pequena casa com um rancho, quando chegava a palha para fazer a vassoura existia o rolete para fazer a limpeza. Onde atualmente é a Avenida Dr. Na esquina com a Rua do Rosário, havia um muro, junto a esse muro existiam duas construções pertencentes a Chácara Nazareth, que eram utilizadas para armazenar os produtos colhidos na Chácara Nazareth. Dr. Jorge Pacheco Chaves gostava muito do pessoal do Jaraguá Futebol Clube, ele permitiu que funcionasse ali a sede social do clube, onde ficavam expostos os troféus, havia duas mesas de bilhar.
Foi seu pai que construiu o famoso Posto Canta Galo?
Meu pai construiu exatamente no mesmo local onde hoje existe o posto, a bandeira era Texaco, isso foi em 1957. O posto estava em meu nome, tinha duas bombas de gasolina, uma de óleo diesel, e uma de gasolina azul. Tinha dois lavadores, sendo um com elevador de caminhão.
Você tinha conhecimento anterior do ramo?
Não conhecia, mas não tem muito segredo era só trabalhar, funcionava por 24 horas por dia. Trabalhei por 4 a 5 anos, depois passei a arrendar.
E o restaurante que existia ao lado do posto?
Um dos que tocaram o restaurante foi o cunhado do Luís Inácio Sleiman, o Mugão, enquanto o Mugão tocava o posto.
Você jogou para que time de futebol?
Comecei jogando pelo Atlético, como ponta direita, mais tarde eu joguei como centro avante no Jaraguá, o presidente do time era Abel Pereira, seus diretores eram Jayme Pereira, Waldemar Fornazier, o Ziquinho era desse tempo, Irineu Lopes é dessa época, assim como Osíris, Décio e Pinduca. O Waldir Piccoli da Sapataria Marilu montou um time lá no Campestre, onde nossa turma ia jogar.
Havia uma grande rivalidade entre os times do MAF e do Jaraguá?
Era muito comum haver divergências e algumas vezes acabavam em agressões físicas, mas dentro de uma normalidade própria da situação. Sem uso de armas! Certa ocasião teve uma briga no bairro rural Morro Grande, tínhamos ido num caminhão de propriedade de Abel Pereira, um Mercedes Bens L 312, fomos obrigados a sair correndo, indo esperar o caminhão nos pegar na venda de Tupi. As mudas de roupas ficaram para trás.
Como você conheceu a sua esposa Carmem Natale Fernandes Ferrazzo?
Ela é natural de São Pedro, nascida em 24 de dezembro de 1939, filha de Tereza Carone Fernandes e José Fernandes. Eu a conheci na sua casa, o pai dela viajava e trazia matéria prima, cabos de vassoura, para a fábrica do meu pai. Nossas famílias já eram conhecidas desde os tempos dos nossos avôs.
Natalia completa:
O meu avô plantava vassoura e o pai do Io ia buscar no nosso sítio, com um caminhão Chevrolet Tigre. Quando mudamos para a cidade á Rua Saldanha Marinho eu tinha uns 12 anos, quando o Io ia procurar o meu pai, foi assim que nos conhecemos. Passados mais uns dois anos meu pai adquiriu a Padaria Central ele ficava passeando em frente a padaria com uma caminhonete Ford 1946.
Em que dia vocês se casaram?
Casamos em 4 de fevereiro de 1961 celebrado pelo Frei Fulgêncio na Igreja dos Frades. Fomos morar na Rua Joaquim André. Temos três filhos Marcos, Márcia Viviane e Marcelo.
Há um bairro em Piracicaba chamado Cantagalo, qual é a relação com a sua família?
É a Favela Cantagalo. São três alqueires e meio de propriedade do meu pai. Ele sempre foi uma pessoa de gestos largos, trabalhava muito, tinha gestos generosos. Ficou celebre a vez em que em uma reunião de amigos no Restaurante Brasserie ele quitou o jantar deixando como pagamento um automóvel de sua propriedade, que era objeto de desejo do então proprietário do restaurante.
A área que veio a tornar-se a Favela Cantagalo como foi adquirida?
Ela foi comprada e paga em dinheiro. Havia pequenas edículas precárias, cerca de 30, além de 4 casas boas, meu pai de maneira informal alugava aos interessados. As contas de água e luz passaram a vir em nome do meu pai sendo que ele não estava recebendo o valor das locações. Formou-se um impasse, quem estava lá não saia e nem pagava o aluguel devido, com raríssimas exceções. Meu pai estava muito aborrecido com a situação. Com muito tato fiz o que deveria fazer, consegui a remoção das pessoas invasoras. Com o falecimento do meu pai a situação voltou e após diversas tramitações judiciais, por razões de diversas naturezas, com a interferência de diversas autoridades civis, políticas e religiosas, aquela área tornou-se um imbróglio jurídico com evidente prejuízo á nossa família. Tenho documentação de retirada de mais de 20 anos de cascalhos das nossas terras. Elydio nesse ponto altera-se com as injustiças das quais julga ser vitima.
O seu pai tinha um automóvel que chamava muito a atenção?
Era um Simca Rally, eu a comprei do meu pai e vendi há uns 4 anos para um colecionador de Limeira. Ele reformou inteirinha.

Qual foi a sua primeira moto?
A primeira foi uma “Jawinha”, depois tive uma Lambreta 1957, depois uma Indian de 1200 cilindradas. Tive uma Royal.
Você conheceu o Chico Carretel?
Conheci, era um artista em carrocerias de madeiras, ficava exatamente onde hoje funciona o Toninho Lubrificantes, na Avenida Dr. Paulo de Moraes. Na Avenida Dr. João Conceição, esquina com a Rua Fernando Souza Costa, onde hoje existe um edifício era a Carpintaria do Galesi.
Natalina, o seu pai José Fernandes teve um grande armazém na Rua Benjamin?
Ficava na Rua Benjamin Constant esquina com a Avenida São Paulo, onde hoje é uma loja de produtos de cerâmica.
Você estudou em que escola Natalina?
Formei-me no Assunção, em 1959, dei aulas por sete anos. Resolvi fazer o curso de prótese, terminei em 1978, passei a trabalhar como protética por muitos anos, como não havia ninguém que fazia aparelho ortodôntico removível em Piracicaba, os primeiros fiz para o Dr. Rensi. Parei em 2002.
Qual é o segredo para fazer o aparelho removível?
Paciência! Trabalhar com o fio ortodôntico tem que gostar! O aparelho é feito com uma plaquinha de resina que encaixa. O aparelho fixo quem faz é o dentista.

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