domingo, junho 21, 2015

CARLOS (CARLITÃO) ANTONIO BIANCHIM

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

JOÃO UMBERTO NASSIF 

Jornalista e Radialista 

joaonassif@gmail.com 

Sábado 20 de junho de 2015.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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                                             LUCIA E CARLOS: 70 ANOS CASADOS
ENTREVISTADO: CARLOS (CARLITÃO) ANTONIO BIANCHIM


Carlos Antonio Bianchim reside na cidade de Rio das Pedras, onde é conhecido como Carlitão. Nascido a 20 de agosto de 1926 no bairro da Lapa também chamado de Venda Nova, em Rio das Pedras, próximo onde hoje é a Etec Dr. José Coury - Colégio Agrícola, Rio das Pedras. Carlos é filho de Rodolfo Bianchim e Paulina Degaspare Bianchim. Rodolfo Bianchim é natural de Trieste uma cidade do nordeste da Itália, veio para o Brasil com sua família quando tinha três anos. Seu tio seguiu para o Rio Grande do Sul. Rodolfo e seus irmãos Arabesco, João Batista, Celeste, Eliza, Eugênia e Maria vieram para Rio das Pedras. O pai de Rodolfo foi trazido por um fazendeiro, cafeicultor, para trabalhar como colono na Fazenda São Carlos, próxima ao bairro Taquaral. Isso deve ter sido por volta de 1890. Moravam sete a oito famílias em um barracão. Não permaneceram nesse local por muito tempo, sofreram muito naquelas condições de vida e trabalho. O que impressiona no casal Lucia e Carlos é a disposição física e mental, ela tem 87 anos e ele 89, ambos irão completar 70 anos de casados. Viajam Brasil afora, ambos tem em comum o amor aos cavalos. Carlos e sua esposa tiveram cinco filhos: Bernadete, Beatriz, Berta, Bettsy e Carlos Antonio Júnior. Até a presente data tem 10 netos e cinco bisnetos.



Após o período na Fazenda São Carlos a família mudou para que local?
Meu avô comprou um sítio de 11 alqueires no bairro da Lapa, meu pai cresceu lá, quando se mudaram ele deveria ter uns cinco anos.  O pai da minha mãe comprou um sitio de 11 alqueires também, vizinhos ao nosso sítio. Ele era um homem rico, que na crise do café em 1929 tornou-se pobre, foi a bancarrota. A fábrica do Horácio Limongi era do meu avô. Ele que construiu, cada ano ele fazia um pavilhão daquele. Em 1926, quando eu nasci ele fez um pavilhão, e assim foi construindo em 1927, 1928 e em 1929.  Era fábrica de macarrão, bebidas, sorvete. Tudo isso foi construído pelo pai da minha mãe, chamava-se Santo Degaspare. Logo abaixo passava o trem da Estrada de Ferro Sorocabana. Meus pais tiveram os filhos: Carlos Antonio (Carlitão), Francisco José (Fica), Arnaldo (Dado), Álvaro João, Philomena e  Maria Aparecida.
De Rio das Pedras à Piracicaba o meio de transporte mais comum era o trem?
A esposa de Carlos Antonio Bianchim, a senhora Lucia Seregato Bianchim lembra-se: “ Naquele tempo eu levava as crianças para passear de trem, levava uma cesta com lanche e ia até Itaici, de lá voltava à Rio das Pedras”. 
GALPÃO DE CARGAS DA ESTRADA DE FERRO SOROCABANA DE RIO DAS PEDRAS. 
A ESTAÇÃO FOI DEMOLIDA.
O senhor estudou em que escola?
Até o terceiro ano estudei na escola que se situava no sítio, minha primeira professora foi dona Gioconda. O quarto ano eu estudei no Grupo Escolar Barão de Serra Negra, em Rio das Pedras, minha professora foi Dona Marica, avó do Antonio Airton Zepelin e meio ano foi Seu Rolin. Vinha a pé, de trole. É pertinho! Fica a uns quatro quilômetros. O lanche era bolo de fubá, nós vínhamos correndo, brincando no caminho, quando chegávamos aqui o bolo já estava todo desfeito.
Após concluir o curso primário o que o senhor foi fazer?
Voltei para o sítio novamente, fui cuidar da roça. Fui trabalhar no sítio do meu tio Tita, eu tinha 16 anos.  O meu pai fazia tudo que se pode imaginar: foi pedreiro, carpinteiro, poceiro, maquinista, fazia jacá, cortava cabelo. A chaminé da Fazenda Santa Maria, que ainda está em pé, perfeita, foi feita pelo meu pai. Ele que fez a chaminé da Fazenda Viegas, o administrador era compadre dele,  quando ele terminou de fazer, o meu pai ficou em pé no topo da chaminé, como se estivesse bebendo algo, ele não bebia nada, a mulher do administrador chamou o seu marido: “Avelino! Avelino! O compadre está louco!”. É uma chaminé com mais de trinta metros de altura. Quando meu pai construiu, a propriedade era do Seu Paschoal Limongi, irmão do Seu Horácio. O Paschoal gostava de brincar dizendo: “Agora é tempo de eleição, aonde o rico chega para o pobre e estende a mão, dizendo: conto com o seu voto, sim ou não?”. Nenhum dos dois eram políticos, nem o Horácio e nem o Paschoal.
Até que idade o senhor permaneceu no sítio?
Até os 16 anos. Eu arava a terra com o auxilio de animais, era uma parelha, meio dia trabalhava um e outra metade do dia trabalhava outro. Dei a eles os nomes de Cacique e Major.
Terminada a safra o senhor veio morar em Rio das Pedras, em que local o senhor foi trabalhar?
Comecei a trabalhar no depósito de açúcar do Victório Canônico e Lino Miori. Passado algum tempo encerraram a sociedade. Lino Miori me apresentou para o proprietário de um armazém, o Jacinto Barrichello juntamente com Ivo, Augusto , Euclides todos da família Barrichello.
O senhor morava em que local?
Eu morava junto com a minha família, meu pai tinha uma casa na Rua João Tobias, mais conhecida como Rua das Cabras, por ter ali muitas cabras. O meu pai havia dito à sua mãe que só iria casar quando terminassem de pagar o sítio que havia comprado com meu avô, seu pai. Ele casou-se com 36 anos.  Ele casou-se, eu nasci lá, ai ele mudou-se para Rio das Pedras, aqui ele trabalhou como pedreiro, carpinteiro, poceiro maquinista ( de máquinas de beneficiar café). Meu pai estaqueava o café com tanto capricho e habilidade que olhando de qualquer angulo dava tudo certinho. Do lugar que a pessoa olhasse era rua. Ele cortava as madeiras no mato para fazer as gaiolinhas com café. Era muito trabalhador e um homem muito bom. Ele faleceu no dia de Santo Antonio, 13 de junho, neste ano de 2015 faz 32 anos que ele faleceu, foi em 1983. Por algum tempo trabalhei como servente dele. Depois entrei nessa firma dos Barrichello e permaneci por seis anos. Nessa época o Ata Calil era proprietário da loja Porta Larga, em Rio das Pedras. Ele tinha adquirido de Humberto Alessim, ficava onde é hoje o calçadão da Igreja Matriz. Primeiro eles tinham o estabelecimento aqui embaixo, depois o pai dele comprou em frente a farmácia do Seu Zico. 
E esse sobrado mais antigo que existe em frente a Igreja Matriz?
Ali era de propriedade do pai do Dr. João Basilio, acredito que ainda deve pertencer a família. O Seu Saliba tinha a Fazenda Viegas, onde fabricava pinga.
O senhor permaneceu por quanto tempo trabalhando com a família Barrichello?
Uns seis anos, ai ele montaram a Usina Bom Jesus, o Seu Augusto que era o mais velho dos irmãos queria me levar para trabalhar lá. Meu pai que assentou a primeira pedra da usina. O seu Augusto morou a vida toda junto ao armazém, onde é o correio hoje, era casado com Dona Jamile Jorge. Era um armazém grande, eu só entregava mercadoria. Entregava com carrinho de roda de ferro, puxado por um burro chamado Valente e uma égüinha que no momento não me lembro o nome. Colocava um ao lado do outro. Na volta da entrega trazia porco gordo para fazermos lingüiça no armazém. O Seu Emílio Barrichello e eu fazíamos a lingüiça. O Seu Emílio era primo deles. Naquela época só se fazia lingüiça pura. O toucinho salgava e vendia para a freguesia.
Como o senhor conheceu a sua esposa?
Eu entregava compras no sítio, e um dia a tarde eu vinha vindo com o carrinho, tinha uma porteira na saída, isso na Fazenda Montebelo, estava ela e outra moça negra, a minha futura esposa abriu a porteira, ela e a companheira estavam carregando um feixe de lenha cada uma, na cabeça, passei com o carrinho, olhei para traz, ela estava olhando. No domingo eu estava no armazém trabalhando quando ela passou com a sua irmã. Eu pensei”- Acho que o negócio vai dar certo por aqui”. Eu estava namorando outra moça. Falei com Seu Ivo, ele disse-me: “Já sei, eu vi”. Ai sai e fui conversar com ela, foi quando ela me disse: “-Se não for para chatear..” Noutro domingo houve uma festa na Lapa, ela também foi lá. Disse-me: “Você tem que falar com meu pai, senão não vai dar”. No sábado fui falar com o pai dela. Sempre falo a minha sorte foi o casamento. Sempre para defender um amigo não medi esforços. Rio das Pedras sabe quanta briga eu fiz!
Como se chamavam os pais da senhora?
Mário Antonio Serigato e Geraldina Almeida de Camargo Serigato. Eu nasci a 7 de março de 1928.
Qual foi a reação do pai da Da. Lucia quando o senhor foi pedi-la em namoro?
O pai dela já me conhecia, eles plantavam fumo, não tinham a experiência que nós tínhamos, ele já me conhecia. Eu não sabia da existência da Lucia. Quando falei com ele, a resposta foi positiva. Casamos-nos quando a Lucia tinha 18 anos e eu 21, no dia 19 de dezembro de 1945.
                NESTA IGREJA LUCIA E CARLOS CASARAM-SE HÁ 70 ANOS                            
Casaram-se e foram morar onde?
Fomos morar em uma casa no bairro Bom Retiro, de propriedade do Barrichello. Quem tinha morado antes lá foi o Mazagão, prefeito da cidade. Ele saiu e deixou a casa lá. O Silvio Barrichello disse: “-Case! A casa está livre lá! Pode ficar com você! Não pagava aluguel.
O senhor decidiu sair do emprego e tocar a vida por conta própria?
Eu negociava boi, trabalhei como padeiro, frangueiro. Ia buscar as mercadorias em Piracicaba, adquiria com o Pompermayer, na Casa Dom Bosco, comprava do Seu Inácio Leite Negreiros. O Seu Inácio queria que eu seguisse o esporte da luta, eu lutava com bois. Fui toureiro amador também. Tivemos um açougue, eu e meu irmão Álvaro, montamos uma fábrica de lingüiça. Comprei um Chevrolet Ramona, ano 1929 e passei a vender lingüiça em Piracicaba e Rio das Pedras. No inicio pegava o produto no açougue do José Cibim e ia vender em Piracicaba três vezes por semana, ia pelas estradas de terra que ligavam as duas cidades. A cada vez que ia, vendia cerca de 200 quilos de lingüiça. Só na Cooperativa do Monte Alegre, entregava de 100 a 200 quilos cada vez que ia. Meu irmão Álvaro Bianchim trabalhava no armazém do Saliba, que ficava embaixo do hotel hoje desativado, em frente a igreja matriz convidei meu irmão para montar um açougue. A partir dessa união comercial, a lingüiça passou a ser fabricada por nós mesmos, no açougue que montamos no local onde mais tarde foi a Padaria Cristal. Ao passar do tempo, Álvaro interessou-se pela política, foi prefeito de Rio das Pedras por três vezes e prefeito uma vez em Mombuca. Ele foi vereador na época em que Waldemar Gramani foi prefeito.
Com o envolvimento do seu irmão e sócio na política o que o senhor passou a fazer?
Arrendei a Fazenda Pinheiro, de propriedade de Inácio Leite Negreiros, onde criava bois para vender. Por 17 anos fui proprietário também de um açougue na antiga “Venda Nova” perto da Fazenda do Viegas. Eu domava burros para Inácio Leite Negreiros.
A igreja matiz existente em Rio das Pedras é a mesma ou foi modificada?
É a mesma, foram feitas pequenas reformas internas.
Em Rio das Pedras havia uma raia de corrida de cavalos?
Tinha sim, passava ao lado de onde hoje é o Estádio Massud Coury.
O senhor conheceu Massud Coury?
Quantas porteiras não abri para ele! Conheci todos os seus filhos: Raul, Jorge, Tuffi, Alberto, Romano. O meu pai quando veio da Itália veio junto com o pai do Américo Froner. Conheci Silvio, Joaquim .Froner. O meu pai, e o Bortolam foram montar um engenho em Santo Amaro, São Paulo. Por razões burocráticas, não tinham passaporte de estrangeiro, não puderam permanecer em São Paulo, vieram a pé de lá até Rio das Pedras.
O trem da Estrada de Ferro Sorocabana parava na estação de Rio das Pedras?
Parava, embarcavam e desembarcavam, havia uma porteira que impedia a passagem de veículos e pedestres quando o trem passava. Daqui a Piracicaba o trem levava uma meia hora, a estação ficava onde hoje é o terminal de ônibus.

O senhor foi “toureiro amador”
Quando foram iniciadas as obras para a construção do hospital de Rio das Pedras, fizemos um cercado para tourear, levávamos os bois, e cobrávamos o ingresso que era doado para as obras do hospital. Não abatia os bois, só brincava. Enchia de gente!
E a paixão por cavalos como surgiu?
O pai da minha mãe gostava muito disso. Na minha vida toda tive cavalo de corrida. A minha esposa também sempre gostou.
O senhor freqüentava bailes?
Sempre gostei muito de dançar: valsa, samba, tango.
Qual é o motivo de ambos estarem com muito boa saúde física e mental?
Acredito que é a forma de encarar a vida sempre de forma positiva.



domingo, junho 14, 2015

EGLE SCURSONI JURADO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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ENTREVISTADA: EGLE SCURSONI JURADO 

A admirável força de uma mulher, que venceu os mais difíceis obstáculos que encontrou de ordem material e afetiva. Não se deixou abater, irradia uma força incalculável, acredita no ser humano apesar de toda dor por que passou. O seu aspecto a principio um tanto quanto fechado, logo se desmancha em sorrisos, de quem está de bem com a vida, aceita com resignação e coragem as provas que a vida oferece e a torna cada dia mais forte.
Nascida em Cosmópolis a 21 de outubro de 1941, Egle Scursono Jurado é filha de Delmo Scursoni e Luisa Iolanda Scursoni que tiveram os filhos: Vilma, Ivone, Enédino, Egle, Magda, Dagma e Deize.
Até que idade a senhora morou em Cosmópolis?
Quando aminha família mudou-se para São Paulo eu devia ter uns quatro ou cinco anos. Nós voltávamos sempre para Cosmópolis, o meu avô morava em uma fazenda lá.
          ALICE É UMA ARARA QUE PERTENCE A POPULAÇÃO DE COSMÓPOLIS


                                                      PASSEIO POR COSMÓPOLIS
Em que lugar de São Paulo a sua família foi residir?
Fomos morar no Parque São Jorge, na rua do campo do Corinthians, a Rua São Jorge, 249. Meu pai era mestre de tecelagem, trabalhava na Tecelagem Brasil. Minha mãe para auxiliar no orçamento tinha pensionistas: meu tio, os amigos do meu tio.
                         RUA SÃO JORGE - FORTE INFLUÊNCIA DO CORINTHIANS
A senhora começou a trabalhar quando era criança ainda?
Eu não tinha completado doze anos ainda quando comecei a trabalhar para uma moça que morava em prédio ali mesmo na Rua São Jorge, eu a ajudava a fazer balas de coco.
E escola, a senhora freqüentou?
Freqüentei até a sexta série, aí fui trabalhar como tecelã na Tecelagem Brasil, que também ficava na Rua São Jorge só que em outro prédio, não era naquele em que meu pai trabalhava. Entrei com treze anos e sai com vinte anos, para casar.
Em que local a senhora conheceu seu futuro marido?
Conheci o Juvenal João Jurado em frente a igreja São João, no Brás.

Sai da igreja, ele estava com um amigo, assim nos conhecemos. Casamos nessa mesma igreja no dia 26 de junho de 1962, entre namoro e casamento foram 51 anos de convivência. Casamos e fomos morar na Vila Nive, lá pelo lado da Vila Gustavo. Fomos morar em uma casa que era de propriedade da mãe de um amigo dele. Era um local tranqüilo, São Paulo era muito diferente. Meu marido a 20 de junho de 1961 passou a ser funcionário público. Lembro-me até hoje, quando ficamos noivos meu pai determinou que no máximo dentro de um ano tínhamos que casar. Dia 23 de junho completamos um ano de noivado, no dia 24 de junho nos casamos. Antes ele tinha um lojinha de material elétrico, isso no tempo em que ainda éramos namorados.
A senhora então abriu uma empresa?
Abri uma empresa de reformas e pinturas. Um dos primeiros trabalhos que fizemos foi a impermeabilização da laje em um apartamento de cobertura de um prédio. Era um serviço que poucos conheciam. Trabalhávamos praticamente em prédios situados em Pinheiros, Higienópolis, Pacaembu. A nossa propaganda era feita pelos próprios clientes que ficavam satisfeitos com o nosso trabalho. O volume de serviço foi aumentando, tivemos que aumentar o número de funcionários. Isso foi a partir da década de 60.
Houve muita mudança no material utilizado naquela época e no existente hoje?
Com certeza! Mudou demais!
Vocês chegaram a trabalhar com a cal virgem?
Tinha que “queimar” a cal.,

ou seja, misturar pedras de cal com água, diluir até formar a tinta desejada, branca, se quisesse poderia adicionar o corante da cor preferida. Logo depois surgiram produtos já com outra qualidade e que exigiam menos trabalho para preparar.
Quais dificuldades são encontradas nesse tipo de trabalho?
É saber com exatidão o que o cliente deseja e executar com perfeição. Sempre tinha um ou outro cliente “cri-cri”, isso é normal. Tivemos um cliente, dono de um apartamento, que nos deixou estressados. Ele desejava pintar apenas o lado externo do apartamento. Ele não admitia sequer pensar que entrasse poeira na parte interna. Tivemos que forrar as portas com plástico-bolha, fita crepe,mais plásticos desses pretos, foi uma ação bem minuciosa, para não entrar poeira alguma. Esse cliente ficou tão satisfeito com o resultado que passou a recomendar a nossa empresa. Apartamento é difícil de trabalhar também por causa das restrições de horários.
Vocês trabalharam em lojas de shopping?
Trabalhamos, é outro local com muitas restrições de horários.
Quem dá mais trabalho, o cliente particular ou o cliente comercial?
Vai muito do cliente. Trabalhamos por cerca de trinta anos nessa área.
Vocês realizaram serviços para figuras de destaque nacional, como isso ocorreu?
Não sei afirmar como ele conseguiu, mas um dos nossos grandes cliente foi o arquiteto e decorador Sig Bergamin. Acredito que o Sig viu a nossa empresa pintando um prédio, ele gostou do serviço e passou a nos dar trabalho para realizarmos. Acabamos ficando amigos. O Sig fazia o projeto e dizia: “- Juvenal, eu quero dessa forma”.

Em particular duas figuras de destaque foram clientes da empresa da senhora?
A nossa empresa, New System Reformas e Pinturas teve entre seus inúmeros clientes alguns como Clodovil


 e Juca Chaves. No caso do Juca Chaves trabalhamos em um apartamento dele, em Higienópolis. Inclusive o Juca Chaves deu-me de presente um abajur de aço escovado, acho que ele se lembrará disso. É um abajur muito bonito!
O Clodovil era muito exigente?
Não, até que não. Os funcionários gostavam de trabalhar na casa dele, só tinha que obedecer a certos horários, isso tinha que ser respeitado. Antes das dez horas da manhã não podia fazer barulho na parte interna da casa, então se trabalhava na parte externa até esse horário. Na época foi feito um serviço em uma das suas casas, ficava na Granja Viana. Foi feita uma pequena reforma, pintura, tínhamos um pintor que trabalhou conosco por mais de vinte anos, quando ele acabava de pintar janelas não precisava limpar os vidros. Ficava uma perfeição!
A senhora é uma pessoa que tem atitudes firmes e bem definidas, isso é uma qualidade própria ou surgiu da convivência com seu marido?
Acredito que isso é fruto de uma mistura. Sempre fui rígida, às vezes até mais do que ele. Meu marido era boníssimo.
Vocês tiveram filhos?
Tivemos um filho, Jordam Jurado, que foi assassinado em 1985. Ele tinha 20 anos na época. O que nos magoou muito foi o fato de ter sido um crime praticado por dois funcionários, um deles era um funcionário que trabalhava há anos conosco, disse que precisava voltar para a Bahia. Esse rapaz sumiu. Um dia ele apareceu em nosso escritório que ficava na Avenida Faria Lima, próximo ao Shopping Iguatemi. Meu marido recontratou esse funcionário, ele apresentou um primo, que precisava de serviço. Meu filho ficou no escritório, em um sábado, para fazer o pagamento do pessoal e nós fomos para a nossa chácara.  Esse primo do nosso funcionário é que cometeu o crime.
A força espiritual que a senhora tem, a sua fé, irradia de uma forma muito especial, qual é a seu ver a fonte de energia que a move?
Acredito que faz parte da minha forma de ser. Tivemos uma vida de muita luta. Quando casamos, meu sogro deu um terreno para nós, queríamos construir uma casa, até então morávamos embaixo da casa da minha sogra, era um porão. Nós saímos da Vila Nive e fomos morar na Penha, na Rua Coronel Meirelles. Onde meu marido e eu morávamos logo que casamos, tinha uma cozinha grande, a divisão de ambientes era feita por um guarda roupas, tinha a cama de casal e a de solteiro onde meu filho dormia. Um dia meu marido disse: “-Egle, vamos começar a fazer a nossa casa?”. Respondi-lhe: “Mas de que jeito Juvenal?” Ele disse: “-Vamos conseguir! Vamos fazer!”. Ele trabalhava como funcionário público, trabalhava a noite no Banco Itaú, com aquelas máquinas IBM, enormes. Eu comecei a fazer balas para vender. Comprei as panelas, só que não tínhamos o material para fabricar as balas. Eu fazia as balas, ele vendia no serviço, e a noite ele passava no mercado e trazia a matéria prima para casa, ela chegava dez e meia, onze horas da noite, eu varava a madrugada fazendo as balas. 

Quando ele acordava às cinco horas da manhã para ir trabalhar eu ainda estava empacotando as balas. Até que devagar as coisas foram melhorando e ele comprou um taxi. Um Corcel amarelo. Aos sábados e domingos ele trabalhava como motorista de taxi. Dentro do taxi ele levava a caixa com balas. Antigamente tinha umas almofadas de massagem, ele vendia aquilo também dentro do taxi.
Ele entendia de pintura?
Meu marido começou com pintura pintando rodapé! Não entendia nada! Com toda essa luta, pagamos o carro e fizemos a nossa casa. Vendemos depois do que aconteceu com nosso filho, não quisemos mais ficar nessa casa. Mudamos. Fomos morar em Santa Isabel. Começamos a fazer uma festa para 30 crianças, era realizada todo dia 12 de outubro. A última festa que realizamos foram para 630 crianças de creche. Isso foi no dia 12 de outubro, no dia 15 ele foi internado, no dia 30 ele faleceu. Isso foi em Santa Isabel. Por três anos levamos idosos do Lar dos Velhinhos de Piracicaba para participar dessa festa.
A senhora acredita que diversos fatores foram importantes para o sucesso da empresa, pode citar algum?
O controle é fundamental, não tem como escapar disso. Meu marido quando dava um pincel para o funcionário trabalhar exigia que o mesmo assinasse o recebimento do material, se perdesse tinha o valor do mesmo descontado do seu pagamento. Só assim cria-se a responsabilidade. Que horas você sai? Às quatro horas da tarde? Às quatro horas você me devolve o material que estou lhe dando para trabalhar. Eu devolvo o cartãozinho que comprova que você devolveu.
Como a senhora veio morar em Piracicaba?
Quando meu filho faleceu não dava para permanecer naquela casa, na Penha já não estava bom para viver. Mudamos para o sítio. Acabamos mudando para um condomínio em Santa Isabel mesmo. Só que prevíamos que no futuro deveríamos buscar um local em que pudéssemos viver sem incomodar ninguém. Chegamos a ir até Minas Gerais em busca de um local que nos agradasse. Meu marido ligou para a Prefeitura de Piracicaba, indicaram uma instituição, fomos ver, não era o que nós queríamos, até que entramos no Lar dos Velhinhos de Piracicaba pela primeira vez logo que entramos achei que tínhamos encontrado o lugar que estávamos procurando. Viemos até o Lar dos Velhinhos de Piracicaba por três vezes até decidirmos que era aqui mesmo que iríamos ficar. Nosso objetivo era não dar trabalho para nossa família.
Com quantos anos faleceu o marido da senhora?
Na época ele estava com 63 anos.
A senhora tem uma forma muito positiva de ver as coisas?

Não me arrependo não me revolto por nada, é o que tinha que ser, aconteceu. Aceito os bons e os maus momentos. Aceito as coisas que me acontecem. Temos que olhar o lado positivo da nossa realidade. 

sexta-feira, junho 05, 2015

PAULO ROSSI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 6 de junho de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADO: PAULO ROSSI
Paulo Rossi nasceu a 18 de setembro de 1940, em São Paulo, no bairro Vila dos Remédios, é filho de Constantino Rossi e Tereza Zanin Rossi que tiveram os filhos Valdomiro, Maria Ester e Izidro. Paulo Rossi escolheu Piracicaba para residir, após percorrer as regiões mais longínquas e agrestes do nosso país. Esteve alojado em acampamentos, hotéis, pensões, como funcionário administrativo, ajudou a levar o progresso através das torres de energia elétrica de alta tensão. Obras geralmente realizadas em locais agrestes. Isso não impediu que Paulo Rossi mantivesse seu gosto e sensibilidade pela música clássica. Piracicabano por adoção, Paulo leva uma vida pacata, costuma caminhar pela cidade, pela Rua do Porto, admira o Rio Piracicaba, explora a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz. Após morar em São Paulo por muitos anos, percorrer boa parte do Brasil, Paulo Rossi escolheu Piracicaba como seu porto seguro.
O Curso primário o senhor estudou em qual escola?
Estudei o curso primário no Educandário São José na Vila Leopoldina, o ginásio fiz no Olavo Bilac, na Lapa. Passei a trabalhar no Banco da América, ficava no Edifício Martinelli, térreo. Eu trabalhava meio período no banco, ou era das sete da manhã até a uma hora da tarde ou da uma até as seis horas da tarde.

O Banco da América era um banco grande?
Na época era. Foi um período em que havia muitos bancos em São Paulo.
O Edifício Martinelli foi considerado um dos prédios com maior glamour, como era trabalhar em um  lugar tão conhecido?
Na minha época, por volta de 1956, já não era mais aquele prédio tão elitizado como tinha sido antes. O centro de São Paulo era bem diferente, São Paulo já era uma cidade cosmopolita. Conheci o Mappin na Praça Ramos, ficava em frente ao Teatro Municipal.

Na época o senhor morava na Lapa, qual era o meio de transporte que era utilizado?
Eu morava na Vila dos Remédios, na época não havia um ônibus que fosse diretamente até a minha casa, eu tinha que pegar um ônibus ou um bonde até a Lapa e na Lapa tomava um ônibus até a Vila dos Remédios. Tomei muito o bonde “camarão” que era fechado e o bonde aberto também. Nessa época o centro era bem diferente, o metrô não existia ainda, muitos prédios foram demolidos para dar lugar às estações do metrô. A Rua São Bento, a Rua Direita, eram bem comerciais. Era o tempo em todos usavam terno, gravata. Havia cinemas que exigiam o uso da gravata para poder entrar. Os cinemas mais freqüentados de São Paulo ficavam no quadrilátero das ruas São João, Ipiranga, tinha cinemas ótimos: Marrocos, Ipiranga, Coral, Marabá, Metro, Ouro e muitos outros. Na época eu freqüentava o Ponto Chic, onde dizem ter sido criado o famoso sanduíche “bauru”. Freqüentei o famoso restaurante “O Gato Que Ri”, ficava no Largo do Arouche.

O Banco da América atendia algum perfil especial de clientes?
Não era um banco voltado a contas populares. Tinha muitas agências situadas nos bairros mais sofisticados de São Paulo.
E trabalhar no Banco da América significava ter um bom emprego?
Era bom, o salário era um salário digno. Tanto que permaneci por 14 anos trabalhando no Banco da América. Se não me engano entrei para trabalhar no banco em janeiro de 1957 e permaneci até 1971.
Nesse ano eu entrei em acordo com o banco, naquela época eu era optante, ser optante era não ter o Fundo de Garantia, depois surgiu o Fundo de Garantia. O optante tinha direito a estabilidade, não podia ser mandado embora. Para sair tinha que fazer um acordo com o banco.
O Banco da América S/A era de origem norte-americana?
Ele era brasileiro! Pertencia a família do Herbert Levy. Quando eu saí foi em um período em que o Banco Itaú estava incorporando uma série de bancos. Passou a ser Banco Itaú América, depois passou a denominar-se apenas de Banco Itaú.
O senhor chegou a usar aquelas máquinas contábeis, que tinham um “carro” enorme?
Usei. Na época existiam também umas fitas perfuradas aonde eram registrados os números, assim como cartões perfurados, mais tarde muito utilizados pelas lotéricas quando o cliente fazia uma aposta.
O que o senhor decidiu fazer após sair do banco?
Inicialmente reformei a minha casa, na ocasião eu morava na Vila dos Remédios. Uma parte do bairro pertence ao bairro da Lapa e outra parte pertence agora a Osasco. Nessa época minha mãe faleceu sete meses depois meu pai faleceu também. Decidi viajar, fui trabalhar com obras, fui trabalhar na SADE SUL AMERICANA que trabalhava na área de engenharia. Fui mandado para Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

Como era Campo Grande na época?
Campo Grande já era uma cidade bonita, embora fosse uma cidade pequena ainda.
Qual era o trajeto que o senhor fazia para chegar de São Paulo à Campo Grande?
Embarcava em São Paulo em um ônibus da Viação Motta e descia em Campo Grande. Depois fui mandado para o Pantanal.
Que região do Pantanal?
Fui para Aquidauana, Miranda, Corumbá. É uma região muito bonita, pena que na época em que fui para lá havia muita queimada.
Havia muitos resquícios acentuados da população indígena, natural do local?
Ainda tinha. Até onde fomos fazer um acampamento em Miranda, funcionava a parada dos trens de carga, onde eram feitas as manobras, manutenções, era a localidade chamada de Guaicurus O trem era da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A locomotiva era movida a vapor.

Vocês fizeram um acampamento usando madeira para construí-lo?
Em Miranda era de madeira. Havia a parte administrativa, onde funcionava o escritório, onde eram feitos os pagamentos.
Como era feita a comunicação com a matriz da empresa em São Paulo?
Era feita via rádio. Não existia outra forma. Peguei uma enchente muito grande em Miranda, o Rio Miranda subiu muito seu volume de águas. Encheu o Pantanal todinho, acabou com muitas pontes, tivemos que mudar para o Porto de Manga, já no Rio Paraguai. Perdemos documentos, até pessoas faleceram, caiu a ponte.
A empresa em que o senhor trabalhava fazia que tipo de obra no local?
Estávamos montando toda estrutura para transmissão de energia, em alta tensão. Ligava Campo Grande a Corumbá. Essas torres passavam todas pelo Pantanal. Era um solo difícil de trabalhar, as sapatas em que eram fixadas as torres eram enormes.
Quantos homens trabalhavam em cada torre?
Devia ter uns vinte ou trinta em cada torre. O material ia de caminhão até Campo Grande, depois seguia em caminhão mesmo ou trem de acordo com a conveniência. Nós montávamos as torres e puxávamos os cabos de transmissão de energia também.
Como era feita a seleção de pessoal para realizar esses trabalhos?
Em Campo Grande anunciávamos que estávamos admitindo funcionários e eles eram selecionados e mandados para nós. Era um trabalho difícil. Muitos não permaneciam mais do que três dias trabalhando. Tinha casos de malária. Quando alguém adoecia tínhamos que levar até Miranda ou Corumbá. A região era bem selvagem, com cobras, onças, jacarés, catetos.
Vocês tinham que entrar nas águas dos rios para trabalharem, havia piranhas nesses rios?
Tinha. Tivemos um caso muito lamentável, na época da enchente do Rio Miranda, quando caiu uma ponte, um dos funcionários ficou preso a ponte de madeira. O seu corpo foi encontrado três dias depois, havia sofrido ataque de piranhas.
Qual era o lazer do pessoal?
Era difícil. Nos finais de semana encaminhávamos o pessoal para Miranda ou Corumbá, onde cada um distraia-se da sua forma.
Os trabalhadores eram dedicados?
Eram. A administração era bem pesada. Havia engenheiros, a parte toda de montagem, era composta de profissionais muito qualificados.
Quanto tempo o senhor permaneceu no Mato Grosso?
Fiquei um ano ali. Acabou a obra, fomos transferidos. Fui para Irati, nas proximidades de Ponta Grossa. Irati era uma cidade pequena, a maior parte da população era composta por ucranianos, poloneses, russos. Havia algum tipo de discordância religiosa entre eles. Era algo enraizado que eles traziam de seus países de origem. Era uma cidade gostosa, com um pessoal muito trabalhador. Tinha cinema, havia um centrinho onde havia o footing ou paquera, juntava a cidade inteira naquele centrinho.

De São Paulo como o senhor foi para Irati?
Fui com o meu carro, um Fuscão, cor ocre, lá eu morava em um hotel de propriedade de uma família polonesa. Trabalhávamos muito, das sete da manhã até as sete ou oito horas da noite. A folha de pagamento do pessoal era feita por nós. Fazia admissão de pessoal.


O senhor freqüentava muito o cinema?
Freqüentava! O cinema era a minha paixão. Desde o tempo em que morava em São Paulo. 
Em Irati o senhor permaneceu quanto tempo?
Ficamos cerca de um ano, instalamos as torres, dali fui para Alagoinhas, na Bahia, a uns 130 quilômetros de Salvador. Alagoinhas era uma cidade muito boa, gostosa, não era muito quente, ficava mais na parte da serrinha que existe lá.
O senhor estranhou a alimentação?
Não estranhei, morava em uma pequena pensão, a comida era bem caseira, mesmo usando o tradicional óleo de dendê nunca tive problemas. Em Alagoinhas instalamos torres também, lá eu fiquei uns seis ou sete meses. Fui encaminhado para Santa Inês, no Maranhão. Ficava na época a uns 300 quilômetros de São Luís. Era uma cidade pobre. Não tinha energia elétrica, era tudo na base do motor, com gerador. Tinha o Rio Pindaré-Mirim, havia uma barca no meio do rio, o lazer era pescar.
Do Maranhão para que local o senhor foi?
Fui para Moreno, uma cidadezinha de Pernambuco, próxima a Jaboatão. Essa cidade recebeu esse nome porque tinha um cotonifício chamado Moreno, a empresa fechou, mas o nome permaneceu.
O senhor sentia diferença de um estado para outro no Nordeste?
Tinha sim. Pequenos detalhes, porém diferenciavam um estado do outro. A própria maneira de falar é uma delas. Musicas. Costumes. Há diferenças. As praias do Nordeste são muito bonitas. Em Pernambuco eu ia muito à Praia da Boa Viagem. 


Cada local tem uma festa típica, um santo de devoção. Recife é muito bonita, tem o frevo como característica própria. Olinda , cidade ao lado, tem construções muito importantes. Tive a oportunidade de conhecer a Paraiba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe.

Após esse período no Nordeste para que local a empresa o enviou?
Trabalhei uma temporada em Bertioga, no litoral de São Paulo. O acesso na época era difícil, era através de balsa, de Guarujá para Bertioga. Lá ficamos em uma república. De lá fui para Sinop.

Porque a cidade chama-se Sinop?
A origem é a Sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná, nome da empresa responsável pela colonização do norte de Mato Grosso por agricultores do norte do Paraná, ali foi muita gente de Maringá. Eram 500 quilômetros de terra de Corumbá até lá, quando chovia era triste. No tempo da seca era uma poeira enorme. Sinop não tinha uma rua asfaltada, não tinha nada.
Qual era a diversão dos moradores?
Tinha um cinema. Já havia energia elétrica, tinha uma emissora de rádio, depois criaram uma emissora de televisão. Essa empresa imobiliária fazia o seguinte: para quem ia desbravar o campo eles davam um terreno na cidade para a pessoa construir uma casa. A cidade de Sinop foi uma pequena Maringá. Na época fizemos uma usina de álcool tendo como matéria prima a mandioca. A nossa empresa fez a parte elétrica.
O senhor é religioso?
Fui bastante. Sou católico, freqüentava muito a igreja. Tenho devoção a São José.
O seu gosto por música clássica como surgiu?
No inicio eu não gostava muito, depois passei a ouvir a Rádio Cultura, emissora de São Paulo, passei a gostar, hoje tenho uma boa seleção de músicas clássicas.
O que a música clássica traz ao senhor?
Sinto um bem estar, gosto bastante.
O senhor também gosta de música popular?
Também gosto, mas de música raiz.
O senhor toca algum instrumento?
Não, já tive vontade de tocar piano, no tempo em que freqüentava o Coral da Vila dos Remédios. O Padre Guerino, um italiano, tocava o órgão com muita perfeição. Isso na Igreja Nossa Senhora dos Remédios. Na época era uma capela, hoje é uma igreja muito grande. 
Até que ano o senhor permaneceu na SADE ENGENHARIA?
Trabalhei lá até 1982. A sede ficava bem no centro, na Avenida Ipiranga, a fábrica ficava em Jacareí.
Tive que trabalhar mais sete anos, fui trabalhar no Hospital Sepaco, na Vila Mariana. Lá trabalhei na parte de atendimento a pacientes, agendar, encaminhar aos médicos. Eu era encarregado da turma. Foi uma experiência diferente, fiz plantão a noite. Na época não tinha UTI no hospital era muito difícil transferir o paciente para outro hospital. Em 1991 eu aposentei-me.
Como o senhor escolheu Piracicaba para morar?

É que a minha irmã mora aqui. Eu estava morando em Peruíbe, sozinho. 

sábado, maio 30, 2015

ÁUREA DE MORAES LIBARDI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 

JOÃO UMBERTO NASSIF 

Jornalista e Radialista 

joaonassif@gmail.com 

Sábado 30 de maio de 2015

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 

As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADA: ÁUREA DE MORAES LIBARDI

                

Áurea de Moraes Libardi, nasceu em Piracicaba a 12 de janeiro de 1940, filha de José Humberto Libardi e Lázara de Moraes Libardi. Seu pai trabalhava com seus avós paternos na lavoura de fumo, no Bairrinho. Filha única do casamento do seu pai em suas segundas núpcias. Ele foi casado em primeiras núpcias com Paulina Zandoná. A mãe de Áurea foi professora na Água Branca, Pederneiras. A última escola em que ela lecionou foi no bairro então denominado “Bimboca”, hoje Nhô Quim. Lá ela faleceu antes mesmo de aposentar-se. Seu tio Romeu Cândido de Moraes foi um homem muito conhecido em Piracicaba, quando começaram a aparecer os receptores de rádio, ele era um dos poucos técnicos que consertavam esse aparelho inovador, geralmente adquirido por famílias de posses. Romeu viveu uma grande paixão: o cinema, mais propriamente a sala de projeção e as complicadas e difíceis técnicas de realizar uma projeção de um filme com o menor número de falhas possíveis, um quase precursor do filme “Cine Paradiso”. Romeu amava o cinema. Formou-se professor, mas nunca exerceu a função. Outra paixão inexplicável era pelos automóveis da marca Dauphine e Gordini, chegou a ter seis veículos dessas duas marcas. Quem faz um relato da sua própria trajetória e a de seu tio Romeu é Áurea de Moraes Libardi.


A senhora começou seus estudos em que escola?
O primário  estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, minha primeira professora foi Dona Áurea Godinho, no terceiro ano tive aulas com a professora Irene Gatti Bergamin, no quarto ano minha professora foi Dona Antonia Martins.
Existia nas imediações do Grupo Moraes Barros um estabelecimento característico daquela época, o tradicional empório ou pequena venda, a senhora chegou a conhecer?
Conheci! Era de propriedade do “Bento Chulé”, minha avó não gostava quando dizíamos que tínhamos ido até o “Bento Chulé”. Ela dizia que tínhamos que chamá-lo pelo nome correto: Bento Sampaio. O seu estabelecimento ficava na Rua do Rosário na esquina com a Rua Voluntários de Piracicaba, onde mais tarde a família Maluf adquiriu e construiu a casa que existe até hoje. Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra, era um bosque. Lembro-me do Itapeva, eu ia brincar aqui embaixo, com as minhas amigas ( Nas proximidades de onde hoje é o Clube de Campo de Piracicaba). Íamos sem que nossos pais soubessem.
Como era o Seu Bento Sampaio?
Ele tinha esse barzinho, morava ao lado, era um senhor encorpado, cabelos brancos, era uma pessoa muito boa, tratava todo mundo bem. Tinha aqueles doces típicos de vitrine de bar, que a criançada olhava com olhar guloso.  Minha avó não deixava comermos aqueles doces. Quando minha mãe faleceu vim morar com a minha avó materna, Maria Cândida de Moraes, ela morava na Rua Tiradentes.

Após concluir o primário em qual escola a senhora estudou?
Fui fazer o ginásio no Instituto de Educação Piracicabano, na Rua Boa Morte. A seguir fiz o curso normal, e me formei professora em 1961. Meu pai faleceu no dia 10 de junho de 1961.
Após formar-se, a senhora foi lecionar em qual escola?
De 1962 a 1964 fui professora substituta no Grupo Escolar Prudente de Moraes. O diretor era Seu Dagoberto de Souza Coelho. Após esse período, com outras colegas fomos para São Bernardo do Campo, isso foi em 1965.  Lá fui professora substituta tanto na escola estadual como na escola municipal. Em São Bernardo dei aulas na escola do Jardim Ipê. Pela prefeitura lecionei no bairro Baeta Neves. Permaneci lecionando lá por uns três anos. Prestei concurso no Estado em 1964 só fui conseguir ser efetivada em 1968, em Salesópolis. Passei a residir lá. Fiquei de outubro até março do ano seguinte só que para chegar até a escola andava a pé seis quilômetros para ir e mais seis para voltar. Quando chovia era triste! Pedi remoção e volte para São Bernardo do Campo mesmo. O Dr. Cesarino foi Secretário da Educação, ele foi daqui de Piracicaba. Dei aula no bairro de Ferrazopolis, em São Bernardo do Campo de 1970 a 1976. Dei aulas em Santo André em um bairro chamado Cidade dos Meninos, pedi remoção para uma escola em São Bernardo do Campo, aonde as escolas eram bem atendidas pela prefeitura. Infelizmente, quando voltei lá, para mostrar ao meu filho a escola onde trabalhei, eu chorei. Tudo deteriorado! Antes a prefeitura cuidava daquilo com zelo. São Bernardo do Campo já teve a vocação de cidade do setor moveleiro, fabricava muitos móveis. Em 1976 eu voltei à Piracicaba. Fui dar aula no bairro do Recreio, próximo a Charqueada. Conheci Roberto de Morais, a família dele, eles tinham armazém lá, chamavam de Turqui, que é o sobrenome da família da mãe dele. Lá dei aula de 1980 até 1989. Dei aula por um ano no Jardim Sonia, em Santa Terezinha, o diretor era o Seu Tuffi Dumiti.
A senhora chegou a usar o famoso flanelógrafo para dar aulas?
Usei muito! De um lado era flanela e tinha uma espécie de lixa para fixar, era utilizado como material didático. Antigamente as crianças iam à escola para aprender, a educação era dada em casa.
A senhora vivenciou um período político agitado?
Conheci o Lula!  Eu ficava esperando o ônibus onde era a Brastemp, isso foi quando eu dava aulas em Ferrazópolis e mesmo no Jardim Ipê. O Lula passava todos os dias por ali. Passava a pé, todo mundo mexia com ele: Hei Lula! Já usava barba. Parece que ele ia até onde era o sindicato. E de vez em quando ele ia preso. Ele passava, cumprimentava.
Cumprimentava a senhora também?
Cumprimentava! Eu tenho a impressão que gostavam dele, todo mundo o cumprimentava, era bem popular.
A senhora é sobrinha de uma das pessoas que tinha uma importante função nos cinemas de Piracicaba?
Sou sobrinha de Romeu Cândido de Moraes. Ele sempre gostou de rádio, eletrônica, era técnico em conserto de rádios. Ele formou-se como professor na Escola Normal, hoje Sud Mennucci, só que nunca lecionou. A turma dele, de 1946, todo ano reunia-se, assistiam a missa na catedral e depois iam até o restaurante Brasserie para confraternizarem-se. A grande paixão dele era o cinema. Romeu Cândido de Moraes nasceu a 23 de abril de 1917, em Piracicaba. Ele mantinha uma oficina de consertos de rádios na casa da minha avó, isso no tempo em que o rádio funcionava com válvulas.
                                              Romeu Cândido de Moraes
Além do rádio, Romeu era apaixonado por cinema, isso o levou a trabalhar nos cinemas de Piracicaba?
Ele começou como ajudante de operador na Empresa José R. Andrade, o famoso Andrade de São Paulo, foi registrado no dia 1° de abril de 1938. Ele trabalhava nos cinemas a noite e a tarde quando tinha matinê. Às vezes ele ficava até altas horas consertando rádios.

Quando a senhora era mocinha chegou a ir ao cinema assistir filmes com o seu tio Romeu operando os projetores?
Ah, sim! Nós tínhamos o que chamavam de “permanente”, dava acesso livre a qualquer cinema onde ele trabalhava. Eram dois projetores, ele que fazia a troca dos rolos de filmes. Com isso eu assistia a muitos filmes, foi um tempo muito bom. Tive uma professora, Dona Melita, ela tocava piano e o marido tocava violino, isso no tempo do cinema mudo. Meu tio Romeu falava muito do Cine Íris, que segundo sei, ficava na atual Rua Governador Pedro de Toledo
Os filmes eram em forma de rolos e vinham de São Paulo?
Vinham de ônibus, pelo Expresso Piracicabano, eram rolos, dentro de uma embalagem metálica, um único filme muitas vezes era composto por várias latas, cada lata tinha uma parte do filme, era função do projetista deixar a continuidade do filme “no ponto” para não parar a projeção. 

Acontecia de quebrar parte da fita durante a projeção?
Era relativamente comum. Tinha que colar um pedaço do filme no outro. A platéia manifestava-se em uma grande algazarra. O Cine São José, hoje Teatro São José, era carinhosamente chamado pelo povo de “pulgueiro”. Minha tia gostava mais do São José do que do Broadway, ela achava o São José mais espaçoso, mais gostoso. Bastante gente daqui, como a família Tolaine, morava na esquina da Rua Tiradentes com a Rua Monsenhor Rosa, lá também tinham o Armazém do Tolaine, Dona Chiquinha Tolaine gostava de ir ao Cine São José. Eu ia a todos os cinemas, Politeama, Broadway. Minha tia, Lidioneta de Moraes Francisco casada com João Francisco, irmã do meu tio Romeu, era fanática por cinema, ela gostava muito de costurar, e se vestia muito bem. Ela via os modelos nos filmes e fazia idênticos. O Broadway depois mudou seu nome para Tiffany.

Artistas de filmes brasileiros vinham à Piracicaba para o lançamento do filme?
Lembro-me do filme “Armas da Vingança”, com a participação do piracicabano Gregório Marchiori. No Colégio Piracicabano estudava um índio, que foi criado pelos missionários ainda menino, ele estudava no Colégio Piracicabano, chamava-se Tapir Caiuá, ele fez cenas junto com o Gregório. A Olga Marchiori, mãe do Gregório, fazia fisioterapia com o filho do Tapir.
Seriados vocês não perdiam?
Seriados não se podia perder! Naquele tempo vendia-se bala dentro do cinema, os meninos com um tabuleiro ofereciam balas.
Seu tio Romeu, tinha outra paixão além do rádio e do cinema?
Ele gostava muito dos carros Dauphine e Gordini. Ele chegou a ter seis veículos dessa marca. O ultimo eu vendi. Era um Dauphine, a um senhor que já tinha insistido muito com o meu tio para vender esse carro. Ele não vendia. Após o seu falecimento, pensei o que vou fazer com esse carro?  Passado algum tempo, o homem que sempre se interessou por esse carro me procurou. Ele é de Limeira. Eu vendi. Após algum tempo ele trouxe-me o carro para que eu visse. A paixão desse homem de Limeira era esse Dauphine que saiu em1962, ele restaurou o carro todinho, colocou tudo original. Trouxe peças até da Argentina. Isso foi em um dia Sete de Setembro, muitas pessoas pararam para ver o carro.

O Seu Romeu faleceu em que ano?
Ele faleceu em 04 de março de 2006, com 88 anos. Ele andava sempre de paletó, até mesmo para ir fazer compras no supermercado. Antigamente até mesmo os balconistas e atendentes de lojas usavam roupa social, gravata. No cinema ninguém entrava se não estivesse usando gravata.
O tio da senhora, o Seu Romeu, comentava sobre os filmes que estavam em cartaz?
O Romeu era muito calado no ambiente doméstico. Na rua ele conversava. Quem era muito amigo dele era João Breglia. Ele ficava junto com um grupo seleto de amigos, em frente ao Cinema Politeama.
Ao lado do Cine Politeama existia uma bomboniere que deixou saudades?
Era o Passarela! Como eu gostava de ir lá! Ele tinha umas balas de coco queimado que era uma delicia. As queijadinhas, empadas.
O Romeu tinha algum colega de profissão com quem mantinha uma amizade mais próxima?
Tinha o Horácio Gorga. Ele gostava muito do Seu Max Graner. O Dr. Filipini era também um grande amigo. Ele conheceu Erotides de Campos. O Romeu gostava muito de ler, tinha enciclopédias, falava inglês. Meu avô, pai de Romeu teve açougue, minha avó contava que o açougue ficava na Rua Tiradentes, depois tiveram açougue em frente ao Grupo Moraes Barros, eles moraram aí. Depois se mudaram para o início da Rua do Rosário, antes do viaduto (que não existia naquela época), ali o bonde virava para ir para a Vila Rezende, era próximo a empresa ABIL existente hoje. Era uma casa que ia até o Itapeva, parecia um sítio. Nessa época que meu avô trabalhou muito com gado, cavalo, o pai do meu tio Romeu tinha propriedades, estava bem de vida. Meu avô em 1895 comprou um jazigo no Cemitério da Saudade para enterrar uma filha. Lembro-me  de que na Rua São José, quase na esquina da Rua Alferes José Caetano havia uma fábrica de gelo.


sexta-feira, maio 22, 2015

GILBERTO FRANZONI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS 
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de maio de 2015
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 
            GILBERTO FRANZONI COM A MEDALHA DE GRANADEIRO DO IMPERADOR

ENTREVISTADO: GILBERTO FRANZONI
O 1° Batalhão de Guardas é a versão atual do Batalhão do Imperador, criado em 1823 por D.Pedro I. É herdeira das mais gloriosas tradições da guarda pessoal do Imperador. D.Pedro I ,em outubro de 1822, mandou reunir no Campo de Santana todas as tropas da guarnição e escolheu, homem a homem, oitocentos militares, que logo passaram a integrar o Batalhão do Imperador. .
                        CERTIFICADO DE INTEGRANTE DO BATALHÃO DO IMPERADOR
Gilberto Franzoni é natural de Piracicaba, nasceu na Vila Rezende a 8 de fevereiro de 1943, filho de Paschoal Franzoni e Carmem Gutierrez Franzoni que tiveram ainda os filhos Antonio e Adilson. Seu pai trabalhou por muitos anos na Dedini. Gilberto iniciou seus estudos na Escola Imaculada Conceição, dirigida por freiras.
A escola era dirigida por freiras, eram aceitos meninos também?
Aceitava! Nós éramos sete meninos na classe e umas trinta meninas aproximadamente. Isso no início da década de 50. Lembro-me que tive aulas com a Irmã Boaventura, tinha a professora Dona Maria, que não era freira. Fui coroinha na capela do próprio colégio, o Instituto Baroneza de Rezende.  Na época as freiras eram todas brasileiras.
Aonde foi o seu primeiro emprego?
Fui trabalhar em um escritório de contabilidade, isso por volta de 1954 a 1955. Permaneci por uns dois anos trabalhando lá, o proprietário era Roberto Carvalho, conhecido como Coba, era na Avenida Rui Barbosa.
Quais eram as diversões comuns na época?
Saíamos da Vila Rezende e íamos aos cinemas: Politeama, São José, Colonial, Palácio, assistia a primeira sessão em um cinema, a segunda sessão em outro, depois pegava o bonde e ia para a Vila Rezende, às onze horas da noite.
Havia uma rivalidade muito grande entre os moradores dos diversos bairros, inclusive da Vila Rezende?
Era uma rivalidade bem forte. O bairrismo predominava.
A única linha de bonde das três que existiam: Paulista, Agronomia e Vila Rezende, a da Vila tinha dois bondes correndo no sentido contrário, e em determinado ponto havia um desvio na linha para dar passagem a um dos bondes, aonde era esse local?
Era na Rua Campos Salles.
Qual era a sua atividade no escritório de contabilidade?
Eu ia até as empresas que eram clientes do escritório, buscar os livros contábeis. A maior parte dos clientes era da própria Vila Rezende, havia clientes até do Areião.  Ia a pé. Às vezes me aventurava a utilizar a máquina de escrever, “catando milho”. Era uma máquina Remington. Após dois anos que permaneci no escritório fui trabalhar na Dedini, como ajudante do torneiro que era o Seu Henrique Stoccomo. Funcionava onde hoje é a Avenida Mário Dedini. Fui estudar no SENAI, fiz o curso de três anos, e passei a trabalhar em torno. O SENAI já era próximo ao Colégio Dom Bosco. Comecei o curso em 1956 e conclui em 1959. Naquela época eu ficava seis meses na escola SENAI e seis meses na empresa. Formei-me como torneiro mecânico. Fui trabalhar na seção que chamávamos de “Seção das Bombas”, onde eram feitas as peças voltadas à usina de açúcar. Eu só fabricava quem fazia as instalações e manutenções era o setor de ajustagem.
O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?
Eu o via quando passava pela seção. Era um homem forte, muito bom.
Os funcionários do Dedini iam muito ao Restaurante do Papini. O senhor ia também?
Eu ia ao Grisotto, que também ficava na Avenida Rui Barbosa. O Restaurante Grisotto foi fundado em 1947. O proprietário era Elpidio Grisotto. Naquela época a coxinha de frango feita pelo Grisotto era imbatível.
O bom ali era coxinha e chopp?
Naquele tempo lá não havia chopp, tomava-se cerveja Antártica, Faixa Azul!
A que horas o senhor entrava no serviço?
Entrava às seis e meia da manhã, ia almoçar em casa, naquele tempo não havia restaurante na empresa, eu morava em uma das casas de propriedade do Dedini. O Dedini havia construído muitas casas para seus funcionários. Era na Rua Dr.Kok, hoje Monsenhor Jerônimo Gallo,terminava na Capela São Luiz, quem construiu a capela foi Mário Dedini. Lá havia festas, ele participava.
Ali era uma região com muito mato?
Era muito mato, mais abaixo no Nhô Quim era tudo brejo. No Algodoal havia o famoso Bairro do Pitá. Tinha a plantação de sisal, de propriedade de Virgilio Lopes Fagundes.
Em que data o senhor passou a ser funcionário da Dedini?
Dia 10 de novembro de 1955 e saí em janeiro de 1965.  Trabalhei em uma oficina na Rua Moraes Barros chamada Roma,fazia cabeçotes de carros, sai fui para a Nardini, em Americana, fiquei um mês, fui para São Paulo trabalhar em uma empresa próxima ao Parque Antártica, fazia filtros de carros, chamava-se Impeca, fiquei dois meses lá. Voltei a Piracicaba e fui trabalhar na empresa Motocana, lá trabalhei de 1966 até 1987 onde me aposentei. Era de propriedade de Leopoldo Dedini e Arnaldo Ricciardi. Fabricava carregadeira de cana-de-açúcar. Foi uma das pioneiras no Brasil, tinha uma concorrente, a Santal, de Ribeirão Preto. A Motocana localizava-se na Rua Primeiro de Agosto, na Vila Rezende. Adquiriam um trator de linha, vindo da fábrica, e colocavam-se os implementos para transformá-lo em carregadeira de cana. Eu fazia a parte hidráulica. Usinava por dentro o tubo aonde ia o mecanismo hidráulico. Era sócio também o Bragion, que saiu e junto com o Sérgio D`Abronzo montaram a Hima-Transhid, uma empresa que teve muitos equipamentos comercializados. O Leopoldo Dedini colocou Roberto Carvalho como diretor da empresa.
Um fato que marca a vida do senhor até hoje é ter ido servir no Batalhão de Guarda, como isso se deu?
Foi em 1963, eu tinha 19 anos. Eu me alistei no Tiro de Guerra de Piracicaba, formamos uma fila, eu estava na frente, meu irmão logo atrás. O oficial que estava selecionando mandou que eu escolhesse o Rio de Janeiro ou Brasília para ir servir. Meu irmão foi dispensado do serviço militar.
                                                           GILBERTO FRANZONI
O que passou pela sua cabeça na hora?
Fiquei em dúvida. No ano anterior, em 1962 já tinha ido um pessoal servir o Exército em Brasília. Decidi optar por ir para o Rio de Janeiro, fui servir no Primeiro Batalhão de Guarda, no bairro São Cristovão.

Estamos falando de 1963, a véspera da Revolução de 1964.
Eu dei baixa em dezembro, a revolução foi em março do ano seguinte. Eu tinha servido onze meses e pouco.
Após ser selecionado aqui em Piracicaba, como foi essa viagem ao Rio de Janeiro?
Fomos de trem da Companhia Paulista até Campinas. Em Campinas fomos para o G Can, um ônibus nos levou até lá. Ficamos uns três ou quatro dias no G Can, até que um ônibus da Viação Cometa nos levou até São Paulo, para embarcar na  Estrada de Ferro Central do Brasil na Estação  Roosevelt. Foram vinte horas de viagem de trem de São Paulo ao Rio de Janeiro. Descemos na Estação Central do Brasil  no centro da cidade do Rio de Janeiro. A cidade era muito bonita, eram outros tempos, sem tanta violência. Lá estava nos esperando o caminhão do Exército. Assim que chegamos já fizemos os exames médicos, cortamos o cabelo a moda militar e fomos fotografados. Dali a uma semana nós recebemos o fardamento. Tinha a farda para tirar guarda, farda de passeio, calção azul para ginástica.
O Batalhão da Guarda tinha alguns requisitos especiais?
Quando era tocada a corneta tinha um tempo para descer do alojamento, já fardado e armado. Usávamos a metralhadora INA. O pessoal que tirava guarda no quartel usava o mosquetão.
Era obrigado a saber a desmontar e a montar a arma?
O mosquetão sim. A metralhadora era simples. No quartel quem tirava guarda era a CIA. CPP. A Primeira, Segunda e Terceira Companhias tiravam guarda fora do quartel: no Ministério da Guerra, Monumento aos Mortos, Estande de Tiro, Palácio Laranjeiras, que era onde ficava o Presidente da República.
Na época o presidente era João Goulart?
Ele tinha assumido com a renuncia de Jânio Quadros, foi um período de muitas greves.


O senhor chegou a conhecer a primeira dama Maria Thereza Goulart?
Só de vista. Era uma mulher atraente.
Quantos soldados compunham o Batalhão da Guarda?
Éramos mil soldados. Hoje ao que consta são seiscentos soldados do Batalhão da Guarda.
Vocês formaram um grupo com características próprias, que se mantém unidos até hoje?
Ao chegarmos não conhecíamos ninguém, conhecia daqui de Piracicaba o Roberto Simioni, o Lalá, da Loja do Lalá, o Leleca Rossin, Moacir, Manarim, Galvani.
Qual era o seu nome de farda?
841 Franzoni.
Foi criado um grupo de Veteranos de Piracicaba e cidades da região que foram soldados do Batalhão da Guarda?
Na ultima ida nossa foram 15 companheiros para o Rio de Janeiro. O José Rolin vem de van de São Paulo, passa me pegar, passa pegar o Gamaleão, vamos buscar mais três companheiros em Rio Claro e quatro em Limeira. Quando fomos convocados, de Piracicaba éramos 180 soldados. Estimo que estejam vivos mais de uma centena desses soldados.  
No Rio de Janeiro vocês ficam hospedados onde?
Ficamos alojados no quartel. Não há nenhum custo. Só tomamos o café da manhã e saímos passear, não almoçamos nem jantamos no quartel. No ano passado reformaram o alojamento, ficou muito bonito. O quartel é de 1870, é a antiga Cavalaria, RCG. O General Figueiredo foi desse quartel. O nosso quartel, onde ficamos quando servimos, foi vendido para a Guarda Civil a poucos anos.
Quando vocês chegam qual é a reação dos militares que estão na ativa?
Geralmente chegamos à noite, o sargento do dia nos recebe e leva-nos para o alojamento. É mandada uma lista antecipadamente dos visitantes. Isso geralmente ocorre na quinta feira. Na sexta feira é feita a festa da entrega do “braçal”, se tiver 400 soldados para receberem o braçal, terão também 400 madrinhas. No nosso tempo não havia esse tipo de cerimônia. Geralmente no dia seguinte a nossa chegada, somos recebidos por um coronel, que nos conduz a uma sala, onde estabelecemos um dialogo. Somos convidados a entregar as medalhas aos soldados que se destacaram. É montado um palanque onde ficam as autoridades militares, nós somos convidados a permanecer juntos a eles.
O Exército valoriza seus ex-soldados?
Eles gostam muito de nós. Sempre dizem que não precisamos ir apenas a dia de festa, de entrega dos braçais, que ocorre geralmente no Dia das Mães, mas que terão o prazer em nos receber sempre.
Geralmente quantos dias vocês permanecem no quartel?
Em torno de quatro dias. Cada coronel tem uma norma própria de conduta, alguns mandam dois tenentes nos acompanharem, armados. Sempre nos recomendam sobre os cuidados a serem tomados, quais locais e horários são mais convenientes, como por exemplo, o passeio no bondinho sobre o Complexo do Alemão, a noite não é recomendado passear no mesmo. Nesses passeios turísticos não estamos acompanhados de escolta.
O que o senhor sente ao ser valorizado por uma instituição como o Exército?
É uma satisfação indescritível. Após o soldado receber o braçal há o desfile, e nós abrimos o desfile, vamos em trajes civis, existe uma camisa personalizada que usamos, está escrito BG. Logo em seguida, acompanhando-nos vem a tropa com uns 400 soldados. Geralmente o tenente-coronel nos acompanha.
Há um hino característico do Batalhão de Guarda?
Existe um CD com músicas executadas pela Banda Sinfônica do 1° Batalhão de Guardas comemorativo aos 180 anos de existência do Batalhão de Guardas, fundado em 1832 e que realizou esse CD em 2012.
Em algum momento o senhor pensou em seguir a carreira militar?
Fomos convidados para ir servir no Canal de Suez, mas da nossa turma ninguém aceitou. Houve muitas melhorias na profissão militar. Quem cursa a Academia de Agulhas Negras já sai com o posto de tenente. No meu tempo era mais difícil, um capitão já tinha mais de cinqüenta anos.
Há locais históricos conservados pelo Exército?
O Forte de Copacabana com canhões Krupp, a Fortaleza Santa Cruz, em Niteroi,  uma das mais antigas instalações militares do Brasil, onde a prisão permite que o preso fique só deitado, ele não consegue ficar em pé, pela altura do teto. A Academia Militar de Agulhas Negras. São lugares muito bonitos, que visitamos.

Em 1963 a situação política do país estava delicada, isso o preocupava?
Não, só fui até o aeroporto, Cinelândia, na Central do Brasil, tinha muita greve, os trens paravam. Havia uma tensão no ar.
O soldado do Exército era respeitado pela população?
Muito.



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