domingo, julho 26, 2015

IRMÃ LUIZA MARIA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADA: IRMÃ LUIZA MARIA



A Congregação das Irmãs de São José remonta aos meados do século XVII, na cidade de Le Puy-en-Velay, França. O Padre Jean Pierre Médaille conseguiu reunir algumas das jovens e viúvas com as quais se encontrara em seu trabalho missionário. Decidiram, então, apoiar-se mutuamente na realização de um novo projeto. Pobres invadiam povoados e grandes centros. Era uma situação calamitosa e devastadora, exigindo solução para tanta miséria e fome. Luísa Josefina Voiron era o nome de batismo da Madre Maria Teodora Voiron. Nascida em Chambéry, França, em 6 de abril de 1835. O Brasil é contemplado com a presença das Irmãs de São José. Madre Maria Felicidade encarregada de escolher as religiosas para importante missão designa sete Irmãs, tendo como superiora Madre Maria Basília.que faleceu durante a viagem dois dias antes de chegar ao Brasil.
Irmã Maria Teodora no dia 24 de maio chega na Baía da Guanabara preparando-se para a viagem a Itu. Chegou à cidade na tarde de 15 de junho de 1859. As Irmãs se instalaram temporariamente no prédio da Santa Casa de Misericórdia de Itu até que fossem concluídas as obras do colégio. Muito bem acolhida por todas as irmãs, ela só não agradou ao bispo D. Antônio Joaquim de Melo, que a achava jovem demais para ser superiora, pois contava apenas com 24 anos, e decidiu que Madre Justina seria superiora. Passados alguns meses D. Antônio procura Irmã Maria Teodora e lhe confia o cargo de superiora. Isso aconteceu no dia 13 de novembro, dia da festa de Nossa Senhora do Patrocínio, e dia da inauguração do colégio que recebeu seu nome.
Irmã Luiza Maria, cujo nome de batismo é Eunice Barreto Valle nasceu em Garanhuns, Pernambuco, no dia 14 de agosto de 1925, estará fazendo 90 anos em agosto próximo. É filha de Hermínio de Souza Valle e Aparicia Barreto Valle, que tiveram ainda mais dois filhos: Eraclides Valle Faria, mais conhecida como Kida e José, já falecido. Pertence a Congregação de São José de Chambery. Quando tinha três anos sua família mudou-se para São Paulo.
A senhora começou a freqüentar a escola quando?
Aos seis anos passei a freqüentar a Escola Prudente de Moraes, localizada na Avenida Tiradentes, em São Paulo. Depois nós mudamos para o bairro Tucuruvi, freqüentamos a Escola Silva Jardim. Onde o Dr. Ulisses Guimarães era o diretor. Antigamente para fazer o ginásio tinha que ter no mínimo onze anos, Eu terminei o primário com nove anos. Quando entrei estava alfabetizada, no mesmo ano me passaram para o segundo ano. Fui estudar no Colégio São Paulo da Cruz, no Tucuuvi, das irmãs passionistas. Fiz o quarto e o quinto ano escolar novamente com elas. Foi ai que despertou a vocação, vendo as irmãs. O primeiro chamado que Deus me deu foi através da presença das irmãs.
Depois meu pai foi transferido para Taubaté, fui para o Colégio Bom Conselho das Irmãs de São José. Identifiquei-me mais com o carisma das Irmãs de São José. Com 15 anos pedi para o meu pai para entrar para o juvenato.
Qual foi a reação dele?
A princípio ele era contra, achava que era coisa de criança ainda. Minha mãe me apoiava. Depois ele foi conversar com a superiora e deixou-me ir. Juvenato, que era em Itu, onde continuávamos estudando. Eu estava na terceira série quando fui fazer o juvenato, tinha 15 anos de idade. Juvenato é a fase das que pensam em vocação, mas são muito jovens ainda. Após o juvenato eu contava firme, um desejo era esse mesmo, estava convicta disso. Fiz o postulado aos 20 anos em seguida e noviciado aos 21 anos. Em 1949 fiz os votos de Pobreza, Castidade e Obediência, que hoje denominamos: Amor Universal, Despojamento e Disponibilidade. Trocamos um pouco os nomes.
A senhora fez estudos de nível superior?
Fiz as faculdades de História, Geografia, Biologia e Teologia.
A senhora permaneceu em Itu?
Lecionei só um ano em Itu, fui transferida para Santos, fui lecionar no Colégio São José, na Avenida Ana Costa, onde permaneci por quatro anos. De Santos fui para o Colégio Santana, em São Paulo, onde permaneci por 16 anos. Vim para Piracicaba, lecionar no Colégio Assunção. Aqui estive por duas vezes, sendo que na segunda vez fui diretora do colégio por dois anos. Como diretora eu assumia pelo menos a aula de religião de uma das classes, para ficar em contato com as alunas, eu não gostava de ficar sem dar aulas, isso foi no final da década de 50 e inicio da década de 60. Em seguida fui para Franca onde permaneci por dois anos. Voltei para o Colégio Santana, que foi um colégio em que voltei por cinco vezes. Depois eu pedi para fazer uma experiência de inserção, trabalho no meio do povo. Vivendo como e com o povo. Éramos três Irmãs: Irmã Marta Alexandra, conhecida como “Tereza de Calcutá Brasileira”, de tão dedicada que ela era, Irmã Maria Isabel Muniz e eu Nós três fizemos uma casinha de madeira, os quartos só cabia a cama e um criado mudo. Isso foi na Vila Zilda. Morei cinco anos ali. Um dia a Irmã Marta Alexandra chegou com um garoto que ela achou na rua comendo comida de um saco de lixo. Fiquei cinco anos lá, foi uma experiência maravilhosa.
Como era a convivência com a comunidade?
Era tranqüila, inclusive na época a dependência química de alguns viciados era praticamente só do álcool. Tinha um grupo deles, quando a gente passava por eles, diziam: “Oi Irmã!”. Eles cuidavam da nossa casa. Naquela época já tínhamos abolido o uso do hábito.
Irmã, por que a Igreja aboliu o uso do hábito?
A Congregação este ano está completando 365 anos de fundação. Nosso fundador não queria que ficássemos em evidência, dizia: “-Façam as coisa da melhor forma possível, mas façam de uma forma discreta. Vistam-se como viúvas por que assim vocês podem sair sozinhas”. A mulher só podia sair acompanhada do marido ou do pai, as viúvas podiam sair sozinhas. Quando foi reconhecida como Congregação, a primeira coisa que fizeram foi mandar por o hábito. Era todo preto, uma espécie de touca branca, véu preto, e o que chamávamos de murça, uma barra branca cobrindo o tórax. Um terço na cintura e um crucifixo grande dependurado no pescoço. Hoje nós temos esse símbolo só.
O hábito impunha respeito, mas também dava certo ar de distanciamento?
A pessoa fica e evidência, queira ou não queira o hábito dá evidência, impunha respeito, mas também evidenciava. Quando o Concílio Vaticano II disse que as congregações deveriam se atualizar, voltar ás suas origens, se estava enfraquecida fortalecesse a espiritualidade, vamos ser como as pessoas comuns, vamos tirar o nosso hábito, isso foi feito pouco a pouco, não foi obrigado. Eu fui uma das primeiras a tirar. Tem algumas que até hoje usam o hábito. O importante para nós é o carisma e a espiritualidade e não o exterior, o nosso testemunho é que tem que ser importante, e não a aparência. O nosso carisma é o da união, viver e criar a unidade. Esse é o grande carisma da congregação. A espiritualidade é alimentada pela devoção a Santíssima Trindade, Encarnação e Eucaristia, essas três fontes de espiritualidade é que fortalece a vivência da unidade.
Atualmente a senhora está morando em qual cidade?
Em Campos do Jordão, em uma comunidade de três irmãs, é uma casa.
Visitamos os morros onde existem muitos pobres, visitamos as comunidades, conversamos com as pessoas, propomos a oração do terço, uma vez por semana na comunidade. Faz só dois anos que estou lá. Temos que nos voltarmos para os mais carentes, e quem são os mais carentes? Será que são os miseráveis ou essa juventude rica e grã fina que são carentes de amor, de valores, de religiosidade. Um é carente financeiro, miserável e outros são miseráveis de valores. No colégio Santana tive a oportunidade maior de ver as coisas, nós temos desde o berçário até o colegial. Tinha uma mãe que chegava as seis e meia da manhã trazendo o bebezinho, ia buscar as sete horas, sete e meia, o horário correto era cinco e meia. Isso todos os dias. As professoras notavam que a criança vinha sujinha, coloquei um sinal na fraldinha da criança, ela foi para casa, levou a bebe, no dia seguinte quando ela voltou a primeira coisa que pedi para a professora olhar era se a fralda estava marcada. Ela nem tinha trocado a fralda  da criança. Do jeito que levou ela trouxe. Como essa criança pode ter amor a essa mãe? Que não é mãe, ela só gerou. A desculpa é do trabalho. É uma desculpa esfarrapada. Tem uma lenda muito bonita, um pai que nunca conseguia ver o filho, ele saia antes que a criança acordasse e chegava depois que a criança estava dormindo. Quando ele saia ele dava um nó no lençol da criança, para dizer: “- Eu passei por aqui e te dei um beijo” Quando a criança acordava a primeira coisa que ela olhava é ver se tinha o nó. Ela tinha um grande amor pelo pai, sabia que o pai gostava dela. Porque todo dia ele passava por lá e fazia aquele nó. O trabalho não é desculpa.
Irmã, atualmente o pai tem trabalhar, a mãe tem que trabalhar, é em função do progresso material, de um consumismo sem limites?
Tenho a impressão de que há de tudo. Os meios de comunicação estão divulgando demais a importância do “ter”. Contanto que eu tenha dinheiro e consuma bastante é o que importa. O consumismo tomou conta do mundo. Desde as crianças. Os pais que atendem a todo tipo de pedido das crianças. Não há mais limites. Para poder consumir eu preciso trabalhar, quanto mais eu trabalhar mais eu posso consumir, isso quando não fico devendo depois. Com isso dão pouco valor para o cuidado com a família. Você pode deixar a criança por oito horas no colégio, mas quando você vai buscar a gente nota a diferença, aqueles que abraçam o pai, a mãe, quando chegam. Ficaram na escola em período integral, mas sentem que em casa são amados. Você pode ficar em casa, se ficar o tempo todo em frente a televisão, enquanto a criança está lá fazendo outra coisa. Ou então na internet. Os pais podem e devem continuar trabalhando, mas não deixem de valorizar a criança. Colocou no mundo, você é o responsável. Não adianta dizer: “-Basta um filho!”. Os filhos que eu puder ter. Claro que não serão mais 12 filhos como antigamente. Mas pelo menos uns dois ou três. Para a criança também poder ter contato com irmãzinhas, irmãozinhos. Filho único não é o ideal.
Isso é um fenômeno mundial?
É mundial. Em termos sociais não vejo muitas perspectivas de mudanças, em termos religiosos está havendo uma preocupação maior em todas as religiões. Na Igreja Católica estamos tendo a felicidade de ter esse Papa maravilhoso. Ele está fazendo muito para o ecumenismo, essas religiões que se separaram foram por questões políticas. O que eu admiro nos evangélicos é o zelo apostólico. Eles não têm medo de ficar fazendo propaganda da sua religião, onde quer que estejam. Nós católico somos mais acomodados. O católico é que tem que vir para a nossa igreja. Nosso Papa diz aos padres e bispos: “-Não fiquem na igreja, saiam da igreja! Procurem o povo, e não o povo procurar a igreja!” Ele está estimulando muito essa ação apostólica, essa ação missionária do clero. O nosso clero é um pouco acomodado também.
Existe uma questão que está em pauta, que é o celibato.
Estou rezando para que ele consiga! Para tirar o celibato, os padres não eram celibatários! Quem é celibatário é o religioso, que faz voto de castidade, por opção, o padre quer ser padre, ministro, mas ele não está sendo chamado para ser celibatário. No Concilio de Trento (Convocado pelo papa Paulo III, em 1542, e durou entre 1545 e 1563), inventaram isso, por o celibato para o clero. Estou rezando para esse Papa conseguir, temos 10.000 padres no Brasil, que deixaram a Ordem para poder casar. Estou rezando muito para ele ter essa firmeza, essa coragem, porque tem os cardeais que são contra. Estou com esperança que o Papa consiga superar isso e tirar o celibato do clero. Muitos são diáconos, que gostariam de exercer o ministério total.
Quantas Irmãs da Congregação de São José existem no Brasil?
No Brasil somos 600, no mundo 15.000.
A Igreja Católica perdeu um pouco do seu espaço, a senhora acredita que tenha ganhado em qualidade?
A Igreja Católica está em um processo de caminho muito bonito. Quem é católico é para valer! Havia muito católico que era só de nome. Estamos sentindo um crescimento maior de pessoas que estão assumindo a religião. São mais autênticos.
Diante do quadro delicado que passamos atualmente em nosso país a Igreja tem se posicionado de que forma?
A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tem um trabalho muito bonito também na linha social.
Nós tínhamos dentro da Igreja, a Igreja Progressista (Os progressistas geralmente questionam uma ou mais crença distinta da igreja). A seu ver isso é uma fase?
É fase! Os carismáticos, por exemplo, é uma forma que a Igreja realizou para ter uma visibilidade maior. Eles pegaram muita coisa dos evangélicos. Os carismáticos dos Estados Unidos eram evangélicos. O carisma em si é positivo. Gosto muito dessa parte externa, que é importante nos dias de hoje. Temos que respeitar os tempos também. Cada tempo tem seu jeito. Ficar em um cantinho só rezando era um tempo. Agora quanto mais movimento tem, mais o povo gosta. Então vamos respeitar! Como Jesus dizia: “- Vocês estão no mundo, mas não são do mundo! Não vivam como o mundo! Mas vivam no mundo!” sendo testemunha do evangelho, sendo testemunha do Cristo no mundo.
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A senhora tem um lema?
Tenho! “Em tudo amar e servir”. Escolhi, rezando, senti muito essa necessidade. O que Jesus pede? Amar! Amar a todo mundo. Sem exclusão de ninguém. Seja santo, ou seja, bandido.  É Filho de Deus. Em tudo amar. E servir aonde precisar. O que precisar estou a disposição. Essa disponibilidade é uma graça que Deus me deu. . Por isso quando minha superiora pergunta: “- Reze para saber o que você sentiria se eu a transferisse para tal lugar”. Não preciso rezar, está precisando lá, pode mandar. Se for ver eu não quero sair de onde estou, mas se está precisando porque não vou? Chego lá , me adapto, lembro-me do meu tempo de criança, era a última a sair de casa, eu passava beijando as paredes e chorando. De saudade. Quando chegava a outro lugar em um zás – traz fazia amizades, ficava gostando.  Acontece a mesma coisa na vida religiosa, quando saio de um lugar eu sinto falta, quando chego no outro, já estou tão bem,!
A senhora é muito comunicativa?
Sou mais de prestar atenção, de ouvir, escutar.
A senhora tem algum livro escrito?
Tenho mais anotações. Minha sobrinha Cristina é que fez um livro da minha vida, ela fez um apanhado de tudo que escrevi das minhas orações, fez uma brochura. Eu gosto muito de rezar escrevendo. Primeiro comecei com o salmo da minha vida, depois contei toda a minha história, escrevi: “Passo a passo, pouco a pouco e o caminho se faz”. Gosto muito de rezar escrevendo. Ali eu falo com Jesus. Eu tinha isso no Pen Drive, minha sobrinha pegou todas essas minhas orações.
A senhora usa computador, internet?
Uso! Temos que aprender a cada dia, Quando tenho alguma duvida consulto o Google. De um modo geral eu procuro responder os e-mails que mandam. Tenho um gruo de ex-alunas, formadas há 44 anos, no Colégio Santana, naquele período em que fiquei 16 anos. Eu dava aulas de história, geografia, biologia e ainda religião. Até hoje, todos os anos agora em novembro ou dezembro, , a gente se encontra, matando a saudade.




CIDADE E INSTITUIÇÕES ONDE IRMÃ LUIZA MARIA TRABALHOU

ERACLIDES VALLE FARIA (KIDA)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: ERACLIDES VALLE FARIA (KIDA)






Eraclides Valle Faria, mais conhecida como Kida  nasceu a 24 de agosto de 1926, em Correntes(Segundo dados da prefeitura local, população com cerca de 18.000 habitantes no último censo), uma cidadezinha próxima a Garanhuns. É filha de Hermínio de Souza Valle e Aparicia Barreto Valle, que tiveram ainda mais dois filhos: a que seguiu a vocação religiosa Irmã Luiza e José, já falecido.
Qual era a atividade dos seu pai?
Meu pai era militar. Ele faleceu no posto de Major da Policia Militar do Estado de São Paulo. Meu pai mudou de Correntes, onde era comerciante, dono de uma loja, veio para São Paulo, aqui ingressou na Polícia Militar. Onze meses após ter ingressado ele trouxe minha mãe, eu e minha irmã, fomos morar em uma travessa da Avenida Tiradentes, na Rua Alfredo Maia onde moramos por sete anos.

Em qual escola a senhora começou a estudar?
Foi na Escola Estadual Prudente de Moraes na Avenida Tiradentes, 273, Bairro da Luz. Ali fiz o primeiro ano. Depois da Revolução Constitucionalista de 1932 meu pai fez uma casa.
Ele participou da Revolução de 1932?
Participou! E como participou! Voltou traumatizado. Um espirro que alguém dava ela já pulava e saia gritando. A revolução para quem esteve na frente de combate foi muito traumatizante. Ele permaneceu na linha de frente por quatro meses, nas proximidades da divisa com Minas Gerais.
Nesse período em que seu pai estava em combate, onde a senhora, sua mãe e sua irmã permaneceram?
Ficamos em uma casa localizada ao lado do Quartel do Exército, no bairro Santana. Quando havia tiroteio, os aviões passavam jogando bombas, parecia prata caindo, meu pai aconselhava que nessas horas ficássemos embaixo da mesa, era o lugar mais seguro. Enquanto minha mãe rezava para a guerra terminar, minha irmã e eu pensávamos ao contrário, porque meu pai mandava queijos lá de Minas. Nós não vimos nada, não vimos a guerra. O enfrentamento foi na frente de batalha.
Nesse período da Revolução de 1932 vocês não freqüentaram a escola?
Nessa época não freqüentamos. Meu pai após a revolução construiu uma casa no Tucuruvi, na Rua Vitória, número 9.
Ali em Santana,  na Avenida Voluntários da Pátria, eram ruas de terra?
Era! Havia feira livre em plena Avenida Tiradentes! Os bondes tinham seus terminais em Santana, tanto o aberto como o “camarão, este fechado e recebia esse nome por ser vermelho lembrando o crustáceo.
A senhora chegou a conhecer o “Trenzinho da Cantareira”?
Quantas vezes eu vi a “Maria Fumaça”! Meu pai só viajava naquele trem para ir até o quartel. O dia em que ocorreu um enorme desastre com aquele trenzinho, matou muitas pessoas, naquele dia meu pai amanheceu doente, com forte crise de sinusite, disse “- Hoje não conseguirei trabalhar, e não foi.” Ele iria à parte da tarde. Ele pegava esse trenzinho às onze horas da manhã, para ir para o quartel.  Nesse dia ele não foi, o trem tombou, ocorreram muitas mortes. Era um trem misto de carga e passageiros, trazia água para São Paulo. Todos os funcionários públicos usavam aquele trem porque não pagavam a passagem. E também porque não havia outro tipo de condução, não havia ônibus ali naquele tempo. Tinha o bonde e o trem. Nessa época comecei a estudar na Escola Estadual Silva Jardim na Avenida Tucuruvi, 724. Lá estudei até o terceiro ano. O nosso diretor era Ulisses Guimarães que depois se tornou grande figura nacional. 
Minha primeira professora foi Dona Mariazinha. Lembro-me que uma vez deu uma tempestade e ela me colocou no colo dizendo: “-Não tenha medo!”.
O professor e diretor da escola, Ulisses Guimarães, ensinou uma música aos alunos?
Ele ensinou assim: Nesta mãozinha direita/eu tenho cinco dedinhos/Fazem tudo de uma feita, /fazem tudo ligeirinhos./São pequenos, são prendados, são espertos, pois não são?Eu acho tão engraçados/os dedos da minha mão/São  cinco na mão direita /e cinco na outra mão!/Juntando cinco mais cinco/ ao todo dez dedos são!”  Quando o diretor da escola Ulisses Guimarães entrava na sala de aula, todos os alunos levantavam-se, ele mandava sentarem.
Quando ele cantava essa música?
Na hora que ele entrava na sala de aula, dizia: “- Hoje vim trazer um versinho para vocês!” Ele cantava e depois conversava com a professora. Todo mundo o respeitava, era sério, não era de brincadeira. Mas era amigo!
Após o terceiro ano nessa escola, em qual escola a senhora foi estudar?
O meu pai adoeceu, fez uma cirurgia de úlcera, ele foi transferido para Taubaté. Lá  conclui o curso primário na escola Dom Pereira de Barros. Fiquei morando na casa dos meus pais até casar aos 18 anos com José Faria, natural de Natividade da Serra.
Como a senhora conheceu o Sr. José Faria?
Conheci na igreja, ele era Congregado Mariano e eu era Filha de Maria. Meu marido veio junto com outros amigos de Natividade da Serra, fizeram a inscrição para o concurso da Polícia Militar, foi aprovado. Nessa ocasião meu pai precisava de um ordenança, entre os recrutas, ele escolheu o meu marido. Muitas vezes ele ia em casa para cumprir alguma ordem dada pelo meu pai, levar ou trazer algo, o José ia de bicicleta, era rua de terra ainda. Ele ia muito lá, na igreja, meu pai começou a nos ver juntos, ele me chamou e perguntou-me: “– Você está gostando daquele soldado?”. Respondi que estava. Meu pai então me perguntou: “- Vocês estão namorando?”. Respondi-lhe; “–Nós conversamos, nada mais do que isso.” Meu pai conversou com o José perguntando-lhe: “: Você está com boas intenções com a minha filha?”. O José respondeu-lhe que sim. Ele disse-lhe: “-Então você comece a ir à minha casa! Ela não vai à rua, não freqüenta cinema!”.
Tinha hora certa para namorar?
Meu pai estabeleceu os horários dizendo-lhe: “Se você for a noite é das sete as nove da noite. Se for durante o dia, você vai as três da tarde e as cinco da tarde você entra no serviço, conforme marca sua escala de inicio de trabalho.” Meu pai era durão. Eu seguia as regras. Sem querer, mas segui, às vezes ficava “de mal” com o meu pai, ficava sem tomar a benção dele. Eu me escondia o mais que podia para não vê-lo.
Vocês namoraram quanto tempo?
Seis meses! Foi na época da Segunda Grande Guerra, já tinham seguido muitos civis para a Itália, para combater, requisitaram mais homens para seguirem à frente de batalha, veio um pedido para que o quartel enviasse os soldados solteiros. Meu pai chamou o José e disse-lhe: “Você está com boa intenção com a minha filha. Você quer casar com a minha filha? Ou você casa agora ou se for à guerra não sei de que jeito irá voltar. Se voltar! Casamos no Santuário de Santa Terezinha em Taubaté. Ficamos um período morando com os meus pais. Quando foi para ter o primeiro filho, preferimos ir para nossa casinha.
Quantos filhos a senhora teve?
Doze: Luiz Adalto, que irá fazer 70 anos no dia 21 de outubro. Neusa Maria, Ana Maria, Sonia Maria, Maria José(falecida precocemente), Maria de Fátima, Maria Bernadete, Luiz Antonio, Maria de Lourdes, Luiza Maria, José Faria e Maria Cristina. Em média há um ano e meio de diferença de idade entre um e outro.
Como era a vida da senhora para manter essas crianças todas?
Ele era soldado raso quando já tínhamos quatro filhos. Eu só digo que foi Ele que me ajudou muito! Eu fazia doce, pastel para vender, mas isso dava um valor muito pequeno, ajudava algumas costureiras, ajudava no arremate das roupas. Às vezes elas traziam em casa, às vezes eu ia à casa delas. Eu nem contava para ele que estava fazendo essas coisas. Nunca reclamei. Sabia que estava casando com um soldado e ele ganhava pouco. Eu morava em frente à casa da minha mãe, nunca ela soube o que eu tinha e o que eu não tinha. Tinha dias em que ele vinha almoçar, ele me perguntava se eu também não ia almoçar, eu dizia que tinha tido fome antes não deu para esperar, eu almocei um pouquinho antes. Eu não tinha comido nada, depois que ele saia, eu raspava tudo que sobrava e comia. Todo mundo queria ser minha madrinha, me ajudavam, sem eu pedir. Tive vizinhas maravilhosas. Às vezes eu ia a igreja, levava aquele bando de crianças, sentávamos todos no primeiro banco. A missa era às oito horas, às seis horas eu já começava a dar banho e trocá-los.
Para manter a ordem com essa criançada não era fácil?
Foi muito fácil. Eles eram muito obedientes. Iam para o quintal, meu marido sempre alugava casa que tivesse quintal. Ele se interessava mais no quintal do que na casa. A criançada acabava de tomar café, iam todos para o quintal. Eu arrumava a minha casa sossegada e fazia o almoço. Na hora do almoço eu colocava o rosto na porta da cozinha e dizia: “- Olha o almoço!”. Eles passavam no tanque de lavar, eu deixava dependurado junto ao tanque esse saco de farinha de trigo. A criançada lavava as mãos, enxugavam e vinha à mesa para almoçar. Minha mesa tinha um banco mais alto e outro mais baixo, sentava cada um conforme sua altura.
Era fogão a lenha?
Quando íamos alugar uma casa, a primeira coisa que eu fazia era ir à cozinha para ver como era o fogão. Às vezes era a lenha, outras a carvão, com quatro bocas. Eu não gostava do fogão a carvão, às vezes acaba o carvão no fogão e a comida não estava cozida ainda. Naquele tempo não havia panela de pressão. O feijão levava duas horas para cozinhar. Passava roupa com ferro de brasa. Eu engomava a farda, aquela de cor caqui. Passava uma goma bem leve, só com o pano. Durava três a quatro dias, usando a mesma roupa. Ele era muito cuidadoso.
Qual condução ele usava para ir trabalhar?
Um tempo ele teve bicicleta, depois passou a ir a pé. Era um dia no quartel outro dia em casa para dormir. Ele me ajudou muito a cuidar das crianças, No dia em que ele estava em casa, eu dava banho, ele enxugava e trocava. Quando ele não estava, eu dava banho, ia colocando na cama, quando terminava de dar banho os que tinham tomado banho antes estavam todos dormindo!
A senhora costurava também?
Eu só costurava, não sabia cortar, tinha uma vizinha que era costureira, ela cortava roupa para mim. E a minha roupa, assim como dos filhos maiores ela fazia. E eu passava roupa para ela. A coisa que eu mais detestava era passar roupa. Mas era a única coisa que eu podia fazer para ela, para não pagar a costura.
Não existia geladeira, como fazia para guardar a comida?                           
Antigamente não estragava, acho que a comida era melhor. Carne, feijão, eu fazia de um dia para outro, deixava em cima da pia, não estragava. Em Taubaté moramos uns três ou quatro anos. Meu marido gostava muito de mudar. Mudamos muito, acho que fiz umas quarenta mudanças. De cidade em cidade. Cada dois filhos nasceram em um lugar.
Qual foi a cidade que a senhora mais gostou?        
Foi Tietê.
Ele reformou-se com quantos anos de serviço?
Ele fez vinte e sete ou vinte e oito anos de serviço, como ele não tirava as licenças prêmios, contava em dobro. Depois se arrependeu, porque se aposentou moço, e ficar dentro de casa é triste. Minha irmã arrumou emprego para ele em uma concessionária Volkswagen, isso em São Paulo. A maior parte da educação dos meus filhos, devo a minha irmã, ela lecionava no Colégio Santana, meus filhos estudaram no Colégio Santana. Depois meu marido trabalhou um tempo no Colégio Santana. Sempre essas coisinhas, só para não ficar dentro de casa. Ele fez a Academia de Polícia Militar do Barro Branco de tanto eu falar, com isso ele deu baixa como primeiro-tenente. De São Paulo fomos morar em Caraguatatuba onde permanecemos por 17 anos. De lá mudamos para Piracicaba, em uma casa próxima a Igreja São Judas Tadeu. Eu tinha uma amiga que morava no Lar dos Velhinhos, ela escreveu uma carta e mandou um livro do Lar. Meu marido se entusiasmou. Eu dizia à ele: “ Estamos ficando velhos, nós não queremos deixar herança para depois os filhos terem que dividir, a única coisa que nós temos que fazer é não ter casa, alugar.
Em que ano vocês vieram morar no Lar dos Velhinhos?
Em 1999. No Lar ele morou 10 anos. Morávamos em uma casa, depois que ele faleceu eu vim morar no apartamento dentro de Lar. Sempre cuidei dos outros, era como se eu não existisse.
E essa história da senhora se vestir de noiva nas festas juninas?
Já fui entrevistada a respeito diversas vezes, pelos jornais, rádios televisão. A nossa animadora cultural, a Maria é a responsável! Tinha uma senhora que ela e o marido eram os noivos da festa todos os anos. No ano retrasado o marido dela faleceu. A Maria me escolheu como noiva, eu ajudei a organizar o casamento, com o papel para cada um decorar.

A senhora foi eleita Miss?
Isso faz uns quatro anos. Fui eleita “Miss Lar dos Velhinhos”. Foi através das olimpíadas, o evento foi no Ginásio junto ao campo do XV de Novembro, o Ginásio Municipal de Esportes "Waldemar Blatkauskas". Tinha participantes de outras entidades, outras cidades, como Rio Claro, Rio das Pedras, eu era representante de Piracicaba.
Qual foi a sensação que a senhora teve?
Fui meio nervosa! Andar no meio de um público enorme. Tinha que andar bastante, desfilando. Eu fui de salto alto! Estava chique, arrumada como uma rainha!

A senhora conquistou muitas medalhas, como foram essas conquistas?
Tenho algumas das olimpíadas, uma delas é da caminhada, saímos da “Estação Idoso José Nassif”, na Paulista, e fomos até a catedral, andando, e voltamos..
Qual é o segredo para ter tanta disposição?
Não saberia responder!
Uma particularidade muito interessante é que a senhora tem uma série de bonecas em seu quarto, esse carinho que a senhora tem por elas relembram sua infância?
Eu tenho essas bonecas hoje porque quando eu era criança não tive! Nunca tive uma boneca. A primeira boneca que tive foi dada por um primo do meu pai, ele tinha voltado da Revolução de 1932, estava internado em um hospital, minha mãe soube, foi fazer uma visita à ele. Só que ele estava muito mutilado. Quando chegamos, ele estava com essa boneca aos pés da cama, em uma caixa. Ele quase nem podia falar, disse que a boneca era para mim. Peguei a boneca, fiquei encantada, a boneca abria o olho, fechava, era da Estrela. Foi a primeira boneca que eu tive. Uma mulher que estava doente, com tuberculose, gostou da boneca, pegava-a, beijava-a, abraçava, apegou-se a ela. Minha mãe deu a boneca para ela. Eu queria morrer quando vi minha boneca ir embora!
O importante é que a senhora está realizando um desejo seu, de retomar o lado puro e infantil sem nenhum pudor em assumir, como adultos que colecionam brinquedos por puro prazer.
Minha única preocupação é que alguém pense que estou ficando ruim da cabeça! (risos).
A senhora participou no dia anterior a esta entrevista, de uma festa junina, isso a cansou?
Não sei o que é cansaço! Fui a uma cidade do Paraná, andei de ônibus, horas e horas cheguei lá a tardezinha, minha filha disse que estavam se preparando para ir a uma festa típica. Fui com eles, retornamos para casa a uma e meia da manhã.
Qual é a visão da senhora sobre o jovem atual?
Tenho dó de alguns, suas mães não querem ter o trabalho de ensiná-los. Deixam os filhos crescerem sem controle algum. Com o aparecimento do WatttApp ficam o dia inteiro voltados aquilo. Esses jovens vão ficar alienados. Até na igreja, junto com os pais, estão mais preocupados com as mensagens do celular do que com a celebração.
A senhora assiste televisão?
Assisto, não assisto nenhuma novela, com exceção da “Dez Mandamentos”. Assisto o programa do Datena. O que percebo é que as famílias estão acabando. Acredito que haverá uma hora onde as coisas mudarão.
A senhora tem uma imagem do Padre Cícero, é devota dele?

Ele é lá da minha terra, meu avô, pai do meu pai, era amigo intimo dele. Todo ano, dia 20 de março, aniversário do Padre Cícero, ele saia de Correntes, em um carro de boi, saia um dia antes, até chegar em Juazeiro. 

RICARDA DIAS ALVES DA PAIXÃO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 4 de julho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADA: RICARDA DIAS ALVES DA PAIXÃO




Nascida em área rural pertencente a Charqueda a 29 de junho de 1935, Ricarda Dias Alves da Paixão esta completando 80 anos. Filha de João Batista Dias e Maria Moritiba Dias. Têm vivos os irmãos Sebastião Dias, Salvador Dias e Terezinha Dias. Na realidade sua mãe teve dezesseis filhos, oito faleceram ainda muito novos. Todos nasceram no sítio.
Qual era a atividade do pai da senhora?
Trabalhar na roça! Na lavoura de algodão, café, cana-de-açúcar. Lembro-me do nome das fazendas Boareto, Gava, Água Branca. Localizavam-se entre Piracicaba e Charqueada. Estudei até o quarto ano primário, a escola ficava no bairro Recreio depois que passou para Escola Mista, foi quando arrumaram uma sala na fazenda e a professora ia lá. Ela dava aula para primeiro, segundo, terceiro e quarto anos em uma única sala. Era a Escola Mista. A minha primeira professora chamava-se Maria de Lourdes.
Para ir até a escola a estrada era de terra?
Era de terra, quando chovia, para ir do Boareto até a Escola do Recreio era uma dor de cabeça, a distância era em torno de quatro quilômetros. Ia a pé. Ia uma criançada, todas juntas.
Com quantos anos a senhora começou a trabalhar?
Eu era muito doente. Tinha bronquite asmática dos dois até os dezoito anos. Em função da minha doença trabalhava nos afazeres domésticos, era casa de chão, tinha que molhar o chão com um matinho para não fazer pó. “-Molhava em uma vasilha de água e sameava o chão!” Sempre gostei de plantar flores, tinha o meu jardim em frente de casa.  Quando comecei a trabalhar mesmo, firme, eu estava aqui em Piracicaba, comecei a trabalhar como empregada doméstica. Vim para a cidade morar na casa da minha irmã Maria Aparecida, já falecida, ela era lavadeira de roupas, seu marido Benedito Antonio, era caminhoneiro.
O primeiro emprego da senhora em Piracicaba  foi na residência de qual família?
Eram todos dentistas, residiam a Rua Moraes Barros, próximo onde era a Porta Larga, era a família de João Batista de Aguiar. A casa era grande, tinha bastante serviço, lá eu lavava, passava, cozinhava, Nessa casa permaneci aproximadamente por um ano. Eu morava lá, dormia no emprego. No período de uns dois a três anos trabalhei em mais dois ou três lugares.  Casei-me e não fui trabalhar mais fora de casa.
A senhora casou-se com quem?
Casei-me com Mário Alves da Paixão.
Como vocês se conheceram?
No jardim, na Praça José Bonifácio, naquela época nós dávamos a volta em torno da praça, era o famoso “quadrar jardim”.
Qual era o percurso que vocês faziam?
Íamos pelo jardim, quando chegávamos na então Caixa Econômica do Estado de São Paulo, mais tarde Nossa Caixa Nosso Banco, hoje Banco do Brasil, na Rua Santo Antonio, dávamos a volta, seguia pela praça até a Livraria Brasil, na Rua Moraes Barros, nas proximidades da agência do Banco do Brasil, virava a esquina, ia até a matriz outra vez, virava, seguia pelo jardim e fazia o mesmo trajeto novamente.

Nessa época a senhora morava em que local?
Quando conheci o Mário eu morava no sítio. A gente vinha passear em Piracicaba. Depois eu vim trabalhar em Piracicaba. Conheci o Mário antes de mudar para a cidade.
Sem querer invadir a privacidade da senhora, essa sua mudança para a cidade foi motivada após conhecer o Mário?
Não! Mudei para trabalhar mesmo! Tive que fazer essa opção, o serviço na roça não era compatível com a minha saúde. O serviço era pesado demais. Como empregada embora trabalhasse muito as condições de trabalho não afetavam tanto a minha bronquite.
O namoro naquela época era bem diferente?
Era como se fosse um amigo. Conversava, falava de musica, de roupa, de dança. Na época ele já era funcionário publico.
Em qual igreja vocês se casaram?
Casamos na Igreja Bom Jesus. Uma semana antes casamos no civil, depois casamos na igreja.
A lua-de-mel foi aqui mesmo?
Não viajamos. Casamos e ficamos aqui mesmo. Casamento de pobre, não é?
Foram morar em que local?
Fomos morar a Rua São José entre a Rua do Vergueiro e a Rua Luiz de Queiroz. Alugamos uma casinha de dois cômodos. Mudamos para Limeira onde ficamos dois anos. Em seguida mudamos para Araras onde permanecemos por um ano. Voltamos a morar em Limeira. De Limeira viemos morar em Piracicaba a Avenida Presidente Vargas. Em seguida fomos morar na Vila Independência, onde moramos por oito anos. Por volta de 1969 a 1970 viemos morar na casa que residimos atualmente. Era ainda rua de terra. Entramos em uma casa praticamente com o telhado e as paredes. Graças a Deus superamos tudo isso, hoje tenho 11 netos e 7 bisnetos.
Quantos filhos vocês tiveram?
Tivemos seis filhos: Mário Alves da Paixão, Magali Alves da Paixão, Maximiliano Livramento Alves da Paixão, Maria Aparecida Alves da Paixão, Marcos Alves da Paixão e Marcelino Alves da Paixão. 
Com que idade o seu marido, Mário, faleceu?
Faleceu aos 42 anos, com o mal de Chagas. Eu tinha 38 anos.
Aos 38 anos, viúva, com seis filhos, como a senhora conseguiu superar as inúmeras dificuldades que deve ter encontrado?
Até então eu ficava só dentro de casa cuidando dos filhos. A partir desse momento tive que ir trabalhar fora de casa. Comecei trabalhando como doméstica. Com todo esforço que eu fizesse o dinheiro não era suficiente. Após inúmeras tentativas de fazer alguma coisa que agregasse algum dinheiro, como coletar ferro velho, vender jornais, percebi que a saída seria trabalhar como diarista, o salário era mais compensador. Criei meus filhos trabalhando como diarista por 33 anos. Trabalhava na cidade toda.
A senhora é religiosa?
Eu sou louvado seja Deus! Sou católica, minha maior devoção é Deus. Se, estou muito apertada me pego nele. Quando digo: “- Meu Deus do céu!” estou dizendo “Me acuda meu Deus, me ajude!”.
Nesse período todo que a senhora ficou trabalhando a senhora tinha algum tipo de diversão?
Abandonei tudo! Eu queria trabalhar! Na época a Escola Estadual Dr. Jorge Coury tinha os bolsos das camisas bordados com as iniciais do colégio: “JC”, muitos daqueles bolsos vinham para que eu bordasse. Eu bordava os bolsos, fazia guardanapos, enquanto as crianças iam a escola. Até eles voltarem as dez, onze horas eu estava bordando. Para aumentar um pouco o dinheirinho que eu ganhava. Era bordado a mão, não era a maquina. Fazia crochê. Meus filhos querem que eu coloque faxineira em casa! Isso porque quando chega às duas horas da tarde estou cansada!
Como é a saúde da senhora?
Olha, pelo que vejo de gente reclamando, eu só fico escutando. Graças a Deus não tenho nada daquilo.
E a alimentação da senhora, como é?
Normal. Sem exagero. Minhas patroas diziam: “-Por que você come tão pouco e trabalha tanto?” Eu dizia que meu jeito de viver é assim, eu me sinto bem! Nunca fui de comer em excesso. Mesmo que vá a um restaurante, é aquele pouquinho. Se eu beber uma latinha de refrigerante é muito! Quando vejo algumas pessoas comendo um prato enorme eu até passo mal. Como a pessoa consegue comer tudo aquilo?
A senhora acredita que o excesso de alimentação pode prejudicar a saúde da pessoa?
Eu acho que sim! Às vezes acho que o meu problema está relacionado com a alimentação que eu não gosto. A maioria das coisas que eu olho, não falo, mas penso: “-Não me agrada!”.

Qual é a sabedoria da vida, para chegar a idade que a senhora está, com essa lucidez e saúde que a senhora tem, qual é a receita?
Acho que é não dar muito ouvido para as coisas ruins, as coisas ruins fazem mal, se a pessoa se aproxima e começa a emitir comentários sobre coisas negativas, e se eu não puder ajudar, acho melhor não ouvir.
Existem as famosas “comadres” que sentem um prazer imenso em ficar comentando fatos e boatos.
Isso me faz mal! Simplesmente dou um jeito de sair dessas conversas. Dou as costas e saio! Se eu não posso ajudar, não vale a pena ouvir!
Tem gente que fica fofocando ao telefone, isso faz mal à pessoa?
Faz mal! A gente vem para casa “carregada” e preocupada com o problema alheio.
A senhora assiste televisão?
Assisto, gosto de uma novelinha, quando ela me agrada.
Política a senhora acompanha?
Não acompanho!
Conheceu algum político?
Meu filho! Meu filho é político! O Mario Alves da Paixão. Foi candidato quatro vezes e não conseguiu ser vitorioso.
O que o atraiu para a política?
Até hoje eu não sei! Até hoje ele quer voltar, eu digo a ele que não deve voltar.
A senhora fica nervosa quando ele está em campanha?
Eu fico! Posso ajudar, mas não gosto. A política o desgasta, desgasta a família.
Dos tempos passados o que traz saudade?
Tenho saudades dos meus bailes! Eu e meu marido freqüentávamos muito o Clube Treze de Maio. Barbaridade! Muitos bailes! Meu marido chegava a pagar uma pessoa de confiança, para olhar as crianças e nós irmos aos bailes.
Quais eram os tipos e música que mais faziam sucesso?
Samba, mazurca, bolero, forró, lambada, salsa, tango. Carnaval nós não pulávamos, era difícil, mas conhecemos todo o pessoal que pulava carnaval. Agora baile era normal, as crianças estavam bem de saúde, pagávamos uma pessoa e íamos ao baile.
A que horas vocês iam ao baile?
O baile naquela época começava às sete horas da noite e terminava sempre às sete horas da manhã seguinte. Eram doze horas dançando! Não era como hoje que vai para o baile a meia-noite. O prazer estava em dançar, na música, muitas vezes nem água tomava. O baile era com orquestra ao vivo. Parece que estou até vendo aqueles violões que iam até o telhado! Isso foi na década de 60.
O Clube Treze de Maio é um clube fundado por negros, naquela época aceitavam a presença de brancos?
Não havia discriminação, era freqüentado tanto por negros como por brancos. É interessante como esse período foi marcante na nossa vida, outro dia, estava em um velório de uma pessoa conhecida, conversando com uma senhora quando chegou seu marido e disse-me: “-A senhora é esposa do Mário Alves da  Paixão!”. Sua esposa me reconheceu. Eu não os reconheci. Com o passar do tempo, minhas amigas ficaram fortes, ganharam alguns quilos, eu mantive sempre o mesmo peso.
A senhora só freqüenta a igreja ou tem alguma função especial?
Freqüento a Igreja Menino Jesus de Praga. Eu ajudo a zelar a igreja. Agora estou afastada porque ela está em reforma.
A senhora freqüentou a Igreja São José?
Freqüentei, esses dias tirei fotografia junto ao Monsenhor Luiz Giuliani foi na missa em comemoração aos meus oitenta anos, o Monsenhor veio celebrar, o meu filho mais velho fez a primeira comunhão com ele. O meu filho Marcelinho foi batizado por ele. A missa em louvor aos meus oitenta anos foi concelebrada peno Monsenhor Luiz Giuliani e Padre Sebastião. Foi uma missa muito bonita mesmo.
O marido da senhora tinha carro?
Tinha um Volkswagen azul claro.
A senhora dirigia?
Nunca dirigi. Arrependo-me até hoje.
Naquele tempo ia-se muito passear no Mirante do Rio Piracicaba?
Quando as crianças eram pequenas eu ia, assim cmo ia também ao zoológico, na Escola Agrícola, iam as crianças, eu o pai.  Íamos de bonde.
Do alto da sua experiência, o que a senhora pode dizer às pessoas que estão iniciando a vida agora?
Estávamos minha filha e justamente conversando sobre isso agora pouco. Se a pessoa recebe mil tem que pensar bem onde vai colocar esse dinheiro. Como dona de casa principalmente, tenho meu meio de diminuir as despesas com água, luz, não vou deixar a casa inteirinha com luz acesa à noite. Tenho que encontrar um meio de diminuir o gasto com o gás, tenho que fazer isso tudo para ajudar no final do mês, porque ganho só mil. O homem se está acostumado a tomar três garrafas de cerveja, ele terá que tomar uma garrafa de cerveja. Se ele tomar todos os dias as três garrafas, no final do mês ele terá gasto um bom dinheiro em cerveja. Daqueles mil reais deve sobrar um pouquinho.
A senhora é do tempo em que se comprava e anotava em uma caderneta, quando recebia o salário pagava. Em que lugar a senhora comprava?
Nós comprávamos no Adelino Dantas, na Vila Independência. Depois que mudamos para cá passamos a comprar no estabelecimento de propriedade do Florindo e da Branca. Hoje eles já não têm mais o estabelecimento.
E praia a senhora gosta?
Estive na Praia Grande, em Ubatuba, adoro a visão do conjunto. Não gosto de entrar na água.
A senhora vivenciou o tempo da Jovem Guarda?
Curti muito essa época!
A senhora é uma pessoa de muita fibra e coragem, ainda nova ficou viúva com seis filhos para criar com recursos bem limitados.
O bom é que eles me obedeciam. Com isso eles me ajudaram.
A senhora tem uma música favorita?
Gosto muito de Aquarela do Brasil de autoria de Ary Barroso, outra que eu gosto é Brasileirinho com letra de Pereira Costa e música de Waldir Azevedo. 
A senhora gosta de viajar?
Gosto muito! Quero ir à Brasília! Já viajei por muitos lugares do Brasil, ao nordeste fui várias vezes, inclusive em Salvador.
A senhora foi de avião?
Fui de avião. A primeira e a segunda vez eu fui de ônibus. A terceira eu fui de avião. Gostei. É rapidinho! De ônibus são três dias de viagem! Agora quero viajar de avião, a gente passa medo, mas é rápido! No inicio eu pensava que iria sentir medo, iria ficar tremendo, quando tomasse o avião. É uma maravilha! Hoje estou desfrutando, mas tudo que passei não foi fácil, embora sempre alguém me ajudou, a família, os amigos. Sempre teve alguém que deu uma força. Tivemos vizinhos maravilhosos, eu ia trabalhar eles cuidavam das crianças, Parentes que foram muito participativos.
Os patrões que a senhora teve também colaboraram muito?
Tive excelentes patrões e patroas. Fiquei treze anos trabalhando com a família Spruk. Fiquei treze anos trabalhando com Dona Ida, o marido dela era barbeiro na galeria, chamava Seu Lazinho. Trabalhei por três anos na casa da Dra. Marly Therezinha Germano Precin. Às vezes eu chegava em casa e já tinha uma mala de roupa em casa. Quem me dava era a Dra. Marly, os Ometto, onde trabalhei por cinco anos. Todo lugar que eu ia queriam que eu trabalhasse para eles. Sou feliz, não posso querer coisa melhor, aonde chego sou muito bem tratada.


THEREZINHA DE JESUS PENTEADO MONTEIRO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 20 de junho de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: THEREZINHA DE JESUS PENTEADO MONTEIRO

Therezinha de Jesus Penteado Monteiro nasceu a 24 de maio de 1926, em Rio Claro. É filha de Nestor Penteado e Maria de Lourdes Negreiro Penteado que tiveram ainda os filhos: Francisco Santa Cruz Negreiros Penteado, Vera, Therezinha e o filho mais novo. Seu pai era negociante de café, filho de fazendeiros. Sua mãe era também filha de fazendeiros, que cultivavam o café e sofreram grandes prejuízos com a queda do café em 1929. Embora se tornassem pobres de um dia para outro, não deram prejuízo a ninguém, a nenhum colono ou fornecedor. Sua mãe ficou viúva com 31 anos de idade sendo que o filho mais velho tinha oito anos e o mais novo com 50 dias de vida. Seu pai faleceu muito jovem vítima da doença então denominada pneumonia dupla.Ficaram sem bens. “A casa que papai tinha construído era com empréstimo do vovô Arruda Penteado que também ficou pobre”  cita Therezinha. 
Para a família essa quebra ou crack, em inglês, como o episódio ficou conhecido foi um grande abalo?
Papai ficou muito pobre, muito triste, isolou-se da sociedade. Naquele tempo os fazendeiros não administravam a fazenda, entregavam para administradores. A crise do café afetou muito porque não havia diversificação de plantio. Quando nasci papai era só negociante de café e a mamãe filha de pessoas ricas, de boa cultura, ela tinha estudado no Colégio Des Oiseaux ,em São Paulo. Vovó Blandina era filha de professores veio de São Sebastião, litoral paulista. Era muito culta, muito refinada. Vovô era fazendeiro, só que ficava mais na fazenda, não tinha a visão que a minha avó tinha. Caso ele seguisse o que vovó dizia eles teriam ido para São Paulo, para trabalhar com os Moreira. Minha avó era da família Moreira Negreiros. Infelizmente vovô preferiu ficar.
A família Moreira tinha que tipo de atividade em São Paulo?
Tinham uma casa bancária. Vovó queria aplicar dinheiro junto com os irmãos lá.
Como foi a sobrevivência da família?
Vivemos na dependência de um irmão dela, advogado, Carlos Moreira Negreiros. Mamãe foi uma lutadora belíssima, chegou a fazer doces para vender. Ela não queria que nós sofrêssemos uma ruptura na educação. Estudamos em escola pública, o que foi ótimo, mamãe nos deu esse desejo de estudarmos para vencermos pelo nosso próprio esforço. Sermos independente. A dependência, mesmo de um irmão, é dolorosa. Embora Titio Carlos fosse um santo homem. Mamãe tornou-se uma pessoa brilhante, ao mesmo tempo em que nos formou como pessoas muito sérias, muito honestas, preparadas para a vida, nos fez estudar, a ponto de chegarmos até a cozinha para aprender a fazer alguma coisa ela dizia: “- Vai estudar! Vai Estudar!”. Ela exigia estudo. Com isso nós quatro nos tornamos independentes. Eu escolhi o magistério, meu irmão escolheu o direito, meu irmão mais velho ingressou no serviço público, faleceu em um acidente, mas estava em uma situação privilegiada. Minha irmã tornou-se professora como eu, mas casou-se muito cedo com um médico, tiveram sete filhos. Enfim a família ficou bem constituída graças a uma força maravilhosa da minha mãe.
Vocês moravam com o seu tio?
Não, nós morávamos em Rio Claro, em uma casa alugada. Meu tio morava em São Paulo, depois ele mudou-se para Jaú, cidade na qual temos parentes do ramo da nossa família: Negreiros. Assim como temos parentes aqui em Piracicaba com o sobrenome Negreiros: o Inacinho Negreiros, o Rui Negreiros.
A origem do sobrenome Negreiros é portuguesa?
Nós somos brasileiros, família com quatrocentos anos de origem, mamãe sempre disse que havia sangue espanhol, indígena e até negro nessa mistura que formou a nossa família. A família Penteado é a mesma coisa, a vovó era da família Torres, vinda do Rio de Janeiro, ela era filha do comendador Torres, que veio aqui para Rio Claro, onde teve a vovó Elisa (mãe do papai) e vovó Alice, e deu uma fazenda para cada uma.
Em Rio Claro em que escola a senhora estudou?
Fiz no Ginásio Joaquim Ribeiro, que era uma escola muito boa. Em 1942 me formei no ginásio, houve a Reforma Capanema, o ginásio passou a ser de cinco anos e o colegial dois anos. Veio a lei que permitia que prestássemos exames para ingressar na faculdade. Entrei na Faculdade de Filosofia de Campinas, formei-me em 1945, sou da primeira turma da Faculdade de Filosofia de Campinas.
A senhora morava em Campinas?
Morava. Em um pensionato de freiras, Pensionato Nossa Senhora de Lourdes, vizinho a casa do arcebispo, situava-se a Rua General Osório. Minha irmã também estudava lá, ela cursava Letras e eu pedagogia. O namorado da minha irmã era da família Aranha, família tradicional de Campinas, muito amiga da nossa família. Embora estivéssemos morando em um pensionato tínhamos parentes que moravam em Campinas, ligados a família Moreira.
Qual era a diversão de vocês?
Naquela época a diversão era muito restrita. A começar pelos recursos financeiros que eram muito bem controlados, Nessa época a Faculdade de Filosofia adotava uniforme para estudantes, Era uniforme cor de vinho. Minha irmã e eu freqüentamos a faculdade por três anos, depois fiz a especialidade de orientação educacional. Nós éramos tão pobres que descíamos a barra da saia a medida que crescíamos. Não havia bullying. Andávamos com aquela barra de saia com coloridos mais forte e mais fraco. Durante três anos usamos cada uma o seu próprio e único uniforme. Não tínhamos vergonha de sermos nós mesmas, apesar de não termos dinheiro. A nossa diversão era, aos sábados e domingos a minha irmã saia com o namorado e eu ia junto, mamãe recomendava, não podia sair sozinha. Meu cunhado brincava dizendo que eu era “ponto e vírgula”, o tempo todo junto! Íamos ao Clube de Campo, onde o meu cunhado era sócio, era o melhor clube de Campinas, freqüentávamos a melhor sociedade porque tínhamos primas do ramo Torres da família. Os Paranhos eram casados com Torres. Essas minhas primas eram da família Paranhos Penteado. Às vezes íamos à matinê ou a alguma festa, dormíamos na casa da nossa prima. Diversão era só essa. Não tínhamos dinheiro para diversões. Separávamos dinheiro de seis meses em envelopes, quando acabava o dinheiro do mês, minha irmã e eu não entravamos no dinheiro do mês seguinte antecipadamente. Viajamos pouco, não vínhamos todas as semanas para Rio Claro, usávamos o trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Vínhamos de vez em quando, o dinheiro não dava para vir. Nossa vida de estudante foi sacrificada por um ideal.
Após formar-se, em que local que a senhora começou a trabalhar?
Vim ser substituta de educação em Rio Claro, no Colégio Puríssimo Coração de Maria. Na época eu era também a inspetora. Como substituta do professor Cardoso, de educação, eu também assinava as provas. No inicio fiquei apavorada, recém-formada, estava substituindo um professor famoso, de muita cultura. Nesse meio tempo fui prestando concurso para Técnico de Educação Federal. Com muito esforço e por sorte, consegui ser classificada em ótimo lugar, isso foi no tempo em que Eurico Gaspar Dutra era presidente. E Capanema era o ministro da educação. Fui tomar posse da vaga conquistada, no Rio de Janeiro. Fui sozinha, com 20 anos. Lá eu tinha uma parente do ramo Torres da família, ela era assistente social, tinha um primo, Egberto Gomes, que era filho da minha tia Sebastiana Moreira Gomes. Ele morava no Rio de Janeiro e namorava uma prima que também era da família Gomes. A primeira vez que fui ao Rio de Janeiro já fui de avião da VASP. Isso foi em 1945.
A senhora era corajosa!
Tinha que ser, tinha que lutar pela vida! Técnico de Educação era a primeira profissão do ministério. Fui por que era bem remunerada, eu não queria ir para o Rio, e nem mamãe queria que eu fosse, era uma separação muito difícil. Meu primo Eg me levou a um colégio de freiras carmelitas. Receberam-me pela amizade que tinham com Celuta que era noiva do Eg. Lá eu fiquei durante uma semana, só chorava, no pensionato as freiras não falavam. Eu tinha uma senhora, minha parente, da família Torres, que alugava quartos na casa dela. Por ser parente, sai daquele pensionato e fui para lá. Fiquei nessa casa, na Rua Irajá, no bairro Botafogo. Estava se formando o Instituto Social, aonde depois eu vim morar.
Como se sentia uma menina, com vinte e poucos anos, em uma cidade maravilhosa como o Rio de Janeiro,  totalmente independente?
Pelos princípios que eu tinha, me ative a esse parentesco. Ou eu ia a casa dessa Paranhos ou ficava na casa dessa Torres. Tive amizade com duas técnicas de São Paulo que foram da minha turma. Foram para o Rio seis ou sete Técnicos em Educação de São Paulo, acabamos formando um grupo no Ministério da Educação, o Grupo de São Paulo. As meninas eram moças muito boas, muito bem formadas, elas moravam em um pensionato comum. Eu não aderi a isso. Comecei a ter uma vida muito boa, passei a conviver com pessoas de um nível muito bom, que exerceram influencias muito boas sobre mim.
Quanto tempo a senhora morou no Rio de Janeiro?
Morei por três anos, vinha uma vez a cada dois meses, vinha de trem, até São Paulo vinha pela Central do Brasil, de São Paulo para cá vinha pelo trem da Companhia Paulista. Isso foi assim até que abriram o concurso aqui para o magistério, prestei o concurso para professora de educação e vim para cá. O primeiro cargo que escolhi foi em São José do Rio Pardo, comecei lá como professora. Abriram o concurso para vice-diretor, escolhi São Paulo porque tinha parentes lá, escolhi uma escola no Brás. Veio a minha remoção, fui promovida a diretora de colégio em Termas do Ibirá, fui para Cafelândia, Santa Rita do Passa Quatro e vim para Piracicaba, como diretora da Escola Normal Rural que funcionava em um prédio anexo a Zootecnia da Escola Agrícola Luiz de Queiroz. Fui muito bem recebida pelos professores, tive um apoio muito grande, formávamos uma semana cultural, onde os professores da Escola Agrícola participavam, abriam os auditórios das escolas, isso foi em 1964. Depois a escola, mudou-se para o Isolamento. O governo transformou a escola normal rural em normal comum, nós viemos para onde foi o Isolamento dos Leprosos, o prédio foi adaptado para a nossa escola ai, até construírem o prédio da atual Escola Estadual Professor Jose de Mello Moraes. Quando foi construído o novo prédio, fui chamada como assessora do Delegado do Ensino Primário, Aracy de Moraes Terra, quando foi introduzido o curso secundário propriamente dito. Da delegacia secundária era o Basile. Quando se uniram as duas delegacias resolvi voltar para o Colégio Mello Moraes. Nessa época meu marido ficou doente, queria ir para Águas de São Pedro, me removi para o Colégio de São Pedro, Escola Estadual José Abílio de Paula.
Em que ano a senhora se casou?
Quando eu vim para cá em 1964, João Monteiro era viúvo há dois anos, trabalhava como professor de desenho na Escola Normal Rural. Casamos-nos, fui a sua esposa em segundas núpcias, ele era viúvo de Elza com quem teve dois filhos. Quando nos casamos ele tinha 64 anos eu tinha 39. Eu era solteira e ele era viúvo. Fiquei por 14 anos casados com ele, em 1979 ele faleceu. Quando nos casamos fomos morar em uma casa situada a Rua da Boa Morte, nas proximidades do Colégio Piracicabano. Em 1977 eu me aposentei.
Naquela época tinha um hotel na esquina da Rua D. Pedro I e Rua da Boa Morte, quase em frente a casa da senhora?
Tinha. Pertenceu ao pai do Haldumont Nobre Ferraz (Tiquinho). Lembro-me do bonde, atrás da catedral havia o ponto do bonde que ia para a Escola de Agronomia, era uma alegria, iam professores, alunos, de bonde.  A Rua da Boa Morte era calçada em paralelepípedo, o bonde circulava por ela em direção ao bairro da Paulista. Íamos muito ao Mercado Municipal, João gostava de uma banca muito boa que havia lá. Ele gostava de fazer as compras da casa. Casamos em São Paulo, no civil e no religioso, na Igreja da Cruz Torta, muito conhecida em São Paulo.
Há quanto tempo a senhora reside no Lar dos Velhinhos?
Faz 35 anos que moro no Lar dos Velhinhos de Piracicaba, acredito que eu e a Rina, somos as mais antigas moradoras do Lar.
A senhora é uma pessoa extremamente bem informada e atualizada. O que a leva a se atualizar imediatamente ao fato ocorrido, inclusive com riquezas de detalhes, sejam acontecimentos locais, nacionais ou internacionais?
É o interesse pelo bem estar comum, por um governo melhor. Eu ainda me interesso por uma melhora neste pais. Eu tenho muito interesse na causa pública, na causa social. Eu tenho o sentido ético e de cidadania que foi, acho que, infiltrado pela minha mãe, a tal ponto que isso é a minha vida! Que música que eu gosto? É “A Banda” de Chico Buarque, porque ela fala com muita sensibilidade da dor do povo sofrido, que se alegra ao ver a banda passar. A banda significa o pouco de alegria que o povo pode ter. São essas pequenas coisas que formam a vida humana. Sou muito ligada a vida da população, ao nosso povo, a nossa raça, ao nosso país. Sou uma pessoa que assimilo muito que ouço, que eu vejo e o que eu leio. 
O que a senhora acha desse pessoal que toca musicas praticamente sem sentido?
Em meu ponto de vista acho péssimo! É uma queda de gente como gente. Parece mais uma coisa repetida, animalesca, selvagem. No meu ponto de vista é um retrocesso. Trata-se de um retrocesso que faz parte de uma curva pela qual a humanidade tem que passar nessa época de muita violência humana, da brutalidade de gente como gente, do homem se tornar tão pequeno, ao ponto de fazer musica que não tem letra. Temos que passar por essa fase que irá ser eliminada, está surgindo também uma geração de pessoas que pensam. Vejo jovens promissores frutos de famílias solidamente formadas.
Há uma queda da família?
Há! E essa queda da família está gerando isso.
O que a senhora pensa sobre essa “nova moral” de aceitação de tudo?
Penso que seja um retrocesso. Estamos retrocedendo milênios, é uma reciclagem da humanidade. Daqui a pouco some esse pessoal para nascer outro.
Sob seu ponto de vista, há um interesse do governo, das instituições, em manter o povo cada vez mais passivo?
Claro que sim! O Papa Francisco é muito bem intencionado, só que nos locais onde a igreja católica está enfraquecendo, há uma maior beatificação, santificação. Há muita política nessas escolhas. Muitos são dignos de serem honrados e amados, pelos exemplos que deram, mas não precisam que sejam santificados.
A senhora acompanha diariamente as últimas noticias através de canais de televisão especializados em noticias?
Acompanho, e a opinião emitida pelos entrevistados são muito esclarecedoras e mesmo sendo através de uma televisão privada ela é a opinião independente dada pelo entrevistado.
A seu ver, o mundo está passando por uma fase conturbada ou isso é uma particularidade do nosso país?
O mundo todo está conturbado. Particularmente o nosso país está em uma situação mais delicada por ser um país ainda muito novo para comprar idéias malucas como ele comprou. O Brasil entrou nessa crise porque quis.
Na opinião da senhora o ex-presidente Lula cometeu o mesmo erro do ex-presidente Getúlio Vargas, não deixou a política no momento certo?
Ambos cometeram o mesmo erro. Um praticou o ato físico de deixar de viver literalmente, outro perdeu muito do seu carisma político por insistir em permanecer junto ao poder. Por uma série de fatores políticos e econômicos, não só internos como externos, houve desgaste da sua figura.
O poder seduz?
Como seduz! Até mesmo ministros estão gostando do poder que possuem a ponto de se desviarem de seus propósitos iniciais para manterem-se no poder.
A senhora acredita que estamos chegando ao final de um ciclo?
Acredito muito na nova geração, que estão sendo formados por famílias bem estruturadas, esses moços é que vão reconstruir tudo. Minha esperança é essa, confio muito que ainda a família é o alicerce da sociedade. Quando não existiu uma família o alicerce ruiu. As famílias ruíram. Não todas!
Existe um incentivo ao consumismo desenfreado, isso empurra a mulher para disputar cada vez mais posições e rendimentos maiores, isso prejudica na formação familiar, particularmente na infância e juventude dos filhos?
Eu acredito que a reconstrução vai depender de poucos, a maioria está contaminada. Mas os filhos desses poucos mais tarde serão os dirigentes, serão os detentores do poder. Isso é um fenômeno mundial, o homem deixou o humanismo de lado. Como já houve em tempos passados, haverá uma reviravolta, lenta, mas houve. A saída é a reversão. Há muitos adultos que estão no poder que já estão refletindo sobre isso. Não viverei o tempo suficiente para poder ver essas mudanças, mas elas deverão ocorrer. As pessoas estão pensando muito no mundo que estão deixando aos seus descendentes: filhos, netos. O governo é nosso empregado, ele ainda não se conscientizou disso, acha que ele é dono da casa, dono do poder. Haverá o momento em que ele vai sentir que não é o que imagina ser, haverá um momento crítico, em que ou ele aceita assumir seu lugar e suas funções ou será substituído.


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