terça-feira, março 04, 2014

WALTER NAIME


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 25 de janeiro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 

ENTREVISTADO: WALTER NAIME
 
 


Walter Naime nasceu em São José do Rio Preto a 15 de abril de 1934, filho primogênito de Latif Jorge Naime, sírio-libanês e Nair Aidar Naime, nascida em Bebedouro, muito bem disposta do alto dos seus 98 anos. O casal teve ainda as filhas Odete, Ivone e Helena.  Walter Naime é casado com Heloisa Azanha Naime, são seus filhos: Walter, Marcel, Patricia e Mariana.
Qual era a atividade dos seus pais?
Meu pai era um grande comerciante de café. Na crise de 1929 que atingiu o mercado mundial, ele perdeu tudo que possuía. Viemos parar em uma venda que existia no Bairro Formigueiro, perto de Saltinho. Naquele tempo a comercialização usava muito o sistema de barganha, como por exemplo, três porcos por um saco de farinha. Era feita a troca do que se vendia com o que seria obtido na colheita do final do ano. Tempo em se marcava na tradicional caderneta. Ali, em uma vendinha ele implantou todos os conceitos que nos dias atuais vemos em Shopping Center: assistência para crianças, cinema, tem todas as lojas que possa imaginar os corredores de passeio, o Shopping é uma catedral material, não de Deus, mas de santos, cada nicho tem Samsung, Dunlop, etc. Meu pai promovia as missas aos domingos, jogo de bocha, campeonato de jogo de truque. Soltava pipa para a criançada.  Ele tinha um fôlego danado. Levava circos que permaneciam naquele local em média por uma semana. Em uma lagoa existente até hoje ele realizava campeonato de pesca. Culturalmente essas iniciativas todas são muito interessantes. Participavam moradores das redondezas, como Sete Barrocas, Pedro Chiquito, Diamante. Mais tarde, coincidentemente, admiti em empresa de minha propriedade muitos pedreiros, carpinteiros, descendentes dessas famílias.
Seu pai permaneceu vivo até que idade?
Meu pai viveu até os 81 anos. Ele era um sonhador. Um dos seus grandes amigos foi o Dr. João Basilio, a família Daibs. Quando eu tinha uns sete anos, nossa família estava abastada, viemos morar na esquina da Rua Moraes Barros com Benjamin Constant. Meu pai nunca detalhou nada a respeito, mas ao que consta, uma iniciativa comercial com uma pessoa mal intencionada o levou para uma situação financeira muito delicada. Com o que sobrou ele começou a construir o prédio onde existe a padaria Riviera em frente à Santa Casa de Misericórdia. Era tudo chão de terra, não existia asfalto, havia as famosas corridas de carros, com as baratinhas, que passavam pela Rua Governador Pedro de Toledo e Avenida Independência, sem asfalto! Nos arredores, na época, não havia nenhuma casa construída. Fomos morar lá sem piso, nem as portas existiam. O prédio é o mesmo existente até hoje, com aquela laje na frente para que os clientes subissem e ali pudessem tomar sorvete contemplando a cidade. Ali montamos um pequeno negócio, enquanto minha mãe permanecia ali, vendendo doces do Martini, uma ou outra garrafa de água, o meu pai ia buscar queijo em Minas e saia por ai vendendo com malas esses queijos. Fizemos uma hortinha nessa casa, foi onde originou o meu gosto por tomate, alface, pepino. Isso foi na década de 40. Saímos dessa casa e fomos de novo para a zona rural, no Arraial de São Bento, na casa de propriedade de Jorge Temer, avô do vice-presidente da república, Michel Temer. Permanecemos pouco tempo nessa casa, fomos morar no Bairro Recreio, próximo a Saltinho, em uma casa de propriedade da família Nazzatto, era mais próximo a Tietê. Isso no tempo de João Isaac, um homem valente que erguia saco de açúcar com os dentes. Naquela época havia muitos ladrões de cavalos, andavam em bando, de madrugada e diziam que estavam transportando tropas do sul do país para cá. Na realidade onde eles passavam levavam os animais.
Você já frequentava escola nessa época?
Os primeiros três anos eu estudei lá no Recreio, a professora era Dona Yolanda. Por muitos anos a família Ortega comandou o comércio de cebola e alho em Piracicaba e região. Ao lado da Igreja Metodista, na Rua Governador Pedro de Toledo, existe um sobrado, em baixo era a sede deles. Meu pai era comprador de cebola e alho, um deles era compadre do meu pai, meu padrinho.  Vim morar com os Ortega, uma das minhas tarefas era todo dia às seis horas da manhã ir buscar um cavalo na Chácara dos Ferranti, que tinha quatro palmeiras bonitas, onde hoje existe um edifício inacabado, próximo ao Seminário Seráfico. Vinha montado no pêlo do cavalo, entrava pela Rua Benjamin Constant, em frente ficava o curso preparatório da Dona Mariquinha Mó, mãe do Professor Rubem Braga. Eu colocava o arreio no cavalo, um funcionário iria fazer as entregas. Estudando completei o quarto ano primário. Ronaldo Algodoal Guedes Pereira era um dos examinadores da admissão ao ginásio, sempre incentivou as pessoas a vencerem. Me orientou no sentido de fazer o ginásio.
Você estava ainda morando com os Ortega?
Nesse meio tempo meu pai voltou a morar na cidade, na esquina da Avenida Dr. Paulo de Moraes com a Rua Benjamin Constant, ali era a Sorveteria do Turco. Onde atualmente é a Milzinho Peças. Quando mudamos para lá aquela casa já estava pronta, foi construída por Panfiglio (Pampaluche) Passari. Quando adquirimos era um bar, do Barsottini. A padaria Cruzeiro era do Roberto Sachs, seu irmão Santo Sachs, pai do João Sachs trabalhava lá e me ensinava os serviços. Eu usava muito o forno da padaria para torrar amendoim. Na calçada oposta, em sentido diagonal, há até hoje um sobrado de propriedade de Manoel Elias. Era um armazém. Na outra esquina, onde atualmente existe uma farmácia Drogal, era o salão de barbearia dos Marconi. Naquele tempo a boiada descia pela Rua Benjamin Constant, tínhamos que fechar as portas quando ela passava. Viravam a Avenida Dr. Paulo de Moraes e iam tomar banho no balneário que existia onde hoje é a garagem da Prefeitura Municipal, era um rego cheio de inseticida onde o boi tomava banho para poder ser levado ao embarque no trem. Mais para baixo tem um poção, tinha um campinho de futebol, com 30x40 metros, foi ali que aprendi a jogar futebol. São dessa época Zequinha, Polenta, Paulistinha.
Você prosseguiu seus estudos em que escola?
Eu já morava com a minha família quando fiz o ginásio e o cientifico no Sud Mennucci, onde fundamos o Clube dos Ex-Alunos. O Deputado Federal Antonio Carlos Mendes Thame é um dos fundadores. Eu me formei um ou dois anos antes dele se formar. Convivi com o Thame, é ponderadíssimo, centrado. Tínhamos como professores Arquimedes Dutra, Dona Zelinda, Argino, Demosthenes, Lino Vitti era professor de latim no ginásio. Consegui sobreviver por uns dois anos em São Paulo dando aulas de latim que tinha aprendido aqui em Piracicaba. Eu dava aulas de latim para japoneses vindos do Paraná, em uma pensão onde eu morava.
Como você deu aula de latim para japoneses?
Isso é interessante! Eu sabia as quatro declinações, conhecia um pouco de português que tem sua origem no latim, aquilo me deu suporte para ensinar o básico para pessoas que não tinham nenhum conhecimento. Eu dava aulas em uma pensão na Rua Conselheiro Furtado, em São Paulo, que é um reduto de japoneses. Nessa pensão morava uma colega minha que era craque em física, matemática, química, matérias que ela ensinava a eles
Como chamava a sorveteria de propriedade dos seus pais?
Era conhecida como Sorveteria do Pontilhão. O sorvete mais famoso era o de esquimó, que a minha mãe faz e eu também sei fazer. O ponto final do bonde era na esquina, em frente a nossa sorveteria. Posteriormente é que fizeram a garagem do bonde mais adiante e a linha foi estendida por mais 200 metros. Às cinco horas da manhã minha mãe já tinha levantado e feito café para todos os motorneiros, cobradores e fiscais do bonde, assim como para os passageiros. O bonde começava a circular às seis horas da manhã.
Como surgiu sua opção por cursar arquitetura?
Dos 40 alunos da minha turma 36 fizeram a opção de estudar agronomia. Eu queria fazer engenharia. Só tinha em São Paulo na Politécnica. Meu pai queria que eu fizesse medicina. Fui, prestei o vestibular para engenharia, não passei. Uma amiga perguntou-me por que eu não cursava arquitetura? Foi através dela que fiquei sabendo da existência desse curso. Tentei e ingressei na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.  A parte artística do curso era na Rua Maranhão, as outras cadeiras eram na Politécnica, na Avenida Tiradentes.
 
 

 
 
Em que ano você ingressou na FAU?
Foi em 1955. Eu vinha a Piracicaba a cada dois meses, vinha e voltava pelo trem da Companhia Paulista. Ao chegar a São Paulo fui morar em pensão na Rua Sabará, depois na Rua Itacolomy, fui para a Conselheiro Furtado, na Liberdade. Trabalhei como copeiro no Bar do Português, situado em frente à Escola de Policia. Fui vendedor de livros da Enciclopédia Barsa, vendi protetores para canaletas de porta de aço, trabalhei em dois censos estatísticos. Através da Lemac-Leopoldo Machado, que dominava a área de materiais para a engenharia, montei uma filial dentro da faculdade. Fui organizador de sala de arte para Manabu Mabe, na Folha de São Paulo. O Muylaert era uma pessoa excepcional, perguntou-me se queria fazer a organização do salão. O Ruy Ohtake é meu colega de turma. Nos três últimos anos de faculdade fiz estagio nas empresas ARENA e HINDY, construtoras muito famosas na época.
Oscar Niemayer foi seu professor?
Foi ele dava aulas na FAU, só que era um professor distante, pouca didática. Ele estava cansado, já era estrela. Estive com ele aqui em Piracicaba umas duas ou três vezes em que ele veio a nossa cidade.
Ao voltar à Piracicaba como foi seu inicio na carreira?
O Cyro Barbosa Ferraz me convidou para ser seu assessor na Prefeitura Municipal. Ele era Diretor de Obras. Fui fazer vala de esgoto no Bairro Nhô Quim. Um arquiteto enfiando o pé na lama malcheirosa para poder viver. Foi um grande choque. Vir com tantos conceitos inovadores e enfiando-me no meio da lama. É uma área enorme sem caída nenhuma. O Serra teve a tolerância de me ensinar muita coisa. Ele era uma pessoa que viajava muito, contou-me sobre o processo de obtenção de água na Califórnia, onde puxavam um iceberg e deixam derreter formando uma lagoa. Para nós é uma informação estranha. Nós tínhamos um funcionário, o Leite, que era o único que sabia onde passava toda a rede de esgoto da cidade. Não tinha cadastro, arquivo, não existia nada. Chamava-se o Leite e ele dizia: “-Passa aqui, pode afundar ai que está ai mesmo a rede”. Fiquei uns três anos com o Cyro. Um colega, o Reynold viu umas casas que eu tinha feito e disse-me: “Você sabe fazer essas coisas. O que está fazendo aqui?”. Eu precisava daquele salário. Eu  levava minha placa de bonde, não tinha carro. O meu nome hoje você conhece com um “Doutor” na frente. Não é? Quando cheguei aqui eu era o “engenheiro filho do turco do bar”! Por uns dois anos foi assim. Depois começaram a me chamar de “Wartê”. Depois “Wartenaime”.  Eu escrevia tudo junto na placa, lancei minha placa em preto e branco, não fazia divisão era WalterNaime. Apareceram umas cinco crianças com esse nome:”Walternaime”. Muitos funcionários meus batizaram seus filhos com esse nome.  
Qual foi seu procedimento após a observação feita pelo seu colega?
Eu saí da prefeitura e montei meu escritório na Rua XV de Novembro, no Edificio Falanghe. Lá tinha o Osores, da Construtora Casarotti. Eu estava na salinha número 7, via aquele pedreiro, daquele porte, com a sabedoria de um engenheiro bem formado, era assim o José Osores. Conversava muito com ele, acabei por decidir em montar uma empresa. Cheguei a ter 100 obras simultaneamente em Piracicaba. Criei um formulário para assinalar os itens vistoriados em cada obra em que passasse.
Você tem traços arquitetônicos que marcam sua identidade?
Creio que sim. Algumas pessoas identificam obras da minha autoria pelos traços. Na Avenida Dr. Paulo de Moraes onde funcionou o Tiro de Guerra, o projeto do prédio é de minha autoria. A Escola de Musica Ernest Mahle é projeto e construção são meus, fiz a casa do Maestro Ernst Mahle, o prédio do Jornal de Piracicaba, a Farmácia do Povo, a Pinacoteca, fiz cinco blocos dentro da ESALQ, fiz obra em Ribeirão Preto, a Prefeitura de Itapeva. Fiz obras para a ROMI de Santa Barbara D´Oeste, a fábrica de bebidas Industrias Reunidas de Bebidas Tatuzinho 3 Fazendas Ltda, em Rio Claro, é obra minha, projeto e construção. Fizemos 14.000 metros em 12 meses. A garrafa que está em destaque é um depósito de água, através uma passagem interna pode-se chegar até a tampinha da mesma, que é o mirante de onde se avista os arredores.
Qual sua relação com a política?
Fui candidato a deputado estadual, tive 5500 votos em Piracicaba, fui Secretário de Obras por duas vezes da Prefeitura Municipal de Piracicaba, no Governo de Francisco Salgot Castilon e no de João Hermann Netto. Cravamos 3600  estacas no Estádio Barão de Serra Negra, no governo do Salgot. Administrei as obras do Mirante, projeto do mestre Renê Zocante. Fiz umas 180 casas para a DOPLAN – Dovílio Ometto Planejamento, situadas atrás do Hospital dos Fornecedores de Cana. Trabalhei para o Clube de Campo. Cedi para o XV de Novembro uma planta para a piscina, na então Cidade dos Esportes. Fui Rotariano por 25 anos, tempo do Quartim Barbosa, Cançado, Serra, Torres. Foi lá que me desenvolvi um pouco em minhas apresentações de ideias, devo ter uns 200 artigos publicados em jornal. Para escrever eu me baseio em uma análise, um conteúdo, uma linha de mensagem, tudo com humor.
Humor é fundamental?
Acho a expressão máxima da inteligência.
Você tem algum livro escrito?
Em primeira mão posso informar que estou aprontando um livro. Tenho diversos nomes, mas ainda não escolhi qual será: “Um Pouco de Mim”, “Um Pouco de Cada Coisa”, “Eu Vi Meu Pai Nascer”.  O lançamento deverá ser feito em junho, julho.
Como é a sua visão sobre as cidades futuras?
Sou urbanista, meu conceito é de que o centro de uma cidade será o aeroporto. Em função da locomoção. As cidades foram  feitas para darem soluções às pessoas e não para criarem problemas.
É um trabalho de planejamento antever situações e medidas?
O fato de termos informações tão rápidas e conhecimentos tão curtos não dá para o planejamento antever mais do que o próprio nariz.
Você pinta?
Desde 1950 fazia minhas paisagens, tenho daquela região onde está o Wall Mart era um mato só. Ali era o “Poção” onde aprendi a nadar, onde existia o “Olho da Nha Rita”, uma nascente de água. Pintei uns 10 quadros a óleo, tenho muitos desenhos. Ao usar o computador fico imaginando como ele funciona, me interesso pela máquina, até hoje estudo matemática filosófica, de grandezas, eu gosto. Como foi criado o numero zero? O que é limite? Como é feita a raiz? Como chegou nela? Gosto muito de estudar os limites, a linha de encontro das coisas: oceano com território, mar e horizonte. Quanto vale um quadro de Leonardo Da Vinci visto por você? E se tiver um marchand perto quanto passa a valer? Muitas coisas não têm preço, mas tem valor. Quanto vale um copo de água aqui? E no deserto? Se a sede for grande e você tiver uma barra de ouro não irá trocar? O preço é a oportunidade, o valor é intrínseco. A onda é matéria. Toda vibração é matéria. Eu gosto de ser eclético.
O que é o Clube do Sereno?
É uma conveniência útil a todos, onde são debatidos todos os assuntos. São pessoas diferentes, de níveis diferentes, diferentes poderes, que se reúnem em um papo aleatório, teoricamente sem compromisso, sem ata de reunião, sem horário, sob um abrigo de laje.  

TULIO RODOLFO ANGELOCCI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 18 de janeiro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO:      TULIO RODOLFO ANGELOCCI

 


O homem é um ser eminentemente social, isto é, tem a perpétua tendência a se agrupar, de unir-se a seus semelhantes, para satisfazer suas necessidades materiais e de cultura. A vida do homem decorre em convivência: os indivíduos em todas as etapas de suas vidas, do berço ao túmulo, mantêm entre si mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência. Dessa forma, pode-se considerar que a vida em sociedade é o modo natural da existência da espécie humana. O que precisamos compreender é que as pessoas desde sua origem recebem influencia de culturas, família, religião, escola, amigos, ambientes de trabalho e o bom relacionamento só se aperfeiçoa quando respeitamos o outro com suas particularidades, revendo possíveis necessidades de mudanças. Se esforçando a cada dia, em conhecer o outro implica em ter um vasto conhecimento da natureza humana e das motivações mais comuns e freqüentes que
impulsionam o homem a agir. Não só as pessoas são diferentes entre si, mas também as necessidades que variam de individuo para individuo. E é exatamente essa grande diversidade que se constitui em uma das imensas riquezas humanas, por isso é necessário que se faça respeitar as diferenças. O homem isolado é uma ficção, porque ele sempre trás consigo uma dimensão que não pode ser destacada que é a sua condição social e histórica. O homem vive em comunidade associados aos outros indivíduos de sua espécie. Porém é o único que fala, pensa, aprende e ensina, transforma a si e a natureza, O homem é cultura, é história. Temos inúmeras entidades assistências, filantrópicas, religiosas, clubes de serviços, grupos de amigos com as mais variadas denominações. Assim nasceu o Clube do João, onde a única exigência é que seu filiado se chame João. Em uma cidade vizinha, criaram o “Clube dos Limparianos”, uma entidade que promove um jantar e onde o freqüentador tem que literalmente “limpar” o prato, ou seja não deixar sobrar nenhum alimento. Há uma infinidade de associações motivadas por princípios, regionalismos, mas que no fundo todas têm o mesmo objetivo: a união dos que de alguma forma tem alguns pensamentos em comum. Entre as entidades piracicabanas, uma se assemelha muito com a famosa “Boca Maldita” de Curitiba, uma entidade tão respeitada que tem uma escultura em forma estilizada de boca, em plena Rua das Flores, ponto central e nervoso da capital paranaense. Em Piracicaba temos a “Turma do Sereno”, um grupo eclético, com personalidades que exercem as mais diferentes funções profissionais. Desde autoridades até profissionais liberais. Ali se encontram para “um dedo de prosa” empresários, artistas renomados, políticos de grande projeção local e nacional, escritores, jornalistas, pode-se dizer que é para onde converge a “inteligenzia” piracicabana. Embora não haja discriminação a grande maioria, talvez até por tradição, é constituída pelo publico masculino. Tulio Rodolfo Angelocci é um dos freqüentadores habituais da “Turma do Sereno”. Nascido a 26 de fevereiro de 1951 é filho de José Angelocci e Maria Antonia Rosa Angelocci. Seu pai era empreiteiro, trabalhou muito em São Paulo, por volta de 1942 a 1943 ele se casou com sua mãe, tiveram três filhos: José Antônio, Maria Auxiliadora e Tulio Rodolfo.
Você nasceu em que localidade?

Nasci em Piracicaba, minha avó, Antonia Calderan, mãe do meu pai, morava na Rua Riachuelo, 656, entre as Ruas Alferes José Caetano e Rua Boa Morte. Quando eu tinha uns seis anos meu pai mudou-se para uma casa próxima ao Cine Paulistinha. Depois mudamos para a Rua São João, entre a Rua Joaquim André e Rua São Francisco, em uma casa da família de Mário Nicoletti. Moramos ali por volta de uns cinco a seis anos. Mudamos na mesma rua em uma casa de propriedade de Santo Bueloni, próxima a atual Avenida Dr. Paulo de Moraes, naquele tempo não existia a Avenida Dr. Paulo de Moraes, era um pasto onde o Francisco Pelegrino guardava umas toras de madeira. A Rua Joaquim André vinha até a Rua São João, não havia asfalto, nada. O esgoto era a céu aberto. Para baixo tinha um ribeirão que denominavam de “Olho da Nhá Rita”, tinha uma mina de água situada no terreno de David Furlani, sogro do Pedro (Naoki) Kawai. De lá mudamos para a Rua Manoel Ferraz de Arruda Campos, em seguida mudamos para a Rua José Ferraz de Carvalho, 844, entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Boa Morte em uma casa da família dos Pereiras. Ficava ao lado da casa do Jorge Lordello e da casa do Leo Olita.

Você estudou em que escola?

Estudei no Grupo Escolar Barão do Rio Branco. Minha mãe trabalhou por muitos anos para Dona Eugênia Galvão, ela morava em um sobrado na esquina da Rua Moraes Barros. O Seu Angeli estava começando com seu armazém. Minha primeira professora foi Dona Áurea. Depois tive aula com Dona Helena, que morava na Rua Governador Pedro de Toledo. O terceiro ano tive aula com Dona Alice Leitão de Medeiros, mãe de Maria Emília, José Mário. No quarto ano tive aulas com Dona Elza Romano. Depois fizemos o curso preparatório cuja professora foi Dona Maria Ângela Pousa Coimbra. Eu já estava com uns 12 anos, fiz um curso de madureza e comecei a trabalhar.

O que você foi fazer?

Com treze a quatorze anos fui trabalhar com meu pai, o Sturion tinha a loja, aos domingos saíamos vendendo roupas, aviamentos, mascateava. Tínhamos muitos amigos que eram granjeiros: o Oriani, o Francisco Franzol tinha um cavalo chamado Orfeu, o Seu Jorge, Seu Alexandre. Ia de carroça, naquele tempo era muito raro quem tinha uma condução. O Seu Mário Sturion tinha uma caminhonete.  Tinha uma mula chamada Menina, um cavalo chamado Poderoso. Só não me lembro de quem eram.

Você gostava de jogar futebol?

Gostava, eu era centro-médio, joguei no Bandeirantes, ficava na Avenida Dr. Paulo esquina com a Rua Benjamin Constant, Tinha o salão do João Marconi, nosso pontinho era ali, existia a venda do João Elias, o pai do Walter Naime ficava do outro lado. Ali era o ponto de encontro nosso. Logo acima tinha o bar que era do Pedro Scarpari, ficava uns 15 metros antes do inicio da Avenida São Paulo. Tinha sido do Bressan, Em frente era o Bonachella. O Cella começou mesmo na Rua João Conceição esquina com a Rua Benjamin Constant, em um prédio que era do Julio Vizioli. Antes o Cella trabalhava no Joanim Fustaino, que ficava na Rua Joaquim André com a Rua Governador Pedro de Toledo. O Alfredo Bisson começou na Rua do Rosário, 2547, chamava-se Casa Rosário, depois ele mudou para a Rua Benjamin Constant, alugava o prédio dos Ferrari, mas manteve o nome Casa Rosário.

Você chegou a pegar a época em que havia um aterro nas imediações da Rua da Glória?

Ali nós tínhamos o nosso campo. No inicio era o Paulista, que depois subiu para a Avenida São Paulo, ali ficou o campo do Bandeirantes. Ali tinha uma mina de água, acho que é uma das melhores águas que temos na cidade.

Nessa época o Morlet já existia?

Existia uma parte, o quarteirão da Rua da Glória onde hoje há o pontilhão era fechado, quem abriu foi Luciano Guidotti. Ali era campo nosso, o Bandeirantes jogava ali. Em frente ao Toninho Lubrificantes, que na época era do Pelegrino, havia uma área de terras, onde hoje funciona a garagem de ambulância. Lá tínhamos um campinho, todo dia a tarde tinha um rachinha nosso. Pedimos ao prefeito Luciano Guidotti, ele passou a máquina para endireitar o terreno. Do lado havia a Padaria Cruzeiro que era da família Sachs, Seu Guido, Seu Berto. O ponto final do bonde é onde hoje existe um prédio, ao lado onde há até hoje as primeiras instalações do Corpo de Bombeiros de Piracicaba. O bonde não entrava na garagem toda vez que vinha do centro, ele parava em frente, era chão de terra.

Você chegou a atravessar a Rua Benjamin Constant, sobre o pontilhão, caminhando entre os dormentes, onde um passo em falso poderia ser uma queda de muitos metros de altura?

Passei muitas vezes! Mais adiante, além da 31 de Março havia um viaduto que era inteirinho de tijolos, em cima passava a linha da Companhia Paulista de Estradas de Ferro e em baixo, cruzando, passava a linha da Estrada de Ferro Sorocabana. Ali havia um aterro, para ir ao campo do Paulista tinha que subir por cima da linha. A Rua da Gloria vinha até a Avenida Dr. João Conceição, era de terra, morava uma família que tinha entre seus componentes o Nelson, Nelsinho, Bimbão, Osvaldo, Orlando. Íamos tomar água gelada na casa deles.

Qual era a cor da camisa do Paulista?

Era preta, vermelha e branca. Cada um lavava a sua. No Bandeirantes cada um pagava para lavar sua camisa. A mãe do nosso amigo José Antonio (Cenoura) lavava.

O Bandeirantes ficava em que local?

Ficava na Rua Benjamin Constant, tinha um amigo nosso que às vezes reuníamos na casa dele, o Osmar de Almeida Prado. Às vezes nos reunimos na casa do Marquinho Pelegrino. Às vezes na padaria de Guido. Em 1961 ou 1962 teve o campeonato de futebol de salão, o Bandeirantes foi campeão. Aonde depois veio a ser os sobrados do Romano era o Sãopaulinho. O Riachuelo era próximo a chácara do Vevé, no fim da Rua Riachuelo. O time do Unidos era na Paulicéia. Existia o Botafogo, o Juventus do Bairro Verde.

Você freqüentava o Cine Paulistinha?

Fui várias vezes lá, conforme dispunha de recursos. Trabalhei muito para o Seu Salvador Cassano. Pai do Emílio, do Salvadorzinho.

Com que idade você começou a trabalhar?

Aos 14 ou15 anos comecei a trabalhar. Na minha família o único que não trabalhou com hidráulica foi meu pai, era um bom pedreiro, azulejista de primeira. Fui ajudar meu pai, tinha um tio, Luiz Angelocci, que estava fazendo os sobrados do Romano, o empreiteiro era Alfredo Romano. Eram quarenta sobrados. Para terminar os quarenta sobrados foram de quaro a cinco anos. Minha família, ainda muito novos, começaram a trabalhara para a Casa Asta, do Antonio Asta.

A Casa Asta ficava aonde?

Ao lado da Igreja Metodista, próxima ao Mercado Municipal.

Você pegou a época em que o encanamento não era de PVC?

O chumbo era um material muito utilizado. A “Turma do Sereno” brinca comigo, dizem que fui encanador do aqueduto de Roma. Naquele tempo para trocar um pedacinho de cano tinha que levar a morsa para prender o cano, a tarraxa para fazer a rosca no cano, o arco de serra, graxa, banha ou um sebo que levávamos estopa, zarcão, chave de cano, talhadeira, marreta. Era uma oficina, e essas coisas eram pesadas.

Onde era a maior incidência de defeitos no sifão de chumbo?

O sifão de chumbo ia sendo corroído, naquele tempo havia uma série de produtos a base de saponáceos que empastavam e criavam dificuldades para o escoamento da água. Acabava apodrecendo. Tinham umas barras de chumbo de dois metros, nós pegávamos e cortávamos, Ele tinha duas polegadas e meia, três polegadas. Era usado para telefonia também. Você media, cortava ao meio, o chumbo pelo fato de ser maleável você faz o que quiser. Com um pedaço de cano arredondava bem, unia as duas partes, naquele tempo o maçarico era a gasolina, bombeava e soldava com estanho. Quem tinha posses fazia de cobre. Na época o esgoto era todo de manilha de barro. Quem tinha dinheiro fazia de ferro fundido. A manilha dava muito movimento, quem tinha condições canizava, jogava concreto em cima dela. Em 1967 a 1970 é que começaram a vir os tubos de PVC.

Existe muito encanamento de manilha em Piracicaba?

Existe!

Você chegou a pegar o tempo da fossa séptica?

Isso acontecia em local sem rede de esgoto. No próprio bairro da Paulista havia muitas fossas sépticas. Por volta de 1957 a Rua do Rosário era terra. Até hoje existe muitos lugares onde o esgoto corre a céu aberto, mesmo o país possuindo recursos. Aonde é a Rodoviaria Intermunicipal tinha um campo chamado “Bacia”. Onde atualmente é o Teatro Dr. Losso Netto era o campo de futebol do Ipiranga. A Avenida Armando Salles de Oliveira não existia. A Rua São Francisco de Assis era de terra. Embaixo da garagem da prefeitura passa um córrego. Do lado do barracão do Krahenbuhl tem um córrego que vem lá de cima.

Você continua ainda trabalhando nesse ramo?

Continuo. Calha tem que ver o ponto, a queda, antigamente a calha era de dois em dois metros, quem fazia calha era o Asta, o Francisco Crócomo, o Penatti, o Fisher, eles cilindravam com um cano, iam dobrando. Depois começou a aparecer dobradeira.

Como eram emendados os pedaços de calhas a cada dois metros?

Eram arrebitadas e estanhadas. O Pizzinatto comprou uma dobradeira de sete metros, depois comprou o cilindro, a calha saia de 10 metros, era uma beleza. Hoje existe a veda calha, silicone, facilitou tudo.

Qual é a melhor saída para não entupir uma calha com folhas?

É não ter a arvore por perto. Tem que ser calculado o número de condutores necessários para a área que a calha vai atender.

Como surgiu a “Turma do Sereno” em sua vida?

Eu estava sempre no centro, sempre fui muito amigo de Kalifa.

Onde funciona a “Turma do Sereno”

Funciona na calçada em frente ao Banco do Brasil, na Praça José Bonifácio. É aberto, freqüentam Ésio Pesato, Xuxo Piazza, Raul Mattos, Mario Rizzo, Adilson Benedito Maluf, Nelson Spada, Bolão, Gabriel Torossiam, Walter Naime, Paulo Barros, Cipriano Baron, José Maria Cassaniga, chegou ali, tendo boa conversa e respeito mutuo pode permanecer o tempo que quiser. Não tem horário para começar. Começa logo cedo, ali falamos de política, futebol, musica família. É uma reunião de amigos, uma vez por mês fazemos um jantar.

Tem assunto proibido?

Não existe assuntos proibidos, o que pode ocorrer é a conversar ser mais reservada. A pessoa é chamada de lado e é explicada à ela o fato em si.

Mulheres freqüentam a “Turma do Sereno”

Às vezes passam uma ou outra, são cumprimentadas com educação e respeito. Se permanecerem serão muito bem tratadas, mas geralmente não permanecem.

MARCO PELLEGRINO (PAULISTINHA)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado11 de janeiro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/




ENTREVISTADO: MARCO PELLEGRINO (PAULISTINHA)

Marco Pellegrino nasceu no dia 4 de agosto de 1925, na Rua Cipriano Barata, 1088, Bairro Ipiranga, São Paulo. Filho primogênito de Francisco Pelegrino e Ida Gumiero Pellegrino, são seus irmãos Concheta Pellegrino, Maria Pellegrino, Eugênio Pellegrino, Odila Pellegrino e Norberto Pellegrino. Casou-se com Adélia Zambom Pellegrino com quem teve quatro filhos: Marco Antonio, Márcia, Francisco Carlos e Paulo Roberto. Em 1938 juntamente com seus pais e irmãos mudou-se para Piracicaba.  Nesse mesmo ano participa da fundação de uma fábrica de carretel e entra para o time de futebol Clube Palmeiras Cidade Alta de Piracicaba. Com o passar dos anos tem participação em diversas empresas como a Serraria e Carpintaria Gobeth e Pellegrino, Olaria Pelegrino, Granja Nova Suiça, Exploração de Madeira Barreiro Rico, Covadis Comércio de Assessórios para Usina. Dedicou-se por mais de 70 anos ao carnaval da cidade, tornando-se membro da Diretoria da Escola de Samba Ekypelanka e fundador da Escola de Samba Caxanga. Em 2009 recebeu o Premio de Honra ao Mérito oferecido pela Prefeitura Municipal de Piracicaba – Secretaria Municipal do Turismo, como carnavalesco mais antigo. Por Decreto Legislativo de 10 de fevereiro de 2011 recebeu o título de Cidadão Piracicabano. 

Quando sua família mudou-se para Piracicaba foram morar em que bairro?

Tínhamos a fábrica de carretel em São Paulo, ao chegarmos em Piracicaba fomos morar na Rua José Pinto de Almeida, próximo a Casa Periañes. Fabricávamos carretéis para linha de costura e artefatos de madeira, pincéis, cabo de broxa. A madeira utilizada era a guatamurana, havia em torno de Piracicaba, era mandada daqui para São Paulo. Fomos morar na Rua Otávio Teixeira Mendes, a fábrica era na Rua José Pinto de Almeida. Fazia fundo com a Serraria do Paschoal Guerrini.

 
Quantos anos você tinha nessa época?

Tinha treze anos, estudava na antiga Escola Normal. Em São Paulo estudei no Grupo José Bonifácio, na antiga Rua Viação, no Ipiranga.

O seu pai tinha um apelido?

Ele era conhecido como Chico Carretel, todo mundo tinha medo dele no Campo do XV, se falassem mal do XV perto dele apanhavam. Ele batia mesmo. Os sócios, Gobeth, Romeu Gerds, já avisavam: “-Não falem mal do XV perto do Chico!”.

Você acompanhava seu pai nos dias de jogo?

Ia algumas vezes, era no Estádio Roberto Gomes Pedrosa. Em 1947 assistimos quase todos os jogos do XV. Em 1948 assistimos todos os jogos do XV. Tínhamos um automóvel coupe ano 1947, cor de vinho, que meu pai comprou do Gianetti, íamos em todos os lugares, Taubaté, Batatais. Mais tarde eu fui até diretor do XV. Nunca quis jogar no XV. Jogava no Paulista de graça e não jogava no XV.

Você era bom de bola?

Quando cheguei de São Paulo onde é o Colégio Dom Bosco o Independência treinava lá. Para baixo quem jogava era o Sorocabano.  Estavam treinando, um jogador me perguntou: “-Menino! Você não quer pegar umas bolas no gol?”. Eu peguei todas as bolas. Ai começou a história, diziam, “- Tem um paulista bom de bola!”. A turma do Palmeirinha veio lá e me levou para disputar o primeiro campeonato infantil em 1938. Ficamos campões e fui o melhor jogador do torneio. O Dino Corazza não sabia o que fazer para mim. Do Palmeirinha vim para o Paulista, ficava no início da Avenida São Paulo, o Heitor Pompermayer jogava de zagueiro. Tive proposta do Fluminense do Rio de Janeiro, do Guarani de Campinas, um monte de time. Meu primo Osvaldo Genari era o maior atleta do Palmeiras naquela época, meu tio foi presidente do Palmeiras em 1942, eu fiquei no Palmeiras para fazer testes. Quando chego na Praça da Sé encontrei com o Marcos da Luiz de Queiroz, e ele me disse: “- Amanhã o Paulista vai jogar com o XV!”. É feriado, dia 13 de Maio. Sem falar nada para ninguém peguei o trem e vim embora. Quando eu cheguei o Rocha Netto começou a anunciar na rádio; “-Chegou o Porta de Aço!”. Entrei em campo, 19 minutos de jogo me deram um chute que quebrou a clavícula, foi o Otacílio, centro-avante do Rio Claro. O Juca Mattos era farmacêutico, aplicou uma injeção de cibalena eu joguei até o fim com a clavícula quebrada. Eu tinha 18 anos. Ganhamos o jogo de 3X2, fui o melhor homem em campo. Nesse tempo meu primo veio me buscar para jogar no Botafogo, o Mario Vizioli queria me levar para o Guarani de Campinas. Meu tio Hygino Pellegrini era presidente do Palmeiras.

Nessa época você trabalhava?

Trabalhava na fábrica de carretel.

Como se faz carretel?

É feito utilizando uma ferramenta chamada torno copiativo. Pegava-se uma árvore redonda, cortava-se em fatias, depois em uma serra tubular saia o bloquinho furado, a seguir colocava-se esse bloquinho no torno de carretel e puxava. O trono fazia 100 grosas por dia. (14.400 carretéis). A produção da fábrica era de 60.000 carretéis por dia. Nossos clientes eram Assad, Fungali, e outra fábricas de linhas, geralmente localizadas em São Paulo.

O seu pai só fazia carretel ou produzia outra coisa?

Nós fizemos sociedade com o Romeu Gerds, Gobeth, Pelegrini e Companhia Ltda. ficava na Avenida Dr. João Conceição, próximo a Morlet. Fazia carretel, carroceria, móveis, portas, janelas. (Marco Pelegrino faz questão de mostrar os móveis do seu quarto, uma obra prima feita por Eugenio Nardin em madeira chamada caviúna. Ele explica que é uma madeira tão rara que em 200 alqueires de terra é possível encontrar de quatro a cinco arvores de caviúna. Ele explica que tirou as árvores do mato, serrou e um italiano que veio da Itália fez os demais móveis. São peças raríssimas, de grande valor). Isso é de 1947. Eu me casei em 4 de dezembro de 1948 na Igreja dos Frades onde fiz as bodas de prata e as bodas de ouro.

Como você ganhou o apelido de Paulistinha?

Quando eu cheguei de São Paulo faltou alguém para treinar entre Belarba, Fogo Verde, eu entrei e “abafei”, estava com 12 para 13 anos. Fiz quatro ou cinco treinos no Palmeirinha, já passei a titular. No campeonato de 1938 ficamos invictos. Ganhamos de todo o mundo: 2x0 do XV; 6 do Paulista, 4 do Atlético, ganhamos de todos.

Naquele tempo o futebol era visto de outra forma?

O Campeonato Piracicabano era disputadíssimo, a Luiz de Queiroz com um time que tinha Maninho, Helio, Totó, Pirumbá, era uma estudantada boa de bola. Nós que quebramos a invencibilidade da Luiz de Queiroz, depois de quase três anos, foi no campo do Atlético, ganhamos de 3x0. Tufi Coury jogava, o Natin de Rio das Pedras era bom goleiro.

Como se deu a sucessão comercial da empresa em que eram sócios?

A sociedade permaneceu até 1950, quando saímos,  com meu pai montamos a serraria, carpintaria e olaria, na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina com a Rua José Pinto de Almeida, onde hoje é a Toninho Lubrificantes. A olaria ficava onde hoje é a Walmart,

O barro de lá tinha boa qualidade?

Não era grande coisa, mas tinha outra olaria na Água Branca. Nessa serraria fazíamos o desdobramento da madeira, fabricávamos carroceria de caminhão, fazíamos portas, janelas, esquadrias. Tínhamos cerca de 20 funcionários. Permanecemos lá até 1964. Nesse ano fui para a Covadis, com o Scarpari, permaneci lá até 1974. Lá eu era sócio, a Covadis fornecia material para usina de açúcar. No Início era na Rua D. Pedro, mudou-se para a Avenida Armando Salles e foi para a Avenida Rui Barbosa. Em 1974 me aposentei.

Qual é a sua ligação com as escolas de samba?  

Sempre gostei do carnaval. Tudo começou quando eu tinha de 10 a 11 anos e sai no Bloco dos Pão Duros no Ipiranga, em São Paulo. Daí surgiu o Flôr do Ipiranga. O Bloco dos Pão Duros era formado pelo Nenê, Bibi, tínhamos uma palheta, cada uma tinha uma letra, foi fundado por Eduardo Leite. O Nenê e eu estudávamos na Escola José Bonifácio, tinha o Parque Infantil do Ipiranga, ao lado, crescermos todos juntos. Depois vim para Piracicaba, quando fomos campões da turma do infantil tinha a Turma do Leão do Bairro Alto, tempo do Genio Martinão, Toninho Pimenta, Avelino. Como não tinha isopor fizemos um leão de cimento armado. Para sair com ele precisamos quebrar o muro do sobradinho do Pedro Cobra, na Rua Visconde de Rio Branco. Colocamos o leão em cima de um caminhão. O desfile era de três dias, no primeiro dia começou a chover o pessoal dizia: “- O Leão está com medo de sair na rua!”. Saímos e “abafamos”.  Naquele tempo a Rádio PRD-6 dava um troféu para quem fizesse a melhor marchinha. No fim foram lá na rádio o Corinto, Tatá, João do Pandeiro, que tinha uma perna só. Começamos a cantar: “- Hurra, hurra, meu leão!/ Hurra, hurra sem parar!/ Sem o urro do Leão/ Sem o urro do Leão não alegra o carnaval. A noite vem caindo/ Vem surgindo a lua/ Está chegando a hora do Leão sair na rua/ Abre alas minha gente/ pois não será o primeiro que o leão devorou”. Ou seja, não será o primeiro ano que o Leão havia ganhado o carnaval. Sai muitos anos lá.

Quem desfilava usava fantasia?

Até a pouco tempo eu tinha fantasia daquilo ali. Era vermelha e branca, com um chapelão. Era um bloco com cerca de 100 pessoas. Quando o Palmeirinhas ia jogar fora íamos com dois ônibus, em um ia a batucada e no outro iam os jogadores.

 Depois do Leão qual foi a sua próxima participação no carnaval?

Passou um tempo, o carnaval morreu em Piracicaba. Surgiram as famosas gincanas. Fui para a Equypelanka. Ganhamos a gincana. Fomos ver quem era o bom no carnaval. A Ekypelanca formou escola de samba, a Zoon-Zoon, a Ekyperalta, Equipexato, Equypelanka, ai não parei mais. Recentemente faleceu um dos fundadores da Eqypelanca, o Ito. Fizemos um carro alegórico para a Império Serrano, junto com o Carlão ABC. Dia 9 de março de 1979 fundei a Escola de Samba, junto com o Capitão Gomes, Massao, Zé Maria, Jussara Sansigolo, montei a Caxangá. No primeiro ano saímos no segundo grupo. No ano seguinte queríamos nos colocar no primeiro grupo, disse que iríamos sair no segundo grupo, pulamos para o primeiro grupo, e em seguida ficamos campeões. Era uma briga com a Zoon-Zoon e com a Portela. A Caxangá sempre levou a melhor.

Quem eram os jurados?

Vinham de São Paulo. Décio Pecinini, Zé Batuquinho, Jangada.

O desfile era na Avenida Armando Salles?

Primeiro era na Rua Boa Morte, depois na Rua Governador, depois na Armando Salles. Depois foi na Estação da Paulista.

Onde era o melhor lugar?

O melhor lugar no começo era na Avenida Armando Salles de Oliveira. Piracicaba infelizmente não tem carnaval. Em 1980 dei uma entrevista onde afirmei que para levantar novamente o carnaval de Piracicaba irá levar uns 30 anos. E já faz trinta anos que eu disse isso! Na década de 80 em Piracicaba era o melhor carnaval do interior, dois dias antes já tinha caminhões na avenida. Piracicaba não tem nada. Não tem uma avenida adequada, não tem uma escola de samba. Só vemos promessas. É uma das culturas mais legitimas que temos é o carnaval.

No seu ponto de vista falta o que?

Falta tudo! Falta quadra, faltam elementos, quantos elementos formei na Caxangá, começam a namorar, casam e vão embora.

Casais se dão bem em carnaval?

Eu tinha uma ala de 20 médicos, casais. Nossos desfiles envolviam pessoas de alto nível social e cultural. As filhas de uma importante personalidade piracicabana, já falecido, queriam desfilar, ele não queria deixá-las, como pai zeloso preocupava-se com elas, até que ele viu em loco no ensaio da escola, e permitiu que elas saíssem desfilando. Os desfiles de carnaval dos anos 80 em Piracicaba atraia muitos turistas de São Paulo, era de alto nível. Muitos se hospedavam em Águas de São Pedro e vinham assistir o carnaval em Piracicaba.  A Célia, filha do fotografo Cícero dos Santos, foi a maior porta-bandeira que tivemos, era uma maravilha. Teve um ano que a Caxangá não saiu eu trabalhei na Zoon-Zoon. Fizemos 18 carros alegóricos.

Carro alegórico dá problemas por quê?

É duro fazer um carro alegórico! Fiz um carro que tinha uma fonte luminosa, deu um trabalho! Não dormia dia e noite! Fiz soltando 15 jatos de água subindo cerca de 15 metros, com todas as cores de água. Funcionava com bomba d água. Fiz um dragão com duas cabeças, soltando fumaça e serpentina. A fumaça era de gelo seco.  Fiz a catedral de São Paulo que girava no carro. Fiz o teatro, o salto do Rio Piracicaba.

Quanto tempo você levava para fazer uma peça dessas?

Levava mais de um mês. A verba que a prefeitura dá hoje, se for fazer um carro alegórico não dá. Nunca tivemos lugar apropriado para realizar os ensaios, realizávamos ensaios onde hoje é o Walmart, era uma briga com os vizinhos.

Quem adquiria os instrumentos?

A Escola! Nós fazíamos promoções, jantares. Faziamos junto com o Lions, dividíamos em três partes, uma parte para a escola, uma para o Lions e outra parte para uma casa de caridade.

Hoje você liga a televisão e vê durante três dias a transmissão exaustiva de carnaval. É uma indústria?

Tanto no Rio como em São Paulo são os bicheiros que patrocinam o carnaval.

A população tem interesse em carnaval?

Não há. Infelizmente o povo piracicabano não tem espírito carnavalesco. Tratam do carnaval um mês antes. Fevereiro é carnaval, nos anos 80 rádios, jornais, estavam visitando as escolas. O então repórter Roberto Moraes não deixava de visitar as escolas de samba. Todos os dias das 14 às 18 horas tinha programa carnavalesco.

E a Banda do Bule?

Eu saia! O Paulinho Fioravante e Alceu Marozzi Righetto  é que foram fundadores! De todas as escolas saia gente na Banda do Bule. A Banda do Bule saia da Estação da Paulista descia a Rua Governador Pedro de Toledo. No inicio era muito gostoso, depois virou anarquia eu não sai mais.

O que você acha da Banda da Sapucaia?

Acho boa! Todas as escolas desfilam lá. Caxangá, Ekyperalta, União Porto.

A Sociedade Treze de Maio tinha tradição de desfile?

Tinha. Belarba tomava conta, era um crânio. Tinha o Ditão. Nizio de Moura. Eles eram bons lá pelos anos 39, 40.

Você conheceu o Cordão Chinês?

Tinha o Cometa e o Chinês. O Zego começou no Chinês eu comecei no Chinês. O Cometa era da Fábrica de Tecidos Boyes, o Buriol tinha um bar, era muito rico,ele era do Cordão do Chinês, no ano em que eles ficaram campeões eu estava na Turma do Leão. A reunião era na Tabacaria Tupã, no lado do jardim central. A Taça era para nós, o Buriol queria a taça para ele. O Genio Maquinão, um sujeito muito forte que tocava cuíca, meteu a cuíca na cabeça do Buriol. Subimos a Rua Moraes Barros, tomando cerveja na taça, pinga na taça, até chegar no bosque. (Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra). O Bebeto era puxador de samba, puxou para mim na Equypelanka, para a União do Porto.

Quem foi o melhor puxador de samba de Piracicaba?

Para mim foi o Cali, um negro da Rua do Porto.

Entre os bairros havia uma forte rivalidade?

Havia sobre os mais diversos aspectos: futebol, namoro. O Leão da Paulicéia era um cordão. A Vila Bacchi era da Vila Boyes. O Palmeirinha saiu um ano, os Irmãos Pavanelli que promoveram. Uma vez perdi um carnaval por causa de uma moça, era para usar sapato branco, estourou, ela não falou nada e foi com um azul. O Dr. Jussiê Siqueira, médico, foi fundador comigo da Caxanga, ele é pai da Jussara. Dr. Jussiê era um excelente diretor de harmonia.

Qual é o segredo para ser um bom diretor de harmonia?

Tem que entender do carnaval. Tem que ter ensaio. A harmonia para ter nota máxima tem que ter o som da bateria com o canto dos elementos. Tem que estar constantemente de ala em ala para ver se o samba não está atravessando. O jurado nota tudo isso ai.

Quantos elementos têm uma bateria?

A minha saia com 100.

O carnaval de clube também acabou?

Acabou! Não tem mais nada. Sou veterano do Cristóvão Colombo. Quantas vezes fiz o grito de abertura do carnaval do Cristóvão com o samba enredo da Caxangá!

O que você sentia quando saia desfilando na avenida?

Vida nova! O carnaval me deixava novo!

Sua esposa ia junto?

Ia! Foi uma das baianas mais lindas dos desfiles, o Jornal de Piracicaba sempre falava.

Piracicaba era uma família?

Até os anos 60 era uma família. Antigamente a amizade era outra. Você tem como exemplo o Natal. Você passava e via todos os lugares iluminados, hoje você não vê nada. O povo não quer mais sair na rua.

LUIZ DARCI CUCOLO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 de janeiro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 
 
 
 

ENTREVISTADO: LUIZ DARCI CUCOLO

 

Luiz Darci Cucolo é filho de Felício Cucolo e Duzolina Regazzo, nasceu a 6 de setembro de 1938, no Bairro São Bento na fazenda do seu pai, tendo sido registrado no então distrito de Saltinho. A propriedade rural pertencia a família, seu avô era Luis Cucolo. A lavoura na época era plantação de fumo. No inicio era fabricado açúcar batido, depois passou a plantação de fumo. Felicio e Duzolina tiveram sete filhos: Zenide, Liete, Inês, Luiz, Edelardo, Geraldo e Vilma. Luiz Darci Cucolo é casado com Maria Alice Rosa da Silva com quem tem um casal de filhos: Júnior e Ana.

Sua família mudou-se para Piracicaba?

Quando eu tinha de cinco para seis anos de idade nossa família mudou-se para a cidade. Moramos na Rua Benjamin Constant em frente a indústria de Vicente Orlando, que adquiriu a casa onde morávamos. Eu passava na frente da fábrica de bebidas e ficava admirando aquilo tudo.  Tomávamos a famosa gengibirra. No primeiro quarteirão da Rua Governador Pedro de Toledo, junto a Avenida Dr. Paulo de Moraes existia a selaria de Artur Gobbo. Lembro-me do primeiro asfalto feito em Piracicaba, o prefeito Luiz Dias Gonzaga asfaltou a Avenida Independência da Rua Governador até a Santa Casa de Misericórdia. Onde é o Teatro Municipal Dr. Losso Neto, havia um córrego onde pegávamos cascudo. Fomos morar na Rua São Francisco de Assis, quase esquina com a Rua Governador Pedro de Toledo, na esquina tinha uma casa antiga onde funcionava uma pensão de propriedade da família Ometto, hoje no local há um edifício. Na frente havia a fábrica de balas Lider. Eu estudava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco.

Com quantos anos você começou a trabalhar?

Aos oito anos comecei a trabalhar, em frente a Estação da Paulista, de costas para a estação, do lado esquerdo, havia um salão onde engraxavam-se sapatos. Eram três lugares para serem ocupados por clientes. Quando chegava o trem eu largava tudo e ia correndo até a estação, ajudava os passageiros a levarem suas malas até o seu destino final. Tanto o passageiro como eu íamos a pé.

As cores de sapatos que predominavam na época quais eram?

Era o preto e o marrom.




Dali qual foi seu próximo trabalho?

Fui aprender ofício, na selaria de Artur Gobbo situada na Rua Governador Pedro de Toledo entre a Avenida Dr. Paulo de Moraes e Rua Joaquim André. Morávamos ao lado. Ao lado tinha um terreno vazio onde ficavam dois caminhões que eram utilizados pela lenhadora de propriedade da nossa família. Eram entregues carvão e lenha. Ainda na fazenda onde fazíamos fumo fabricávamos também o carvão. Em Piracicaba a fábrica de carvão ficava atrás de onde hoje é o Colégio Dom Bosco na Cidade Alta. Ainda na fazenda meus tios derrubavam árvores enormes, eram toras de madeira carregadas em carros de bois, chegava a ter 16 bois puxando um carro com três toras de madeira. O primeiro automóvel que vi na minha vida pertencia a um médico, era movido a gasogênio, tinha dois tubos como dispositivo para o funcionamento. Ele ia buscar carvão para abastecer o carro.

Com o Artur Gobbo qual foi a sua atividade?

Fui fazer arreio, eu tinha uns 10 anos. A linha tinha que ser fabricada para fazer a costura. Passava cera, enrolava ela. Era um trabalhão danado. Eu estudava no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, ao lado tinha uma lavanderia, me convidaram para ir trabalhar lá pagando cinco mil réis por mês. Eu retirava as roupas usadas nas casas dos clientes, depois as levava prontas. Eu tinha uma bicicleta marca Júpiter, gostava de entregar roupas no Hotel Lago, lá eu ganhava uma gorjeta. Praticamente entregava só terno, se fosse linho branco era engomado. Na Rua José Pinto de Almeida tinha um mecânico, eu fui trabalhar lá para aprender, isso na época que tinha muito Fordinho 1929, no começo lavava peças. Meu tio, Durval Lavoranti, era vendedor do Café Morro Grande, ele me levou para a torrefação do Café Morro Grande, eu era ensacador de café,  colocava o saquinho vazio na máquina, pisava em um pedal, dava o peso certo. Eu pesava de 1.500 a 1.600 quilos por dia. Dali fui trabalhar no Clube Coronel Barbosa, conheci Enio Graner Mortati, que era diretor do clube, fui trabalhar no escritório, eu tinha de 15 a 16 anos. Eu tomava conta da secretaria, preenchia os recibos dos associados. Quando eu trabalhava na torrefação tinha um cheiro forte de café impregnado, o Enio arrumou umas roupas bonitas, possivelmente usadas, fiquei muito elegante. Eu estava feliz. Com o Enio, Dr. Raul Coury, Dr. Salim Simão e alguns investidores, começamos a tomar conta de uma fazenda localizada na Volta Grande, plantamos 40.000 pés de goiaba. O projeto de um dos engenheiros agrônomos era adquirir uma máquina para transformar as frutas em pó. Era só adicionar água e o suco estaria pronto. Quando foram à Suíça para adquirir a máquina o investimento mostrou-se inviável. A fazenda foi vendida, quem a adquiriu colocou gado naquela área. Nessa localidade formei muda de árvores, umas 15.000 mudas. Quando Luciano Guidotti foi prefeito trabalhei na prefeitura, comecei como ajudante de topógrafo, com o passar do tempo comecei a observar os desenhistas a fazerem plantas. Um deles, muitas vezes se ausentava, eu comecei a riscar, com isso aprendi. O engenheiro Dr. Zimolamy disse que eu iria trabalhar com ele, colocou uma mesa na sala dele, passei a tomar conta da obra que a prefeitura estava fazendo na Rua Prudente de Moraes, aonde veio a funcionar a Gráfica Municipal e a Biblioteca Municipal. Fiz um mapa com dois metros por um metro e pouco, dei busca na prefeitura e fui colocando os loteamentos que não existiam no mapa. Cássio Paschoal Padovani foi quem assinou o mapa. Foi criada a seção de planejamento da prefeitura, entre os cinco ou seis desenhistas eu fui um dos escolhidos. O Arquiteto Dr. João Chaddad estava com o Dr. Geraldo Quartim Barbosa realizando o loteamento do bairro Nova Piracicaba. O João Chaddad me citou. Fui para ganhar quase quatro vezes o meu salário. Comecei a ajudar o João Chaddad a projetar o bairro Nova Piracicaba. Ruas, lotes, área verde. Dr. Geraldo Quartim Barbosa ficou sabendo que eu sabia fazer mudas de árvores, disse-me que iria fazer mudas para a Nova Piracicaba. Fiz 40.000 mudas de árvores. Eu tomava conta do pessoal que plantava as árvores, davam manutenção às ruas. Eram 18 a 19 funcionários.

Você considera certo plantar árvores frutíferas?

Não. Se parar um veículo embaixo da árvore a fruta irá cair sobre ele. O fato de ter fruta no pé irá trazer incomodo aos moradores próximos. É uma questão cultural.

Quanto tempo você permaneceu no loteamento da Nova Piracicaba?

Fiquei por seis anos. Lá havia a colônia de casas que pertenceu ao Engenho Central, foram demolidas, com muito tato negociei com cada morador para desocuparem essas casas em troca de outras em lugar que escolheram. Foi realizado um grande trabalho de terraplanagem. Juntamente com o Lino Vitti colocamos o monumento que deverá ser aberto em breve quando completar 50 anos. Ali estão documentos, jornal, fotografia, peças e moedas da época. Na época tive que conseguir quatro placas de mármore de Carrara. Ao lado tinha outro loteamento que pertenceu ao Mário Arêas Wittier.

Como você tornou-se proprietário de uma loja de molduras?

Eu estava muito bem colocado junto a companhia que realizou o loteamento da Nova Piracicaba, era uma empresa com atividades em outras cidades e eu já estava assumindo algumas funções nesses locais. Um convite para iniciar uma atividade que aparentemente iria dar melhores resultados acabou por me trazer grandes decepções. Essa atividade com molduras começou em 1980. Eu pintava quadros, tinha adquirido dois quadros de Maria Cecília Neves.  Fiz cursos de pintura. Ao terminar um quadro levava em uma loja de molduras, até que um dia decidi fazer a moldura. Contratei um senhor de nome Vitório, ele trabalhava em uma loja situada na Rua do Rosário, fomos para São Paulo comprar molduras. Todo mundo que tinha aula com a Maria Cecília levava as obras para que eu colocasse a moldura. Quando montei a loja éramos quatro lojas de molduras.

Como surgiu o nome Molduras Juana?

A minha esposa é a responsável por ter esse nome, ela chamava meus filhos Junior, Ana, para almoçar. Dizia: “Ju, Ana! Vamos almoçar!”. Ficou Juana!

É comum as pessoas trazerem obras para enquadrar e não voltarem para buscarem?

Tenho um local onde tem mais de quinhentas obras, certificados, diplomas, fotografias,  enquadrados e os donos não vem buscar. Com isso perco o vidro que não dá a medida certa para outra aplicação e a moldura é a mesma coisa. Muitas vezes a moldura já saiu fora de linha depois de tanto tempo aqui.

Moldura tem moda?

Se tem! Hoje a moda é branca e preta.

Moldura de gesso é muito usada?

Aqui não entra gesso. É uma moldura extremamente frágil.

Qual é o maior quadro que você já fez até hoje?

Fiz dois quadros de cinco metros por seis metros, sem vidro.

Você faz restauração de quadros?

Restauro quadros. Já apareceu quadro de Joaquim Dutra, furado pelo cabo de vassoura de uma empregada descuidada.

Um casal pode ter divergência quanto a permanência de um quadro em casa?

Isso existe. Geralmente um deles traz o quadro até a loja e diz: “-Vê se vende isso ai que não quero saber dessa coisa na minha casa!”. Eu só pego se for quadro de artista famoso.

Se a pessoa muda de crença religiosa ela pode querer se desfazer de toda obra que relembre sua crença anterior?

Isso pode ocorrer, só que esse tipo de arte eu não comercializo. Quando se trata de gravura nem pego para vender.

No caso de um quadro de notável valor artístico qual é o procedimento padrão?

Ele fica na minha reserva, só será mostrado aos colecionadores.

Piracicaba tem muitos colecionadores de arte?

Tem. Há um que tem mais de 2.000 quadros. Além de ter a fazenda, aluga uma casa só para expor seus quadros. São colocados no chão, nem chegam a ser dependurados.

Quadro não é um item de fácil comercialização?

Se for de um pintor famoso torna-se fácil sua comercialização, principalmente para quem atua no ramo.

Pessoas de baixo poder aquisitivo apreciam arte?

Alguns gostam, mas não tem o fascínio próprio do colecionador. Para admirar um quadro há a necessidade de entender a arte. As pessoas mais humildes gostam de gravuras.

O que é uma gravura?

É a uma reprodução em papel. Ele acha mais bonito. Vai gostar de imagens de veículos, fotos, e são quadros relativamente caros.

Um modismo são as fotos antigas da cidade, isso pegou?

Há uma procura muito grande. Geralmente alguém vai abrir um restaurante, uma pizzaria e coloca uma foto antiga da cidade.

Você sente-se realizado com a sua atividade?

Em parte sim. Trabalhamos muito. As coisas mudaram, a economia do país mudou. Eu sentia muita alegria em trabalhar, levantava as três horas da manhã e ia para a loja, trabalhando com afinco e esperando os funcionários chegarem. Eu queria entregar as encomendas. Ainda procedo da mesma forma, entregar rapidamente o serviço. 

A procura de quadros de arte aumentou ou diminuiu?

Diminuiu. O enquadramento de diplomas, certificados, gravuras, aumentou.

Você já fez algum trabalho para cemitério?

Já! A pessoa trouxe a fotografia do finado, coloquei a moldura de alumínio com vidro em ambas as faces, tudo muito bem vedado com uma fina mangueira plástica. Já fiz inclusive com a fotografia de um cão, cujo dono o estimava muito e colocou a foto do animal junto ao seu tumulo no cemitério dos animais. Outro caso foi uma pedra que trouxeram da Rússia, foi feito um trabalho especial onde a mesma foi colocada em uma moldura. É comum as pessoas trazerem tigelas, pratos de valor sentimental e colocar em molduras. Um dos fatos marcantes foi um alemão que não mora mais em Piracicaba, ele trouxe 30 moedas de ouro maciço para serem colocadas em uma moldura. O grau de confiança que ele depositou em mim foi muito grande, aquilo tinha um alto valor financeiro.

Você tem algum hobby?

Adoro pescar. Fui diversas vezes com o Jorge Martins para o Mato Grosso. Gosto de sentar no barco e ficar pescando com sondal.

Você conheceu sua esposa em que cidade?

Eu a conheci em Cerquilho, namoramos onze anos, casamos a 25 de janeiro. Morei em Cerquilho, o Graner Mortati me levou para lá, eu desenhei a praça em frente a igreja.  Fui locar o desenho no chão.

Quantos prêmios você já ganhou em pintura?

Ganhei três menções honrosas, um prêmio em Araras, um prêmio em Limeira. Juntamente com Eugenio Nardin, João Chaddad, Manoel Martho criamos o Salão Almeida Junior. Eu era o primeiro secretário, como não tinha sede, não tinha nada, ficava aqui na minha loja, eu transportava em uma caminhonete os quadros que iam para serem expostos. Organizamos tudo, a partir do nada. Consegui um lugarzinho na Pinacoteca para transformar em sede do Salão Almeida Junior. Com o passar do tempo deixei para que outras pessoas tomassem a frente na manutenção do Salão Almeida Junior.

 

 

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