domingo, abril 27, 2014

RAQUEL CINTRA FAYAD

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de abril de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: RAQUEL CINTRA FAYAD

Raquel Cintra Fayad nasceu a 27 de janeiro de 1968 em Atibaia. É filha de Farid Fayad comerciante e professor de filosofia, e Marilisa Cintra Fayad, professora, coordenadora de escola, trabalhou na Delegacia Regional de Bauru. O casal teve os filhos: Hedel, Raquel, Luciana e Cristiane. Logo que Raquel nasceu a família mudou-se para Arujá. Quando Raquel tinha dois anos de vida sua família mudou-se para Agudos. Casada, tem dois filhos, Mateus hoje com 23, cursando engenharia elétrica anos e Rebeca de 22 anos fazendo o curso de veterinária. Casada em segundas núpcias com Davison Cardoso Pinheiro, conhecido como Davison Pinheiro, arquiteto, especialista em projetos acústicos, criativo e um esteta por natureza, com quem Raquel Fayad  deixa transparecer que vive um grande amor, uma das suas inspirações.
Raquel Fayad fez questão de salientar o acolhimento dado por Maria da Glória Silveira Mello, bisneta de Prudente de
Moraes e Renata Gava ambas representando o Museu Prudente de Moraes.
Foi em Agudos que você iniciou seus estudos?
Estudei no Instituto Sagrado Coração, um colégio de freiras, iniciei desde os cinco anos, no conservatório, que tinha um formato muito semelhante ao Conservatório de Tatuí atualmente.  Ali estudei musica dos cinco aos dezessete anos, no ano seguinte ao que me formei, tornei-me professora, com dezoito anos estava dando aulas para formandos. Eu fazia uma leitura muito rápida de Bach, gostava demais. Sou formada como técnica em musica, no instrumento piano. Lecionei no conservatório por dois anos. Fui aluna do Grupo Escolar Coronel Leite e Grupo Escolar João Batista Ribeiro.  Minha primeira professora, no primeiro ano de grupo escolar, foi Dona Alba Conde. Estudei também com uma freira Irmã Anelise, que foi uma freira fantástica. Tive um pré-escolar muito divertido, criativo e educativo. Não dá para esquecer.No conservatório, quando tinha seis anos participei de um concurso em Ribeirão Preto, executei a musica “Bolinho de Manteiga”recebi meu certificado de segunda classificada das mãos da Clarice Leite, mãe de Cláudio César Dias Baptista um dos criadores do conjunto musical "Os Mutantes".
Além da musica você tinha outra atividade artística?
Eu fazia pintura desde os sete anos, eu gostava, pedi e minha mãe colocou-me para ter aulas com Rosa Zaniratto, isso em Agudos, eu estudava no colégio. Comecei com pintura em tecido, em veludo, telas, todas as técnicas de pintura que aparecia eu ia aprendendo, esse final de semana vi na casa da minha mãe um quadro que pintei quando tinha doze anos. Junto com tudo isso fiz o magistério, fui dar aulas na Freidemberg, hoje empresa Duratex de Agudos. Lá eu ministrava aulas para crianças de terceiro e quarto anos. Nesse período entrei para a Faculdade de Arquitetura na Universidade de Bauru, hoje UNESP, por isso deixei as aulas de piano. Fui cursar arquitetura junto com o último ano de magistério. Aos catorze anos comecei a dançar, clássico e jazz. Participei de um grupo de dança em Agudos: “Academia de Ballet Ana Flora Zaniratto Zonta”. Era uma professora fantástica, muito criativa, fazia coreografias bem modernas, chegamos a apresentar uma mistura de clássico e taekwondo em uma abertura de um campeonato internacional de taekwondo em São Paulo.
Você respira arte?
Respiro arte! Encontrei esses dias certificado de curso de gestão cultural que eu havia feito aos dezesseis anos. Em Agudos tinha o Seminário Santo Antonio, naquela época o conservatório fazia muitos eventos relacionados com os seminaristas, o coral do conservatório, as apresentações musicais, ensaiávamos com os musicistas do seminário. Sou contralto. Cheguei a reger um coral infantil o “Coral Abelhinha”, isso foi logo que me formei. Participei do coral cuja regente era a Irmã Eliane, uma regente fantástica.
Você também foi modelo?
Desfilei uma época, deixava minha mãe maluca! Isso começou com a realização de alguns eventos que fazíamos para levantar fundos, era uma iniciativa do Rotaract. Fazíamos eventos de vendas de árvores de natal para gerar fundos para assistência social de algumas entidades. Um dos eventos foi um desfile de moda. Fui convidada por um dos jurados que organizava os desfiles em Bauru e região. Desfilei por quase dois anos. Tenho amigas que participavam desse grupo e hoje são modelos profissionais. Alessandra Berriel é uma delas. Participamos de um grande concurso chamado “Nossa Moda Procura Você”. De 800 meninas fiquei entre as 10 selecionadas. Foram experiências que foram norteando o que realmente eu queria da minha vida. Acredito que tive muita sorte nos acontecimentos culturais que vivi. Acredito que é fundamental escolher uma profissão que ela não seja trabalho, mas prazer em sua vida. Por natureza do trabalho do meu marido, em uma estatal, mudamos muito. Em Itapeva entrei em uma academia de ginástica e lá desenvolvi um grupo de dança, fizemos um primeiro espetáculo denominado “Servindo Emoções”. Convidei um ator de teatro de Itapeva, um diretor chamado Luiz Valcazaras, que hoje atua em São Paulo na direção de teatro, comerciais. Eu estava preparando o segundo espetáculo quando meu marido foi transferido para Tietê, lá eu continuei dançando na Anabete Ballet, viemos para vários concursos em Piracicaba. Foi lá que eu comecei a desenvolver mais a minha pintura. Lá eu tive uma professora italiana, a Catarina Musso, mais conhecida como Rina, Ela vinha uma vez por semana para ministrar o curso em Tietê. Ela residia em Osasco na época. Uma das coisas que descobri com a Rina é de que eu gosto dessa busca da cor, dessa química. No meu trabalho um preto, um azul, não são cores puras. São frutos de misturas de três ou mais cores.

 
Você dá personalidade própria à tinta que usa?
Exato!Ela me ensinou que para pintar eu precisava entender o desenho, a pintura não é apenas uma pintura e sim um desenho. Essa busca dessa cor, de observar sempre a natureza, de ver todas as cores no azul do céu e não apenas o azul. Enxergar a cor da atmosfera. Olhando os meus trabalhos anteriores o que me apaixona em tudo isso é o reflexo, ela me ensinou a fazer o reflexo muito bem feito, e essa mistura de cores, esse mistério das cores. Nesse tempo em que permaneci em Tietê passei a dar aulas em uma escola que é o Sistema Etapa, trabalho lá há 22 anos,dou aula de artes no Colégio Gradual. Com os alunos não só trabalho técnicas mas também a a contextualização do que acontece em arte hoje em dia, todos os processos, desenvolvimento de criatividade. Acredito que isso eles irão usar em qualquer profissão que escolham.  Uma nova transferência por motivo do trabalho do meu marido, fomos para Tatuí.
Você tocou em um ponto muito interessante, a questão da criatividade, existem muitas pessoas criativas, mas que não possuem um direcionamento para sua criatividade.
Eu diria que esse é o motor de arranque, é o que guia o meu ensino dentro da escola. Quando fazia arquitetura fiz a minha mudança para Comunicação Visual. Depois fiz Artes plásticas na Asseta. Eu coloco minha formação hoje como em Artes Plásticas. Meu processo completo foi em Artes Plásticas. A minha paixão era arquitetura, tive a chance de retornar, mas vi que é uma paixão antiga. O que eu quero mesmo são as artes visuais. Não digo nem plásticas, hoje a gente sai do suporte tela-cultura, vai para performances, instalações.

 
Você atingiu um nível de expressão artística bastante elevada.
Acredito que ainda estou em processo de desenvolvimento. Encontro com vários artistas, curadores, orientadores, são momentos em que percebo que tenho várias descobertas, que precisam ser desenvolvidas. Por essa minha parte criativa ser tão fluida, quando estou em um trabalho eu já penso no desenvolvimento, desdobramento dele em outra forma e assim vai muito rápido.
Você transmite ao ambiente a sua volta uma carga muito alta de energia, sob seu ponto de vista existe alguma razão especial?
Eu gosto de viver, gosto do que eu faço, e faço por prazer, não realizo nada por ser obrigada a fazer. Muitas pessoas me perguntam como eu faço tanta coisa e ainda coordeno o Museu Histórico Paulo Setubal de Tatuí.


 
Nós temos na região um número enorme de museus, 36 instituições museológicas na Região Administrativa de Sorocaba, qual é a situação desses museus?
Além de coordenar o museu sou a representante regional de Sorocaba, e a Renata Gava é a representante regional de Campinas. Nós nos encontramos no SISEM- Sistema Estadual de Museus, que está na Secretaria Estadual em São Paulo, nos dá apoio, hoje está capacitando todos esses coordenadores, diretores culturais, pessoas interessadas. Nem todos os municípios das nossas regiões tem museu mas todos tem vontade de formar seu museu.
A visão disseminada entre grande parte da população é de que museu é um depósito de coisas velhas?
É justamente ai que vem todo esse trabalho que desenvolvemos como regional. Somos voluntárias nesse trabalho. Trabalhar com material de museu requer muita técnica, para preservar a peça e também preservar a saúde de quem está manipulando o objeto em questão. Pode ter ácaros, vírus, bactérias. Muita gente entendia museu como depósito daquilo que eu não quero na minha casa mas que foi do meu avô, do meu tio ou algo que foi importante. Hoje temos um apoio muito grande do Secretário de Cultura Estadual, Marcelo Mattos Araujo, museólogo, temos a equipe do SISEM, a Renata Mota é diretora geral da UPPM - Unidade de Preservação do Patrimônio
Museológico. Temos o diretor técnico  do SISEM que é o David Kaseker, que já foi Secretário da Cultura em Itapeva, foi meu antecessor na Regional de Sorocaba, hoje estamos em um momento particular, as pessoas querem ter seu museu, melhorar os que já existem.


 
Por que essa sede de museus?
Acredito que as pessoas estão começando a entender o valor que o museu tem no desenvolvimento cultural de uma sociedade. É um espaço onde tem ali guardada a história, a memória de formação daquele povo, daquela região, do Estado, do Brasil, dos imigrantes.
Qual é a importância da história?
Eu acredito que a importância da história é que nos sustenta como seres humanos. Faz-nos percebermos onde estamos. Por que nós estamos? Como estamos e como estamos fazendo. A memória nos mostra como viveram nossos antepassados.
Por que essa memória deve ser preservada?
O que nós queremos guardar para as pessoas que irão viver daqui a 300 anos? O que irão lembrar-se da sociedade de hoje? Se não soubermos guardar e preservar, a nossa história irá passar em vão? As mudanças são muito rápidas, se pensarmos que a Avenida Paulista em São Paulo, até a algumas décadas era chão de terra veremos como tudo muda rapidamente.
Há pessoas que desejam fazer doações a museus, porém ficam receosas, o administrador capaz e competente de hoje poderá ser substituído por outro sem tanto preparo. Qual é sua opinião?
Acredito que isso é um problema pelo qual vários museus já passaram. Nesses cursos de capacitação, uma preocupação é toda a documentação dos museus, dessas doações. Muitas pessoas deixam algum objeto na porta do museu e vão embora. Passado algum tempo perguntam sobre aquele objeto. Pretendemos instalar termos de doação, o que já acontece em museus maiores. As pessoas terão documentação da doação do objeto. Nós também não podemos receber tudo que as pessoas querem doar, será que vou ter espaço na minha reserva técnica? Terei uma equipe especializada para isso? Os museólogos do SISEM podem ser contatados aqui em Piracicaba, através da diretora do Museu Prudente de Moraes, Renata Gava. Esses museólogos podem dizer para qual espaço uma doação pode ser destinada, e isso será feito com toda documentação que garanta o destino e preservação da doação.
Há o risco de em cidades vizinhas encontrar peças similares expostas? Uma espécie de réplica de museu?
Cada museu tem seu acervo característico.
Você está realizando uma mostra no Museu Prudente de Moraes em Piracicaba?
Tenho em uma sala 17 obras de pintura em acrílico sobre tela, e três trabalhos pequenos de papel cortado, trabalhado com encáustica (uma cera), sobreposto. Tudo começou de um projeto chamado nota célula em expansão, que começou do meu TCC – Trabalho de Conclusão de Curso em Criatividade. Comecei a fazer um caderno com quadradinhos e comecei a compor a partir desses quadradinhos. Descobri que se cortasse em 16 partes aquela folha teria mais 16 quadradinhos. Com aquilo poderia compor qualquer coisa. Quando comecei a fazer o primeiro me lembrei de Bach, ele tinha uma linha musical, depois vinham duas linhas, três linhas, quatro linhas, conversando. Comecei a colocar quatro células em cada tela e na composição conversarem entre si, e a usar os acordes cromáticos para colorir tudo isso, percebi que muitos repetiam à sobreposição, o contraste, as transparências. Iniciei com uma série de estampas, comecei a tirar a minha própria célula e a trabalhar a pintura transparente sobreposta, tirei as linhas curvas e passei a colocar mais linhas retas. A partir disso fui para esse trabalho sobreposto, onde na mostra tem três trabalhos pequenos. Já há um estudo para que isso se torne recorte em madeira ou metal. Tive um rápido aprendizado dessas técnicas com um artista na Itália, Brunivo Vuttarelli. Lá ele me mostrou como trabalhar com metal recortado em plasma. Esse curso e despesas de viagem e estadia foram custeados com meus próprios recursos. Foi no período logo após a minha exposição na Espanha, no MECA Museu de Almeria, com premio do MINC – Ministério da Cultura. Realizei outra exposição em Portugal, de curta duração, os trabalhos foram rapidamente adquiridos. Por franceses e japoneses.A partir disso fiz trabalho no papel, papelão, pintados com encáustica, com alguns trabalhos grandes, o leiloeiro Antonio Roberto Magalhães tem trabalhos que fiz. Ele acabou adquirido trabalhos com papel, papelão, encáustica e tiras de borracha negra, que é a camara de pneu recortada.
Fiz algumas instalações, que a partir de 14 de abril de 2014, poderá ser vista na outra sala do Museu Prudente de Moraes.
Sua exposição no Museu Prudente de Moraes fica por qual período?
Inicia dia 8 de abril com a apresentação as 17:30 do conjunto “Coisa de Mulher”, formado por duas musicistas Natália Ferlin, cantora, toca guitarra e violão, é produtora cultural e Cibele Sabionie que é professora do Conservatório de Tatuí, maestrina da banda e do coral da cidade. A exposição permanecerá até dia 11 de maio de 2014.
Quantos trabalhos você calcula que tenha produzido?
Com certeza mais de duzentos trabalhos. Na minha casa tenho poucos trabalhos. Aprendi uma coisa, seu eu não fizer arte não serei feliz. Poderia ser só uma gestora cultural, gosto muito. Acredito que a única coisa que não poderia ficar na minha vida é fazer arte. Quando você descobre isso precisa ir se encontrando, a partir do que muitos vão lhe falando, você escuta, mergulha dentro de você, percebe em que lugar está nesse processo, tenta aceitar aquilo e procura perceber onde é que você pode caminhar nesse momento. Arte é uma gestação de vida toda. Um dos pintores em que mais me inspiro é Picasso, ele produziu a vida inteira, ele mudou várias vezes o estilo dele, ele tem uma produção maravilhosa, sempre acreditou naquilo que fez. Quando fico em duvida, indecisa, insegura, sempre penso nele e aquilo me dá uma força para continuar trabalhando.
Como surgiu a ideia de utilizar a câmara de ar de pneus como matéria prima em seus trabalhos artísticos?
Foi quando comecei a pesquisar objetos para recortar e sobrepor. Recortava em tiras, ia sobrepondo. Eu precisava de um material que recortasse, me desse uma linha. Sempre digo que em arte você tem um problema, que nunca será um problema e sim a solução da sua vida. A gente joga para o mundo e fica aberto para as coisas que irão retornar. De repente eu estava andando na rua, olhei, vi um borracheiro. Na hora pensei: “- Nossa! A camara de pneu! Como não pensei nisso antes?”.Parei, pedi, o borracheiro me deu muitas camaras de pneus, a dificuldade foi encontrar o que limpasse essa borracha. Fiz várias instalações, como se fossem pinceladas soltas no ar. Disso tudo fui para uma ocupação na Galeria Marta Traba onde tinha que falar da Barra Funda, sobre as histórias, eu tinha um projeto muito grande, engavetado, chamado Cartas de Amor, fiz uma instalação com essas tiras cortadas e fragmentos de cartas, chamada “Cartas Para Marta Traba”. Coloquei os escritos dela, que batalhou muito pela arte latino-americana. Coloquei também cartas de pessoas que estavam participando dessa ocupação, cada um foi trazendo registros, ocupando espaço. Fui convidada a participar de uma exposição chamada “ A Flor da Pele”, que está acontecendo agora na Casa do Olhar em Santo André. Uma exposição coletiva de 33 mulheres, com texto de abertura do Enoque Sacramento, curadoria de Altina Felício e Flávia Robles Dotto. Nessa pesquisa toda descobri que a história é contada através de cartas, desde Dom Pedro I com Domitila, Scott Fitzgerald e Zelda com mais de 300 cartas. Freud com 800 cartas.
O e-mail irá substituir essas cartas românticas?
Já está substituindo! Comecei a receber e-mails de pessoas que escreviam para outras.
Vamos ter uma exposição em São Paulo com três instalações. Vamos dividir: Eros, que é o amor paixão. Filia, que é o amor amizade, amor por filhos, casais que permanecem juntos por muito tempo. E Ágape, que é o amor caridade, o amor doação. 

quinta-feira, março 27, 2014

North Carolina State University Campus Tour


ROLAND VENCOVSKY


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de março de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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                                                                                   Foto by JUNASSIF
ENTREVISTADO: ROLAND VENCOVSKY

Possui graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo (1958), mestrado em Experimental Statistics - North Carolina State University (1967) e doutorado em Genética e Melhoramento de Plantas pela Universidade de São Paulo (1960). Foi professor visitante na University of Minnesota (1974-1976), na North Carolina State University (1990-1991) e na Universidade Federal de Goiás (2000-2003). Obteve a livre docência pela ESALQ/USP (1970) e o título de professor titular em 1994. Foi Chefe Geral do Centro Nacional de Milho e Sorgo da EMBRAPA (1979-1984). Orientou 77 teses e dissertações na área de concentração de Genética e Melhoramento de Plantas da ESALQ/USP e na UFG e publicou 152 artigos em revistas científicas nacionais e internacionais e diversos capítulos de livros. É autor do livro Genética Biométrica no Fitomelhoramento. Agraciado com a Comenda da Ordem do Mérito Científico, pelo Presidente da República em 2002, eleito membro titular da Academia Brasileira de Ciências em 2005 e membro titular da Academia de Ciências do Estado de São Paulo em 2008. Atualmente é professor titular permissionado da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Genética, com ênfase em Genética Vegetal e Genética Biométrica, atuando principalmente nos seguintes temas: Genética Quantitativa, Genética de Populações, Melhoramento Genético e Conservação de Recursos Genéticos. Na sua especialidade atuou em programas de melhoramento das seguintes espécies: milho, várias hortaliças, cana-de-açúcar, mamoneira, eucaliptos e diversas espécies arbóreas brasileiras. Atualmente, continua desenvolvendo métodos de estimação de tamanho efetivo populacional em espécies dióicas e analise de QTLs em milho e cana-de-açúcar. Orienta estudantes de pós-graduação na ESALQ/USP. Tem interesse em estudos de processos como dispersão de pólen e sistema de reprodução em espécies nativas para fins de conservação e pré-melhoramento genético. Colabora com o programa de pré-melhoramento e conservação da cagaiteira, espécie endêmica do Cerrado, junto à Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás. Continua também interagindo com programas de melhoramento, especialmente de espécies parcialmente autógamas como a mamoneira.



O senhor é natural de qual cidade?

Nasci em São Paulo a 10 de junho de 1936 no Hospital Oswaldo Cruz, (Hospital Alemão Oswaldo Cruz), meus pais moravam em Pinheiros, em uma travessa da Rua Teodoro Sampaio. Tenho três irmãos: Ernesto, Elfride, Manfredo. Meus pais são Otto Vencovsky e Catarina (em português) Vencovsky. Minha mãe é natural de uma colônia de alemães do interior do Paraná. Meu pai nasceu em Viena. Ele veio para o Brasil em 1920, após a Primeira Guerra Mundial. Vieram os meus avôs, tios. Na década de 30 eles passaram a representar empresas alemãs de produtos químicos, principalmente a Bayer. Com o inicio da Segunda Guerra Mundial, a importação de produtos da Alemanha foi interrompida. Eles venderam as propriedades que tinham em São Paulo e adquiriram uma fazenda em Atibaia, isso foi em 1946. Foi difícil ele sustentar uma família sem ser especializado em área agrícola, sofreu muito. Ele produzia carvão com eucalipto e produzia aguardente fruto das plantações de cana, era destilada e engarrafada lá recebendo o nome de “Macumba”. Guardo até hoje o rótulo dessa cachaça. Vendia bem, o segredo era que ele vinha buscar o fermento da cachaça em Campinas. Era o truque dele. Ele pegava sempre cepas de linhagens puras. Uma vez por ano ele renovava o fermento e sempre saia uma pinga boa.


                                                   Hospital Alemão Oswaldo Cruz

Antes de mudar para Atibaia o senhor tinha freqüentado escola em São Paulo?

Tinha feito o primário no Colégio Visconde de Porto Seguro, isso foi por volta de 1942 a 1943. Quando mudamos para Atibaia fiz o ginásio e o colégio no Colégio Atibaiense. Ficava a 16 quilômetros da nossa fazenda, onde morávamos ficava a quatro quilômetros da Estação Campo Largo. No período em que fiz o ginásio ia de trem pela Estrada de Ferro Bragantina, ligada a SPR, São Paulo Railway. Era um ramal que saia de Campo Limpo e ia até Bragança Paulista. Era a locomotiva a vapor, a Maria Fumaça, soltava fagulhas que atingiam nossas roupas, cabelo. Depois colocaram a máquina a diesel, perdeu-se o encanto. Só havia dois trens, um de manhã e outro a tarde. Quando passei a estudar o colegial fui residir com parentes.


Nesse período ocorria a Segunda Guerra Mundial, no Brasil alemães, japoneses, italianos e seus descendentes sofreram algum tipo de discriminação?

Eu era um menino quando senti isso, um grupo de garotos me perseguiu, sai correndo. Havia um estímulo por parte de alguns políticos em menosprezar pessoas dessa origem. Senti isso na pele. Passei muito medo. Tínhamos um rádio em casa, era da marca “Mende”, sintonizávamos a Deutsche Welle GmbH. Na época havia um fiscal do governo, chamado popularmente de “secreta”, ele nos visitava periodicamente para saber se o meu pai não tinha nenhuma atividade subversiva. Depois que o Brasil entrou para a guerra meu pai desligou e guardou o rádio. Não ligou mais.

 

                                                           RÁDIO MENDE

O senhor trabalhava em Atibaia?

Eu deveria ter uns 17 anos, trabalhava no serviço de alto falante que existia na praça central, toda noite fazia propaganda e colocava discos para serem tocados. Dizíamos que era “A Maior Potência Radiofônica da Zona Bragantina” atingia só a praça central da cidade! Na época não havia emissora de rádio.  

 

                                                       Estação de trem em Atibaia

Como se deu o seu ingresso na faculdade de agronomia?

Após terminar o colégio fui fazer agronomia. Eu tinha um companheiro de colégio, seu pai era proprietário da empresa de sementes Agroceres. Esse meu amigo é que me convenceu a fazer agronomia em Viçosa. Fiz um exame de seleção e ingressei. Trabalhei na Rádio Montanhesa em Viçosa, apresentava aos domingos musica erudita. Após dois anos em Viçosa fiz a minha transferência para Piracicaba, isso foi em 1957 a 1958. Apresentei-me ao proprietário da PRD-6, Rádio Difusora de Piracicaba, o Sr. Aristides Figueiredo, ele tinha um Chevrolet Fleetline  preto,fiz um teste e por três anos trabalhei como locutor comercial. Lembro-me de propagandas que fazia na época, como de “Ao Cardinalli”, da empresa que oferecia cinco máquinas de costura para serem sorteadas ( possivelmente máquina Leonam).


 

                                            Chevrolet Fletline

Trabalhar na rádio naquela época era ser um astro?

Eu era muito conhecido na cidade. Muitas vezes abri a rádio, ás seis horas da manhã. Fechava a meia-noite. Quando eu era estudante morava em uma república.

O senhor usava algum nome artístico?

Usava! Quem me deu o nome artístico de “Luiz Rolando” foi o Francisco Caldeira, que mais tarde assumiu a Rádio A Voz Agrícola do Brasil. Com isso o pessoal não relacionava a minha pessoa com o Luiz Rolando! Foi uma época muito romântica! Quando o titular faltava cheguei a fazer programa no auditório da Rádio Difusora. O que estava na moda era o cururu.

Qual é o fascínio que a genética exerce em quem a estuda?

A genética tem um papel fundamental na área agro-industrial, é o melhoramento ou aprimoramento genético. Essa é a principal aplicação. A maioria dos nossos alimentos, vegetais e animais, não provêm de espécies nativas, são de espécies modificadas. O homem vem modificando as espécies por vários séculos. A genética se aplica para entender, organizar, o melhoramento genético. Se a humanidade fosse depender apenas das espécies nativas, aquelas que se encontram na natureza, não sobreviveria. São pouco produtivas e de qualidade baixa. No inicio o homem era coletor e caçador, depois é que ele passou a inventar a agricultura. Aprendeu a semear. Nessa fase ele começou a domesticar as plantas e os animais. Foi quando passou a fazer melhoramentos baseado em seleção. Temos no mundo dezenas de raças de cães, esses animais provieram dos lobos. O homem começou a conviver com os lobos, a fazer seleções e criaram todas essas raças. Isso aconteceu com frutas, com sorgo, com soja, trigo. A base do melhoramento é cruzamento controlado e seleção. As vacas leiteiras originalmente produziam leite suficiente para o bezerro se desenvolver e desmamar. Atualmente produzem tanto leite que se não forem ordenhadas ficam doentes. Por seleção o homem começou a criar fêmeas cada vez mais produtivas. As modificações que o homem fez nas espécies são enormes. Acho que só existe uma exceção, os peixes do mar. Esses não foram muito modificados, porque é mais difícil. Peixes de rio todos foram modificados.

Já adquiri morangos lindos, porém sem sabor. Como o senhor explica isso?

É uma variedade que não é boa. É muito bonita, mas não tem sabor. Isso acontece. É fruto de uma seleção mal feita, intencional ou não. Não é um erro genético e sim uma propaganda enganosa. São diferenças de variedades: boas ou ruins. Aparentemente são iguais.

O senhor concluiu o curso na ESALQ em que ano?

Sou da turma de 1958. Um ano antes, em 1957 eu já tinha uma bolsa. Melhoramento genético é a minha paixão. Eu não faço melhoramento, quem fazia era o Marcílio de Souza Dias, a nossa produção de hortaliças era rudimentar ele revolucionou isso.  O Ernesto Paterniani fez melhoramentos com o milho, e outros fizeram melhoramentos em outros produtos. Eu trabalhava para apoiar os trabalhos de melhoramentos. É uma atividade que exige muita avaliação em campo. Minha parte nessa história toda é fazer a parte estatística do melhoramento. Eu não produzia variedades, quem fazia isso eram os colegas, eu dava suporte na genética de populações e genética quantitativa.


                                                Friedrich Gustav Brieger

Em que ano o senhor foi contratado pela ESALQ?

Em 1960 fui contratado como professor assistente, no tempo do Professor Friedrich Gustav Brieger. Ele obrigava a dar aulas de tudo, genética, aulas práticas de estatistica ligada a genética. Citogenética, a parte celular. Fiz doutoramento, passei a ser professor assistente doutor, fiz livre docência e depois fui professor titular. Fiz um mestrado nos Estados Unidos em Estatistica Experimental e Genética na Universidade da Carolina do Norte. Estive três vezes nos Estados Unidos, sempre em estudos, no total foram cinco anos de estudos e pesquisas realizados lá. Aprendia as últimas descobertas, assistia as disciplinas e modificava as disciplinas que dávamos aqui.

 

                                                                                         Foto by JUNASSIF
Da esquerda para a direita:
Dr. Bruce S. Weir, Dr. Antonio Augusto Franco Garcia, Dr. Roland Vencovsky 
Nas dependências do Departamento de Genética da ESALQ


O senhor tem um amigo que conheceu em uma dessas viagens e que está visitando o Brasil?

É o  Dr. Bruce S. Weir, ele fez pós-graduação quando eu também fiz, na década de 60. Trabalhávamos na mesma sala como pós-graduandos. Passamos a ser amigos, temos desde então um bom relacionamento profissional e pessoal.

Recentemente tem tomado força uma corrente que afirma que as plantas se comunicam entre si. Isso é mais uma fábula?

Nada é impossível. Na época de Santos Dumont grandes pensadores diziam que era impossível voar com um corpo mais pesado do que o ar. Só voavam com balões, que eram mais leves. Santos Dumont voou com o mais pesado do que o ar! Nesse caso das plantas eu não tenho posição formada, mas gosto do pensamento. Tenho o habito de pensar tudo de forma científica, se alguém me indicar algum tipo de chá que cura determinada doença, a primeira pergunta que faço é onde está a informação a respeito do fato. Há alguma publicação científica do assunto? Os próprios médicos já comprovaram? Eu quero comprovações!


 

                                                                                        Foto by JUNASSIF

Qual é a importância do melhoramento genético para a economia do Brasil? A ESALQ como tem colaborado a respeito?

A primeira contribuição é a formação de profissionais. Hoje muitos melhoramentos são iniciativas empresariais. Antigamente não era assim, o Instituto Agronômico, a ESALQ, a Escola de Viçosa, a Escola de Lavras, Escola do Rio Grande do Sul, tinham uma contribuição mais direta, criando variedades, híbridos. Hoje quem participa muito nesse processo de criar variedades é a EMBRAPA.

Todo o esforço de melhoria genética e produtiva, muitas ao longo de anos de trabalho, gera resultados altamente positivos. Não é frustrante para o pesquisador saber que milhões de pessoas passam fome atualmente, apesar do mundo já produzir alimentos suficientes para todos?

Perde-se muito alimento. Isso é frustrante. Falam da perda de um terço do alimento produzido no mundo. É perdido por diversas formas: na lavoura, no transporte, em casa.

Até algumas décadas não existiam estampadas datas de fabricação e nem de validades dos produtos. Eles eram avaliados para o consumo pelo odor, sabor e aparência. Há excesso de zelo com relação a validade de alguns produtos?

Em algumas situações há sim excesso de zelo. A determinação governamental de estabelecer a validade dos produtos é positiva. O objetivo é precaver contra descuido ou má fé de algum indivíduo. Estampar a validade é melhor do que produto sem data de validade.

O senhor mantém contato com seus colegas cientistas de outros países?

Mantenho contato com pesquisadores dos Estados Unidos, México. Fiz umas cinco ou seis publicações que saíram em revistas cientificas internacional junto com um colega mexicano.

Porque o Brasil não produz trigo?

Produz! Mas sempre teve um problema, o trigo se desenvolve mais em clima de latitude mais alta, Rio Grande do Sul, Santa Catarina. O grande problema do trigo no Brasil são as doenças. Estão sempre produzindo linhagens novas que são resistentes. Durante muitos anos houve excesso de produção de trigo nos Estados Unidos, eles ofereciam no mercado internacional a um preço muito atrativo. Os moinhos adquiriam o trigo importado mais barato do que o brasileiro. Isso foi por muitos anos.

O senhor participou da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência?

Participei. No inicio era o centro que reunia os pesquisadores. Depois passou a desmembrar em cada especialidade, como por exemplo, a Sociedade Brasileira de Genética, Sociedade Brasileira de Melhoramentos de Plantas, Sociedade Brasileira de Biometria. Com isso meu interesse voltou-se mais para áreas diretamente ligadas as minhas pesquisas.

A fome no nordeste brasileiro tem solução?

Existem alguns problemas, mas tem regiões no nordeste que são muito boas. Existe a questão da distribuição. Acho que deveria melhorar a logística. Predominam os pequenos produtores. A fome lá é uma questão de cultura, de política.

A fome é uma questão cultural?

Também! Precisa haver introdução de tecnologia com apoio do governo. Pesquisas de apoio. Participo como consultor de um programa para criar variedades que se desenvolvem bem em regiões onde chove menos, o solo não é tão bom. São as chamadas áreas marginais. Já tem algumas linhagens que são mais tolerantes a seca. A tendência no Brasil vai ser no sentido de tratar variedades de diferentes espécies que se desenvolvam razoavelmente bem, nessas áreas chamadas marginais. O cerrado, por exemplo, é um ambiente complicado. Tem que se criar variedades que se dêem bem razoavelmente lá. Com a genética é possível isso ser feito. Uma mostra disso é a soja, de origem asiática, que no início era cultivada só no Rio Grande do Sul. A EMBRAPA fez a tropicalização da soja. Hoje a soja é produzida no Mato grosso, em Goiás, a soja está agüentando um ambiente que não era o ambiente natural dela. A mesma coisa aconteceu com a maçã. Não havia maçã, consumíamos a maçã argentina. A EMBRAPA entrou nesse esquema também. A maçã para produzir bem precisa de certo número de dias frios no ano. Fizeram cruzamentos e seleções, hoje o Brasil é um bom produtor de maçã.

 

VISTA PARCIAL DA ESALQ  


                                         Ocupa uma área de  3.825,4 hectares, com 231 mil m² de área
                                         construída

 

O produtor é relutante em aceitar novas tecnologias?

Ele não muda com muita facilidade. Eu acredito muito no sistema adotado no sul do nosso país, é baseado em cooperativas. São veículos importantes na difusão, em dar apoio. Tive essa noção da importância da difusão por ter chefiado o Centro Nacional de Pesquisa de Milho e Sorgo (CNPMS), em Sete Lagoas, da EMBRAPA, durante cinco anos. Foi uma solicitação do então ministro Delfim Neto ao diretor da ESALQ. O presidente da EMBRAPA, Dr. Eliseu Alves, havia solicitado a ele que eu fosse indicado em função do trabalho que eu vinha desenvolvendo. Lá aprendi muito, vi a dificuldade que é criar uma novidade tecnológica e fazer com que o produtor aceite. Trabalhava na área de melhoramento, de semeadura, controle de solo, fertilidade. No Brasil é muito comum o cultivo consorciado, milho junto com feijão, na mesma área. A área é bem aproveitada. Um dos colegas sugeriu que fosse feita uma semeadeira com duas caixas, uma de milho outra de feijão. Semeia as duas ao mesmo tempo. Fizeram, entraram em contato com algumas empresas fabricantes de implementos agrícolas em São Paulo, Produziram algumas. Só que o projeto não foi levado adiante. O pequeno produtor não gosta de arriscar, faz o que está acostumado a fazer. Acho que o produtor deveria ter um tratamento diferenciado, com juros e taxas menores para o pequeno agricultor. A agricultura é uma atividade de risco. O Brasil será sempre uma fonte de alimentos para o mundo. Têm muitos que defendem o desenvolvimento da indústria, da eletrônica. Acredito que devemos fazer de tudo um pouco. Só que investir neste celeiro do mundo não é ruim não.

A tecnologia existente tanto para produzir eletrônicos sofisticados como para produzir produtos agrícolas de alta qualidade são correlatas?  

As duas são de alta sofisticação. A sociedade brasileira deveria reconhecer mais o quanto é trabalhoso obter híbridos novos. Valorizar mais. Os órgãos públicos podem ter mais sensibilidade para facilitar esse trabalho de grande teor tecnológico.

Parece que há um desconhecimento geral do que se obtém através de aprimoramento de espécies?

Não acho que seja desdouro nenhum o Brasil ser o celeiro do mundo. Muitos brasileiros acham que isso é típico de país subdesenvolvido. Devem existir muitos políticos que pensam dessa forma. Felizmente o Brasil está muito bem em soja, celulose, laranja, carne bovina. Mas o país precisa investir mais. Diminuir os riscos do pequeno produtor.

domingo, março 23, 2014

FRANCISCO PINTO FILHO ( CHICO) Presidente do SINTIPEL


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de março de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 




ENTREVISTADO: FRANCISCO PINTO FILHO ( CHICO) Presidente do SINTIPEL
 
Francisco Pinto Filho nasceu a 11 de julho de 1959, em Fortaleza, Ceará. Chico como é mais conhecido é fortalezense, porém já considerado cidadão piracicabano, conforme atesta a Câmara Municipal de Piracicaba. É filho de Luiz Pinto de Oliveira e Isaura Paula de Oliveira que tiveram os filhos: Manoel, Francisco, Francisco (Chico) (São dois filhos com o nome Francisco) e Silvana. A família mudou-se para Piracicaba quando Chico tinha apenas uns três anos de vida, em 1962 seu pai foi trabalhar como metalúrgico na Dedini, onde se aposentou. Francisco Pinto Filho é diretor nacional da Central Força Sindical. Casado em segundas núpcias com Edna Yoshimi Nakagawa.
Em que bairro de Piracicaba a família foi morar quando chegou de Fortaleza?
No Piracicamirim, na época mais conhecido como “Pisca”, na Rua Roberto Mange, depois da ponte sobre o Ribeirão Piracica Mirim. Freqüentei uma escolinha de pré-primário que hoje não existe mais. Ali no Pisca havia uma rotatória, com uma ponte apenas, de madeira, os ônibus vinham até ali e voltavam para o centro da cidade.

 

 
O senhor ingressou em qual Grupo Escolar?
Estudei no Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Naquela época as ruas daquele trecho não eram asfaltadas, vinha às aulas a pé. Necessariamente passávamos em frente ao Cemitério da Saudade, e era comum um grupo de crianças provocarem sustos entre si, com relação a esse trecho. A noite ninguém gostava de passar em frente. Estudei parte do ginásio na Escola Estadual Dr. Dario Brasil, fui estudar na Escola Estadual Monsenhor Jerônymo Gallo  no período noturno. Nessa época comecei a trabalhar em uma fábrica de estopa, a Fábrica São João, ficava ali na Rua Julio Prestes, na Vila Monteiro, ela existe até hoje, situa-se na Rodovia do Açúcar. Foi o meu primeiro emprego, eu tinha 14 anos de idade e fui registrado.
Qual era a sua função na fábrica de estopa?
Eu era ajudante geral. A empresa tinha cinco funcionários.

 

 
Legalmente, hoje, o senhor com 14 anos de idade não poderia trabalhar. Qual é a visão pessoal do senhor sobre essa situação?
Acho que nessa idade tem que trabalhar, é um aprendizado de vida. Tem que trabalhar e estudar. Esse contato com o meio profissional, com as pessoas ajuda muito na sua decisão de qual carreira pretende seguir. Só o conceito teórico da vida não lhe dá visão da realidade. Com o meu neto de nove anos, e sua mãe, minha filha, eu já procuro direcionar para que trabalhe, faça alguma coisa, para ter a vivência do trabalho. O homem que não trabalha não tem vida.
Porque o senhor acha que existe essa política de fortes restrições de participação do menor no trabalho?
Eu ainda não consegui entender. A parte teórica dos estudos já é muito deficiente, sem a mínima noção de trabalho na prática, as indústrias não conseguem encontrar mão de obra com a mínima qualificação. Temos contato com empresas que em uma seleção de 40 candidatos, acabam por selecionar apenas 4. Há candidatos, com certificado de curso médio que não tem a mínima noção de quanto é 50% de um produto.



Estamos criando um país onde uma grande fatia da população é totalmente despreparada para qualquer tipo de atividade que não seja meramente braçal?
Infelizmente é a tal geração “nem-nem”! Nem estuda nem trabalha! São jovens na faixa de vinte anos. É uma prova de que as coisas têm que mudar. A pressão para que isso mude tem que vir da sociedade, tem que haver uma conscientização. O candidato a uma vaga tem que estar qualificado e com uma experiência mínima. É fundamental que o jovem estude, mas se ele tiver em paralelo alguma experiência de trabalho, ele terá maiores chances de sucesso.
O filho trabalhando, poderá exigir mais dos pais, tirando-os de uma zona de conforto?
É uma questão muito delicada, muitas vezes o próprio caráter do jovem determina sua ação.
Por quanto tempo o senhor permaneceu na fábrica de estopa?
Por um ano. De lá fui trabalhar no Tremocoldi, ficava na Rua São José, trabalhei ali por um ano como auxiliar de escritório.
Morando ainda no “Pisca”?
A minha infância toda foi no Pisca.
Naquela época a fama do Pisca era brava?
Era brava, assim como também eram bairros com fama de locais de valentões, o Risca-Faca, Bairro Verde. Época em que os parquinhos, circos se instalavam nesses bairros, saia muita encrenca. Com 18 anos fui fazer o Tiro de Guerra situado na Avenida Dr. Paulo de Moraes, nosso sargento era o Munuira, o Capitão Gomes era o comandante.
Para o jovem, prestar serviço militar no Tiro de Guerra é importante?
Vejo como uma coisa boa. Além da convivência, aprende-se a ter disciplina. Isso faz bem.
Há uma visão de que a maior parte dos lideres sindicalistas tem uma tendência a serem simpáticos com a esquerda política, o senhor passa a imagem de uma pessoa bastante equilibrada.
Não tenho posições pré-definidas, procuro analisar cada situação, trabalho muito isso, tive que fazer isso, a vida me ensinou a ser assim.
Após concluir o Tiro de Guerra qual foi o seu próximo trabalho?
Ingressei em uma empresa de manutenção elétrica, Escritório Técnico de Engenharia Etema Ltda, que prestava serviço para a Philips. Trabalhávamos com montagens de subestações elétricas. Eu tinha feito um curso de eletricista no Senai, as aulas práticas eram embaixo das arquibancadas do Estádio Barão de Serra Negra, fazíamos instalações ali para aprender. Fui montar subestação no Hotel Glória, no Rio de Janeiro, permaneci seis meses trabalhando lá. Isso foi em 1979. Em 1980 voltei para Piracicaba e fui trabalhar como eletricista de manutenção praticante, na Indústria de Papel Piracicaba, do Grupo Simão, em 1986 passei a integrar o sindicato. Em 1992 a Votorantin adquiriu a fábrica.
Oji Papeis Especiais é a mesma empresa?
Em 2011 a Oji adquiriu a empresa do Grupo Votorantin. A Oji Paper foi fundada em 1873 no Japão.
Que tipos de papéis são produzidos nessa indústria em Piracicaba?
São papéis especiais: autocopiativos, couchés, para imprimir e escrever. Focada no mercado interno e na América Latina.
O senhor tem idéia de quantos funcionários trabalham na Oji em Piracicaba?
São 530 funcionários. É uma empresa com alta tecnologia, muito automatizada.
Talvez pelo rápido crescimento, o piracicabano em geral não tem pleno conhecimento do grande parque industrial instalado em Piracicaba?
Talvez falte um pouco de divulgação. Há grande destaque para os setores canavieiro e metalúrgico. O setor de papel e celulose representa 4% do PIB – Produto Interno Bruto  brasileiro. Em 2012 fiz parte do Conselho de Competividade Setorial, no setor de celulose, criado pela presidente Dilma, voltado a criar incentivos, fazer uma política para o setor. O prpoprio setor tinha ido reclamar de que o incentivo do governo junto ao setor é muito pífio. O governo tem sua atenção voltada para metalurgia e montadoras.
O Sintipel Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias do Papel, Papelão e Cortiça de Piracicaba foi fundado em que ano?
Em 1956 foi fundada a Associação e em 22 de agosto de 1958 foi fundado o sindicato. Até hoje o sindicato limitou-se a abranger Piracicaba. Estatutariamente não temos a representação, mas a Federação deu-nos a representação de Charqueada, Santa Maria da Serra, Rio das Pedras. Só em Piracicaba temos cerca de 1600 trabalhadores na indústria de papel. Temos cinco indústrias papeleiras: A Oji, a Klabin, a Reipel, RST, a Weidmann Tecnologia Elétrica Ltda, que é uma multinacional sueca, ela produz isoladores para transformadores.
A diretoria do sindicato é composta por quantos componentes?
Em torno de 30. Estão distribuidos nas empresas, continuam trabalhando normalmente. Afastados do serviço somos sete, mais seis funcionários.
Quais são os benefícios que o sindicato oferece aos seus associados?
O sindicato cresceu muito, temos sede própria, inaugurada em 1999, o local onde era a antiga sede foi reformado, fica próximo a nossa sede atual, lá criamos um centro de qualificação, para dar cursos. Construímos uma sede de campo, situada no bairro Conceição, na estrada de Tupi. Tem amplo estacionamento, salão de festas, salão de jogos, cancha de bocha, dois campos de futebol social, quatro quiosques com churrasqueiras, no ano de 2013 já elaboramos o projeto da piscina. Temos um apartamento na Praia Grande, é alugado ao associado a preço bem acessível, temos quatro apartamentos na colônia de férias do Estado. Oferecemos gratuitamente advogado trabalhista, acordos coletivos para dar assistência médica, alguns com abrangência nacional. Temos atendimento odontológico no prédio, mas estamos fechando um convênio através do qual o associado poderá ir até o consultório dentário do profissional. Todos os anos negociamos acordos coletivos, nas convenções, onde se consegue aumento real, nós temos um piso que é superior a dois salários mínimos. Conquistamos reajustes, valores de horas extras, superiores a determinação da lei. A lei estabelece 50% de acréscimo sobre as horas extras, o nosso índice é 80%, o adicional noturno a lei determina 20% o nosso é de 40%. Temos o auxilio creche, que consta em convenção, 13% da categoria é composta por mulheres. Isso é fruto de negociação do nosso sindicato com o sindicato patronal, com as empresas. Oferecemos auxilio para crianças especiais. Se faltar até dois anos para o funcionário se aposentar, terá a garantia de emprego nesse período, até ocorrer a aposentadoria.
O SINTIPEL de Piracicaba está ligado a outras entidades?
No Estado de São Paulo temos 19 sindicatos ligados a Federação dos Trabalhadores na Indústria de Papel no Estado de São Paulo. É uma entidade superior ao sindicato. As convenções são realizadas em âmbito estadual. A CNTI, que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria atua em nível nacional. Hoje estão se criando outras confederações, específicas de cada setor. Já existe a CNTQ, que é a Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Químico, dos metalúrgicos, da construção civil, dos comerciários. As categorias estão se organizando em escala nacional.
Existe algum contato com entidades similares de outros países?
Temos a FESPAM Federação dos Papeleiros do Mercosul, com sede na Argentina, inclusive participo, sou diretor dessa federação. É uma atividade sem remuneração. A única remuneração que tenho é da empresa onde trabalho, nem do sindicato eu tenho remuneração, nunca teve. Já fizemos intercâmbios com instituições congêneres do continente europeu. Ver o que tem de melhor em outros países para trazer ao Brasil, o nosso setor de papel e celulose está se internacionalizando muito. Muitas empresas multinacionais estão vindo para o Brasil. Está ocorrendo uma descentralização, muitas empresas estão se estabelecendo também fora do Estado de São Paulo. Vemos isso no Mato Grosso do Sul, no Maranhão, no sul do país.
 
Há quantos anos o senhor está como presidente do SINTIPEL?
Como presidente estou a 26 anos. É uma vida.
Como o sindicato vê a importância do reflorestamento?
Isso é imprescindível. As nossas maiores indústrias trabalham com matéria prima de fonte ambiental apropriada. A árvore é plantada com essa finalidade. A produção de papel é sustentável. Usa-se o pinus e particularmente no Brasil mais o eucalipto. Madeira nobre não serve para fazer papel. É um desastre, por causa da fibra dela.
Como funciona a contabilidade de um sindicato?
Todos os atos formais têm que ser registrados. Balancete. Balanço mensal. Tem que ter um contador responsável. Proposta orçamentária para o ano seguinte. Balanço do ano anterior. Tudo isso registrado em cartório, mediante convocação de assembléia da categoria.
Sindicato recolhe imposto?
O sindicato é isento de impostos. Ele não tem inscrição estadual. Só recolhe impostos previdenciários dos funcionários. Temos todos os livros com todos os balanços de todos os anos. Todo dinheiro que entra e que sai está registrado diariamente, mensal e anual. È um recurso que pertence a uma categoria, e tem que ser administrado com total transparência.
O sindicato tem que se filiar a algum setor político?
O sindicato pode se filiar a uma central sindical, a uma federação, a uma confederação. A um partido político não. Isso pode ser uma opção individual dos diretores. Tem que ser participativo. O compromisso maior é com o sindicato. O lado social do sindicato é muito importante, uma das minhas primeiras iniciativas quando assumi a presidência foi dar aos aposentados os mesmos direitos do associado que está em pleno exercício das suas atividades. Colocamos no estatuto, o aposentado tem os mesmos direitos, de votar e ser votado. Temos um convenio médico para o aposentado fruto de acordo que conseguimos, conquistamos. São cerca de 300 aposentados que freqüentam o sindicato. Penso que temos que olhar de forma especial nas duas extremidades: a criança e o idoso.
O senhor usa informática?
Uso muito! É uma ferramenta de trabalho imprescindível. Até mesmo propostas de filiação eu recebo muitas pelo site. Mostramos que somos um sindicato de lutas e conquistas. Participamos muito dessa questão de qualificação profissional, tanto que na Federação do Estado sou diretor de saúde, segurança e qualificação profissional.
O nível técnico do associado ao SINTIPEL é um nível elevado?
É alto. Na Oji todos os funcionários são técnicos. A própria empresa está fornecendo curso técnico em química que é realizado pela instituição de ensino Anglo. São duas turmas por ano.
Existe algum evento especial realizado pelo sindicato?
Em 20 de setembro sempre comemoramos o Dia do Papeleiro, no fim de semana mais próximo a esse dia realizamos um evento na nossa sede de campo. São realizadas atividades recreativas, churrasco, comparecem os associados e seus familiares. É uma grande festa.

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