sexta-feira, outubro 18, 2013

AILTON DONIZETE DOS SANTOS LUCIANO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 19 de outubro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 

ENTREVISTADO:AILTON DONIZETE DOS SANTOS LUCIANO
 

Ailton Donizete dos Santos Luciano é soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Trabalha no Centro de Operações da Polícia Militar – COPOM. Recebe todos os tipos de chamados telefônicos, ali é o último recurso para qual a população apela. A Câmara dos Vereadores de Piracicaba concedeu-lhe uma Moção de Aplauso pelo excelente trabalho no atendimento a Sra. Iolanda Jussara da Silva, no qual orientou em como salvar sua filha de dois meses que estava engasgando. Ailton é atleta, tem inúmeros troféus, medalhas e prêmios como ciclista. Disciplinado impõem um ritmo forte e constante de treinamento, tendo disputado com atletas brasileiros e estrangeiros, conseguindo se destacar. No ciclismo encontra o equilíbrio e a calma essenciais a um atendimento de excelência para com pessoas em total desespero que ligam para o COPOM. Nascido a 5 de novembro de 1974, na cidade e Aguaí, Estado de São Paulo, filho de Aparecido Paixão Luciano e Aparecida Conceição dos Santos Luciano que tiveram os filhos Antonio Marmo, Ailton Donizete e Adilson Donizete. Seu pai sempre morou na zona rural, onde permanece.
A partir de que idade você começou a trabalhar?
Quem mora em área rural começa a trabalhar bem novo, comecei a trabalhar a partir dos 10 anos. Aprendi a fazer todo tipo de serviço próprios de um sítio. Freqüentei a Escola do Bairro Mato Seco, recentemente estive lá revendo o local onde fiz o curso primário, a professora era Dona Verinha, muito enérgica. Após concluir o quarto ano primário fui estudar na Escola Egle Luporini Costa, em Aguaí, em 1986. Em 1988 fiz a prova para ingressar na Escola do Exército e passei.
Como surgiu sua vocação para a vida militar?
A minha admiração pelas Forças Armadas já vem desde criança, tenho muitos parentes que são militares, inclusive meu tio Antonio Fernando Paixão, me incentivou para o esporte era militar da aeronáutica e era ciclista.
Em que localidade situava-se a Escola do Exército que você ingressou?
Situa-se em Três Corações, Minas Gerais. Lá era o curso de formação de sargento do exército. Entrei com 16 anos, saí antes de me formar, aos 19 anos. Saí com o pensamento voltado para alguma atividade na área de segurança, com 21 anos entrei na Polícia Militar do Estado de São Paulo, me formei em Piracicaba, permaneci por algum tempo em Campinas, voltei à Piracicaba e finalmente Rio das Pedras. Nessa época já pedalava minha bicicleta esportiva. Dos 22 aos 30 anos, já no quadro da Polícia Militar, fiquei sem praticar o ciclismo. Aos 30 anos decidi voltar a praticar o esporte.
A atividade policial exige um equilíbrio emocional muito grande?
Exatamente. Temos que aprender a separar a vida privada da vida profissional.
A educação é dada em casa e a formação é feita na escola?
Em meu ponto de vista a educação vem de casa, a escola só modela, só prepara intelectualmente. A educação vem do berço.
Após quantos anos como policial nas ruas você ingressou em outro setor da polícia?
Foi após uns 15 anos, ingressei no setor de inteligência da polícia militar.
O que é o COPOM?
É o Centro de Operações da Polícia Militar. Toda ocorrência policial passa por lá. Ali atendemos desde ocorrência policial até situações que pode salvar uma vida.
Você tem uma Moção de Aplauso concedida pela Câmara dos Vereadores de Piracicaba, como se deu o fato que gerou essa moção?
Foi uma ocorrência que tive a felicidade e atender, era uma criança de dois meses, que estava sendo amamentada pela mãe e que se afogou. Essa mãe entrou em pânico, o único número que ela se lembrou de imediato foi o número 190, na verdade foi uma criança de 10 anos que estava com ela que se lembrou do 190, dizendo que sua irmãzinha havia afogado com o leite e a mãe não sabia o que fazer. É um fato que acontece muito, uns casos são mais fáceis de resolverem, outros mais complicados. A menina passou o telefone para a mãe, a partir daí passei a orientar. O primeiro passo foi acalmá-la. Em função do estado em que se encontra a pessoa tem dificuldades de raciocinar tomando atitudes que só pioram a situação. Após acalmá-la, passei as orientações, passo a passo, e deu certo, salvamos a criança. A criança estava com obstruções das vias aéreas, ela deve ser colocada de bruços, na palma da mão, apoiada no joelho da mãe e receber tapinhas na costa. Após três a quatro tapinhas, observa-se se saiu o leite, ou se ainda está sem respirar, com uma fralda tirando o excesso de leite, que certamente irá sair. Se a criança não estiver respirando vira-a de novo, mais tapinhas nas costas até que ela consiga expelir o que está obstruindo as vias aéreas. Vira-a novamente de frente, seca o excesso de leite que tenha saído pelo nariz ou pela boca, e observa se ela irá voltar a respirar. Se porventura não voltar, dificilmente isso acontecerá, com a boca o adulto abarca o nariz e a boca da criança, fazendo como se fosse uma máscara com a própria boca, assopra, isso irá auxiliar na desobstrução das vias aéreas.


 
Quando você começou a se interessar por esportes?
O incentivo inicial eu tive através do meu tio Antonio Fernando Paixão, que era ciclista oficial e medalhista olímpico. Ele era de Aguaí, oficial da Aeronáutica, ele tinha várias bicicletas de competição, entre elas ele me deu uma, quando eu tinha uns dez a onze anos, conservo-a até hoje, é uma Caloi 10, ano de fabricação 1984, ele me deu em 1986,  para a época era o que tinha e melhor, bem diferente das bicicletas profissionais existentes atualmente. Optei por trabalhar e pedalar nas horas disponíveis.


 
Qual foi a primeira vez que você competiu?
A primeira competição que participei foi quando tinha 12 anos de idade, em Aguaí. Era em uma avenida em que o pessoal fazia algumas provas. Meu tio sempre incentivando. Nessa primeira prova fui classificado em terceiro lugar. Isso me animou muito. Isso foi na época do Bagunça, que era uma bicicletaria que havia lá, literalmente era uma bagunça mesmo. Chamava-se Bicicletaria do Bagunça. O Bagunça era o bicicleteiro. É comum encontrar um ciclista em uma bicicletaria, se quiser achar um ciclista basta ir até uma bicicletaria a afirmação será: “- Daqui a pouco ele estará ai!”. O Bagunça tinha uma equipe de ciclistas que na época era uma das mais fortes da região. Nesse meio ele conseguiu escrever uma história, através do esporte, da bicicletaria, conseguiu ser eleito vereador, com isso o ciclismo na cidade melhorou muito, graças ao seu apoio. Ali surgiram muitos talentos do ciclismo. Foi lá que assinei um contrato com a Trek Brasil, uma marca dos Estados Unidos representada por uma empresa sediada em São José dos Campos. Pedalei com eles até meus 21 anos. Rescendi o contrato e entrei para a Polícia Militar do Estado de São Paulo. Fiquei oito anos sem mexer com bicicleta.
Com que idade você voltou a praticar o ciclismo?
Com 29 para 30 anos.






 
Para reiniciar a prática do ciclismo já era uma idade significativa?
Todo esporte de alto nível o alto rendimento ocorre entre os 27 até os 34 a 35 anos.
Quando você retomou o ciclismo foi em um ritmo crescente?
Retomei indo à Monbuca e voltando, são 22 quilômetros. Com uma bicicleta normal, adquirida no mercado. A linha de bicicletas de competição é muito mais elaborada. Fiz uma preparação de uns nove meses, de janeiro a setembro, isso foi em 2004. Em 23 de setembro de 2004 competi em Rio das Pedras, Eu e o Sérginho,competimos em dupla, era um circuito por planilha, de regularidade, saia do centro,ia para a Fazenda São Jorge, Souza, Viegas, e voltava, dava uns vinte e poucos quilômetros, andando na terra, eu nunca tinha pedalado nessas condições, antes eu fiz o circuito de estrada. Tinha andado bem pouco em estrada de terra no sítio.
Qual é a diferença entre pedalar no asfalto e na estrada de terra?
É bem grande. No asfalto rende muito mais, é mais leve para pedalar, faz menos força, ao passo que tem que ter mais resistência física para longas distâncias. Na terra se faz bem mais força. No final da prova ficamos em décimo segundo lugar. Muita gente não atingiu essa marca. Ele acabou desistindo de continuar a competir porque as outras etapas seriam longe. Ai comecei a treinar com a minha esposa, ela já gostava, mas não competia, começamos a treinar quase um mês depois fomos competir em Morungaba. Ganhamos na categoria dupla mista, e ficamos em sexto lugar na categoria geral das duplas. Havia 60 e poucas duplas. Decidimos que iríamos competir em categoria solo, em 2005 disputamos cada um em sua categoria. Fui vice-campeão do Estado de São Paulo, pela Copa Caloi. Minha esposa foi a terceira classificada na categoria feminina. Fui evoluindo, sempre com bons resultados, sigo uma planilha de treinos que é feita ela Quest Academia, de Rio das Pedras, o preparador físico é o Romeu Valerini Neto, muitas vezes deixava pela manhã o plantão que tinha realizado a noite e ia treinar sem dormir.



 
A sua atividade como atleta o ajuda para o exercício da sua profissão?
Sem dúvida! O esporte influencia não só no serviço como também para a vida. Quando me sinto estressado pego a bicicleta e saio pedalando. Desligo do mundo! Pedalo 55, 60, 70 quilômetros, nem sinto o tempo passar. Ontem à tarde saí para pedalar, andei 56 quilômetros em estrada de terra, isso em aproximadamente duas horas e vinte minutos.
Quantos quilômetros por hora você faz em média?
Ontem foi fraco, deu 22,8 quilômetros por hora em média.
Qual é a velocidade máxima que você atinge em uma bicicleta?
Ontem, que eu me lembre, deu 50 e poucos quilômetros por hora, em prova, em descida, deu 78 quilômetros por hora. Ficou gravado no meu ciclo computador.
Quais equipamentos de segurança você usa?
Uso luvas, capacete, óculos e uniforme que é feito com um tecido apropriado, para no caso de uma queda minimizar as escoriações. É comum o uso de bretelles (basicamente uma bermuda com alças). Diversos homens que preferem usar bretelles, por não ter elástico ou cordão na cintura, que incomodam alguns, e pelo fato de ter alças e não tem perigo de cair. O pé fica preso no pedal, a sapatilha é clipada (presa com uma trava) no pedal para aproveitar melhor a força. Dá-se o efeito motor, tanto puxa, quanto empurra o pedal, isso resulta em um rendimento melhor.



 
Quantas marchas têm uma bicicleta de competição?
Houve uma evolução muito grande, até alguns anos o máximo era de 27 marchas, três coroas na frente e nove coroas atrás. Atualmente são 30 marchas, 10 atrás e três na frente. A bicicleta que uso atualmente é de 20 marchas, duas coroas na frente e 10 coroas atrás, isso por ser aro 29. Freio hidráulico, a disco. Em uma velocidade de 40 quilômetros por hora após acionado o freio a bicicleta ela estanca a uns 10 metros do local em que o freio foi acionado. A evolução da bicicleta não se restringiu as marchas e freios, as bicicletas anteriores tinham o raio das rodas convencional, o aro 26. Atualmente estamos usando as bicicletas de aro 29. Tem um aproveitamento muito melhor, embora exija um pouco mais do atleta, a transposição de obstáculos torna-se bem mais fácil. Rende muito mais na parte reta, de pedal mais solto.
Qual é a largura do pneu?
Existe várias medidas. Hoje uso o pneu 2.2 para competir, é um pneu com uma aderência melhor. Tem uma superfície de contato com o solo de aproximadamente uns quatro centímetros e meio. É um pneu considerado largo. Com a calibragem correta ele toma o formato de uma pêra. Haverá a aderência lateral e o contato para acionar e frear. Essas bicicletas de competição são feitas de alumínio aeronáutico, o escândio. É uma liga mais resistente e mais leve.
Quantas libras usam um pneu desses?
Costumamos calibrar conforme o terreno em que vamos rodar. Sé é um terreno muito técnico, com muita subida usamos uma libragem um pouco menor. Entre 28 e 30 libras.  Se for terreno arenoso, com saibro, usamos essa mesma calibragem. Se for um terreno mais firme, com muita subida, utilizamos entre 30 e 35 libras. No caso de estrada entre 35 e 40 libras.
Você já competiu com chuva?
Já. É duro demais. Muda completamente as estratégias. Tem que administrar a força, o barro, No cross country os atletas competem numa corrida em terreno aberto ou acidentado, são provas que sacrificam muito o atleta, ele sabe que terá que dar várias voltas em um circuito só. As condições psicológicas do atleta tem que estar muito bem, ele sabe que terá que passar por seis vezes pelo mesmo local, pela mesma subida, mesma poça de lama. Tem que estar com o conjunto perfeito. Com chuva o desgaste físico é maior, triplica a necessidade de ingestão de líquidos. O cuidado com o equipamento é maior para poder concluir a prova.
Você realiza salto de altura?
Existe também, tem o “drop” de até 1 metro. O ciclista consegue ficar em cima da bicicleta, é mais trabalhoso, dificilmente cai.
Qual é a quantidade de líquido que um atleta ingere em uma prova?
Recentemente corri em São João da Boa Vista, com um calor insuportável, prova curta de 40 quilômetros, uma duração de uma hora e quinze minutos, nesse período ingeri uns dois litros de água e isotônico mesclados. Além do reservatório na bicicleta, durante a realização a organização oferece líquidos também.
Qual foi a prova mais longa que você já competiu?
Foi a Brasil Ride Our Map, percurso de 100 quilômetros, uma etapa de aquecimento para o Brasil Ride Oficial que começa dia 19 de outubro, na Bahia, corri uma etapa que teve em Botucatu. Fiz uma com duração de quatro dias o Desafio Internacional dos Sertões, foi em 2008. Consegui me classificar entre os cinco primeiros, com competidores das Américas e Europa.
Você chegou a participar de provas no exterior?
Fui para o Uruguai, Argentina e recentemente para a Colômbia, onde disputei em uma prova destinada a competidores militares. No Rio de Janeiro disputei na categoria oficial de militares, onde fui vice-campeão. Disputei em Brasília, 70 quilômetros destinados a competidores militares, fui o terceiro Rei da Montanha.
O que é Rei da Montanha?
O competidor que sobe mais forte ganha um prêmio. Era duas voltas de 35 quilômetros cada uma, na segunda volta, contava o Rei da Montanha, uma subida de três quilômetros, em Águas Lindas de Goiás, ao lado de Brasília. É comum nas provas de ciclismo a premiação ao Rei da Montanha, aonde o ciclista que chegar primeiro recebe uma série de prêmios. Como era categoria internacional valia ponto para o Mundial. Vieram militares de outros países. Contado o tempo da parcial, de onde começava a marcar até onde fechava o Rei da Montanha, o americano passou com 12segundos e 30 décimos, o colombiano com12 segundos e trinta e um décimos e eu 12 segundos e trinta e dois décimos. Fui classificado em terceiro lugar como Rei da Montanha e quinto na prova. Passei pela equipe inteira do Exército que contava com seis atletas.
Quantas medalhas você já conquistou?
Em nove anos participei de trezentas provas, sendo que imagino ter umas 250 com resultados, é o que tenho de medalhas e troféus.
Você tem algum patrocínio?
Graças a Deus recebo o apoio de algumas empresas que me ajudam no custeio de alimentação, equipamentos, viagens.
Você compete com uma bicicleta só ou tem outra de reserva?
Tenho uma oficial para correr (aro 29) e outra de treino (aro 26).
Durante uma competição já aconteceu de estourar um pneu?  
Tem toda uma técnica, hoje eu consigo trocar um pneu em dois minutos e cinquenta segundos. Troco a câmara, encho e coloco lá. Até nisso a tecnologia já chegou, nós usamos um anti furo dentro da câmara de ar. É um líquido que é injetado na câmara e ele protege, furou ele mesmo remenda, você nem percebe.
Você compete à noite?
Já competi a noite. O maior problema é enxergar.
Alguma vez teve algum incidente com insetos ou animais em suas disputas em estradas de terra?
Aconteceu no Horto Florestal em Limeira, dada a largada, passamos por um veículo da imprensa, estavam filmando o pessoal que passava, eu estava com outro ciclista na minha frente, vi que o repórter estava se abanando, dando tapas no ar, passamos, era um enxame de abelhas, a minha velocidade aumentou muito, tanto que ganhei a prova.
Em seu ponto de vista o ciclista deveria ter mais informações sobre as leis e regras de trânsito?
Acho que deveria seguir os mesmos passos que são dados para conduzir um veículo comum. Criar uma conscientização maior sobre as regras de trânsito. Deveria haver uma campanha de conscientização dos ciclistas, e dos motoristas também. Não adianta o ciclista se moldar e o motorista não. É uma questão cultural. Nas décadas de 50 e 60 era um dos esportes que tinha uma cobertura gigantesca. Aguaí, cidade onde nasci o banco teve que se adequar aos clientes, não tem estacionamento de carros em frente ao banco, existe um bicicletário. Bicicletaria existe uma em cada esquina. Sou Tri-Campeão em Aguaí, da Copa Sul-Minas de Mountain Bike Cross Coutry.  No próximo dia 27 de outubro teremos o Bolão Nacional de Ciclismo em Rio das Pedras, a partir das oito e meia da manhã, com saída do portal da Painco, na saída para Mombuca.  Estarão participando todos os ciclistas desde a categoria Elite, Expert, Estreiante e Veteranos. Para Estreante e Veteranos será 23 quilômetros e para Expert e Elite 52 quilômetros. Vai até Mombuca, vira no sentido Serra D Água, até o Parazinho e volta. Tem troféu e medalha do primeiro ao terceiro classificado, Medalha para o Rei da Montanha e prêmio  para o primeiro, segundo e terceiro colocados.

 
 

segunda-feira, outubro 14, 2013

MARIA HELENA da SILVEIRA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de outubro de 2013
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: MARIA HELENA da SILVEIRA

 


O livro “Uma História de Amor Eterno” é um tributo que Maria Helena Silveira fez em homenagem aos seus pais Manoel Sebastião da Silveira e Regina Beltrame. É um relato completo desde quando se conheceram até quando faleceram prestes a completarem um século de vida. A família dá seu testemunho de que a riqueza espiritual supera e muito, as dificuldades materiais. Manoel e Regina viveram 76 anos de feliz união.

Em que localidade você nasceu?

Nasci no bairro rural Peruca a 23 de janeiro de 1946. É um bairro situado na estrada que liga Piracicaba a Laranjal Paulista, passa por Formigueiro, bairro Vai e Vem, na Fazenda do Milhã, Fazenda Velha, Arraial de São Bento, Sítio Novo, até Laranjal Paulista. É conhecida como “Estrada por dentro”. É uma alternativa a estrada que vai por Tietê. Na época em que eu morava no sítio tinha o ônibus que chamávamos de jardineira, ligava Piracicaba a Laranjal Paulista.

Qual é o nome dos seus pais?

Meus pais são Manoel Sebastião da Silveira e Regina Beltrame. Tiveram 10 filhos: o primeiro filho da minha mãe morreu bebezinho, chamava-se Theotônio, depois vieram os filhos: Ana, Pedro, José, João Batista, Maria Helena, Sebastião Davi, Inês Aparecida, Antonio Carlos e Cacilda Isabel.

Seus pais eram proprietários do sítio onde trabalhavam?

Eles tinham um sítio que lhes pertencia, acabaram vendendo porque o sítio era pequeno, tinha que ficar plantando em terras terceirizadas. Os filhos foram crescendo e ele queria uma profissão para os filhos. Eu tinha 13 anos quando a minha família mudou-se para a cidade, já tinha cursado até o terceiro ano, minha professora era a Dona Lourdes, isso na Escola Mista do Bairro Peruca. No sítio não havia quarto ano.

Porque o bairro chamava-se Peruca?

Em decorrência de um senhor conhecido por Peruca, era dono de muita terra. Todos o chamavam de Seu Peruca, o bairro acabou sendo chamado de Peruca, ele tinha muitos meeiros. Havia uma colônia de casinhas dos meeiros dele. Eu ajudava minha mãe no serviço doméstico, meu pai tinha umas vacas leiteiras, lembro-me que ia prender os bezerros a tarde. Eu recolhia as vacas e os bezerros, ia a pé, porque não era muito longe. As vacas eram mansinhas, mansinhas. A primeira vaca que meu pai comprou quando mudamos nesse sítio, chamava-se Baia, ela tinha uma novilha chamada Prata. Depois ele adquiriu as vacas Nobreza e Rolinha. A essa altura a Prata já tinha criado, ele estava com quatro vacas de leite. Distribuía leite até para os vizinhos,  

Aos treze anos juntamente com sua família vieram morar em que bairro de Piracicaba?

Viemos morar na Rua Marquês de Monte Alegre, 1038, próximo ao Cesac. Isso foi em 1959.

Já tinha sido construída a Igreja São José?

Havia apenas o terreno, o alicerce estava sendo construído, eu ia brincar no monte de areia. Em volta havia poucas casas. A Rua Marques de Monte Alegre era cheia de casas, em frente a igreja, no sentido de quem vai mais para o bairro havia poucas casas. Era bem descampado. Descendo a Rua Ubatuba não havia casa. O Grupo Escolar Dr. João Conceição foi construído depois, era tudo um campinho. Havia muito terreno vazio.

Você continuou seus estudos?

Fui fazer o curso de costura, aprendi um pouco no SESI que funcionava na Sociedade Italiana, na Rua D. Pedro I, fui por pouco tempo. Minha mãe arrumou uma senhora que ensinava costurar, ficava próxima a Praça Takaki, na Rua Maria Nazareth, era a Dona Olívia, ela me ensinava a costurar a noite, minha mãe fazia-me companhia no trajeto. Ali terminei de aprender a costurar, minha mãe também costurava, ela me ajudava. Trabalhei toda a vida como costureira. Bem mais tarde voltei a estudar, Minha primeira máquina foi da marca Elgin, movida a força dos pés, com pedal, não tinha motor. Eu fazia calça para alfaiates, eles cortavam o tecido e davam para as costureiras costurarem. Cheguei a fazer sete calças em único dia. O tecido utilizado na época para calças era a calça de casimira. Depois começou a vir o tecido tergal. Costurava também sob medida, tanto roupas masculinas como femininas. Fiz vários vestidos de noiva. Cheguei a montar uma confecção com a minha irmã, mas ficamos um pouco de tempo só. Ela costura comigo até hoje. Atualmente trabalho mais com consertos, as pessoas compram muita roupa pronta e nem sempre são do agrado delas, sempre tem algum ajuste, alguma coisa para fazer. Faço mais isso hoje, mas ainda faço roupas.

A senhora é casada?

Não sou. A princípio achava que iria ser uma religiosa, cheguei a fazer algumas experiências em algumas congregações, participei de encontros vocacionais, mas eu sentia que em casa eles precisavam demais de mim. Depois eu achava que tinha um trabalho intenso na paróquia, achava que poderia fazer muita coisa sem ter ido a um convento.

Que tipo de trabalho a senhora fazia?

Trabalhei muito nessa paróquia. Trabalhei na catequese, fui catequista, coordenadora, tenho o trabalho realizado na comunidade, a paróquia é dividida em pequenas comunidades. Na comunidade eu fazia de tudo, recolhia o dízimo, fazia os encontros da reza semanal, faço até hoje. Atualmente o dizimo é levado diretamente para a igreja. No começo quando trabalhei na catequese, fiz um trabalho muito dedicado lá no “Risca-Faca”, como era conhecida a atual Vila Cristina.

Você conheceu o Frei Sigrist?

Conheci muito o Frei Sigrist, era outro São Francisco! Uma simplicidade total e uma cultura muito elevada. Um homem muito culto e que morava em uma favela. Não cheguei a trabalhar na favela com o Frei Sigrist mas o conheci porque na época ele dava aula para agentes da pastoral.

Como era a Vila Cistina na época?

O pároco da Igreja São José Monsenhor Luiz Gonzaga Giuliani quando chegou à paróquia, queria que as catequistas fossem de casa em casa buscar as crianças domingo de manhã para trazer à missa. Nós íamos no Risca-Faca de porta em porta, chamar as crianças, tirá-las da cama, para trazê-las a missa. Quantas vezes eu fiz isso? A pé! Depois tinha que levá-las de volta. A catequese, com essas crianças, fazíamos nas casas do bairro. Às vezes até embaixo de uma árvore.

Tinha algum atrativo para motivar essas crianças?

O Monsenhor fazia, quando chegava ao final do ano dava presentinhos na novena do Natal, Fazia muito sorteio dava para as crianças um tipo de um pequeno álbum, a cada encontro da catequese as crianças ganhavam um santinho, como se fosse um álbum de figurinhas, após preencher aquele pequeno álbum de santinhos, a criança ganhava um premio. No dia das Crianças dava doce. Ele cativava as crianças.

Qual é a importância da Igreja São José para o bairro?

Foi muito importante! Para mim principalmente que vim da área rural, foi na igreja que aprendi muita coisa. Devo muito ao monsenhor, através de cursos de formação de catequese, a formação de agente pastoral, ganhei muito com isso. Só depois é que fui fazer o MOBRAL, ai me despertou a perspectiva de estudar. Isso foi em 1969. Prestei exame de admissão, necessário naquela época, assim fui cursar o ginásio, isso em 1970. Nessa época já estava construído o prédio atual do Ginásio Dr. João Conceição, que tinha só o curso primário, no mesmo local o ginásio foi ocupado inicialmente pela E. E. Prof. Alcides Guidetti Zagatto, onde funcionou por alguns anos. Consegui estudar ali meus quatro anos. Conclui o ginásio no Zagatto, que já havia se mudado para o prédio atual. O curso colegial fiz um ano no Colégio Piracicabano, era escola particular. Parei de estudar por razões econômicas. Depois fui fazer supletivo. Fiz dois anos no Dom Bosco. Pensava em fazer uma faculdade, mas por empecilhos financeiros não foi possível.

A senhora acha que doou muito de si para a comunidade?

Doei! Tenho uma alegria imensa em ter doado a minha vida para o trabalho pastoral. Dediquei o melhor da minha vida para a comunidade. Tenho muita alegria em falar isso.
Minha mãe dizia: “- Porque fazer tanto! Não tem mais pessoas que possam também trabalhar? Só você que tem que fazer?”. Eu respondia-lhe: “Não é só eu, é que outras pessoas não fazem!” Eu estava sempre na coordenação, o trabalho é dobrado.
 
Financeiramente a senhora não teve nenhuma compensação, qual foi sua recompensa?

Recebi muita formação, o Monsenhor Luiz Gonzaga promovia cursos para nós. Fiz diversos cursos de formação, entre eles um de formação catequética, em Campinas, na casa de umas irmãs chamadas Lumen Christi em Campinas. Fiz um curso de várias etapas, fiz um curso de Teologia da Diocese foram várias etapas, quando chegou ao final, por motivos domésticos, não pude concluir o curso. Depois voltei a fazer a Teologia aqui no Seminário Seráfico São Fidelis. Na época lecionavam lá Frei Sigrist e Frei Augusto.

Como a senhora vê a realidade das pessoas menos favorecidas?

O pobre do Evangelho não é o pobre material, é o pobre de espírito. È pobre que não tem Deus, não tem conhecimento da fé. Para Deus a matéria não tem valor, ela é importante enquanto você permanece aqui. Ninguém irá levar nada dos seus bens materiais.

A senhora é uma idealista?

Sou, tenho um ideal. Pertenço a um grupo de leigos associados a Congregação dos Missionários Claretianos. Já faz 40 anos que pertenço a esse grupo. Conheci esse grupo de leigos nessa época em que eu queria ser religiosa, participei de encontros vocacionais, tive a oportunidade de conhecer esse grupo de leigos. Com o Concilio Vaticano II ele teve uma abertura muito grande. Foi reformulado. Esse grupo está espalhado, onde os claretianos tem casa eles têm os grupos de leigos, sou privilegiada, aqui em Piracicaba não existem claretianos, eu ia  a São Paulo, na Editora Ave Maria, participar de reuniões. Ficava na Rua Martim Francisco, no bairro Santa Cecília. Eles têm um seminário em Campinas, às vezes eu ia para Campinas.

A senhora morou na Rua Marques de Monte Alegre quantos anos?

Moramos lá por cerca de 19 anos. Alugamos uma casa na Rua Bernardino de Campos, próximo ao Colégio Dom Bosco. Com o dinheiro que o meu pai tinha ele queria comprar uma casa, só que esse dinheiro não dava para comprar uma casa, ele comprou esse terreno aqui. E construiu essa casa. Aqui o nome correto é Jardim São Miguel, estamos nessa casa já há 35 anos. Foi uma das primeiras casas do bairro, não tinha asfalto, era só buraco porque aqui é muita descida, a chuva abria aquelas valetas. No dia de chuva tinha que ir com um calçado até a Avenida Nove de Julho, e trocar o calçado, para ir á uma missa, ou algum lugar. Era muita lama, era horrível sair em dia de chuva, logo depois passou o asfalto.


Avenida Dr. Paulo de Moraes logo após ser construída, do lado direito ainda se vê os pés de café da Chacara Nazareth. As edificações são quase inexistentes.


A Avenida Dr. Paulo de Moraes já estava aberta?

Abriu naquela época, beirando a Avenida Dr. Paulo de Moraes na Chácara Nazareth, ainda existiam as vacas de leite, existia uma cerca onde elas ficavam. Quando construímos a nossa casa fotografamos a Avenida Dr. Paulo de Moraes, não havia nenhuma construção ainda. A nossa casa foi construída pelo meu pai, um irmão dele que trabalhava como pedreiro, residente em Quatá, cidade do Estado de São Paulo. Esse meu tio vinha e ficava a semana toda




O livro que a senhora escreveu  “Uma História de Amor Eterno”é ilustrado com muitas fotografias.

É sim, inclusive recuperei uma que o meu pai deu para a minha mãe quando começaram a namorar. Tem um versinho escrito por ele atrás da fotografia: “ Minha querida Regina Beltrame, queira aceitar esta fotografia, de lembrança do seu aniversário. Com pena pequei na pena, com pena para te escrever, com pena larguei da pena, com pena de não te ver” Ele escreve ainda: “Desse coração que por ti padece.”.

Qual era a profissão do seu pai?

Ele trabalhava no roça. Antes de vir morar na cidade foi contratado a 2 de agosto de 1948  pela prefeitura para trabalhar como conserveiro das estradas, ele deixou a roça, o sítio era pequeno, meus irmãos foram crescendo, mudamos para a cidade. Ele continuava ainda a trabalhar no sítio. Ia pela manhã e voltava à tarde pela jardineira.
Ele foi trabalhar na turma, iam de caminhão para abrir estradas com picareta. Ele permaneceu um ano nesse serviço, quando foi transferido para trabalhar como guarda de abrigo público, nos sanitários municipal. Depois o passaram para chefe, cargo em que se aposentou. Meu pai fazia muito serviços em casa. Fazia vassouras. Fabricava doces, ele tinha a experiência do tempo em que havia montado uma padaria no sítio, logo que se casou, foi onde aprendeu a fazer doce, pão. Em casa ele fazia doce de abóbora, cocadas, doce de mamão, de batata. Colocava os doces nos tabuleiros, para secar, nós íamos vender os doces que ele produzia. Muitas vezes entreguei doces feitos por ele. As crianças ajudavam-no muito, não tinham tempo para ficarem ociosas, sempre tinham um pequeno serviço em casa.

Como educadora, o que a senhora pensa a respeito de criança não poder trabalhar?

Em minha opinião deveria haver uma conciliação, não dispensar de uma vez o trabalho. Meu pai arrumou um serviço para o meu irmão caçula, Antonio Carlos, quando ele tinha sete anos, era para trabalhar em uma farmácia, entregava remédios. Ele ia à escola, depois da escola ia ajudar na farmácia. Meu pai dizia que ele tinha que aprender, a ter responsabilidade. Não sou partidária de um trabalho forçado, de um trabalho pesado para crianças. Meu pai fazendo pequenos serviços em casa nos ensinou a amarrar vassouras, cortar as pontas bem certinha. Ajudavamos a descascar as frutas para fazer os doces. E depois os entregava. O excesso de zelo com as crianças considero como uma desculpa para que a criança não trabalhe. Elas devem aprender a fazer as coisas desde cedo, quando crescer será mais difícil aprender a trabalhar. Se estudarmos a vida de pessoas ilustres, veremos que desde os cinco anos a pessoa já começa a despertar aquilo. Os meninos iam para o seminário com onze a doze anos. E não voltavam a ver os pais.

A senhora lê bastante?

Leio.

A senhora é uma pessoa que está de bem com a vida.

Tenho freqüentado um grupo de terapia, chama-se “Oficina de Emoções”, comecei a ir para motivar outras pessoas a irem. Agora estou indo, sinto que me faz muito bem.

O que é terapia?

É a gente se conhecer. Nós não nos conhecemos. Com essa terapia começamos a entrar em nosso interior. Os sentimentos emocionais têm que ser equilibrados. Temos que aprender a lidar com o emocional. Aos poucos cada um conhece a si mesmo, conseguindo trabalhar a nossa própria história. Vivemos aprendendo. Aprendemos a cada dia.

 

ALEXANDRE SABINO NETO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de outubro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ ENTREVISTADO: ALEXANDRE SABINO NETO

 





Alexandre Sabino Neto é médico cardiologista clínico e cirurgião. Seu avô Alexandre Sabino (houve um aportuguesamento: a grafia e a pronúncia da palavra foram adaptadas para o português), veio do Líbano por volta de 1897 Sua avó Nagibe ( Nagibe com a letra “e” é feminino de Nagib), veio da Síria, casaram-se em Ribeirão Preto, ambos tinham imigrado para o Brasil e chegaram ao país através de Belém do Pará, de onde seguiram para Santos e em seguida para Ribeirão Preto onde permaneceram até os idos de 1912. Lá tinham um comércio a Loja Verde, ficava na Rua Saldanha Marinho. Nascido a 10 de fevereiro de 1959, Alexandre Sabino Neto é filho de Aniz Sabino e Thereza Pereira Sabino, descendente de italianos e portugueses. Seu pai era comerciante na cidade de Penápolis onde abriram uma loja por volta de 1925 e a mantiveram até a pouco tempo, eram sete irmãos, foram falecendo.

O senhor tem irmãos?

Tenho mais dois irmãos, que também são médicos, Roberto Sabino em Ribeirão Preto e Jorge Sabino no Rio de Janeiro. Somos três operários médicos.

A sua permanência em Penápolis foi até que idade?

Vivi em Penápolis até meus 16 ou 17 anos, ai fui embora para São Paulo. Em Penápolis fiz escola primária, ginásio e colégio, minha primeira professora foi Dona Maria Amélia Uriguela, vizinha da minha casa até hoje. Lá mantenho um consultório. Fiz o ginásio no Colégio Estadual Carlos Sampaio Filho, que foi médico em Penápolis. Pratiquei esportes como basquete, vôlei. Mais tarde joguei nas InterMeds, torneio entre faculdades de medicina. Sempre estudei muito, a partir do primeiro colegial comecei a estudar fervorosamente para entrar na USP – Universidade de São Paulo. Tanto é que saí do colégio e entrei na USP, o terceiro ano colegial fiz junto com o Curso Objetivo em São Paulo, na Avenida Paulista, em 1976. Prestei o vestibular, foi o primeiro da Fuvest, eram questões dissertativas, nunca imaginei que fosse passar, eram 59 candidatos para cada vaga.

O que o motivou a escolher a medicina como profissão?

Desde criança já tinha esse pensamento em tornar-me médico. Meu tio Mario Sabino, que se tornou o nome da rua onde tenho o consultório, era médico. Sempre convivi com ele, seu consultório ficava em frente a minha casa, era na época dos médicos de família, um período muito romântico, muito bonito. Meus pais sempre nos incentivaram a sermos médicos. No primeiro ano colegial tive uma pequena inclinação para a aeronáutica, mas decidi que ia estudar medicina. Após todo o meu preparo, após a faculdade, fiz 10 anos de residência médica.

O senhor fez medicina em qual faculdade?

Na USP em Ribeirão Preto. São seis anos de curso. Fiz mais um ano de cirurgia geral, logo em seguida comecei a desenvolver na área de cirurgia cardíaca. Fiz residência de cirurgia cardíaca, fui trabalhar com o Dr. Adib Jatene em São Paulo, realizei seis anos de residência em cirurgia cardíaca e mais quatro anos em transplante cardíaco, de 1989 até 1995. Nessa época morei no Edifício Copam, no Bloco F, no centro de São Paulo. O apartamento era da minha família. Isso na época em que muitas famílias do interior tinham apartamento em São Paulo. Permaneci morando ali até 1987, acabei me casando com a médica Valéria Braile e fomos morar em frente ao Hospital Emílio Ribas, próximo ao Incor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). Dessa união nasceu a nossa filha Sofia que está se preparando para entrar na faculdade de medicina. O pai da Valéria, Dr. Domingo Braile, também é médico, pioneiro na produção de máquina de circulação extracorpórea, circulação artificial, oxigenadores (pulmão artificial), próteses, ele é da época do Dr. Zerbini, Dr. Jatene, é um médico muito conhecido.

O senhor trabalhou com Dr. Euryclides de Jesus Zerbini?

Trabalhei pouco com ele, logo que cheguei a São Paulo, em 1985. Era uma figura muito expressiva no meio clínico, um desbravador, para explorar a cirurgia cardíaca naquela época foi uma luta, muitos médicos americanos vinham sempre ao Brasil, assim como veio Dr. Christian Barnard, conheci todos eles.

Após dez anos de residência médica com Dr. Adib Jatene, qual foi a sua próxima etapa?

Fiquei como assistente por um período. O 1º transplante cardíaco na América Latina (17º no mundo), foi realizado no Hospital das Clínicas em São Paulo, Brasil, pelo Dr. Euryclides de Jesus Zerbini no dia 26/5/1968. O receptor foi um homem de 32 anos, o João Boiadeiro.

Como é o Dr. Adib Jatene?

Dr. Adib é um trator para trabalhar, um operário infalível, que trabalha incessantemente.  Aprendi muito com ele nesse aspecto: “Meu nome é trabalho”. Ele é extremamente criativo, inteligente, participativo, de pouca conversa. Focado o tempo todo em trabalhar. Nunca vi Dr. Adib com atividade social, nenhuma. Aprendi a escutar o programa de rádio “Hora do Brasil” com ele, estávamos sempre operando a noite e acabava escutando “Hora do Brasil”. Eu escuto “Hora do Brasil” até hoje! Tenho o habito de escutar jornalismo o tempo todo. Gosto muito de leitura. O Dr. Adib transporta para quem o cerca, a capacidade do trabalho, o próprio Dr. Zerbini também falava isso: “-Nada resiste ao trabalho”. A medicina só se aprende trabalhando. Há a necessidade de estudar, mas se não estiver vendo o paciente em sua frente, pondo a mão no paciente, auscultando o paciente com o estetoscópio, examinando com o otoscópio, fazendo a semiologia médica (Exames e avaliações físicas para o correto diagnóstico de patologias e afins), operando, se não fizer isso jamais saberá exercer medicina. Para tratar o paciente é necessário saber fazer o diagnóstico. Encaro os exames como sendo a documentação da semiologia médica, que é o exame físico, clínico. Exames complementados com a semiologia fica fantástico. Irá chegar precisamente em um determinado diagnóstico. Não pode ficar dependente cem por cento dos exames. Existe um termo muito utilizado em medicina: “ A clínica é soberana”. Tenho um paciente de Salto de Itú, que me procurou por ouvir dizer que eu era um médico indicado para seu caso.  Sem exame nenhum disse-lhe: “- O senhor tem a coronária obstruida!”. Disse-lhe isso por causa da sintomatologia bem clássica. Ele ia caminhar de cinco a dez metros tinha dor no peito, qualquer tipo de esforço fisico dava-lhe dor no peito. Na asculta do coração não aparentava nada valvular, a precordalgia, algia do precórdio, tinha discreta cianose labial, (lábios roxos).

O senhor costuma viajar para o exterior em jornadas médicas?

Sempre participei muito de congressos, quando realizados no exterior principalmente nos Estados Unidos. Geralmente acabava ficando alguns dias a mais em alguma clinica ou hospital.

Em que locais o senhor tem consultório atualmente?

Estou em Piracicaba, Salto de Itú, Penápolis e eventualmente em São Paulo. Isso foi ocorrendo de uma forma natural. Quando saí de São Paulo e fui morar em Penápolis novamente, pensava em desenvolver um hospital. Cheguei a construir um hospital. Só que optei em fazer tudo com recursos próprios, e medicina não funciona bem assim, hospital é caro, medicina é cara. Envolve investimentos muito grandes. Medicina é uma atividade muito sedutora, mas tem se tomar muito cuidado com a saúde mental do profissional. As pessoas entregam a vida ao médico, o que ele falar é lei. Chegou uma paciente com dor no peito, digo-lhe que não é coração, é uma dor epigástrica, esofagite, fique sossegada, vou lhe dar tal remédio, vou lhe curar. Estou sendo extremamente imperativo. Só que vou fazer alguns exames para fazer o diagnóstico diferencial, o eletro-cardiograma, para provar que não é, tanto para mim como para você. Essa imperatividade é que eu acho um pouco perigosa. Sempre me coloco no lugar do paciente. Tenho que ser verdadeiro, oferecer segurança.

Há uma corrente de pensamentos que diz que determinada doença ocorre em função do que a pesssoa mentaliza. O senhor concorda com isso?

Eu acredito, lógico, nesse aspecto de corrente psicosomática. O ser humano é um conjunto de massa, um ser orgânico, que por sua vez tem um campo magnético, esse campo magnético você pode chamar de alma, espírito, ogum, oxalá, como quiser chamar. Um copo tem uma massa, tem um campo magnético. Toda massa tem um campo eletro magnético. Tudo aquilo que você mentaliza você tende a puxar. Por exemplo: “-Eu quero aumentar o meu sucesso”.  Eu vou focar o meu sucesso. Voce passa a criar um caminho. Mas o que é o sucesso? Ficar rico? Ter resultados? O que é a prosperidade? O que é ser rico? Por dinheiro embaixo do colchão ou ter uma relação entre custo e benefício positivada? O que é qualidade de vida? O que é satisfação de vida? Existe uma série de conceitos que você tem que ir estabelecendo para que inclusive possa transmitir para as pessoas. Como médico inevitavelmente vejo o lado social da coisa. Tenho que transmitir salubridade para as pessoas. Algo positivo, bom. Para que a pessoa absorva a energia positiva. E sinta segurança. Se você mentalizar um câncer irá ter um câncer.

Partindo desse princípio não deveríamos assistir programas policiais em rádio ou televisão.

 Eu os anulo. Costumamos dizer que o povo gosta de ver sangue. Porque causa emoções. Costumo dizer que existe emoções positivas agradáveis. Temos que partir da premissa de que temos que ser uma pessoa simples, humilde. Para que você possa achar bonita uma orquídea. Não precisa ser fanático por orquídea, ter um orquidário. É o simples ato de olhar para uma orquídea e encher seus olhos, encher a sua alma. Um bom papo com os amigos. Sou muito novo na cidade, estou apenas a um ano e meio aqui em Piracicaba, meus amigos sempre me chamam,: “-Alexandre, vamos sair, vamos conversar!”. Eles gostam desse meu lado entusiasmado da vida.

O senhor é uma pessoa empolgada pela vida?

Sou, é bom desfrutar os prazeres com as pessoas, moro aqui no Hotel Beira Rio, os funcionários gostam de mim. Brinco, converso com todo o mundo. Desde os cargos mais simples até a diretoria.

O senhor é religioso?

Sou católico, praticante, muito rezador. Acho fantástico o exemplo que o Papa Francisco está dando. Acredito que nós todos temos que ter esse nosso lado espiritualista, para que exista os principio de começo,meio e fim. Acho importante que haja religiosidade independente de qual for a religião.

Essa opção do senhor em morar em um hotel é pela praticidade?

A minha mãe mora comigo. Aonde vou sempre a minha mãe está comigo. A família toda faleceu com o passar do tempo, sobrou praticamente eu e ela, que é uma pessoa empolgada pela vida. Temos que dinamizar a vida dela também. Não posso simplesmete colocá-la em um apartamento e dizer que tem uma pessoa que irá viver com a senhora, tenho as minhas atividades profissionais e de vez em quando irei fazer uma visita à senhora. Não concebo isso. Tenho que criar um certo dinamismo. Eu poderia estar alugando um apartamento, gastaria o mesmo valor ou talvez menos, mas aqui dentro deste hotel há um dinamismo todo. Essa dinâmica magnética é que acho interessante. Existe hotéis por ai que possam até ser melhores, mas não tem vida. Não tem com quem conversar. Nada acontece. Aqui há um fluxo de pessoas de todos os tipos, do mundo todo, americanos, europeus, latinos, sempre tem uma festa, um casamento. Sempre acreditei muito nesse encanto. Do seu viver. Do seu dia a dia.

O senhor conhece o Lar dos Velhinhos em Piracicaba?

Conheço, achei fantástico, inclusive tem uma senhora de Penápolis que mora lá. Dona Abadia Nobre. Ela foi fazer uma consulta, na hora em que a chamei pelo nome, chorei.

O senhor chora?

Choro, e não precisa muito para me fazer chorar. A vida é muito intensa, lido muito tempo com grandes emoções das pessoas. Quando vi Dona Abadia, passou pela minha frente o filme da vida. Toda vez que vejo o filme Cinema Paradiso eu choro. Lembro muito do meu pai, que mexia muito com fotos e cinema. Só que amador. Nós temos até hoje uma Payard Bolex, uma máquina fotográfica da época da Segunda Guerra uma Kodak Medalist, ele ganhou premio na Espanha, Holanda, em fotografia em branco e preto. Além de músico. A família toda gostava de música. Eu sempre toquei piano, acordeom. Na época da Segunda Guerra Mundial eles tinham a orquestra Jazz Sabino.

O senhor é motociclista?

Sou, tenho uma motocicleta Yamaha V-max1200. Gosto muito de avião. Na década de 90 fui médico do Grande Prêmio Fórmula-1 pela Unicor, fiquei na curva 3, nunca me esqueço, permaneci três dias lá: sexta, sábado e domingo. Conheci Airton Senna, Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet. Nessa época eu estava terminando a residência no Incor. Foi ai que acabei criando a minha empresa, Ascor- UTI no Ar. Sou piloto de avião também. Com a minha empresa acabei dando assistência médica em outras corridas em Interlagos, como as de moto velocidade, Fórmula Uno, Fórmula Corsa, Mil Milhas, nos transportes aero médicos que eu fiz, com helicóptero, avião. O avião permanecia locado em São Paulo e eu ia buscar doentes em todo e qualquer canto do mundo. Levei doente para Roma. Nesse caso eu levei em avião de carreira, pela Alitália, isolei nove poltronas, coloquei os tubos de oxigênio, coloquei um tipo de uma cortina, o americano chama isso de iglu. Era um menino italiano, de 20 anos, tinha tido uma overdose de cocaína, fez uma parada cardíaca na frente do Hospital Israelita Albert Einstein, reanimaram, ele saiu tetraplégico, fez uma isquemia cervical, dependente de um respirador artificial, para ser transportado para a Itália tinha que ser transportado com um respirador que eu levei. Foram onze horas de viagem. Na Itália ele ia implantar o marca-passo diafragmático que estava iniciando na época. É o marca-passo que faz a pessoa respirar, dá o movimento do diafragma, de ida e volta. 

Quais as conseqüências do tabaco para o organismo humano?

O tabaco indubitavelmente é deletério (Nocivo a saúde; venenoso), principalmente no aspecto pulmonar. O cigarro tem uma série de substâncias que causam rapidamente uma dependência, além de ser extremamente nocivo, criando o que chamamos de enfisematoso, causa DPOC (Doenças pulmonar obstrutivas crônicas). Vai atingir o coração que é a bomba do corpo, são duas bombas, uma de alta pressão e outra de baixa pressão. Uma vez mexendo com o aspecto cardiovascular, pressão que sobe, pressão que desce, o coração irá sentir, é a mesma coisa que andar com um carro com dois ou três dentes do freio de mão puxado. O carro está fazendo força nas bronzinas, nas bielas. nos anéis, freios, disco, pastilhas. É a mesma coisa que ocorre com o coração. O carro DKW Vemaguete tinha uma alavanca do lado esquerdo que dava a tal de roda livre. Sempre costumo dizer que para tratar bem, ter um bom prognóstico de doenças cardiovasculares tem que dar roda livre para o coração, ele tem que trabalhar livre. Sem oposição, sem encontrar resistência. Essas doenças são muito coligadas com esse aspecto mecânico, ou hidrodinâmico, que é o comprometimento cardiovascular de uma maneira sistematizada.

O senhor é piloto de qualquer tipo de avião?

Sou piloto de avião motor, a pistão como chamamos. Helicóptero eu gosto com reservas, oferece mais riscos. Nunca me esqueço que fui buscar uma criança em João Pessoa com um avião monomotor Bonanza, em vôo noturno, com chuva. Eu estava com um piloto, como médico sempre tenho um piloto junto. Trouxemos essa criança, um recém nascido com problemas de coração, para Vitória, Espírito Santo. Na Copa do Mundo na Califórnia fui buscar uma pessoa que sofreu um AVC (derrame). Vim em avião de carreira também. Para Nova Iorque fui várias vezes, levei pessoas notáveis, uma criancinha. A família do Chitãozinho mesmo eu fui buscar uma vez que tiveram um acidente em Assis. Na época fomos buscar com três aviões, eles estavam em um veículo Lumina que ficou prensado entre duas carretas. Isso foi em 1992 se não me engano. Trouxemo-los para a Beneficência Portuguesa, em São Paulo.

O Hospital Beneficência Portuguesa é uma referência cardiológica?

É referência mundial. É o hospital que mais opera coração no mundo todo. Chegou a operar 45 cirurgias cardíacas por dia. Sempre acumulou muitas equipes médicas, até 15 equipes médicas. O Dr. Antônio Ermírio de Moraes sempre foi um apaixonado por medicina. (O empresário sempre dedicou parte de seu tempo à Sociedade Beneficência Portuguesa de São Paulo, uma hora e meia todo dia). Ele investiu muito no hospital, tem um prédio da Beneficência Portuguesa que é um luxo, sendo que a prevalência da Beneficencia Portuguesa sempre foi previdenciária. Cerca de noventa por cento. Até hoje funciona assim. Eles trocaram sete máquinas de hemodinâmica a pouco tempo, cada uma custando cerca de um milhão de dólares. Tudo lá é de última geração. A maneira que eles trabalham a cada dia que passa é uma sistematização muito segura para o paciente.

O que o senhor pensa sobre a vinda dos médicos cubanos?

Não sou totalmente contra. Eles tem o preparo deles. Trabalham mais no lado profilático, que é o previdenciario. São médicos de profilaxia de doenças básicas. Está tendo um problema economico, o médico brasileiro tornou-se um operário, achatou a classe médica, e os médicos nem sempre estão se sujeitando a ir para lugares onde esse pessoal está indo com muita dificuldade. Até mesmo eles já estão desistindo. É um fato político, economico e da saúde.  Diante de uma situação dessas algum resultado positivo tem que haver. O governo achava que iria ter uma adesão magnífica deles, o que não está ocorrendo, isso porque as condições oferecidas não são satisfatórias. Vai ter que ser tomada uma atitude para melhorar as condições de atendimento.

O senhor acha que o governo precisa investir mais em saúde?

Não tenho a menor dúvida. Tem que existir um vigilancia maior. Estamos em um grande centro, como é Piracicaba por exemplo. Piracicaba hoje é uma bolha economica. É a bola da vez. Esse eixo, Piracicaba, Americana, Campinas, Sorocaba, é o “Vale do Silício” que se fala. (Na Califórnia, Estados Unidos, é uma região na qual está situado um conjunto de empresas, acabou virando sinônimo de centro de tecnologia). Trabalho aqui nessa área previdenciária, vejo que existem dificuldades que fogem no meio dos dedos dos governantes.

Por qual motivo essas dificuldades fogem ao controle do poder constituido?

Ai vem a parte complexa da coisa. Mesmo em cidades pequenas, como é a minha cidade de Penápolis, também fogem nos meios dos dedos dos governantes, as vezes é a parte economica, as vezes não consegue criar o clima dinâmico de regularidade. O bom na medicina é a regularidade médica. Por exemplo, escala de médicos de plantão, da noite para o dia fura tudo. Um ficou doente, outro quebrou o carro, outro a mãe ficou doente, ou o filho caiu da cama. Essa dinamica do dia a dia que gera stress nos profissionais da área médica, não ocorre só com o médico, mas também com a enfermeira, a auxiliar de enfermagem, o motorista da ambulância, o coordenador da escala de plantão, o próprio secretário da saúde. Todo esse conjunto na área médica tem que ter uma regularidade.

 

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