Millôr Fernandes
"Acreditar que não acreditamos em nada é crer na crença do descrer".
Considerado "um dos poucos escritores universais que possuímos", na opinião do crítico Fausto Cunha, filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no dia 16 de agosto de 1923 no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, com o nome de Milton Viola Fernandes. Só seria registrado no ano seguinte, tendo como data oficial de nascimento o dia 27 de maio de 1924. Sua certidão de nascimento, grafada à mão, fazia crer que seu nome era Millôr e não Milton. Seu pai, engenheiro emigrante da Espanha, morre em 1925, com apenas 36 anos. A família começa a passar por dificuldades e sua mãe passa horas em frente a uma máquina de costura para poder sustentar os 4 filhos. Apesar do aperto, o autor teve uma infância feliz, ao lado de 10 tios, 42 primos e primas e da avó italiana D. Concetta de Napole Viola.Estuda na Escola Ennes de Souza, de 1931 a 1935, por ele chamada de Universidade do Meyer, mas que na verdade era uma escola pública. Diz dever tudo o que sabe a sua professora, Isabel Mendes, depois diretora e hoje nome da escola. Se emociona ao falar sobre ela "...uma mulatinha magra e devotada, que me ensinou tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar. Depois disso, pode-se ser autodidata. Escola, a não ser para campos técnicos/experimentais, é praticamente inútil".A chegada ao Brasil das histórias em quadrinhos, em 1934, faz de Millôr um leitor assíduo dessas publicações, em especial de Flash Gordon, de autoria de Alex Raymond, e, com isso, dar vazão à sua criatividade. Sob a influência de seu tio Antônio Viola, tem seu primeiro trabalho publicado em um órgão da imprensa — "O Jornal", do Rio de Janeiro, tendo recebido o pagamento de 10 mil reis por ele. Era o início do profissionalismo, adotado e defendido para sempre.
Em 1935, também com 36 anos, falece sua mãe, o que faz com que os irmãos Fernandes passem a levar uma vida dificílima. Essa coincidência de datas leva Millôr a escrever um conto, "Agonia", publicado na revista "Cigarra" em janeiro de 1947, onde afirmava: "Tenho dia e hora marcada para me ir e o acontecimento se dará por volta de 1959". A morte da mãe o leva a morar em Terra Nova, subúrbio próximo ao Méier, com o tio materno Francisco, sua mulher Maria e quatro filhos.Trabalha, em 1938, com o Dr. Luiz Gonzaga da Cruz Magalhães Pinto, entregando o remédio para os rins "Urokava" em farmácias e drogarias. Durou pouco esse emprego. Logo vai ser contínuo, repaginador, factótum, na pequena revista "O Cruzeiro", que nessa época tinha, além de Millôr, mais dois funcionários: um diretor e um paginador. A revista, anos depois, chegou a vender mais de 750.000 exemplares. Com o pseudônimo "Notlim" ganha um concurso de crônicas promovido pela revista "A Cigarra". Com isso, é promovido e passa a trabalhar no arquivo.O cancelamento de publicidade em quatro páginas de "A Cigarra" fez com que fosse chamado por Frederico Chateaubriand para preencher as páginas que ficaram em branco. Cria, então, o "Poste Escrito", onde assinava-se Vão Gôgo. O sucesso da seção faz com que ela passe a ser fixa. Com o mesmo pseudônimo, começa a escrever uma coluna no "Diário da Noite". Assume a direção de "A Cigarra", cargo que ocuparia por três anos. Dirigiu também "O Guri", revista em quadrinhos e "Detetive", que publicava contos policiais.Ciente da necessidade de se aprimorar, estuda no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro de 1938 a 1943.Em 1940, muda-se para o bairro da Lapa, centro da cidade, e passa a morar próximo a Alceu Pena, seu colega em "O Cruzeiro". Colabora na seção "As garotas do Alceu" como colorista e versejador.Autodidata, faz sua primeira tradução literária: "Dragon seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A estirpe do dragão", em 1942.No ano seguinte retorna, com Frederico Chateaubriand e Péricles, à revista "O Cruzeiro". Em dez anos, a tiragem foi um grande êxito editorial, passando de 11 mil para mais de 750 mil exemplares semanais.Em 1945, inicia a publicação de seus trabalhos na revista "O Cruzeiro", na seção "O Pif-Paf", sob o pseudônimo de Vão Gôgo e com desenhos de Péricles.No ano seguinte lança "Eva sem costela — Um livro em defesa do homem", sob o pseudônimo de Adão Júnior.Sua colaboração para "O Cruzeiro", em 1947, atinge a marca de dez seções por semana.Em 1948 viaja aos Estados Unidos, onde encontra-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, o cientista César Lates e a estrela Carmen Miranda. Casa-se com Wanda Rubino.Publica "Tempo e Contratempo", com o pseudônimo de Emmanuel Vão Gôgo, em 1949. Assina seu primeiro roteiro cinematográfico, "Modelo 19". O filme, lançado com o título "O amanhã será melhor", ganha cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo. Millôr é agraciado com o de melhores diálogos.Em 1951, na companhia de Fernando Sabino, viaja de carro pelo Brasil, durante 45 dias. Lança a revista semanal "Voga", que teve apenas cinco números.Viaja pela Europa por quatro meses, em 1952."Uma mulher em três atos", sua primeira peça, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo (SP), em 1953.No ano seguinte, compra o imóvel que se tornaria famoso — "a cobertura do Millôr", no bairro de Ipanema, onde o escritor até hoje vive. Nasce seu filho Ivan.Em 1955, divide com o desenhista norte-americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, Argentina. Escreve “Do tamanho de um defunto”, que estreou no Teatro de Bolso (Rio) e, depois, adaptado pelo próprio autor para o cinema, tendo o filme o título de “Ladrão em noite de chuva”. Nesse ano escreve “Bonito como um deus”, que estréia no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo (SP), e ainda “Um elefante no caos” e “Pigmaleoa”.Em 1956, Millôr passa a ilustrar todos os seus textos publicados na revista "O Cruzeiro".No ano de 1957, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebe exposição individual do biografado. Realiza a cenografia de “As guerras do alecrim e da manjerona”. Esse trabalho foi premiado pelo Serviço Nacional de Teatro no ano de 1958.Nesse ano, conclui a primeira tradução teatral: “Good people”, então intitulada “A fábula de Brooklin — Gente como nós”. Fez parte do grupo que "implantou" o frescobol no posto 9, Ipanema, Rio de Janeiro.Escreve o roteiro de “Marafa”, a partir do romance homônimo de Marques Rebello. Em 1959. No mesmo ano, apresenta na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, a convite de Frederico Chateaubriand, uma série de programas intitulada “Universidade do Méier”, na qual desenhava enquanto fazia comentários. Posteriormente, o programa foi transferido para a TV Tupi do Rio de Janeiro, com o título de “Treze lições de um ignorante” e suspenso por ordem do governo Juscelino Kubitschek após uma crítica à primeira dama do país: Disse Millôr: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Nasce sua filha, Paula.Nos anos seguintes, já integrado à intelectualidade carioca, convive com Péricles, criador de "O Amigo da Onça", Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manson, Alfredo Machado, Fernando Chateaubriand, Emil Farhat e Accioly Netto, entre outros.Em 1960, depois de resolvidos os problemas com a censura, estréia no Teatro da Praça, no Rio, ”Um elefante no caos”. O título original da peça era “Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país” rendeu a Millôr o prêmio de “Melhor Autor” da Comissão Municipal de Teatro. O filme “Amor para três”, com roteiro do biografado, baseado em “Divórcio para três”, de Victorien Sardou, é dirigido por Carlos Hugo Christensen. Millôr colaboraria com esse diretor em mais três filmes: “Esse Rio que eu amo”, 1962, Crônica da cidade amada”, 1965, e O menino e o vento, 1967.Expõe, em 1961, desenhos na Petit Galerie, no Rio. Viaja ao Egito e retorna antes do previsto, tendo em vista a renúncia do presidente Jânio Quadros. Trabalha por 7 dias no jornal "Tribuna da Imprensa", Rio, que mais tarde pertenceu a seu irmão Hélio Fernandes. Foi demitido por ter escrito um artigo sobre a corrupção na imprensa. Os editores, o poeta Mário Faustino e o jornalista Paulo Francis pediram também demissão em solidariedade.No ano seguinte, na edição de 10 de março de “O Cruzeiro”, “demite” Vão Gôgo e passa a assinar Millôr. A Amstutz & Herder Graphic Press, importante publicação de Zurique, dedica uma página de seu anuário ao autor. “Pigmaleoa” é apresentada, sob a direção de Adolfo Celi, no Teatro Rio.Em 1963, escreve a peça teatral “Flávia, cabeça, tronco e membros”. Viaja a Portugal e, durante sua ausência, a revista “O Cruzeiro” publica editorial no qual se isenta de responsabilidade pela publicação de “História do Paraíso”, que obteve repercussão negativa por parte dos leitores católicos da revista. Millôr deixa a revista e começa a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, lá ficando até o ano seguinte.A partir de 1964, e até 1974, colabora semanalmente no jornal Diário Popular, de Portugal. A página mereceria o seguinte comentário de um ministro de Salazar: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português". Lança a revista “Pif-Paf”, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Foi fechada em seu oitavo número, por problemas financeiros.Volta à TV, em 1965, como apresentador na TV Record, ao lado de Luis Jatobá e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), do “Jornal de Vanguarda”. “Liberdade liberdade” estréia no Teatro Opinião, no Rio, musical escrito em parceria com Flávio Rangel.Composta pelo biografado, a canção “O homem” é defendida no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, por Nara Leão, em 1966. Monta, ao ar livre, no Largo do Boticário, Rio, só com atores negros, sua adaptação de “Memórias de um sargento de milícias”.Em 1968 atua, ao lado de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio, em “Do fundo do azul do mundo”, espetáculo musical de sua autoria. Passa a colaborar com a revista “Veja”.Na sua estréia, apresentou-se com o texto que abaixo reproduzimos parcialmente:
SUPERMERCADO MILLÔRANO I - N.º 1
(Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio)
"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras — reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.””... Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela....Aos quinze (anos) já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conhas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes ciclames. Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu.””Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. ...Creio que a terra é chata. Procuro não sê-lo. ...Tudo o que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.””A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.”·Ainda em 1968 escreve o texto do show “Momento 68”, promovido pela empresa Rhodia, que contou com a participação de Caetano Veloso, Walmor Chagas e Lennie Dale, entre outros.No ano seguinte, participa do grupo fundador de “O Pasquim”.Fernanda Montenegro estrela “Computa, computador, computa”, no Teatro Santa Rosa, no Rio, em 1972. Lança o livro “Esta é a verdadeira história do Paraíso” e também “Trinta anos de mim mesmo”, numa sessão de autógrafos denominada “Noite da contra-incultura”.Em 1975, faz exposição de 25 quadros “em branco, mas com significado”, na Galeria Grafitti, no Rio.No ano seguinte, escreve para Fernanda Montenegro a peça “É...”, que se tornou o grande sucesso teatral de Millôr ao ser encenada no Teatro Maison de France, no Rio.Em 1977, realiza nova exposição de seus trabalhos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.Adapta, no ano seguinte, para o formato de musical a peça “Deus lhe pague”, de Joracy Camargo, que contou com Bibi Ferreira na direção e com músicas de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. É homenageado pelo 5º Salão de Humor de Piracicaba (SP), mas “exige” que a honraria seja “para todos os humoristas na pessoa de Millôr Fernandes”. Em Brasília, para o Museu da Moeda, localizado no Banco Central do Brasil, produz quatro painéis que contam ahistória do dinheiro.Estréia no Teatro dos Quatro, Rio, a peça “Os órfãos de Jânio”, em 1980.Publica “Desenhos”, uma compilação de seus trabalhos gráficos, com textos de apresentação de Pietro Maria Bardi e Antônio Houaiss, em 1981.O ano de 1982 é de muito trabalho. O autor escreve e publica a peça “Duas tábuas e uma paixão”. Traduz a opereta “A viúva alegre”, de Franz Lear, apresentada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tetê Medina monta “A eterna luta entre o homem e a mulher”, no Teatro Clara Nunes – Rio. Escreve a adaptação de “A chorus line”, encenado por Walter Clark. Estréia “Vidigal: Memórias de um sargento de milícias”. São dele, nessa peça, os cenários, figurinos e letras, musicadas por Carlos Lyra. Com Flávio Rangel, escreve e representa o espetáculo “O gesto, a festa, a mensagem”, na TV Record de São Paulo. Deixa a revista “Veja”.Em 1983, é homenageado pela Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ). Millôr não comparece ao desfile. Passa a colaborar com a revista “Istoé”.Lança “Poemas”, em 1984. Estréia o musical “O MPB4 e o dr. Çobral vão em busca do mal”.No ano seguinte, colabora com o Jornal do Brasil. Lança o “Diário da Nova República”. É montada a peça “Flávia, cabeça, tronco e membros” no Teatro Ginástico – Rio.Passa a usar o computador para escrever e desenhar, em 1986. Escreve, com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira, o roteiro do filme “O judeu”, dirigido por Jom Tob Azulay, baseado na vida de António José da Silva. Rodado em Portugal, só seria concluído em 1995.”L’anné 82 au Brésil: le regard critique de Millôr Fernandes” (O ano de 82 no Brasil: o olhar crítico de Millôr Fernandes), é o tema de tese de doutoramento de Françoise Duprat na Universidade de Toulouse-Le Mirail II, França, em 1987.No ano seguinte, lança “The cow went to the swamp / A vaca foi para o brejo”. Na Universidade de São Paulo (USP), Branca Granatic defende, na dissertação de mestrado, “Os recursos humorísticos de Millôr Fernandes”.Em 1990, nasce seu neto, Gabriel, filho de Ivan.Deixa a revista “Istoé” e o Jornal do Brasil, em 1992.No ano de 1994, lança “Millôr definitivo — A bíblia do caos”.Escreve a peça “Kaos”, Adapta para a Rede Globo “Memórias de um sargento de milícias”. A partir de um argumento de Walter Salles, escreve o roteiro “Últimos diálogos”, em 1995.Em 1996, passa a colaborar nos jornais “O Dia” (RJ), “O Estado de São Paulo” (SP) e “Correio Braziliense” (DF). Neste último, trabalharia somente até o fim do ano.Em 1998, em parceria com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay, assina o roteiro de “Mátria”.No ano seguinte, começa a adaptar “Os três mosqueteiros”, de Dumas, para o formato de musical, trabalho que não chegou a ser concluído.Em 2000, escreve o roteiro de “Brasil! Outros 500 — Uma PoopÓpera”, que teve sua estréia no Teatro Municipal de São Paulo. O espetáculo contava com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro e arranjos de Wagner Tiso. Deixa de colaborar com “O Estado de São Paulo” e “O Dia”. Passa a colaborar com coluna semanal na “Folha de São Paulo”. Lança o site “Millôr On Line” (http://www.millor.com.br) .No ano seguinte, deixa a “Folha de São Paulo” e volta ao “Jornal do Brasil”.Em 2002, publica “Crítica da razão impura ou O primado da ignorância”, em que analisa as obras “Brejal dos Guajas e outras histórias”, de José Sarney, e “Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso. Deixa de colaborar, em novembro, com o “Jornal do Brasil”.Em 2003, ilustra “O menino”, volume de contos de João Uchoa Cavalcanti Netto, e faz cem desenhos para uma nova compilação das “Fábulas fabulosas”.Em 2004, lança pela Editora Record, “Apresentações”.Em meados de agosto de 2004 é anunciado seu retorno às folhas da revista semanal “Veja”, a partir de setembro daquele ano.Tempos atrás um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido, em sua casa, uma carta de um leitor com o seguinte endereçamento:"MillôrIpanema"É a glória!
Textos extraídos de livros do autor, da Internet, do CD "Em busca da Imperfeição", de 1999, produzido pela Neder & Associados e dos “Cadernos de Literatura Brasileira – Instituto Moreira Salles
segunda-feira, março 09, 2009
MARIA HELENA CORAZZA
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com
Sábado, 07 de março de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/
Sábado, 07 de março de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADA: MARIA HELENA CORAZZA
A escritora Maria Helena Vieira Aguiar Corazza é uma pessoa que contagia com sua disposição e simpatia a quem a conhece. Nascida em 12 de agosto de 1937, Maria Helena aparenta uma jovialidade e disposição muito acima da média. Preocupa-se com tudo e com todos. Observadora, sensível e detalhista, ela é uma escritora que se revelou aos poucos. Já há muito tempo escreve crônicas no Jornal de Piracicaba, que são lidas e comentadas entre os seus fiéis leitores. Mãe e esposa, ela assumiu seus compromissos domésticos e familiares com muita dedicação. Recentemente o seu perfil literário tem fluído de forma mais densa, transcrito em seus livros. Publicou “Este livro não é meu...” (poesias), lançado no CALQ em Piracicaba e na Livraria Teixeira em São Paulo em junho de 1974 e “Recados para Tina e outras crônicas”, maio de 1997. Participou de coletâneas e antologias: Em Tempo de Poesia..., com autores piracicabanos em 1980, do Poetismo Brasileiro de 1996 e 1997, Ecologia Brasileira 96 e Guia dos Escritores Brasileiros publicados pela Editora BNL. Participou das “Antologias de Poesias, Contos e Crônicas Scortecci” volumes III, IV, V e VI, Edição Comemorativa – 15 Anos e da 15a. Bienal Internacional do Livro de São Paulo também da mesma Editora. Participou de uma coletânea do Clube dos Escritores de Piracicaba, em setembro de 1996, recebendo deste Clube a Medalha Pedro Álvares Cabral da Sociedade Geográfica Brasileira em julho de 1997 e a láurea de “Academicus Praeclarus” em agosto de 2002. É membro da União Brasileira de Escritores (UBE) há vários anos e da Academia Piracicabana de Letras desde a sua instalação. Detentora de prêmios literários. Fala sobre o lançamento do quarto livro, em agosto ou setembro de 2009, “O Canto dos Querubins” que é referente ás suas crônicas escritas no Jornal de Piracicaba publicadas todos os sábados.
No dia 13 de março próximo, sexta-feira está lançando mais uma obra literária. Será ás 20:30 horas no Hall do Teatro Municipal. O livro “Sem Marido... E Agora?” é um manual de sobrevivência da mulher que ficou só.
A senhora casou-se ainda bem jovem?
Casei-me com 18 anos, meu filho mais velho já tem 51 anos de idade. Sou filha de Jorge Aguiar e Maria Aparecida Vieira Aguiar. Meu pai é da família Aguiar Jorge aqui de Piracicaba e minha mãe era caiçara. Sou sobrinha de Clarice Aguiar Jorge. (Uma grande escritora de crônicas, muito lidas pelos piracicabanos). Nasci á Rua Governador Pedro de Toledo, 162 em frente ao Yazigi, entre a Rua Prudente de Morais e Rua Treze de Maio. A nossa casa era daquelas casas gostosas, arejadas, na frente possuía três janelas de um lado e duas de outro. Quando eu tinha dois anos de idade minha família mudou-se para São Paulo, onde permaneci até casar-me. Embora tenha ficado esse período morando em São Paulo, não perdi o vinculo com Piracicaba. Meus avós paternos residiam aqui. Meu avô chamava-se José Jorge. É interessante observar que o nome do meu pai originalmente deveria ser Jorge Aguiar Jorge, ele aboliu o segundo Jorge do seu nome, passando a ser Jorge Aguiar. Com isso eu passei a levar sobrenome Aguiar. (N.J. A prática de denominar pessoas com nomes idênticos ao sobrenome não é usual na cultura brasileira, porém é utilizada em outras nações). Estudei no Colégio Sagrada Família das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Formei-me em Piracicaba, no Colégio Assunção. Fui aluna de Benedito Dutra, de Mello Ayres. Tenho um irmão e uma irmã, a Maria Lucia Aguiar Passini que também escreve.
A origem da família Jorge é de qual país?
A origem é a Síria. Meu avô era de Damasco. A minha mãe era de Ubatuba, seus ascendentes eram portugueses, franceses.
Como a senhora conheceu o seu marido?
Foi em Piracicaba, em um baile da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, isso foi em 1953. Foi quando conheci Antonio Corazza Júnior. Casamos no Convento Nossa Senhora do Carmo em São Paulo foi em 7 de julho 1956. A lua de mel foi em Poços de Caldas no Hotel Quissisana. Permanecemos casados por 51 anos. No mês que vem, completará dois anos que fiquei sem o meu marido.
O que leva a senhora a escrever?
Não sei. Simplesmente eu faço. O livro “Sem Marido E Agora?” é um manual de sobrevivência da mulher que ficou só. É o meu terceiro livro. E já estou preparando para agosto ou setembro o lançamento do quarto livro, “O Canto dos Querubins” que é referente ás minhas crônicas escritas no Jornal de Piracicaba publicadas todos os sábados. A minha primeira crônica “Por e para Maria” foi publicada no Jornal de Piracicaba em 1962. Uma coisa é escrever e ler. Outra coisa é ser um escritor popular. Sou sócio-fundadora da Academia Piracicabana de Letras, junto com João Chiarini. A minha cadeira é a de Michel Quoist.
A senhora ensinou a muitos alunos a tocarem piano?
Estudei piano por oito anos. Dei aulas á muita criança aqui em Piracicaba. Tenho três netos que estão tendo aulas de piano. Fiquei por quarenta anos longe do piano, estou voltando a tocar agora. Gosto muito de Chopin.
A senhora é religiosa?
Muito! Sou católica. Sempre fui muito voltada para o meu marido e para a minha casa.
Houve um período em que a convivência das pessoas em clubes sociais era muito cultivada em Piracicaba?
Havia certo glamour. Os bailes do Clube de Campo, Cristóvão Colombo, Clube Coronel Barbosa. Sinto que a importância da pessoa arrumar-se antes de sair de casa mudou. Sempre sobra alguma coisa que envolve certo bom gosto, certa elegância. Um dia já é uma dádiva. Tem que valorizar isso. Não desperdiçar as coisas tão lindas que surgem em nossa vida. Não desperdice o por do sol, o amanhecer. É como cantar.
A senhora acompanha a rápida evolução da informática?
Não sou uma especialista! Mas utilizo bastante para minhas pesquisas, como forma de comunicação. Já me disseram para fazer um blog ou um site e colocar ali também as minhas atividades literárias. Mas não quero. Uma questão de opinião pessoal.
O livro “Sem Marido... E Agora?” que está sendo lançado teve sua origem como?
Os 51 anos de casamento fez com que a nossa vida sempre fosse “um com o outro e o outro com um”. Perdi meu marido em 10 de abril de 2007. É ainda muito recente. O livro é uma forma de prestar uma homenagem á ele. A idéia sobre a própria capa do livro surgiu de uma forma muito natural. O prefácio é de Carlos Moraes Júnior.
Em suas crônicas, há uma abordagem de contestação?
Por volta de 1980, eu colocava o título em uma crônica escrevendo: “Mãe solteira? E o pai solteiro?”. No dia das mães enquanto só havia adjetivos como lindinha, boazinha, eu escrevia: “Mãe esse traste ... Esse estorvo.”
A senhora é um pouco contestadora?
Não sei. Talvez. Vocês é que irão me classificar. Posso ter sido para a época. Hoje há quem já disse que sou conservadora. Acho que eu era “fora da fila”, o que tinha que ser dito eu falava. O mundo mudou tanto que a então contestação passou a ser classificada como conservadorismo. É difícil convencer de que a mulher não pode ficar cega, surda e muda. Ela tem que ter uma paciência enorme, não deve aborrecer-se. Quando eu tirei a carteira de motorista, em 1959, acho que fui uma das primeiras mulheres que dirigiam na cidade. Não era como hoje vemos. O professor que me deu aulas de direção foi o Seu Mônaco, em um carro Ford 1929. Não me sinto defasada com relação á época atual. Pessoas bem mais jovens, com uma visão ampla, um excelente nível cultural me cumprimentam pelos artigos que escrevo. Conheci o Parque Balneário em Santos, ficava em frente ao Hotel Atlântico.
A senhora chegou a tomar o famoso chá da tarde no Mappin em São Paulo?
O meu pai tinha duas lojas de calçados masculinos, um dos produtos em moda era o cromo alemão. Chamava-se Casa de Calçados Aguiar. Uma ficava na Rua Benjamin Constant e a outra na Rua José Bonifácio. Eu ia ao Mappin tomar lanche com as minhas amigas, cheguei a ir com o Antonio, meu marido. Era um lugar muito agradável, com docinhos deliciosos. Em Piracicaba meu pai foi proprietário da Casa de Calçados Marabá.
Por que o livro “Perdi Meu Marido...E Agora?” é um manual de sobrevivência?
Eu alcancei aquilo que eu acreditei que Deus podia me dar. Lutei até o ultimo momento.
Temos que viver um dia a cada vez. Nenhum momento a mais do que um dia em suas 24 horas. Não devemos sofrer além do que temos que sofrer. Não se deve sofrer até perder todas as suas forças. Existe um limite. Temos que administrar a dor, a perda, o sofrimento. Administramos tudo em nossa vida.
O livro “Recados Para Tina” como surgiu?
Eu tinha uma coluna no Jornal de Piracicaba chamada “Recados para Tina”. Uma funcionaria nossa disse-me que a sua irmã Tina lia sempre a minha coluna. Por motivo de viagem eu tinha deixado de publicar algumas crônicas. Quando retornei coloquei no cabeçalho: “Um pequeno recado para a Tina”. Logo passou a ser “Recados para a Tina”. Pegou. Consegui fazer um livro disso. Não se explica de onde vem a inspiração. Não gosto de parar de escrever um livro. Geralmente escrevo primeiro o título do livro. Hoje sou um pouco crítica com relação a alguns dos meus artigos escritos já á alguns anos. Percebo que mudei. Compactei meus pensamentos. Não há a necessidade de florear tanto as coisas. Hoje sou mais objetiva.
Escrever um livro é uma forma de terapia?
Não sei se é uma terapia ou uma colaboração. Acho que é uma missão. Em meu livro “Perdi Meu Marido...E Agora” a minha experiência pessoal contra a dor e a fraqueza eu estou revertendo em benefício de que as mulheres que perdem o marido sofram menos. A mulher que fica sozinha sofre muito. Sempre procurei manter uma postura, sem me mostrar desesperada, desnorteada. Procuro dominar-me para ter a minha vida de forma regular, construir alguma coisa. No dia seguinte ao falecimento do meu marido eu perguntei-me: “O que é que eu vou fazer da minha vida agora?”. Eu me arrumei e fui fazer uma visita á um filho meu. E fui trabalhar. Não dá para driblar ou mascara o luto, ele tem que ser enfrentado. A mudança é radical.
Até algumas décadas passadas, era costume usar um luto pesado?
A mulher pagava um alto preço. O negócio era sofrer. Não é assim. Temos que sair da dor. O horror estampado no rosto da viúva era fruto da sua decisão em não querer ajuda.
Não queria uma acompanhante á noite. Ela queria ficar com a dor dela até morrer. É a última coisa que uma mulher deve fazer.
A senhora acredita que venha a realizar palestras sobre o tema do livro ora lançado?
Pensei a respeito disso um dia desses. O livro aborda pontos importantes que orientam a forma como agir, como cuidar da aparência pessoal, dedicar-se á uma atividade que a pessoa goste de fazer, aproveitar melhor o tempo, manter a família unida na medida do possível, uma vez que a vida hoje absorve muito o tempo de todos. No total são 25 temas abordados. Fugir do mau humor é um dos pontos.
A senhora mantém alguma atividade física?
Eu pratico caminhada. Mesmo que seja em esteira. Tem que haver algum tipo de esporte, senão qualquer coisa provoca um abalo. Como é que uma mulher toda escangalhada vai encontrar um bom ambiente até mesmo na própria família? Chorando pelos cantos? Alguém pode ser uma redoma de feiúra, falta de coragem? O negócio é enfrentar!
E as datas especiais, são difíceis de agüentar?
Nada de choro. Para fazer uma festa de natal onde está todo mundo chorando é melhor que cada um fique em sua casa. A ultima coisa que pode acontecer é a pessoa assumir o papel de vítima. Devemos chutar uma situação dessas. Jamais se descabelar, isso não pode. Temos que administrar a situação. Tudo a vida tem que ser feito de forma disciplinada. A humanidade passa por um período de inversão de valores.
A forma com que os filhos dirigem-se aos pais é mais próxima hoje?
Eu tenho filhos que me chamam por “senhora” e netos que me dizem “você”. Hoje não é mais considerado ofensivo ser tratado como “você”.
A pessoa em uma situação dessas deve tomar algum remédio, antidepressivo?
Só se for louco! Calmante antes de tudo engorda. O negócio é enfrentar. Se a pessoa realmente tiver necessidade de remédio, deve seguir direitinho. Fazer o quem de fazer para dormir e para acordar. Vai engordar. Se não precisar é melhor. Um chá de erva-cidreira, um floral, é bem gostoso para quem gosta e quer fazer até que pode!
De onde vem essa raça toda da senhora?
Acho que vem do meu avô materno Pedro Lino Alves Vieira descobridor da broca do café. Ele é muito conhecido por quem trabalha com o café. Era caiçara, iam até as ilhas, Pariquera-Açu, Iguape. Mamãe está hoje com 95 anos. Ela lê tudo: revistas como a Veja, Época, Contigo.
A escritora Maria Helena Vieira Aguiar Corazza é uma pessoa que contagia com sua disposição e simpatia a quem a conhece. Nascida em 12 de agosto de 1937, Maria Helena aparenta uma jovialidade e disposição muito acima da média. Preocupa-se com tudo e com todos. Observadora, sensível e detalhista, ela é uma escritora que se revelou aos poucos. Já há muito tempo escreve crônicas no Jornal de Piracicaba, que são lidas e comentadas entre os seus fiéis leitores. Mãe e esposa, ela assumiu seus compromissos domésticos e familiares com muita dedicação. Recentemente o seu perfil literário tem fluído de forma mais densa, transcrito em seus livros. Publicou “Este livro não é meu...” (poesias), lançado no CALQ em Piracicaba e na Livraria Teixeira em São Paulo em junho de 1974 e “Recados para Tina e outras crônicas”, maio de 1997. Participou de coletâneas e antologias: Em Tempo de Poesia..., com autores piracicabanos em 1980, do Poetismo Brasileiro de 1996 e 1997, Ecologia Brasileira 96 e Guia dos Escritores Brasileiros publicados pela Editora BNL. Participou das “Antologias de Poesias, Contos e Crônicas Scortecci” volumes III, IV, V e VI, Edição Comemorativa – 15 Anos e da 15a. Bienal Internacional do Livro de São Paulo também da mesma Editora. Participou de uma coletânea do Clube dos Escritores de Piracicaba, em setembro de 1996, recebendo deste Clube a Medalha Pedro Álvares Cabral da Sociedade Geográfica Brasileira em julho de 1997 e a láurea de “Academicus Praeclarus” em agosto de 2002. É membro da União Brasileira de Escritores (UBE) há vários anos e da Academia Piracicabana de Letras desde a sua instalação. Detentora de prêmios literários. Fala sobre o lançamento do quarto livro, em agosto ou setembro de 2009, “O Canto dos Querubins” que é referente ás suas crônicas escritas no Jornal de Piracicaba publicadas todos os sábados.
No dia 13 de março próximo, sexta-feira está lançando mais uma obra literária. Será ás 20:30 horas no Hall do Teatro Municipal. O livro “Sem Marido... E Agora?” é um manual de sobrevivência da mulher que ficou só.
A senhora casou-se ainda bem jovem?
Casei-me com 18 anos, meu filho mais velho já tem 51 anos de idade. Sou filha de Jorge Aguiar e Maria Aparecida Vieira Aguiar. Meu pai é da família Aguiar Jorge aqui de Piracicaba e minha mãe era caiçara. Sou sobrinha de Clarice Aguiar Jorge. (Uma grande escritora de crônicas, muito lidas pelos piracicabanos). Nasci á Rua Governador Pedro de Toledo, 162 em frente ao Yazigi, entre a Rua Prudente de Morais e Rua Treze de Maio. A nossa casa era daquelas casas gostosas, arejadas, na frente possuía três janelas de um lado e duas de outro. Quando eu tinha dois anos de idade minha família mudou-se para São Paulo, onde permaneci até casar-me. Embora tenha ficado esse período morando em São Paulo, não perdi o vinculo com Piracicaba. Meus avós paternos residiam aqui. Meu avô chamava-se José Jorge. É interessante observar que o nome do meu pai originalmente deveria ser Jorge Aguiar Jorge, ele aboliu o segundo Jorge do seu nome, passando a ser Jorge Aguiar. Com isso eu passei a levar sobrenome Aguiar. (N.J. A prática de denominar pessoas com nomes idênticos ao sobrenome não é usual na cultura brasileira, porém é utilizada em outras nações). Estudei no Colégio Sagrada Família das Irmãzinhas da Imaculada Conceição. Formei-me em Piracicaba, no Colégio Assunção. Fui aluna de Benedito Dutra, de Mello Ayres. Tenho um irmão e uma irmã, a Maria Lucia Aguiar Passini que também escreve.
A origem da família Jorge é de qual país?
A origem é a Síria. Meu avô era de Damasco. A minha mãe era de Ubatuba, seus ascendentes eram portugueses, franceses.
Como a senhora conheceu o seu marido?
Foi em Piracicaba, em um baile da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, isso foi em 1953. Foi quando conheci Antonio Corazza Júnior. Casamos no Convento Nossa Senhora do Carmo em São Paulo foi em 7 de julho 1956. A lua de mel foi em Poços de Caldas no Hotel Quissisana. Permanecemos casados por 51 anos. No mês que vem, completará dois anos que fiquei sem o meu marido.
O que leva a senhora a escrever?
Não sei. Simplesmente eu faço. O livro “Sem Marido E Agora?” é um manual de sobrevivência da mulher que ficou só. É o meu terceiro livro. E já estou preparando para agosto ou setembro o lançamento do quarto livro, “O Canto dos Querubins” que é referente ás minhas crônicas escritas no Jornal de Piracicaba publicadas todos os sábados. A minha primeira crônica “Por e para Maria” foi publicada no Jornal de Piracicaba em 1962. Uma coisa é escrever e ler. Outra coisa é ser um escritor popular. Sou sócio-fundadora da Academia Piracicabana de Letras, junto com João Chiarini. A minha cadeira é a de Michel Quoist.
A senhora ensinou a muitos alunos a tocarem piano?
Estudei piano por oito anos. Dei aulas á muita criança aqui em Piracicaba. Tenho três netos que estão tendo aulas de piano. Fiquei por quarenta anos longe do piano, estou voltando a tocar agora. Gosto muito de Chopin.
A senhora é religiosa?
Muito! Sou católica. Sempre fui muito voltada para o meu marido e para a minha casa.
Houve um período em que a convivência das pessoas em clubes sociais era muito cultivada em Piracicaba?
Havia certo glamour. Os bailes do Clube de Campo, Cristóvão Colombo, Clube Coronel Barbosa. Sinto que a importância da pessoa arrumar-se antes de sair de casa mudou. Sempre sobra alguma coisa que envolve certo bom gosto, certa elegância. Um dia já é uma dádiva. Tem que valorizar isso. Não desperdiçar as coisas tão lindas que surgem em nossa vida. Não desperdice o por do sol, o amanhecer. É como cantar.
A senhora acompanha a rápida evolução da informática?
Não sou uma especialista! Mas utilizo bastante para minhas pesquisas, como forma de comunicação. Já me disseram para fazer um blog ou um site e colocar ali também as minhas atividades literárias. Mas não quero. Uma questão de opinião pessoal.
O livro “Sem Marido... E Agora?” que está sendo lançado teve sua origem como?
Os 51 anos de casamento fez com que a nossa vida sempre fosse “um com o outro e o outro com um”. Perdi meu marido em 10 de abril de 2007. É ainda muito recente. O livro é uma forma de prestar uma homenagem á ele. A idéia sobre a própria capa do livro surgiu de uma forma muito natural. O prefácio é de Carlos Moraes Júnior.
Em suas crônicas, há uma abordagem de contestação?
Por volta de 1980, eu colocava o título em uma crônica escrevendo: “Mãe solteira? E o pai solteiro?”. No dia das mães enquanto só havia adjetivos como lindinha, boazinha, eu escrevia: “Mãe esse traste ... Esse estorvo.”
A senhora é um pouco contestadora?
Não sei. Talvez. Vocês é que irão me classificar. Posso ter sido para a época. Hoje há quem já disse que sou conservadora. Acho que eu era “fora da fila”, o que tinha que ser dito eu falava. O mundo mudou tanto que a então contestação passou a ser classificada como conservadorismo. É difícil convencer de que a mulher não pode ficar cega, surda e muda. Ela tem que ter uma paciência enorme, não deve aborrecer-se. Quando eu tirei a carteira de motorista, em 1959, acho que fui uma das primeiras mulheres que dirigiam na cidade. Não era como hoje vemos. O professor que me deu aulas de direção foi o Seu Mônaco, em um carro Ford 1929. Não me sinto defasada com relação á época atual. Pessoas bem mais jovens, com uma visão ampla, um excelente nível cultural me cumprimentam pelos artigos que escrevo. Conheci o Parque Balneário em Santos, ficava em frente ao Hotel Atlântico.
A senhora chegou a tomar o famoso chá da tarde no Mappin em São Paulo?
O meu pai tinha duas lojas de calçados masculinos, um dos produtos em moda era o cromo alemão. Chamava-se Casa de Calçados Aguiar. Uma ficava na Rua Benjamin Constant e a outra na Rua José Bonifácio. Eu ia ao Mappin tomar lanche com as minhas amigas, cheguei a ir com o Antonio, meu marido. Era um lugar muito agradável, com docinhos deliciosos. Em Piracicaba meu pai foi proprietário da Casa de Calçados Marabá.
Por que o livro “Perdi Meu Marido...E Agora?” é um manual de sobrevivência?
Eu alcancei aquilo que eu acreditei que Deus podia me dar. Lutei até o ultimo momento.
Temos que viver um dia a cada vez. Nenhum momento a mais do que um dia em suas 24 horas. Não devemos sofrer além do que temos que sofrer. Não se deve sofrer até perder todas as suas forças. Existe um limite. Temos que administrar a dor, a perda, o sofrimento. Administramos tudo em nossa vida.
O livro “Recados Para Tina” como surgiu?
Eu tinha uma coluna no Jornal de Piracicaba chamada “Recados para Tina”. Uma funcionaria nossa disse-me que a sua irmã Tina lia sempre a minha coluna. Por motivo de viagem eu tinha deixado de publicar algumas crônicas. Quando retornei coloquei no cabeçalho: “Um pequeno recado para a Tina”. Logo passou a ser “Recados para a Tina”. Pegou. Consegui fazer um livro disso. Não se explica de onde vem a inspiração. Não gosto de parar de escrever um livro. Geralmente escrevo primeiro o título do livro. Hoje sou um pouco crítica com relação a alguns dos meus artigos escritos já á alguns anos. Percebo que mudei. Compactei meus pensamentos. Não há a necessidade de florear tanto as coisas. Hoje sou mais objetiva.
Escrever um livro é uma forma de terapia?
Não sei se é uma terapia ou uma colaboração. Acho que é uma missão. Em meu livro “Perdi Meu Marido...E Agora” a minha experiência pessoal contra a dor e a fraqueza eu estou revertendo em benefício de que as mulheres que perdem o marido sofram menos. A mulher que fica sozinha sofre muito. Sempre procurei manter uma postura, sem me mostrar desesperada, desnorteada. Procuro dominar-me para ter a minha vida de forma regular, construir alguma coisa. No dia seguinte ao falecimento do meu marido eu perguntei-me: “O que é que eu vou fazer da minha vida agora?”. Eu me arrumei e fui fazer uma visita á um filho meu. E fui trabalhar. Não dá para driblar ou mascara o luto, ele tem que ser enfrentado. A mudança é radical.
Até algumas décadas passadas, era costume usar um luto pesado?
A mulher pagava um alto preço. O negócio era sofrer. Não é assim. Temos que sair da dor. O horror estampado no rosto da viúva era fruto da sua decisão em não querer ajuda.
Não queria uma acompanhante á noite. Ela queria ficar com a dor dela até morrer. É a última coisa que uma mulher deve fazer.
A senhora acredita que venha a realizar palestras sobre o tema do livro ora lançado?
Pensei a respeito disso um dia desses. O livro aborda pontos importantes que orientam a forma como agir, como cuidar da aparência pessoal, dedicar-se á uma atividade que a pessoa goste de fazer, aproveitar melhor o tempo, manter a família unida na medida do possível, uma vez que a vida hoje absorve muito o tempo de todos. No total são 25 temas abordados. Fugir do mau humor é um dos pontos.
A senhora mantém alguma atividade física?
Eu pratico caminhada. Mesmo que seja em esteira. Tem que haver algum tipo de esporte, senão qualquer coisa provoca um abalo. Como é que uma mulher toda escangalhada vai encontrar um bom ambiente até mesmo na própria família? Chorando pelos cantos? Alguém pode ser uma redoma de feiúra, falta de coragem? O negócio é enfrentar!
E as datas especiais, são difíceis de agüentar?
Nada de choro. Para fazer uma festa de natal onde está todo mundo chorando é melhor que cada um fique em sua casa. A ultima coisa que pode acontecer é a pessoa assumir o papel de vítima. Devemos chutar uma situação dessas. Jamais se descabelar, isso não pode. Temos que administrar a situação. Tudo a vida tem que ser feito de forma disciplinada. A humanidade passa por um período de inversão de valores.
A forma com que os filhos dirigem-se aos pais é mais próxima hoje?
Eu tenho filhos que me chamam por “senhora” e netos que me dizem “você”. Hoje não é mais considerado ofensivo ser tratado como “você”.
A pessoa em uma situação dessas deve tomar algum remédio, antidepressivo?
Só se for louco! Calmante antes de tudo engorda. O negócio é enfrentar. Se a pessoa realmente tiver necessidade de remédio, deve seguir direitinho. Fazer o quem de fazer para dormir e para acordar. Vai engordar. Se não precisar é melhor. Um chá de erva-cidreira, um floral, é bem gostoso para quem gosta e quer fazer até que pode!
De onde vem essa raça toda da senhora?
Acho que vem do meu avô materno Pedro Lino Alves Vieira descobridor da broca do café. Ele é muito conhecido por quem trabalha com o café. Era caiçara, iam até as ilhas, Pariquera-Açu, Iguape. Mamãe está hoje com 95 anos. Ela lê tudo: revistas como a Veja, Época, Contigo.
Piracicaba era servida por duas empresas de estradas de ferro: a Sorocabana e a Paulista.
A Companhia de Estrada de Ferro Ituana foi criada para ligar São Paulo a Itu. Mais tarde ela passou a ser denominada E.F. Sorocabana.A Estação da E.F. Sorocabana, em Piracicaba, ficava em um prédio existente até hoje, situado ao lado do terminal de ônibus urbano.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro mais tarde seria denominada FEPASA – Ferrovia Paulista S/A, estatal. O trajeto até Piracicaba era feito saindo da Estação da Luz, os trens eram tracionados por máquina elétrica. A Cia. Paulista nos levava da Estação da Luz até Nova Odessa, onde acabava a alimentação elétrica. Em Nova Odessa saía a locomotiva elétrica e entrava a máquina diesel, que nos deixava em Piracicaba.Em meados da década de 1960, as “marias-fumaça” foram substituídas pelas “U-9-s”, diesel-elétrica produzida entre o final da década de 1950 e início da década de 1960 pela General Eletric, nos Estados Unidos. Alguns trens que vinham da Capital eram segmentados, com alguns carros sendo separados do entroncamento. As locomotivas elétricas “V-8” seguiam no entroncamento, enquanto os carros do ramal eram engatados na diesel-elétrica e seguiam viagem até Piracicaba.No retorno de Piracicaba era feito o contrário, os trens eram unificados em Nova Odessa e prosseguiam a viagem rumo a São Paulo. Quando a viagem era para o Interior havia necessidade de baldeação. Nos últimos anos do ramal eram feitas apenas baldeações e não mais a separação de carros.
Ramal de Piracicaba, trecho ferroviário operado entre 1917 e 1977 para o transporte de passageiros.
A Companhia de Estrada de Ferro Ituana foi criada para ligar São Paulo a Itu. Mais tarde ela passou a ser denominada E.F. Sorocabana.A Estação da E.F. Sorocabana, em Piracicaba, ficava em um prédio existente até hoje, situado ao lado do terminal de ônibus urbano.
A Companhia Paulista de Estradas de Ferro mais tarde seria denominada FEPASA – Ferrovia Paulista S/A, estatal. O trajeto até Piracicaba era feito saindo da Estação da Luz, os trens eram tracionados por máquina elétrica. A Cia. Paulista nos levava da Estação da Luz até Nova Odessa, onde acabava a alimentação elétrica. Em Nova Odessa saía a locomotiva elétrica e entrava a máquina diesel, que nos deixava em Piracicaba.Em meados da década de 1960, as “marias-fumaça” foram substituídas pelas “U-9-s”, diesel-elétrica produzida entre o final da década de 1950 e início da década de 1960 pela General Eletric, nos Estados Unidos. Alguns trens que vinham da Capital eram segmentados, com alguns carros sendo separados do entroncamento. As locomotivas elétricas “V-8” seguiam no entroncamento, enquanto os carros do ramal eram engatados na diesel-elétrica e seguiam viagem até Piracicaba.No retorno de Piracicaba era feito o contrário, os trens eram unificados em Nova Odessa e prosseguiam a viagem rumo a São Paulo. Quando a viagem era para o Interior havia necessidade de baldeação. Nos últimos anos do ramal eram feitas apenas baldeações e não mais a separação de carros.
Ramal de Piracicaba, trecho ferroviário operado entre 1917 e 1977 para o transporte de passageiros.
domingo, março 01, 2009
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS JOÃO UMBERTO NASSIF Jornalista e Radialista joaonassif@gmail.com
Sábado, 27 de fevereiro de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/ ENTREVISTADO: SILVÉRIO DE LELLIS ALTOMANI
Muitas vezes ao nosso lado estão verdadeiros exemplos de lutas realizadas pelo ser humano. Em decorrência de nossa visão estar centrada em determinados objetivos, não se encontra mais o tempo para o estudo de situações vividas por alguma pessoa, ou grupo de pessoas. Com isso abrimos mão de conhecer valores incalculáveis de superação do ser humano por ele próprio. Como por exemplo o infinito amor de uma mãe por seu filho. Tangidos pela mídia insaciável abolimos os verdadeiros valores da maravilhosa natureza humana, cujos limites até hoje são desconhecidos. Em Piracicaba encontramos diversos exemplos que a princípio consideramos serem quase sobre humanos. São demonstrações concretas de domínio do espírito sobre o corpo. Exemplos de fé e persistência inabaláveis. Um jovem muito sorridente, brincalhão, que parece estar brindando a vida, aos poucos foi tornando-se conhecido por muitos piracicabanos. O seu estado de espírito, sempre alegre, deixa para um segundo plano o fato de ele ter alguma dificuldade física para realizar alguns movimentos. O seu brilho interior é muito maior do que as suas limitações. Silvério De Lellis Altomani nascido em 25 de setembro de 1965, filho de Eliza Karl Altomani e Walter Sebastião Altomani, tornou-se muito conhecido pelos deliciosos bombons que vendia. Fazia esse trabalho por brio próprio e por necessidade de complementar a sua aposentadoria precoce de um salário mínimo por mês. Ninguém para contar melhor a trajetória de Silvério do que ele mesmo e a grande lição de amor dada por sua mãe Eliza Karl Altomani.
Dona Eliza a senhora nasceu onde?
Sou paulistana, nascida na Vila Maria, criada nos bairros do Ipiranga e em Santana, na capital. Considero-me piracicabana, já estamos morando em Piracicaba há uns trinta anos. A cidade de São Paulo em que morei já não existe mais. Piracicaba é a minha realidade hoje. Aqui consegui muitas coisas boas. O meu marido é mecânico de maquinas de costuras industriais, ele mudou-se para Piracicaba com a finalidade de trabalhar para Galdino Brieda, que era o proprietário da Brivest. Era uma empresa que na época confeccionava para a Alpargatas, tendo um bom parque de máquinas. Achamos que seria uma boa troca de cidades. Fomos morar em uma casa situada no bairro Nova Piracicaba. Levávamos uma vida tranqüila.
Em que dia a vida da família da senhora mudou completamente?
Foi no dia 29 de agosto de 1985. O Silvério trabalhava no Banco Bradesco, situado á Praça José Bonifácio. O gerente pediu para que ele e mais outro funcionário do banco fosse entregar o malote da Telesp em Campinas. Eram apenas documentos, que não tinham seguido com o carro forte que já havia passado. Na ida, bem em frente á Usina Furlan, o rapaz que estava dirigindo o veículo de sua propriedade, um Gol, tentou uma ultrapassagem de um treminhão, não conseguiu.
Silvério foi usando uma caneta esferográfica que um profissional da saúde salvou a sua vida?
Foi. Com a fratura do maxilar, minha boca foi obstruída. Não conseguia respirar. Ao que consta foi um dentista que fez o procedimento médico chamado traqueostomia. É um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos descritos na literatura médica, algo parecido com um "buraco na garganta para permitir a passagem de ar". Nós até hoje desconhecemos o nome dessa pessoa.
A rodovia SP-304 ainda não tinha sido duplicada?
A pista foi duplicada um mês após ter ocorrido o acidente. Meu marido voltando de São Paulo passou pelo local onde havia ocorrido o acidente. Ao chegar a nossa casa ainda comentou: “Estou exausto. Vi um acidente horrível quase na entrada da cidade.” Era o acidente com o nosso filho. Logo após recebemos o recado, dizendo que ele não estava bem. O Pedrinho Libardi, nos levou, dirigindo o nosso carro. Nós não tínhamos condições de dirigir. Chegamos até a Santa Casa de Piracicaba, o médico informou que as próximas quarenta e oito horas seriam decisivas para a sobrevivência do Silvério. Ele havia quebrado o maxilar em três partes. A equipe que o atendeu era composta por quatro médicos: Dr. Luiz de Castro, Dr. Antonio Carlos Martins, Dr. Weber Reynolds, Dr. Eudes de Freitas Aquino. Esses eram os quatro médicos que mais tínhamos contato.
Quais eram as condições físicas do Silvério quando a senhora trouxe-o para casa?
Foi após 60 dias de permanência na Santa Casa. Ele tinha uma cânula número 5, para respirar. Com fralda. O diagnóstico era de Tetraparalisia Estática (Múltiplas deformidades de coluna e membros superiores e inferiores). Não movimentava os braços e pernas. Fiquei por quatro longos anos cuidando dele. A primeira providencia que tomei foi retirar todos os objetos do quarto dele e forrar com espuma de nylon. Para ele ficar a vontade. Na ocasião eu tinha duas empregadas e um motorista para me ajudar. Eu o levava para a Santa Casa, para a fonoaudióloga, fisioterapeuta. De segunda a sexta feira eu o levava para as piscinas do Water Center, do Water Sports. Para que ele fizesse hidroterapia.
Quem arcava com todos esses custos?
O Banco. O banco pagou tudo, até determinado ponto. Quando o tratamento dele deu-se por encerrado. Foi quando ele sentou-se, pois até então ele não conseguia sentar-se. Ele não falava. Tinha ainda uma cânula muito grande, uma sonda para alimentação muito grande. Precisei trabalhar muito até que ele mostrasse alguma reação. O Prof. Dr. Pérsio Azenha Faber, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial foi quem cuidou do traumatismo sofrido na face e arcadas dentárias.
A senhora o levou para ser examinado em Campinas?
Fui diversas vezes. Um médico chegou a me dizer que o comportamento dele seria meramente vegetativo. O cérebro dele tinha uma bolha de sangue com o tamanho aproximado de um ovo. Isso poderia aumentar ou ao contrário sumir. Ele era de fato estático. Se o colocasse sentado o seu comportamento era o de um bebe de dois meses. Sem apoio, a cabeça pendia de um lado para outro. Eu dava quatro a cinco banhos nele por dia. Enrolava-o com faixas, o colocava na cadeira de rodas e levava-o para passear na Nova Piracicaba. Ele olhava, observava. Mostrava os pássaros, motos, carros. Ele passeava com sonda para alimentação.
A senhora considera ter dado a luz para o Silvério por duas vezes?
Não. Não sou tão maravilhosa assim. Isso é a atitude de qualquer mãe dedicada. A primeira coisa que considero importante para ele e que o ensinei, foi que ele pedisse para ir ao banheiro. Ensinei de que forma ele deveria proceder. Ele erguia a mão esquerda e dizia: “Lá!”. Eu amarrava-o na cadeira de rodas e o colocava para tomar as refeições com a família. Minhas filhas choravam ao ver o irmão daquele jeito. Eu colocava várias batatas fritas e vários garfos. Mandava-o que pegasse e comesse. Com a mão esquerda ele colocava a batata na testa. Expliquei que ele deveria ter coordenação motora, levar a batata até a boca. Isso foi por vários dias, bastante tempo. Até que ele começou a querer a andar sozinho. Ele ia se agarrando no que podia. A primeira vez que ele saiu sozinho de casa eu o segui, escondida por árvores, muros. Ele já tinha se livrado da sonda, da fralda.
O Silvério nesse período já tinha voltado a falar?
Ainda não. Ás vezes ele brigava com a irmã mais nova e sussurrava, com silabas pausadas: “Sua imbecil!”. Era o máximo que ele tinha conseguido falar. Dizem que para falar mal logo se aprende! Eu perguntava o que ele tinha vontade de comer, ele então dizia: “Sanddd..”. Sabendo que ele queria sanduíche forçava-o a dizer a palavra. Dizia então: “-Já sei, você quer sandália!” Dei-lhe a sandália. Imediatamente ele recusou. Providenciei um enorme sanduíche do qual ele comeu menos de uma mordida. Mas valeu. Essas foram as suas primeiras palavras. Em uma ocasião meu marido extraviou o talão de cheques. Ficou procurando pela casa toda. Passou inúmeras vezes perto do Silvério, que na época ainda estava amarrado na cadeira de rodas. Meu marido disse em voz alta: “-Se me lembrasse pelo menos o número da minha conta.” O Silvério disse-lhe o numero da conta! Com isso percebemos que determinadas coisas ele gravava de uma forma muito eficiente. Era mais uma esperança de que um dia ele faria tudo de novo.
Silvério, você estudou até que grau?
Quando ocorreu o acidente eu estava fazendo o curso de Técnico em Processamentos de Dados, que funcionava no prédio da Unimep. Antes de ir trabalhar no banco trabalhei em uma empresa, hoje extinta, chamada “ASES” Assessoria, Serviços e Sistemas. Era uma empresa de processamento de dados, ficava na Rua do Rosário, entre a Rua Prudente de Moraes e Rua São José. Em dezembro de 1985 estaria me formando como Técnico em Processamento de Dados.
Dona Eliza, o Silvério tinha Carteira de Habilitação antes de sofrer o acidente?
Ele já era motorista e dos bons. Após o acidente, no período mais avançado de sua recuperação, ele ainda estava fragilizado. Quando tinha que ser feita faxina em casa, isso o incomodava muito. Eu então ficava com ele dentro carro, com ele no volante. Nessa época ele já estava falando. Conversávamos, escutávamos música. O Silvério ficava inquieto, mexia em tudo dentro do carro. Até que um belo dia ele deu a partida e saiu com o carro. Deu uma volta no quarteirão e parou.
Como foi que o Silvério passou a conviver com os bombons?
Ele conheceu uma moça, chamada Ana Paula Barros, uma ruiva de olhos azuis, muito bonita. Ela fazia e vendia bombons. Resolveram morarem juntos. Um dia eu estava descendo a Rua Ipiranga, quando vi o Silvério com uma caixa de isopor. Parei o carro perguntei o que ele estava fazendo? Ele disse-me que estava vendendo bombons. Que precisava ganhar dinheiro, para manter a casa. Na hora tive uma crise de choro. E olha que é muito difícil me ver chorando.
Como foi o casamento do Silvério?
Casaram-se em uma chácara. Silvério com terno, ela com um vestido próprio para a ocasião. O registro foi no cartório da Vila Rezende. A lua de mel foi em Águas de São Pedro. O Silvério foi dirigindo um fusca. Voltaram de lá, continuaram a trabalhar com bombons. Inicialmente eles foram morar na Rua Benjamin Constant, logo acima da Avenida Dona Jane Conceição em frente ao Varejão Benjamin. Depois o sogro do Silvério providenciou um apartamento próximo nas imediações da Avenida Raposo Tavares. Alguns meses depois a esposa dele queria voltar para Florianópolis. Nessa época eles já tinham uma filha de quatro meses. Acabaram mudando-se para lá. No final de mais de um ano, romperam o casamento. O Silvério viajou sozinho, por vinte e duas horas. Dirigindo o fusca. Saiu de lá ás duas horas da tarde. Foi em uma época de chuva intensa. De tudo isso o melhor fruto foi uma linda filha que eles tiveram.
Ele voltou á Piracicaba e passou a vender bombons, quem os produzia?
Eu tive que aprender a fazer bombons! Eu e minhas filhas! No início foi um desastre!
Silvério você é bem conhecido em Piracicaba, chegou a viver alguns fatos pitorescos?
Logo que comecei a andar, um médico aconselhou: “Dona Eliza, dê uma bengalinha para ele se apoiar, isso irá ajudá-lo no equilíbrio”. Eu peguei a bengalinha, e fui comprar pão em uma padaria a dois quarteirões de casa. Peguei o pãozinho com dificuldade, vim como um idoso, com a bengalinha, me apoiando nela. Uma senhora, já bem idosa, estava varrendo a rua. Ela disse-me: “-Filho, posso fazer-lhe uma pergunta?” Parei, olhei para ela. Aquela caminhada estava difícil para mim. Disse-lhe: “-Pois não senhora!”. Ela disse-me então: “-Por que você bebe? Pare de dar desgosto para a sua mãe!”. Uma outra ocasião meu pai me levou para pescar, no barranco do Rio Piracicaba. Um pescador do outro lado do rio gritou: “-Que fogo, meu!”. Achando que eu estava alcoolizado.
Qual sua diversão preferida?
Passear dirigindo meu carro. Gosto de assistir filmes em DVD. Gosto de escrever. Escrevo á maquina.
Você tem computador?
Não. Ainda não.
Dona Eliza, o Silvério recentemente sofreu uma queda?
Pelo fato de andar muito, ele está mais exposto a pisos e locais escorregadios. Há pouco tempo ele teve um tombo ao pisar em uma superfície muito lisa e molhada. Após uma série de procedimentos, ele passou a usar um colete para sua recuperação. Já faz algum tempo que ele parou de vender bombons, embora já tenha se recuperado dos efeitos e do susto da ultima queda. Ele está namorando firme, uma moça aqui de Piracicaba, e tem planos para o futuro!
Sábado, 27 de fevereiro de 2009.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/ http://blognassif.blogspot.com/ ENTREVISTADO: SILVÉRIO DE LELLIS ALTOMANI
Muitas vezes ao nosso lado estão verdadeiros exemplos de lutas realizadas pelo ser humano. Em decorrência de nossa visão estar centrada em determinados objetivos, não se encontra mais o tempo para o estudo de situações vividas por alguma pessoa, ou grupo de pessoas. Com isso abrimos mão de conhecer valores incalculáveis de superação do ser humano por ele próprio. Como por exemplo o infinito amor de uma mãe por seu filho. Tangidos pela mídia insaciável abolimos os verdadeiros valores da maravilhosa natureza humana, cujos limites até hoje são desconhecidos. Em Piracicaba encontramos diversos exemplos que a princípio consideramos serem quase sobre humanos. São demonstrações concretas de domínio do espírito sobre o corpo. Exemplos de fé e persistência inabaláveis. Um jovem muito sorridente, brincalhão, que parece estar brindando a vida, aos poucos foi tornando-se conhecido por muitos piracicabanos. O seu estado de espírito, sempre alegre, deixa para um segundo plano o fato de ele ter alguma dificuldade física para realizar alguns movimentos. O seu brilho interior é muito maior do que as suas limitações. Silvério De Lellis Altomani nascido em 25 de setembro de 1965, filho de Eliza Karl Altomani e Walter Sebastião Altomani, tornou-se muito conhecido pelos deliciosos bombons que vendia. Fazia esse trabalho por brio próprio e por necessidade de complementar a sua aposentadoria precoce de um salário mínimo por mês. Ninguém para contar melhor a trajetória de Silvério do que ele mesmo e a grande lição de amor dada por sua mãe Eliza Karl Altomani.
Dona Eliza a senhora nasceu onde?
Sou paulistana, nascida na Vila Maria, criada nos bairros do Ipiranga e em Santana, na capital. Considero-me piracicabana, já estamos morando em Piracicaba há uns trinta anos. A cidade de São Paulo em que morei já não existe mais. Piracicaba é a minha realidade hoje. Aqui consegui muitas coisas boas. O meu marido é mecânico de maquinas de costuras industriais, ele mudou-se para Piracicaba com a finalidade de trabalhar para Galdino Brieda, que era o proprietário da Brivest. Era uma empresa que na época confeccionava para a Alpargatas, tendo um bom parque de máquinas. Achamos que seria uma boa troca de cidades. Fomos morar em uma casa situada no bairro Nova Piracicaba. Levávamos uma vida tranqüila.
Em que dia a vida da família da senhora mudou completamente?
Foi no dia 29 de agosto de 1985. O Silvério trabalhava no Banco Bradesco, situado á Praça José Bonifácio. O gerente pediu para que ele e mais outro funcionário do banco fosse entregar o malote da Telesp em Campinas. Eram apenas documentos, que não tinham seguido com o carro forte que já havia passado. Na ida, bem em frente á Usina Furlan, o rapaz que estava dirigindo o veículo de sua propriedade, um Gol, tentou uma ultrapassagem de um treminhão, não conseguiu.
Silvério foi usando uma caneta esferográfica que um profissional da saúde salvou a sua vida?
Foi. Com a fratura do maxilar, minha boca foi obstruída. Não conseguia respirar. Ao que consta foi um dentista que fez o procedimento médico chamado traqueostomia. É um dos procedimentos cirúrgicos mais antigos descritos na literatura médica, algo parecido com um "buraco na garganta para permitir a passagem de ar". Nós até hoje desconhecemos o nome dessa pessoa.
A rodovia SP-304 ainda não tinha sido duplicada?
A pista foi duplicada um mês após ter ocorrido o acidente. Meu marido voltando de São Paulo passou pelo local onde havia ocorrido o acidente. Ao chegar a nossa casa ainda comentou: “Estou exausto. Vi um acidente horrível quase na entrada da cidade.” Era o acidente com o nosso filho. Logo após recebemos o recado, dizendo que ele não estava bem. O Pedrinho Libardi, nos levou, dirigindo o nosso carro. Nós não tínhamos condições de dirigir. Chegamos até a Santa Casa de Piracicaba, o médico informou que as próximas quarenta e oito horas seriam decisivas para a sobrevivência do Silvério. Ele havia quebrado o maxilar em três partes. A equipe que o atendeu era composta por quatro médicos: Dr. Luiz de Castro, Dr. Antonio Carlos Martins, Dr. Weber Reynolds, Dr. Eudes de Freitas Aquino. Esses eram os quatro médicos que mais tínhamos contato.
Quais eram as condições físicas do Silvério quando a senhora trouxe-o para casa?
Foi após 60 dias de permanência na Santa Casa. Ele tinha uma cânula número 5, para respirar. Com fralda. O diagnóstico era de Tetraparalisia Estática (Múltiplas deformidades de coluna e membros superiores e inferiores). Não movimentava os braços e pernas. Fiquei por quatro longos anos cuidando dele. A primeira providencia que tomei foi retirar todos os objetos do quarto dele e forrar com espuma de nylon. Para ele ficar a vontade. Na ocasião eu tinha duas empregadas e um motorista para me ajudar. Eu o levava para a Santa Casa, para a fonoaudióloga, fisioterapeuta. De segunda a sexta feira eu o levava para as piscinas do Water Center, do Water Sports. Para que ele fizesse hidroterapia.
Quem arcava com todos esses custos?
O Banco. O banco pagou tudo, até determinado ponto. Quando o tratamento dele deu-se por encerrado. Foi quando ele sentou-se, pois até então ele não conseguia sentar-se. Ele não falava. Tinha ainda uma cânula muito grande, uma sonda para alimentação muito grande. Precisei trabalhar muito até que ele mostrasse alguma reação. O Prof. Dr. Pérsio Azenha Faber, Especialista em Cirurgia e Traumatologia Buco Maxilo Facial foi quem cuidou do traumatismo sofrido na face e arcadas dentárias.
A senhora o levou para ser examinado em Campinas?
Fui diversas vezes. Um médico chegou a me dizer que o comportamento dele seria meramente vegetativo. O cérebro dele tinha uma bolha de sangue com o tamanho aproximado de um ovo. Isso poderia aumentar ou ao contrário sumir. Ele era de fato estático. Se o colocasse sentado o seu comportamento era o de um bebe de dois meses. Sem apoio, a cabeça pendia de um lado para outro. Eu dava quatro a cinco banhos nele por dia. Enrolava-o com faixas, o colocava na cadeira de rodas e levava-o para passear na Nova Piracicaba. Ele olhava, observava. Mostrava os pássaros, motos, carros. Ele passeava com sonda para alimentação.
A senhora considera ter dado a luz para o Silvério por duas vezes?
Não. Não sou tão maravilhosa assim. Isso é a atitude de qualquer mãe dedicada. A primeira coisa que considero importante para ele e que o ensinei, foi que ele pedisse para ir ao banheiro. Ensinei de que forma ele deveria proceder. Ele erguia a mão esquerda e dizia: “Lá!”. Eu amarrava-o na cadeira de rodas e o colocava para tomar as refeições com a família. Minhas filhas choravam ao ver o irmão daquele jeito. Eu colocava várias batatas fritas e vários garfos. Mandava-o que pegasse e comesse. Com a mão esquerda ele colocava a batata na testa. Expliquei que ele deveria ter coordenação motora, levar a batata até a boca. Isso foi por vários dias, bastante tempo. Até que ele começou a querer a andar sozinho. Ele ia se agarrando no que podia. A primeira vez que ele saiu sozinho de casa eu o segui, escondida por árvores, muros. Ele já tinha se livrado da sonda, da fralda.
O Silvério nesse período já tinha voltado a falar?
Ainda não. Ás vezes ele brigava com a irmã mais nova e sussurrava, com silabas pausadas: “Sua imbecil!”. Era o máximo que ele tinha conseguido falar. Dizem que para falar mal logo se aprende! Eu perguntava o que ele tinha vontade de comer, ele então dizia: “Sanddd..”. Sabendo que ele queria sanduíche forçava-o a dizer a palavra. Dizia então: “-Já sei, você quer sandália!” Dei-lhe a sandália. Imediatamente ele recusou. Providenciei um enorme sanduíche do qual ele comeu menos de uma mordida. Mas valeu. Essas foram as suas primeiras palavras. Em uma ocasião meu marido extraviou o talão de cheques. Ficou procurando pela casa toda. Passou inúmeras vezes perto do Silvério, que na época ainda estava amarrado na cadeira de rodas. Meu marido disse em voz alta: “-Se me lembrasse pelo menos o número da minha conta.” O Silvério disse-lhe o numero da conta! Com isso percebemos que determinadas coisas ele gravava de uma forma muito eficiente. Era mais uma esperança de que um dia ele faria tudo de novo.
Silvério, você estudou até que grau?
Quando ocorreu o acidente eu estava fazendo o curso de Técnico em Processamentos de Dados, que funcionava no prédio da Unimep. Antes de ir trabalhar no banco trabalhei em uma empresa, hoje extinta, chamada “ASES” Assessoria, Serviços e Sistemas. Era uma empresa de processamento de dados, ficava na Rua do Rosário, entre a Rua Prudente de Moraes e Rua São José. Em dezembro de 1985 estaria me formando como Técnico em Processamento de Dados.
Dona Eliza, o Silvério tinha Carteira de Habilitação antes de sofrer o acidente?
Ele já era motorista e dos bons. Após o acidente, no período mais avançado de sua recuperação, ele ainda estava fragilizado. Quando tinha que ser feita faxina em casa, isso o incomodava muito. Eu então ficava com ele dentro carro, com ele no volante. Nessa época ele já estava falando. Conversávamos, escutávamos música. O Silvério ficava inquieto, mexia em tudo dentro do carro. Até que um belo dia ele deu a partida e saiu com o carro. Deu uma volta no quarteirão e parou.
Como foi que o Silvério passou a conviver com os bombons?
Ele conheceu uma moça, chamada Ana Paula Barros, uma ruiva de olhos azuis, muito bonita. Ela fazia e vendia bombons. Resolveram morarem juntos. Um dia eu estava descendo a Rua Ipiranga, quando vi o Silvério com uma caixa de isopor. Parei o carro perguntei o que ele estava fazendo? Ele disse-me que estava vendendo bombons. Que precisava ganhar dinheiro, para manter a casa. Na hora tive uma crise de choro. E olha que é muito difícil me ver chorando.
Como foi o casamento do Silvério?
Casaram-se em uma chácara. Silvério com terno, ela com um vestido próprio para a ocasião. O registro foi no cartório da Vila Rezende. A lua de mel foi em Águas de São Pedro. O Silvério foi dirigindo um fusca. Voltaram de lá, continuaram a trabalhar com bombons. Inicialmente eles foram morar na Rua Benjamin Constant, logo acima da Avenida Dona Jane Conceição em frente ao Varejão Benjamin. Depois o sogro do Silvério providenciou um apartamento próximo nas imediações da Avenida Raposo Tavares. Alguns meses depois a esposa dele queria voltar para Florianópolis. Nessa época eles já tinham uma filha de quatro meses. Acabaram mudando-se para lá. No final de mais de um ano, romperam o casamento. O Silvério viajou sozinho, por vinte e duas horas. Dirigindo o fusca. Saiu de lá ás duas horas da tarde. Foi em uma época de chuva intensa. De tudo isso o melhor fruto foi uma linda filha que eles tiveram.
Ele voltou á Piracicaba e passou a vender bombons, quem os produzia?
Eu tive que aprender a fazer bombons! Eu e minhas filhas! No início foi um desastre!
Silvério você é bem conhecido em Piracicaba, chegou a viver alguns fatos pitorescos?
Logo que comecei a andar, um médico aconselhou: “Dona Eliza, dê uma bengalinha para ele se apoiar, isso irá ajudá-lo no equilíbrio”. Eu peguei a bengalinha, e fui comprar pão em uma padaria a dois quarteirões de casa. Peguei o pãozinho com dificuldade, vim como um idoso, com a bengalinha, me apoiando nela. Uma senhora, já bem idosa, estava varrendo a rua. Ela disse-me: “-Filho, posso fazer-lhe uma pergunta?” Parei, olhei para ela. Aquela caminhada estava difícil para mim. Disse-lhe: “-Pois não senhora!”. Ela disse-me então: “-Por que você bebe? Pare de dar desgosto para a sua mãe!”. Uma outra ocasião meu pai me levou para pescar, no barranco do Rio Piracicaba. Um pescador do outro lado do rio gritou: “-Que fogo, meu!”. Achando que eu estava alcoolizado.
Qual sua diversão preferida?
Passear dirigindo meu carro. Gosto de assistir filmes em DVD. Gosto de escrever. Escrevo á maquina.
Você tem computador?
Não. Ainda não.
Dona Eliza, o Silvério recentemente sofreu uma queda?
Pelo fato de andar muito, ele está mais exposto a pisos e locais escorregadios. Há pouco tempo ele teve um tombo ao pisar em uma superfície muito lisa e molhada. Após uma série de procedimentos, ele passou a usar um colete para sua recuperação. Já faz algum tempo que ele parou de vender bombons, embora já tenha se recuperado dos efeitos e do susto da ultima queda. Ele está namorando firme, uma moça aqui de Piracicaba, e tem planos para o futuro!
segunda-feira, fevereiro 23, 2009
sábado, fevereiro 21, 2009
ISSA ELIAS RISK
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 21 de fevereiro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: ISSA ELIAS RISK
Inúmeras cidades têm um local onde os moradores dessa cidade freqüentam até com certo orgulho. São Paulo é uma cidade pródiga nesses locais. Em frente ao Instituto Biológico, próximo ao Parque Ibirapuera, existe uma residência, que foi transformada em pizzaria e que é freqüentada já por muitos anos pelo atual governador José Serra e uma revoada de tucanos de alta plumagem. O dono é um piracicabano. A característica principal desses locais é que assumem a personalidade do proprietário. No Largo de Pinheiros existe uma lanchonete especializada em batidas de frutas, onde a principal atração é o malabarismo que os donos fazem com as garrafas e o gelo ao atenderem um cliente. Geralmente são lanchonetes, restaurantes, muitas vezes situados em locais bastante discretos, quase anônimos, mas que ganham fama e vida própria. Piracicaba tem vários desses locais, um deles é especializado em comida árabe. Situado á Rua Tiradentes, 740 o Restaurante Árabe do Issa é propriedade de Issa Elias Risk. Calmo, atencioso, sorridente e sempre muito solícito, com seus quibes, esfihas, homus, e demais delícias da cozinha árabe, Issa fisgou o piracicabano pela boca. É comum ver o Issa sentado em uma das mesas dispostas em frente ao seu estabelecimento, ocupado em alguma atividade referente ao restaurante. Em uma dessas tardes escaldantes de Piracicaba, a pessoa que conduzia um veículo, por motivos desconhecidos subiu pela calçada com o mesmo desgovernado, parando a poucos metros de onde Issa trabalhava. Além do grande susto, nada mais aconteceu a não ser danos de pequena monta no veículo. Logo se formou um grupo de pessoas em torno do local. Como se estivesse mentalmente viajando pela terra natal, Issa continuou seu trabalho placidamente. Alheio á toda aquela movimentação. A sua tranqüilidade chamava a atenção dos presentes ao fato. Nascido em Beirute, no Líbano, em 22 de fevereiro de 1932, filho de Elias Risk e Maria Risk, o cidadão piracicabano, título que lhe foi concedido pela câmara de vereadores, transformou seu restaurante em um local aprazível, típico. Com muitas fotos, títulos recebidos, quadros, tapetes, objetos decorativos, o Restaurante do Issa passou a ser uma galeria de memórias. O cliente sente-se como se estivesse na própria casa do Issa.
O senhor nasceu no Líbano, onde viveu, e depois foi para o Kwait?
Fiz o curso de cozinheiro em Beirute, em uma escola de hotelaria. Em 1952 fui para o Kwait. Era um país maravilhoso. Na ocasião havia um bom campo de trabalho. Lá é que me casei com a minha esposa que se chama Rosa. Temos três filhos: Loud que é médica, e está no Líbano, Eli é engenheiro-químico e está na Arábia Saudita, e a Lílian que é jornalista e mora na Inglaterra. Após permanecer por quinze anos no Kwait voltei para o Líbano, onde construí um prédio de três andares. Morava na parte superior e alugava as demais dependências. Permaneci no Líbano por dois anos. Em seguida fui para Trípoli na Líbia, na época governada pelo Rei Idris I. No período da Guerra dos Seis Dias que se iniciou em 5 de junho de 1967 eu estava lá, trabalhando. Com a minha família voltamos para o Líbano. No Líbano eu tinha um amigo que o filho dele era o proprietário de uma padaria na Rua 25 de Março em São Paulo. Fui convidado para ser o padrinho de casamento desse moço, aqui no Brasil. Após o casamento, fui visitar uns parentes deles em Botucatu. No trajeto houve um acidente com o nosso automóvel. Batemos na traseira de um caminhão, sendo que o meu lado foi o mais atingido. O carro era um Aero-Willys. Permaneci por dezoito dias no hospital em Botucatu. Os “patrícios” de São Paulo me transferiram para o Hospital Sírio-Libanês onde permaneci por oito meses. Fiquei com todo o corpo engessado. Após sair do hospital, fui para a casa de um amigo na Vila Mariana. Logo depois quebrei a perna. Fui para o então Hospital Matarazzo, em seguida para o Hospital das Clínicas, onde permaneci por mais alguns meses.
Como o senhor veio para Piracicaba?
Os patrícios (libaneses, sírios) de Piracicaba me visitavam no hospital. Eles me convidaram para vir para Piracicaba. Entre muitos posso citar alguns como Elias Sallum, Abrahão Maluf, Dr. Adilson Benedito Maluf que na época já era prefeito de Piracicaba. Já em Piracicaba fui convidado para ir á um jantar, quebrei a perna de novo. Fui para a Santa Casa, lá recomendaram para fazer a cirurgia no Hospital das Clínicas. Fui encaminhado para lá, onde fui operado.
O senhor, já curado, voltou para Piracicaba?
Exatamente. Os dólares que eu tinha já estavam acabando. Pedi ao Dr. Adilson para montar uma banca de frutas atrás da Catedral. Ele me disse que ia pensar no assunto. Eu estava louco para trabalhar. Na época eu morava na Vila Rezende. Atrás do Hospital dos Plantadores de Cana, tinha um circo. Fui até lá para comprar uma barraca. Comprei com a condição de tirar na hora. Eu coloquei a barraca ao lado do ponto de táxi, atrás da catedral. Estava ainda escrito nas laterais da barraca as atrações do circo: leão, macaco. Dr. Adilson ficou bravo quando soube. Ficou nervoso. Eu disse que iria tirar a barraca de lá. Um dos seus secretários pediu que esperasse e foi ver a barraca. Ele então disse que eu deveria pintar os dizeres originais daquela barraca que um dia foi de um circo. Assim, passei a trabalhar, e após quatro anos mandei trazer a minha família. Na ocasião meus filhos que já estavam quase formados teriam que começar de novo seus estudos. Na ocasião o Prof. Elias Sallum correu muito para tentar resolver o impasse. Mas infelizmente não era possível fazer nada, eles então voltaram. Lílian estudou na Inglaterra. Load e Eli em Paris.
No início a banca que o senhor montou trabalhava só com frutas?
Trabalhava com frutas, eram frutas selecionadas. Na época não havia o Ceasa em Piracicaba. Por volta da meia noite começava o comércio de frutas em frente ao prédio do Mercado Municipal. Com o tempo comprei uma perua Kombi, usada, e passei a ir para São Paulo. Passei a fornecer pão sírio, doces típicos, pistache. Tinham muitas famílias que encomendavam. Nesse período entrei em uma concorrência pública para montar um restaurante dentro do Ceagesp em São Paulo. Acabei ganhando. No dia da inauguração estavam presentes diversas autoridades, como o Prefeito Adilson Maluf, o Deputado Francisco Antonio Coelho (Coelhinho), já falecido, Fernando Henrique Cardoso. (Issa mostra a fotografia que comprova o fato). Permaneci por oito anos com o restaurante no Ceasa de São Paulo. Com o passar do tempo percebi que não compensava. Os custos eram decorrentes do mês inteiro, só que lá só funcionava 12 dias por mês, 3 dias por semana.
O senhor fez o que?
Após terminar o período do contrato, voltei para Piracicaba, onde montei um depósito de bebidas (refrigerantes). Com o passar do tempo aumentou a minha dificuldade em ficar carregando caixas para fazer as entregas. Resolvi montar o restaurante.
Há quanto tempo o senhor montou o restaurante?
Estou aqui há 25 anos, foi em 1983.
Qual era a sua expectativa quando começou?
Quis montar um restaurante árabe. Pratos frios e quentes. Salgados e doces.
O piracicabano gosta da comida árabe?
A maioria gosta.
O senhor já recebeu muitas personalidades em seu restaurante?
Graças a Deus sim. Vem gente muito boa. O Adilson Maluf. Todos os deputados: Roberto Felício, Roberto Moraes, Antonio Carlos Mendes Thame, João Hermann Neto. Vem muitas pessoas importantes da cidade.
Um dos pratos muito procurados é o carneiro?
No ano passado fiz 55 carneiros assados e recheados. A procura é muito grande no Natal e no final de ano. O recheio é composto por pistache, carne do próprio carneiro, especiarias. Faço também lingüiça de carneiro. O segredo da cozinha é preparar o prato na hora, em 10 minutos fica pronto o kibe crú. Não deve se deixar comida no balcão (refrigerado) de um dia para outro. Coalhada seca, fresca, charuto de folha de uva isso temos sempre.
Onde o senhor arruma as folhas de uva para fazer os charutos?
Eu tinha uma parreira. Hoje vem de São Paulo.
Aqui na parede do restaurante tem uma foto do senhor vestido a caráter, como um sheik árabe, quando foi tirada essa fotografia?
Nós temos uma entidade sírio-libanesa situada á Rua Governador Pedro de Toledo. Todos os anos, na data de comemoração da independência deste querido país que é o Brasil, nós participamos do desfile. Colocaram um carrinho para que eu saísse caracterizado dessa forma. Neste carnaval a Ekyperalta vai representar a Sociedade Sírio-Libanesa. Eu estarei lá, na avenida.
Qual é a religião do senhor?
Católico maronita. Todo mês é celebrada a missa na Catedral de Santo Antonio, onde o pároco é Monsenhor Jamil Nassif Abib. O Bispo Maronita de São Paulo esteve aqui em Piracicaba.
Como é a relação entre árabes e judeus aqui no Brasil?
Tenho amigos que são judeus, sunitas, católicos ortodoxos. Lá no Oriente Médio o motivo é religioso, árabe não gosta de judeu, judeu não gosta de árabe.
Como o senhor vê o futuro do Brasil?
Maravilhoso. Houve um encontro com alunos de faculdade, na Rua Boa Morte. Olhando para cada aluno eu vi o rosto de Deus. Não estampam mágoas, ódios. Estávamos apresentando uma palestra, eu e Jayme Rosenthal.
Do que o senhor mais tem saudade do Líbano?
É a minha terra natal. Eu nem para São Paulo tenho ido mais.
O senhor gosta de dançar?
Adoro dançar. Gosto de todo tipo de música. Na Sociedade Sírio-Libanesa recentemente foi realizada uma festa maravilhosa com a presença da Secretária Municipal de Cultura Rosangela Camolesi e seu marido, onde a Ekyperalta animou com um samba. Eu até sambei.
O senhor lê e escreve o árabe?
Leio e escrevo. É interessante um fato que vem ocorrendo. Muitas moças querem fazer uma tatuagem com o nome "do querido dela", do noivo. Tatuam-se nas costas. Eu escrevo em árabe o nome ou a frase que elas desejam tatuar. Elas então levam o modelo para a pessoa que faz a tatuagem.
O brasileiro deveria conhecer melhor a cultura árabe?
No período em que a Turquia dominou o Líbano no final do século XIX, vinham para o Brasil com o passaporte turco, isso gerou muita confusão e preconceito. Os árabes vieram para o Brasil com pouco dinheiro, sem saber falar nada em português. Hoje a maioria tem filhos que se destacam em suas profissões, como médicos, engenheiros, advogados e outras.
Quando o senhor chegou ao Brasil, sabia alguma palavra em português?
Nada. Nem para falar colher. Garfo. Faca. Tenho orgulho da nossa comunidade. Os primeiros que vieram iam de porta em porta, oferecendo mercadorias. Não havia estradas, transportes, hotel. Dormiam em casas particulares, no dia seguinte presenteavam a pessoa que o acolhia com um lenço, ou alguma outra lembrança. Teve imigrante que veio de São Paulo á Campinas a pé. Hoje a maioria tem filhos com diploma de curso superior.
O senhor tem algum Masbaha?
Tenho dois. Um no carro outro em casa. (N.J.Conhecido no Oriente como Masbaha e na Grécia como Comboloi, é chamado também de terço grego, terço árabe e terço islâmico, e usado por todas as religiões para meditação, orações e pedidos de auxílio. Criado há milênios por mestres orientais, é um acumulador e transmissor de energias positivas, além de eliminador de tensão nervosa).
E o narguile?
Tenho dois. Só não dá tempo de usar. O narguile simboliza a hospitalidade, serenidade e a harmonia. Deve ser fumado em grupos, para os fumantes conversarem entre si.
Como é feito o café árabe?
O bom não café não é filtrado, é decantado. Existem pessoas que sabem ler o que significa o pó de café que fica no fundo, se tem sorte. Não se põem açúcar no café. É colocada uma semente de snubar no café.
O senhor sabe ler o pó de café?
Eu sei um pouquinho.
Qual é o significado do cedro para o Líbano?
É a árvore que não morre. Ele está presente na nossa bandeira. Veja uma foto onde há neve, com vinte graus negativos, ele permanece vivo. No Líbano não se corta o cedro. Ele possui um perfume natural. O cedro só nasce na montanha.
O senhor sabe a letra do Hino Nacional do Líbano?
(Imediatamente Issa põe-se a cantar em árabe):
Hino Nacional Libanês (tradução)
(Fonte: Embaixada do Líbano no Brasil)
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Nossa espada, nossa pena
Fulguram aos olhos do tempo
Nossos vales e montes
São o berço dos bravos
Nossa palavra e ação, só buscam a perfeição
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Somos todos para a Pátria
Velhos e moços ao apelo da Pátria
Investem, como leões da floresta,
Quando surgem os embates
Coração de nosso Oriente
Que Deus o preserve ao longo dos séculos
Seu mar, sua terra são a pérola dos dois Orientes
Sua opulência, sua caridade
Preenchem os dois pólos
Seu nome é seu triunfo
Desde a época de nossos ancestrais
Sua glória é seus cedros
Seu símbolo é para a eternidade
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Somos todos para a Pátria
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 21 de fevereiro de 2009
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: ISSA ELIAS RISK
Inúmeras cidades têm um local onde os moradores dessa cidade freqüentam até com certo orgulho. São Paulo é uma cidade pródiga nesses locais. Em frente ao Instituto Biológico, próximo ao Parque Ibirapuera, existe uma residência, que foi transformada em pizzaria e que é freqüentada já por muitos anos pelo atual governador José Serra e uma revoada de tucanos de alta plumagem. O dono é um piracicabano. A característica principal desses locais é que assumem a personalidade do proprietário. No Largo de Pinheiros existe uma lanchonete especializada em batidas de frutas, onde a principal atração é o malabarismo que os donos fazem com as garrafas e o gelo ao atenderem um cliente. Geralmente são lanchonetes, restaurantes, muitas vezes situados em locais bastante discretos, quase anônimos, mas que ganham fama e vida própria. Piracicaba tem vários desses locais, um deles é especializado em comida árabe. Situado á Rua Tiradentes, 740 o Restaurante Árabe do Issa é propriedade de Issa Elias Risk. Calmo, atencioso, sorridente e sempre muito solícito, com seus quibes, esfihas, homus, e demais delícias da cozinha árabe, Issa fisgou o piracicabano pela boca. É comum ver o Issa sentado em uma das mesas dispostas em frente ao seu estabelecimento, ocupado em alguma atividade referente ao restaurante. Em uma dessas tardes escaldantes de Piracicaba, a pessoa que conduzia um veículo, por motivos desconhecidos subiu pela calçada com o mesmo desgovernado, parando a poucos metros de onde Issa trabalhava. Além do grande susto, nada mais aconteceu a não ser danos de pequena monta no veículo. Logo se formou um grupo de pessoas em torno do local. Como se estivesse mentalmente viajando pela terra natal, Issa continuou seu trabalho placidamente. Alheio á toda aquela movimentação. A sua tranqüilidade chamava a atenção dos presentes ao fato. Nascido em Beirute, no Líbano, em 22 de fevereiro de 1932, filho de Elias Risk e Maria Risk, o cidadão piracicabano, título que lhe foi concedido pela câmara de vereadores, transformou seu restaurante em um local aprazível, típico. Com muitas fotos, títulos recebidos, quadros, tapetes, objetos decorativos, o Restaurante do Issa passou a ser uma galeria de memórias. O cliente sente-se como se estivesse na própria casa do Issa.
O senhor nasceu no Líbano, onde viveu, e depois foi para o Kwait?
Fiz o curso de cozinheiro em Beirute, em uma escola de hotelaria. Em 1952 fui para o Kwait. Era um país maravilhoso. Na ocasião havia um bom campo de trabalho. Lá é que me casei com a minha esposa que se chama Rosa. Temos três filhos: Loud que é médica, e está no Líbano, Eli é engenheiro-químico e está na Arábia Saudita, e a Lílian que é jornalista e mora na Inglaterra. Após permanecer por quinze anos no Kwait voltei para o Líbano, onde construí um prédio de três andares. Morava na parte superior e alugava as demais dependências. Permaneci no Líbano por dois anos. Em seguida fui para Trípoli na Líbia, na época governada pelo Rei Idris I. No período da Guerra dos Seis Dias que se iniciou em 5 de junho de 1967 eu estava lá, trabalhando. Com a minha família voltamos para o Líbano. No Líbano eu tinha um amigo que o filho dele era o proprietário de uma padaria na Rua 25 de Março em São Paulo. Fui convidado para ser o padrinho de casamento desse moço, aqui no Brasil. Após o casamento, fui visitar uns parentes deles em Botucatu. No trajeto houve um acidente com o nosso automóvel. Batemos na traseira de um caminhão, sendo que o meu lado foi o mais atingido. O carro era um Aero-Willys. Permaneci por dezoito dias no hospital em Botucatu. Os “patrícios” de São Paulo me transferiram para o Hospital Sírio-Libanês onde permaneci por oito meses. Fiquei com todo o corpo engessado. Após sair do hospital, fui para a casa de um amigo na Vila Mariana. Logo depois quebrei a perna. Fui para o então Hospital Matarazzo, em seguida para o Hospital das Clínicas, onde permaneci por mais alguns meses.
Como o senhor veio para Piracicaba?
Os patrícios (libaneses, sírios) de Piracicaba me visitavam no hospital. Eles me convidaram para vir para Piracicaba. Entre muitos posso citar alguns como Elias Sallum, Abrahão Maluf, Dr. Adilson Benedito Maluf que na época já era prefeito de Piracicaba. Já em Piracicaba fui convidado para ir á um jantar, quebrei a perna de novo. Fui para a Santa Casa, lá recomendaram para fazer a cirurgia no Hospital das Clínicas. Fui encaminhado para lá, onde fui operado.
O senhor, já curado, voltou para Piracicaba?
Exatamente. Os dólares que eu tinha já estavam acabando. Pedi ao Dr. Adilson para montar uma banca de frutas atrás da Catedral. Ele me disse que ia pensar no assunto. Eu estava louco para trabalhar. Na época eu morava na Vila Rezende. Atrás do Hospital dos Plantadores de Cana, tinha um circo. Fui até lá para comprar uma barraca. Comprei com a condição de tirar na hora. Eu coloquei a barraca ao lado do ponto de táxi, atrás da catedral. Estava ainda escrito nas laterais da barraca as atrações do circo: leão, macaco. Dr. Adilson ficou bravo quando soube. Ficou nervoso. Eu disse que iria tirar a barraca de lá. Um dos seus secretários pediu que esperasse e foi ver a barraca. Ele então disse que eu deveria pintar os dizeres originais daquela barraca que um dia foi de um circo. Assim, passei a trabalhar, e após quatro anos mandei trazer a minha família. Na ocasião meus filhos que já estavam quase formados teriam que começar de novo seus estudos. Na ocasião o Prof. Elias Sallum correu muito para tentar resolver o impasse. Mas infelizmente não era possível fazer nada, eles então voltaram. Lílian estudou na Inglaterra. Load e Eli em Paris.
No início a banca que o senhor montou trabalhava só com frutas?
Trabalhava com frutas, eram frutas selecionadas. Na época não havia o Ceasa em Piracicaba. Por volta da meia noite começava o comércio de frutas em frente ao prédio do Mercado Municipal. Com o tempo comprei uma perua Kombi, usada, e passei a ir para São Paulo. Passei a fornecer pão sírio, doces típicos, pistache. Tinham muitas famílias que encomendavam. Nesse período entrei em uma concorrência pública para montar um restaurante dentro do Ceagesp em São Paulo. Acabei ganhando. No dia da inauguração estavam presentes diversas autoridades, como o Prefeito Adilson Maluf, o Deputado Francisco Antonio Coelho (Coelhinho), já falecido, Fernando Henrique Cardoso. (Issa mostra a fotografia que comprova o fato). Permaneci por oito anos com o restaurante no Ceasa de São Paulo. Com o passar do tempo percebi que não compensava. Os custos eram decorrentes do mês inteiro, só que lá só funcionava 12 dias por mês, 3 dias por semana.
O senhor fez o que?
Após terminar o período do contrato, voltei para Piracicaba, onde montei um depósito de bebidas (refrigerantes). Com o passar do tempo aumentou a minha dificuldade em ficar carregando caixas para fazer as entregas. Resolvi montar o restaurante.
Há quanto tempo o senhor montou o restaurante?
Estou aqui há 25 anos, foi em 1983.
Qual era a sua expectativa quando começou?
Quis montar um restaurante árabe. Pratos frios e quentes. Salgados e doces.
O piracicabano gosta da comida árabe?
A maioria gosta.
O senhor já recebeu muitas personalidades em seu restaurante?
Graças a Deus sim. Vem gente muito boa. O Adilson Maluf. Todos os deputados: Roberto Felício, Roberto Moraes, Antonio Carlos Mendes Thame, João Hermann Neto. Vem muitas pessoas importantes da cidade.
Um dos pratos muito procurados é o carneiro?
No ano passado fiz 55 carneiros assados e recheados. A procura é muito grande no Natal e no final de ano. O recheio é composto por pistache, carne do próprio carneiro, especiarias. Faço também lingüiça de carneiro. O segredo da cozinha é preparar o prato na hora, em 10 minutos fica pronto o kibe crú. Não deve se deixar comida no balcão (refrigerado) de um dia para outro. Coalhada seca, fresca, charuto de folha de uva isso temos sempre.
Onde o senhor arruma as folhas de uva para fazer os charutos?
Eu tinha uma parreira. Hoje vem de São Paulo.
Aqui na parede do restaurante tem uma foto do senhor vestido a caráter, como um sheik árabe, quando foi tirada essa fotografia?
Nós temos uma entidade sírio-libanesa situada á Rua Governador Pedro de Toledo. Todos os anos, na data de comemoração da independência deste querido país que é o Brasil, nós participamos do desfile. Colocaram um carrinho para que eu saísse caracterizado dessa forma. Neste carnaval a Ekyperalta vai representar a Sociedade Sírio-Libanesa. Eu estarei lá, na avenida.
Qual é a religião do senhor?
Católico maronita. Todo mês é celebrada a missa na Catedral de Santo Antonio, onde o pároco é Monsenhor Jamil Nassif Abib. O Bispo Maronita de São Paulo esteve aqui em Piracicaba.
Como é a relação entre árabes e judeus aqui no Brasil?
Tenho amigos que são judeus, sunitas, católicos ortodoxos. Lá no Oriente Médio o motivo é religioso, árabe não gosta de judeu, judeu não gosta de árabe.
Como o senhor vê o futuro do Brasil?
Maravilhoso. Houve um encontro com alunos de faculdade, na Rua Boa Morte. Olhando para cada aluno eu vi o rosto de Deus. Não estampam mágoas, ódios. Estávamos apresentando uma palestra, eu e Jayme Rosenthal.
Do que o senhor mais tem saudade do Líbano?
É a minha terra natal. Eu nem para São Paulo tenho ido mais.
O senhor gosta de dançar?
Adoro dançar. Gosto de todo tipo de música. Na Sociedade Sírio-Libanesa recentemente foi realizada uma festa maravilhosa com a presença da Secretária Municipal de Cultura Rosangela Camolesi e seu marido, onde a Ekyperalta animou com um samba. Eu até sambei.
O senhor lê e escreve o árabe?
Leio e escrevo. É interessante um fato que vem ocorrendo. Muitas moças querem fazer uma tatuagem com o nome "do querido dela", do noivo. Tatuam-se nas costas. Eu escrevo em árabe o nome ou a frase que elas desejam tatuar. Elas então levam o modelo para a pessoa que faz a tatuagem.
O brasileiro deveria conhecer melhor a cultura árabe?
No período em que a Turquia dominou o Líbano no final do século XIX, vinham para o Brasil com o passaporte turco, isso gerou muita confusão e preconceito. Os árabes vieram para o Brasil com pouco dinheiro, sem saber falar nada em português. Hoje a maioria tem filhos que se destacam em suas profissões, como médicos, engenheiros, advogados e outras.
Quando o senhor chegou ao Brasil, sabia alguma palavra em português?
Nada. Nem para falar colher. Garfo. Faca. Tenho orgulho da nossa comunidade. Os primeiros que vieram iam de porta em porta, oferecendo mercadorias. Não havia estradas, transportes, hotel. Dormiam em casas particulares, no dia seguinte presenteavam a pessoa que o acolhia com um lenço, ou alguma outra lembrança. Teve imigrante que veio de São Paulo á Campinas a pé. Hoje a maioria tem filhos com diploma de curso superior.
O senhor tem algum Masbaha?
Tenho dois. Um no carro outro em casa. (N.J.Conhecido no Oriente como Masbaha e na Grécia como Comboloi, é chamado também de terço grego, terço árabe e terço islâmico, e usado por todas as religiões para meditação, orações e pedidos de auxílio. Criado há milênios por mestres orientais, é um acumulador e transmissor de energias positivas, além de eliminador de tensão nervosa).
E o narguile?
Tenho dois. Só não dá tempo de usar. O narguile simboliza a hospitalidade, serenidade e a harmonia. Deve ser fumado em grupos, para os fumantes conversarem entre si.
Como é feito o café árabe?
O bom não café não é filtrado, é decantado. Existem pessoas que sabem ler o que significa o pó de café que fica no fundo, se tem sorte. Não se põem açúcar no café. É colocada uma semente de snubar no café.
O senhor sabe ler o pó de café?
Eu sei um pouquinho.
Qual é o significado do cedro para o Líbano?
É a árvore que não morre. Ele está presente na nossa bandeira. Veja uma foto onde há neve, com vinte graus negativos, ele permanece vivo. No Líbano não se corta o cedro. Ele possui um perfume natural. O cedro só nasce na montanha.
O senhor sabe a letra do Hino Nacional do Líbano?
(Imediatamente Issa põe-se a cantar em árabe):
Hino Nacional Libanês (tradução)
(Fonte: Embaixada do Líbano no Brasil)
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Nossa espada, nossa pena
Fulguram aos olhos do tempo
Nossos vales e montes
São o berço dos bravos
Nossa palavra e ação, só buscam a perfeição
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Somos todos para a Pátria
Velhos e moços ao apelo da Pátria
Investem, como leões da floresta,
Quando surgem os embates
Coração de nosso Oriente
Que Deus o preserve ao longo dos séculos
Seu mar, sua terra são a pérola dos dois Orientes
Sua opulência, sua caridade
Preenchem os dois pólos
Seu nome é seu triunfo
Desde a época de nossos ancestrais
Sua glória é seus cedros
Seu símbolo é para a eternidade
Somos todos para a Pátria
Para a sublime, pela bandeira
Somos todos para a Pátria