sábado, agosto 04, 2012

FRANCISCO LEMMO NETO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 27 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
                               Francisco Lemmo Netto e Francisco, um de seus filhos

ENTREVISTADO:FRANCISCO LEMMO NETO
Francisco Lemmo Neto nasceu em Rio das Pedras a 20 de outubro de 1952, filho de Gaetano Lemmo e Maria Capato Lemmo. Seu pai veio para o Brasil em 1925, do sul da Itália, de Maratea Porto província de Potenza.Veio para ficar junto ao seu tio-avô Horácio Limongi nascido em 1898, na mesma cidade de Maratea que chegou a Rio das Pedras em 1914, a Primeira Guerra Mundial estava para ser deflagrada quando ele decidiu vir para o Brasil. Veio com recursos fornecidos pela família. Em Rio das Pedras, na Rua Rangel Pestana havia um casal de italianos que residiam e tinham uma padaria onde ele permaneceu. Ao final de 1914 esse casal vendeu a padaria para Horácio Limongi e mudaram-se para São Paulo. Essa padaria funcionou até a década de 80. Era conhecida como Padaria Limongi ou Padaria do Seu Horácio. A 1 de julho de 1917 ele montou a Indústria de Refrigerantes Limongi situada na Rua Rangel Pestana, 336, a primeira indústria de Rio das Pedras, dia 1 de julho de 2012 a indústria completou 95 anos. No início fabricava gengibirra e itubaina, licores. As fórmulas ele trouxe da Itália. Desde 1917 foi depositário da Companhia Antártica Paulista permanecendo com a família até 1998, por 81 anos ininterruptos foram distribuidores, um dos mais antigos do Brasil. Horácio Limongi casou-se com Maria Cristina Vassalo Limongi, não tiveram filhos. Francisco Lemmo e Maria Limongi são avós de Francisco Lemmo Neto.

                                           Vistas panoramicas de Maratea (Itália)


Naquela época como ele conseguia o gás carbônico utilizado para gaseificar o refrigerante?


INDÚSTRIAS LIMONGI - Em seu início.
No início ele produzia de forma artesanal, em um processo muito lento e trabalhoso. Logo passou a adquirir da Usina Capuava, vinha em cilindros. Ele recebeu uma placa como primeiro cliente de gás carbônico da Usina Capuava. As garrafas eram lavadas manualmente com chumbinho para arma de pressão. O engarrafamento era feito uma a uma, com a pessoa trabalhando em pé. Essa indústria permaneceu com a nossa família até 2003. Em 1918 ele passou a produzir também macarrão, no rótulo vinha escrito: “Grande Fábrica de Macarrão Lucânia”, Lucânia era a região de onde ele veio da Itália. A fábrica de macarrão funcionou até a década de 80. Era produzido o macarrão cortadinho e o cortadão, tinha os números 1,2,3 e 4 que era o talharim.Era feito macarrão com ovos. Ele ainda montou um moinho de beneficiamento de arroz. No início da década de 20 passou a produzir sorvete e gelo, os motores vieram da Inglaterra, as máquinas em sua maioria eram importadas. As barras de gelo pesavam 15 e 30 quilos.


A linha de bebidas incluía diversos produtos?


Incluía cacau, aniz, fernet, quinado, capilé, groselha. O gengibre era amassado em um pilão de bronze para fazer o conhaque.


O senhor ajudava na fábrica?


Desde menino, com sete anos, ajudava a colocar selos nas tampas das garrafas.


Qual era a marca da pinga?


“Caninha Capuava”. Foi a primeira pinga de Rio das Pedras a ter registro no INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial na década de 40. Fazíamos vinagre de álcool. Eram produzidas as cervejas pretas “Maltina” e “Malvina”. A cerveja foi produzida nos anos 20 até a década de 50, não cheguei a experimentar por ser criança, mas quem a tomou disse que era muito boa. A distribuição de pães pela cidade era feita com carrinho de tração animal com um baú fechado. No período da Segunda Guerra Mundial meu avô conseguia farinha de trigo com o Moinho Santista, o pão era racionado, eram distribuídas duas bengalas por família, ficava um policial na porta da padaria para impedir qualquer tumulto.


As entregas com o tempo passaram a ser feitas com caminhão?


O primeiro caminhão com a placa estampando o nome “Rio das Pedras” foi de propriedade da nossa família. Era um Ford. Vinha muita mercadoria pelo trem. A Antártica mandava barris de madeira com cerveja, caixas de bebidas eram de madeira. As cervejas vinham em caixas de madeira com palha para não quebrar. Cada caixa comportava quatro dúzias de cerveja. Na época não tinha padaria em Saltinho, o Borsatto por muito tempo ia fazer as entregas de pães, bebidas tudo com carrinho de tração animal, isso na década de 20, 30. Saia de Rio das Pedras cedo e voltava a noite. Os tipos de pães eram a bengala, pão d água, pão de dedo, era um pão em formato de mão com os dedos. Cheguei a ajudar a fazer pão. Eu ia buscar cachaça na Fazenda do João Basilio e Miguel Saliba, com um caminhão Chevrolet, que tinha um tanque de madeira de 6.200 litros, chegava a fazer nove viagens por dia. Na fábrica de sorvetes as vezes faziam fila para tomar sorvete, o meu preferido era o de coco, que vinha com pedacinhos de coco.


Quem da família foi um dos fundadores da primeira usina de Rio das Pedras, a Usina Boa Jesus?


Gaetano Lemmo foi um dos acionistas fundadores, isso por volta de 1951. Foi um dos sócios fundadores do Clube de Campo de Rio das Pedras.


Horácio Limongi realizou obras sociais para a cidade de Rio das Pedras?


Foi um dos grandes financiadores para a construção do Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo onde foi presidente e diretor por muitos anos, como presidente ele doou o hospital para a Mitra Diocesana de Piracicaba, foi buscar as irmãs e o Padre Aloísio Beranger no Rio de Janeiro para assumirem o hospital, conservo até hoje uma cópia da escritura de doação na presença do bispo Dom Aniger Francisco Maria Melillo. Horácio Limongi foi membro da construção da igreja matriz, sempre trabalhou como voluntário, sem nenhuma remuneração.Ele foi sócio fundador da “Sociedade Italiana de Beneficência Pátria e Lavoro Rio das Pedras” fundada em 1924, no período da Segunda Guerra Mundial passou a denominar-se Sociedade Cultural Riopedrense. Nessa época os rádios que eles tinham foram apreendidos. Um fato curioso é que havia em Rio das Pedras pessoas que lutaram na Primeira Guerra e recebiam pensão do governo italiano, Horacio Limongi era membro da Rede Consular Honorária, era o agente consular, o cônsul italiano mandava o dinheiro vindo da Itália e ele fazia o pagamento das pensões em Rio das Pedras. Eu era menino quando por diversas vezes fui com ele entregar esses pagamentos. Ele chegou a receber do governo italiano o título de Cônsul Honorário. Foi Presidente da Irmandade do Santíssimo Sacramento, a mais antiga irmandade de Rio das Pedras, fundada em torno de 1905. Dom Aniger, Dom Ernesto de Paula, vinham com freqüência almoçar aos domingos na casa do meu avô. Fui coroinha, na época do Padre Ivo Vigorito, do Monsenhor Cecílio Coury. Era “matraqueiro”, tocava a matraca na Semana Santa, uma das paradas da Verônica era na fábrica, descendo a Rangel Pestana, bem na parte onde tem um vitrô grande, ali enfeitavam. Fui muitas vezes levar capilé, groselha, no Palácio Episcopal, que ficava em frente ao antigo Estádio do XV de Novembro. Era menino, ia com o motorista e o caminhão da empresa.


Horácio Limongi tocava algum instrumento?


Não, mas gostava muito de música, de bandas, nas festas religiosas ele trazia a Banda de Salto que era muito famosa, assim como a Banda de Itu. Era festeiro, trazia, dava o almoço para todos aqueles músicos. Ele ajudou bastante a Corporação Musical Santa Cecília, na época do Maestro Denizart. Era muito amigo de Antenor Cortelazzi. Nas suas voltas de idas a Europa o Seu Antenor fazia questão de ir com a banda tocar em frente a sua casa. Inclusive Antenor Cortelazzi esteve a passeio com ele em Maratea.


Por que Horácio Limongi decidiu morar em Rio das Pedras?


Já havia alguns parentes residindo na região. Ele gostou do lugar e aqui permaneceu. Um de seus irmãos, Aquilino Limongi fixou-se em Itu, outro irmão Brás Limongi fixou-se em Rafard. O Paschoal Limongi morava na Fazenda Lagoa, em Rio das Pedras. Horácio veio no último navio que saiu de Nápoles antes de iniciar a Primeira Guerra Mundial.


De Rio das Pedras a Piracicaba era estrada de terra?


Era sim, a melhor opção era ir a Piracicaba de trem. Fui muito à São Paulo pela Estrada de Ferro Sorocabana, em Mairinque havia a baldeação. De Rio das Pedras â São Paulo demorava umas cinco horas de viagem, se desse tudo certo, se atrasasse, a viagem poderia demorar sete ou oito horas. A linha do trem cruzava a cidade, onde foi a Padaria Cristal e hoje funciona uma escola, havia uma porteira para impedir o trânsito quando o trem passava. Tinha o bar da família Rodrigues, ao lado um açougue e depois a casa do Joca.
                                         Anéis de latão que eram trocados por alianças de ouro;
Lembro-me da campanha “Dei Ouro Para o Bem do Brasil”, onde muitos doaram alianças de ouro e recebiam um anel de latão com esses dizeres acima, isso foi na década de 60. A Rua Prudente de Moraes era calçada com paralelepípedo, existia a Rua Torta e a Rua das Cabras, onde hoje existe a Padaria Moinho Verde. Ainda menino pescava cascudo, cará, no Ribeirão Tijuco Preto, enfiava a mão na toca, era um ribeirão limpo. Às vezes saia com as pernas cheias de sanguessuga. Tinha que esconder essas travessuras do meu pai,


O senhor chegou a ir até a cidade natal de Horacio Limongi e Gaetano Lemmo?


Conheci Maratea, tem o segundo maior Cristo Redentor do mundo, o primeiro é o do Rio de Janeiro. São Brás está seputado em Maratea. Mantemos contato com os parentes que moram em Maratea.


Como era a relação entre Horácio e outros industriais italianos da região?


Ele tinha muita amizade com o Comendador Mário Dedini, inclusive a primeira caldeira que ele adquiriu para a fábrica foi fornecida pelo Mário Dedini.Era muito amigo de Babico Carmignani, assim como Primo Schincariol. Ele conheceu o Conde Matarazzo, conversavam muito, o Conde Matarazzo nasceu em Castellabate, perto de Maratea. Ele adquiria produtos do Matarazzo para vender na nossa região. Havia uma boa relação entre os italianos. Meu avô era assinante e correspondente do jornal Fanfulla que existe desde 1893. A casa era grande, era normal ter sempre alguns parentes visitando. Um fato interessante é que a padaria assava gratuitamente quitutes feitos no período das festas de fim de ano. Traziam 50 a 60 frangos, 10 a 12 leitoas, teve um ano em que foram assados 150 frangos e 25 leitoas. Entre todas as atividades o total de funcionários chegava a uns 50, o que para a época representava bastante em uma cidade que era bem menor. Alguns funcionários que trabalharam mais de 50 anos conosco ainda se lembram daquela época, o José Valdemar Sturion é um deles.


Em que anos faleceram Horácio e Gaetano?


Horácio faleceu em fevereiro de 1989 e Gaetano em novembro de 2002.


Como eles viam toda as transformações ocorridas?








Eles adoravam, tinham orgulho do que realizaram, na década de 60 Horácio Limongi recebeu o título de cidadão riopedrense. O prefeito na época era Alvaro João Bianchin, o presidente da câmara era Valério Silveira Martins. Um fato curioso e histórico é que Horácio Limongi foi convidado pela Diocese de Campinas, na época Piracicaba ainda não era diocese, para representar Rio das Pedras na inauguração do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1931.


O senhor tem quantos filhos?


Sou casado com Vera Helena Aparecida Guion Lemmo, temos três filhos: Francisco, Horácio e Mário.


O senhor praticava esportes?


Fui integrante da equipe de atletismo de Piracicaba, o salto triplo era o meu forte. Fiz parte de uma equipe de mergulho que existia em Rio das Pedras, chamava-se MAR Mergulho Autonomo Riopedrense, isso nas decadas de 70 e 80, mergulhava em Angra dos Reis. Entre outros faziam parte do grupo Sérgio Abreu, Dinho Penatti. Por vários anos fui presidente do “Gremio Recreativo e Escola de Samba Opus 6” o mestre de bateria era o Carlos (Carlão) Pontes, ele era mestre de bateria da Zoom–Zoom de Piracicaba, na década de 70. Existiam outros blocos como o “Sortidão”, que era do pessoal dos Cortelazzi, Furlan, a minha esposa participava do bloco “Equichamego”, do Bonassa era o “Risoleta”. O nosso era bloco quando ia para o clube e escola de samba quando ia para a rua. Saía da fábrica as 5 horas da tarde, pegava o material e o pessoal e ia ensaiar no Clube de Campo ou ao lado do casarão do Marino. As famílias participavam. Só na bateria tinha mais de 100 elementos, no total tinhamos uns 200 integrantes, desfilavamos na Rua Prudente de Moraes. Era uma outra época, o povo era muito animado.


Primeira corrida oficial de Interlagos

Copersucar o primeiro carro Fórmula 1 fabricado no Brasil
Como o senhor vê Rio das Pedras hoje?


Quando saia conhecia todo mundo, parecia uma grande família, hoje o contato é com poucas pessoas, ficou uma coisa meio distante. O povo está mais fechado, retraido, se conversa menos, todo mundo correndo. Antes saíamos mais, todos eramos muito unidos. Na época de carnaval, assim como íamos assistir as corridas de Fórmula 1, desde a primeira em 1971, quando ainda não era oficial, assisti a mais de 20 corridas. Cheguei a ver o Coopersucar, primeiro carro de Fórmula 1 brasileiro. Íamos juntos, Sérgio Abreu, Dinho Penatti, Zuim, Luis Leite, Sérgio Caporalli. O narrador era Geraldo José de Almeida, que antecedeu Galvão Bueno.


O senhor costuma levantar-se a que horas?


As 4 horas e 23 minutos da manhã, levanto-me exatamente nesse horário ha mais de 30 anos.
















sexta-feira, julho 20, 2012

RONAN BATISTA BORGES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO:RONAN BATISTA BORGES
Do alto de seus quase 87 anos de vida Ronan Batista Borges comanda a administração da Pousada Nossa Senhora Aparecida em Águas de São Pedro. Extremamente ativo, vai às compras dos insumos necessários, está sempre atento ao mínimo detalhe. Seus hóspedes tornam-se seus amigos. Poucos imaginam sua trajetória de vida, a batalha que travou para conquistar seu lugar ao sol. Muitas pedras usadas para fazer a segunda pista do Aeroporto de Congonhas em São Paulo, foram transportadas por ele com seu caminhão, o fornecedor era o lendário Vicente Matheus que ficou muito conhecido como presidente do Corinthians. No então terreno em frente ao Aeroporto de Congonhas havia uma criação de suínos brancos. Não existia a Avenida 23 de Maio. Como taxista Ronan rodava 300 quilômetros por dia dentro de São Paulo, alimentava-se com sanduíches, ou às vezes ia comer no Gato Que Ri, um restaurante que saciou a fome de muita gente com comida boa e barata, hoje é um restaurante com clientela mais sofisticada. Ronan recorda-se do tempo em que existiam bondes em São Paulo. A malha viária da cidade era em boa parte chão de terra. Ronan Batista Borges nasceu a 24 de agosto de 1925 em Alterosa, foi registrado em Alfenas onde existia cartório. São seus pais João Olímpio e Ana Vitória dos Santos que tiveram 15 filhos. Seu sobrenome Borges foi herdado do seu avô paterno. Ronan casou-se com Julieta Alves Borges.

Qual era a atividade profissional do pai do senhor?

Ele era sitiante, procurava morar na cidade para que os filhos tivessem a oportunidade de estudar. Ele negociava creme de leite, despachava para a cidade de Casa Branca. Até 13 anos trabalhei na agricultura, estudei no Instituto Nossa Senhora Aparecida, de Campo do Meio e na Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas.
 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas
 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

                                     Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas.




Em Alfenas o senhor trabalhou?

Trabalhei no Clube XV de Alfenas, tinha 17 anos, lá permaneci por uns dois anos. Ao sair de lá montei um pequeno comércio em Monte Belo. Não satisfeito em 1945 decidi ir para São Paulo, hospedei-me na casa de uma prima na Penha, peguei o bonde na Rua Cantareira e desci na Penha, dirigi-me até a Rua Senador Godoi. Comecei a trabalhar na Nitroquímica Brasileira em São Miguel Paulista, era um serviço de muito risco para a saúde, trabalhava na produção, com sulfato de alumínio .Tinha que tomar muito leite para evitar intoxicação. Sai daquele emprego e fui trabalhar na Casa Casoy situada na Rua Barão de Duprat, onde costurava maletas escolares para uso infantil, lá mesmo aprendi a costurar com máquina indústrial. Em seguida com 21 para 22 anos trabalhei na Alves Azevedo Importadora e Exportadora, onde permaneci até casar com quase 23 anos. O forte da empresa era a Manteiga Viaduto, Àgua Prata e bebidas estrangeiras.

Como o senhor conheceu a sua futura esposa?

Eu a conheci em Minas Gerais, a família dela era conhecida da nossa família, fui passear em Minas, passamos a conversar, namorar e dentro de seis meses nos casamos. Aluguei uma casa no bairro da Penha em São Paulo onde fomos morar após casarmos. Por um período permaneci trabalhando na Alves Azevedo. Saí de lá e montei um bar em São Miguel Paulista. Após uns quatro anos com o bar resolvi mudar para Mato Grosso, na divisa próximo a Dracena. Por um ano e meio tive umaa pensão. Morei em Dracena, vim para São Paulo, voltei para Minas Gerais e acabei voltando para a Penha em São Paulo. Em Minas eu tinha um onibus Chevrolet fabricado em 1946 depois troquei por um outro ônibus Chevrolet 1950, conhecido como “Boca de Sapo”, fazia a linha de Areado para Alfenas, fazia uma viagem por dia, a distância era de uns quarenta quilometros entre uma cidade e outra, passava pelos sítios em estrada rural. Vendi o ônibus e vim para São Paulo onde comprei um caminhão Dodge 1951 transportava pédra da pedreira de propriedade de Vicente Matheus para a cidade de São Paulo. Transportei paralelepipedo para calçar a Rua do Grito, levei pedra britada para a segunda pista do Aeroporto de Congonhas, ainda não existia a Avenida 23 de Maio, para chegar lá era tudo estrada de terra. Saia de Guaianazes, passava pela Vila Formosa, tinha cerca de arame no Cemitério da Vila Formosa, passava pela Vila Carrão, Água Rasa, saia na Avenida do Estado perto do Ipiranga. Em frente ao Aeroporto de Congonhas, ao lado de onde hoje é a Avenida 23 de Maio havia um criame de porcos brancos, grandes. Fiquei com o caminhão uns três anos, vendi e fui trabalhar com um pequeno armazém na Penha. Como a renda era pequena, fui trabalhar como taxista.Quando cheguei em São Paulo tinha apenas dois viadutos: O Santa Ifigênia e o Viaduto do Chá. Depois fizeram o Viaduto do Gasômetro no Largo da Concórdia, antes existia uma porteira para barrar o trânsito e deixar o trem passar. Depois começou a ter viadutos. 
                         Elevado Presidente Costa e Silva, conhecido popularmente como "Minhocão".

 Paulo Maluf fez o Minhocão que é uma via elevada sobre a passando sobre a Rua Amaral Gurgel, a Avenida São João e a sua continuação a Avenida General Olímpio da Silveira. Na década de 50 a Rua da Consolação era estreita, com muitas casas, pouco comércio e algumas pensões no trajeto. Vi fazer a Avenida Rio Branco, plantarem as árvores. Eu trabalhava na Alves Azevedo que ficava na Rua Aurora, 60.
Localizado no número 100 da Rua Aurora passou a existir o Bar do Leo, famoso pelo seu chope, tinha um café muito bom, um dos atendentes era o Alarico.
                                          Caminhão Dodge 1951

Qual foi o seu primeiro carro, usado para trabalhar como taxista?

Comecei com um Chevrolet 1947 preto,

depois passei para um DKW “saia e blusa”, era assim chamado por ser verde claro com branco no teto,



trabalhei com Volks, com Corcel I, meu ponto de taxi era na Penha. Chegava a trabalhar até 16 horas por dia.

Quais as lembranças que o senhor guarda do DKW?

Por ser motor dois tempos as vezes era meio ruim de faze-lo funcionar. A porta dianteira abria no sentido contrario, era a chamada “porta assassina”. Era um bom carro. O Corcel I foi um carro muito bom, eu comprei um novo, zero quilometro.

Como era suas refeições?

Comia lanches, as vezes ia na Rua do Arouche, no Gato Que Ri, naquele tempo era muito frequentado por motoristas, era um lugar para matar a fome.

A classe dos motoristas de taxi era bem vista na época?

Não era não. Se fosse a uma oficina consertar o carro os mecanicos não gostavam muito, as vezes a pessoa não tinha dinheiro para pagar o conserto. Eu fui diferente ( Seu Ronan sorri satisfeito).

O senhor transportou pessoas famosas?

Devo ter transportado, eu não as conhecia. Eder Jofre pegou meu taxi, desceu na Rua Frei Caneca, ele estava com um menino, acho que tinha chegado do exterior, assim que ele desceu o próximo passageiro disse-me: “- O Eder Jofre veio no seu carro!” Disse-lhe: “Não sei.” Ao que ele afirmou: “É o Eder Jofre sim!”. As vezes pegava turistas estrangeiros, eles tinham o endereço de destino escrito, mostravam e eu os levava. Eu já morava em Águas de São Pedro quando fui para a Europa com a minha esposa. Ela ficou em Portugal, eu segui até Milão, de San Remo fui à Paris de trem, em seguida fui à Bruxelas. Fui sem guia, sem falar a lingua desses países. Em Bruxelas fiquei no seminário dos premonstratenses. O Cônego Márcio faleceu em nossa casa, nós cuidávamos dele, e eu disse-lhe que iria até Bruxelas, como de fato fui.

Como taxista o sehor foi sempre muito discreto.

Eu procurava fazer o meu trabalho, não conversava se o passageiro não se manifestasse, não ligava o rádio com passageiro dentro do carro, sempre procurei me comportar como civilizado. Teve um outro caso marcante, peqguei uma passageira na rodoviária, e levei ao Jardim Europa, na Rua Dinamarca,160. A passageira desceu, ela era de Ourinhos, prossegui no meu trabalho, apanhei um passageiro para o Tucuruvi, quando ele entrou disse-me: “ Tem uma mala aqui!”. Disse-lhe que era da minha irmã, guardei a mala no porta-malas do carro após o pasageiro descer. Voltei para a Rua Diamarca, não conseguia achar a rua, girei muito fiquei preocupado em ficar rondando o bairro a noite, a qualquer momento poderia ser abordado pela polícia se alguém achasse estranho. Fui embora. No dia seguinte a minha preocupação era procurar a dona da mala. Fui até a farmácia do Seu Nestor, disse-lhe que precisava telefonar com alguém na residência situada na Rua Dinamarca,160. Procuramos na lista telefônica, achamos e telefonamos. Falei pelo telefone com o dono da casa, Seu Brito. Ele era da Rádio Record. Ele disse-me que a mulher dona da mala estava hospitalizada, tinha passado mal por perder a mala onde estavam seus documentos e bastante dinheiro. Era uma maleta de cromo alemão. Levei a mala, ele ficou muito contente, queria que eu fosse contar a história na Rádio Record. Agradeci o convite mas disse-lhe que não achava conveniente. Perguntou-me se tinha filhos na escola, respondi-lhe que tinha três. Ele então deu-me 15 unidades monetárias (cruzeiros ou moeda da época), era um valor significativo para comprar material escolar para as crianças. Vivi momentos maravilhosos. Levei o escrivão do catório para o Silvio Santos assinar uns documentos. Ele não ria tanto como na televisão, mas é uma pessoa especial.

O senhor torce por algum time de futebol?

Torço para o São Paulo. Em 1946 fui assistir um jogo no Estádio Pacaembu, era novo, cobravam quinhentos réis na acústica e um mil réis na lateral, foi lá que vi Leonidas jogar.

Quantos filhos o senhor e sua esposa tiveram?

Tivemos nove filhos: José Roberto e Maria da Glória são gemeos, nasceram dia 10 de janeiro de 1950, nasceram aos sete meses de gestação, tanto eu como minha espôsa não tinhamos experiência, íamos ainda comprar o enxoval, com o auxilio da parteira nasceu o menino e 25 minutos depois nasceu uma menina. Nós não sabíamos que iriam nascer dois filhos, achavamos que era apenas uma criança. Naquela época os recursos eram escassos. Os dois estão vivos, com 62 anos, ele nasceu com um quilo e trezentos gramas e ela com um quilo e duzentos gramas, foram para a maternidade Leonor Mendes de Barros, no Belenzinho, era nova essa maternidade.
                                    Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros
 Dona Leonor nos deu muito apoio, foi quem solicitou uma estufa emprestada com a Cruz Azul. Conheci Dona Leonor assim como o Governador Adhemar de Barros. Depois nasceu a nossa filha Ana Lúcia, Edna Aparecida, Luiz Carlos (já falecido), Paulo Cesar, Fátima, Ronan de Alencar, e o Júlio Cesar. Tenho 23 netos e 8 bisnetos.

Quando o senhor chegou, havia algum plano de mudar-se para Águas de São Pedro?

Não tinha planos para nos estabelecermos aqui, foi por acaso. Viemos no dia 2 de novembro de 1972, eu, minha esposa e duas irmãs. Minha espôsa sofria muitas dores reumáticas, indicaram o médico Dr. Arlindo Genarri como especialista da doença. Ele recomendou que deveria vir para Águas de São Pedro, fazer um tratamento aqui que ficaria bem. Foi o que nós fizemos, de fato minha esposa sentiu-se melhor e queria ficar aqui. Tinha uma pensão à venda, minha irmã Francisca dos Reis estava junto, disse-me: “- Pode arrendar a pensão que eu trabalho para que sua esposa faça o tratamento”. Por cinco anos fui arrendatário. Em 1977 adquirimos a pensão. Passou a ser a Pousada Nossa Senhora Aparecida. Atualmente comporta 60 hóspedes.

Quanto tempo faz que a esposa do senhor faleceu?

Faz seis anos, um mês e um dia. Guardo a saudade e o respeito, lutamos juntos. Hoje administro a pousada, vejo se tem que fazer alguma manutenção, faço as compras. Pela idade e saúde que tenho só posso agradecer a Deus.

O filho do senhor é prefeito em Águas de São Pedro, como é ser pai de um prefeito?

É uma responsabilidade que você nem imagina. É bom, fico contente em ver que ele chegou a esse ponto. Os pais se preocupam se a administração é boa ou não. Me preocupo até em estacionar um carro na rua, não posso “queimar” a faixa senão irão dizer: “É pai do prefeito pode fazer isso”. Não pode. Tem as coisas maravilhosas, fui com o meu filho Paulo até o Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse-me: “Filho como esse é orgulho para o pai.” Os pais tem amor igual por todos os filhos, as vezes um não faz o que o pai deseja, talvez não o satisfaça muito, mas o amor a gente tem.

Como o senhor se sentiu em sair de uma cidade enorme como São Paulo e vir morar em uma cidade pacata?

Em Águas de São Pedro o povo procura viver em harmonia e tratar bem o turista. Naquele tempo era mais pacata ainda. Só tinha um médico na cidade, Dr. Ângelo Nogueira Vila. Mudei de cidade, mas mantive o ritmo de trabalho que levava em São Paulo, cheguei até a trabalhar como servente de pedreiro na construção da minha casa.

A cadeia tem algum preso?

Não existe, se alguém for preso é levado para a cidade de São Pedro.

Na opinião do senhor hoje o povo está melhor?

Está melhor, por exemplo, pelo número de veículos existentes são poucos acidentes que acontecem. O próprio veículo evoluiu muito, antes tinha carro que ficava sem freio, pneu que estourava com facilidade. O povo está entendendo como é que tem que ser.

O ser humano em suas relações de amizades mudou?

Mudou. O povo não tem tempo para conversar, se conhecerem.

Do que o senhor sente saudades?

Saudades de quando era criança, a vida de andar a cavalo, tinha um cavalo pampa vermelho e branco. Mamãe fazia gemada de ovo caipira, punha vinho Adriano Ramos Pinto que papai comprava de caixa e gostava de dar uma garrafa para as mulheres que tinham tido nenê. Dizia: “-Tome um calicezinho todo dia!”. Papai comprava caixa de bacalhau, era baratinho. Tenho saudades da reunião dos irmãos na casa dos meus pais que também se mudaram para São Paulo.

















































































domingo, julho 15, 2012

Pe. GIOVANNI MURAZZO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: Pe. GIOVANNI MURAZZO
Nascido a oito de julho de 1936, na Itália, em Palata, Padre Gionanni Murazzo è um dos cinco filhos de Giuseppe e Filomena Murazzo: Tereza que faleceu aos catorze anos de peritonite, Michele (Miguel), Alberto, Giovanni, Tereza (nome dado em homenagem a primeira filha). Carismático, escritor com mais de uma dezena de livros publicados, em português e italiano, comunicativo, culto, estudioso e pesquisador, um missionário espalhando sementes de fé e esperança. No Brasil conviveu com D. Helder Câmara, D. Luciano Mendes, D. Paulo Evaristo Arns. Foi ordenado sacerdote pelo cardeal africano Rugambwa, primeiro cardeal negro da história. Exerceu seu sacerdócio por dez anos em uma região inóspita, a Ilha da Sardenha. Veio como missionário para o Brasil onde trabalhou no Rio de Janeiro, São Paulo. Em 1987 retornou á Itália onde permaneceu até 1995, ano em que veio para Curitiba e Guarapuava. Transferido para São Paulo, foi por sete anos, Superior Provincial dos Missionários Xaverianos. Em 19 de junho de 2011 foi nomeado Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria, da Paulicéia. Sua mais recente obra “Cruzes no Caminho” é um bálsamo para os dias atuais onde Padre Giovanni reuniu relatos de experiências muito fortes e positivas, vividas por fiéis que o conheceram.

Como se deu a descoberta do senhor pela vocação sacerdotal?

Naquela época a maioria da população trabalhava nos campos, permaneci com meus pais até 14 anos, quando fui para o seminário. A minha vocação está ligada a um padre xaveriano, Padre Alexandro Pataconi era um missionário muito alegre, divertido, ele veio de Ancona a Termoli, umas três horas de viagem, veio para ajudar o nosso pároco na Semana Santa, se hospedou na casa da minha professora do primário, Gemma Fioritti, que tinha um irmão capuchinho. Essa professora foi para mim uma segunda mãe, depois que o padre Pataconi foi embora ela fez animação vocacional, falando dos padres xaverianos, das missões na China, sobre a necessidade de outros missionários. Ela perguntou quem queria ser padre, quatro ou cinco garotos levantaram a mão. Ela então explicou que para ser padre tinha que ter boa saúde, estudar, ser religioso, rezar bastante. Eu fui um daqueles que levantaram a mão. A professora entrou em contato com a minha mãe, passou a relação dos documentos necessários. Minha mãe e eu fomos pedir uma carta de apresentação ao Padre Rafaelli Di Alessandro, um ex-salesiano, que tinha sido capelão militar e era nosso pároco. Em 1950 entrei em Ancona, que era a casa dos xaverianos mais próxima a minha cidade. Lá encontrei o reitor Padre Mário Veronezzi, ele tinha sido geômetra antes de ser xaveriano. Quando chegamos ao seminário, éramos três, frutos da animação missionária da professora. Padre Mário nos disse: “Mário, Vicenzo e Giovanino, assim como trem que os trouxe tem dois trilhos aqui também temos duas grandes obrigações: oração e estudo”. No ano seguinte ele foi ser missionário em Bangladesh, em 1973 foi morto durante a guerrilha, quando levava no colo um rapaz ferido. É considerado um mártir. Fiz os cursos normais de ginásio. Em Ancona fiquei só um ano, os outros anos foi em Bergamo, terra do Papa João XXIII. O noviciado foi próximo a Ravenna, onde São Guido Maria Conforti tinha sido arcebispo. Após o noviciado por um ano fiz estágio educativo, três anos de filosofia em Désio, próximo a Milão. Os últimos cinco anos eu estudei em Parma, onde fui ordenado a 13 de outubro de 1963. Se Deus quiser no ano que vem irei celebrar o jubileu de ouro, 50 anos de ordenação sacerdotal missionária.

Quem o nomeou padre?
                                                               Cardeal Rugambwa

Foi o Cardeal Rugambwa, primeiro cardeal da África, nomeado aos 44 anos pelo Papa João XXIII. Ele era alto, magro, muito negro. Foi uma benção, o nosso superior geral era de Bergamo, ele acompanhava os bispos da África, da Ásia, onde tínhamos missões e convidou o Cardeal Rugambwa.

Para onde o senhor foi designado após tornar-se padre?

Eu queria ir para o Japão, o meu superior disse-me para ir provisoriamente para a Sardenha. Esse provisoriamente durou 10 anos!

Como era a Sardenha naquela época?

Era uma época em que houve muitos seqüestros na Itália, as vítimas eram levadas para uma região de difícil acesso, existente na Sardenha. Nem os romanos conseguiram conquistar o povo daquela região. Era um lugar muito selvagem. A natureza influencia sobre nós, mas o nosso coração é que dá um sentido à natureza. Se tivermos paz interior somos capazes de ver a vontade de Deus na criação das pedras. Nas décadas 60 e 70, quando inclusive houve o seqüestro de Aldo Moro, a Sardenha ocupou o noticiário. Dois terços da Sardenha são formados por pedras, é um povo muito pobre. O único recurso é o pastoreio de ovelhas, um pouco de turismo, é uma ilha com praias. Toda a Sardenha tinha um milhão e meio de habitantes, a Sicilia, com o mesmo tamanho tinha de cinco a seis milhões.

Em que local da Sardenha o senhor viveu?

No centro da Sardenha, na província de Nuoro, na cidadezinha de Macomer. Cheguei no Brasil em 1974, voltei para a Itália em 1980, de três em três anos, quando volto para a Itália vou até a Sardenha, porque lá fiz muitos amigos. Os sardos têm no início desconfiança da pessoa estranha, é um temperamento histórico, os invasores vinham pelo mar para se apossarem da ilha. Após conhecerem a pessoa é firmada uma amizade verdadeira. Quando cheguei ao Brasil o superior regional Carlos Coruzzi me perguntou se eu me dei bem com a Sardenha, quando lhe disse que sim, ele disse-me: “Coragem! Irá se encontrar bem no Brasil! A Sardenha é como o noviciado para começar a vida religiosa aqui no Brasil.”Há em comum a religiosidade popular, lá ainda continuam a dizer “Se Deus quizer”, “Vai com Deus”, “Deus te abençoe” e também no Brasil o relacionamento de amizade é muito forte.

Quem decidiu que o senhor deveria vir para o Brasil?

Após 10 anos na Sardenha fiz o ano sabático, de aggiornamento, é um ano só de estudos, atualização, não se tem compromisso com seminário, paróquia. Fiz esse ano em Roma, no Ateneu dos Salesianos. Tive como coordenador do nosso curso o Padre Carlos Geanolla, especialista na pastoral juvenil, No segundo semestre Padre Geanolla disse-nos “ Vocês missionários são gente da galera, gente da prisão. Se queixam que a imprenssa publica tantas coisas ruins, e vocês missionários que vão para outro lugar, para outro povo, culturas diferentes, não escrevem nada, com a desculpa de que não sabem escrever, ninguém pede que sejam grandes escritores”. Para mim essa provocação foi como uma chicotada. Naquela época era muito forte a consciencia de que o missionário deixou a sua pátria não somente em nome da congregação, mas em nome da igreja da sua localidade. Incorporei essa idéia, e a cada cinco ou seis meses mandava uma carta ponte. O livro “Pequena Ponte” escrevi recolhendo todas as cartas que escrevia para os amigos, da Sardenha, da Itália. Continuo escrevendo essas cartas a cada três ou quatros meses, conto as coisas mais significativas. Ao chegar em Piracicaba, a primeira experência que contei-lhes é que aqui tem uma catequista, Josefina, que é catequista por cincoenta anos. Temos três pedreiros que trabalham para a manutenção das nossas capelas, um deles, o Wilson, me disse: “Padre Giovanni, não vejo a hora de me aposentar no ano que vem para me dedicar completamente a evangelização”. Eles está fazendo a caminhada do SINE Sistema Integral da Nova Evangelização, que o nosso bispo recomenda, missão permanente. São pequenas faíscas que procuro, para não perder a motivação que nos deu Padre Geanolla. Quando fiz a despedida na minha paróquia em 1974, ao sair da igreja fui procurado por uma senhora bem idosa, ele disse-me: “Padre Giovanni eu não escuto bem, parece que vai como missionário ao Brasil?” Disse-lhe- “Sim, Alfonsina, vou lá onde está o Padre Silvestre”. Ela tinha um filho padre que estava no Brasil. Ela então pegou as minhas mãs e disse-me: “Não faça como o Padre Silvestre, que não me escreve!”. Duas lágrimas caíram do seu rosto. Disse-lhe que faria também a parte do Padre Silvestre. Depois cobrei de mim mesmo, seja pela motivação racional de Dom Geanolla, seja pela emocional daquela mãe. O primeiro batismo que fiz foi em 13 de novembro de 1963, do neto dela, em minha paróquia, e se chama Alfonso. Quando fui ordenado éramos em 32, cinco foram ordenados nos Estados Unidos, porque fizeram teologia naquele país. Em Parma éramos 27, todos ordenados pelo Cardeal Rugambwa. Depois cada um ia celebrar sua primeira missa em suas paróquias de origem. Cheguei em Palata dia 2 a noite , era um sábado, dia 3 celebrei a primeira missa e a tarde fiz meus dois primeiros batizados, Alfonso e Gianluigi.

Em que dia o senhor veio para o Brasil?



O famoso Augustus desatracando do Armazém de Bagagens do


                              Porto de Santos, no ano de sua viagem inaugural - 1952. Foto: José

Dias Herrera.

Cheguei no Brasil no dia primeiro de outubro de 1974, viajando pelo navio Augustus, deve ter sido a ultima viagem do transatlantico. Saímos de Genova em setembro, após dois ou três dias de greve, era normal ter greve, após 12 dias chegamos ao Rio de Janeiro, onde permanecemos por seis horas, eu e o Padre Renato Gotti, fomos visitar duas irmãs que fizeram o curso conosco, em Verona, e já fazia uns cinco ou seis meses que estavam no Rio de Janeiro. Saímos do porto e ao atravessar a Avenida Brasil, o farol abriu, estava atravessando a avenida, um taxi avançou na minha direção, tive tempo de saltar, mas o meu relógio espatifou no meu pulso. Era o dia do Anjo da Guarda, 2 de outubro.

Qual foi a sua primeira impressão ao chegar no Brasil?

O Cristo do Corcovado (Padre Giovanni emociana-se muito). A acolhida do povo. Voltamos ao navio, chegamos em Santos, veio me buscar o Padre Carlos Corrucci, que era o provincial na época. Estava lá também o tio do Padre Renato Gotti, que era presidente de uma conferência de vicentinos, ele era da família Trainna. Em São Paulo tinha um bolo com a bandeira da Itália e do Brasil, escrito “Seja Bem Vindo Padre Giovanni” Fui buscar no meu baú uma garrafa de Vernaccia, um vinho da Sardenha. O Padre Domenico Costella, foi por muitos anos professor da PUC, hoje está em Curitiba, onde dá aula de filosofia na Universidade dos Vicentinos. Fiquei três meses em São Paulo para aprender a língua, morava na Vila Mariana, a nossa casa está próxima a Estação Ana Rosa do metrô, que fica depois da Estação Paraíso. Quando alguém me pergutava: “Onde mora em São Paulo?” repondia: “Além do Paraíso”. Padre Renato e eu íamos às aulas em uma escola que ficava na Rua Manoel de Nobrega. Entravamos no ônbus super lotado, na hora de sair eu não sabia dizer: “-Dá licença!”. Era sempre um desafio descer no ponto certo. O fato de aprender outra líbgua deu-me a impressão de ter outra alma, é uma experiência fantástica, como entrar em outro mundo. O meu primeiro destino foi Centenário do Sul. Diocese de Londrina. O Padre Renato deveria ir para Francisco Beltrão, Ele disse ao provincial que sofria muito com o frio e que gostaria de ir para Londrina. O provincial perguntou-me se eu aceitava. Respondi que sim, para favorever ao Padre Renato não teria nenhum problema. Fiquei por seis meses em uma paróquia que tinha 18 comunidades na Diocese de Francisco Beltrão e Parmas, próximo a Pato Branco. Havia lá outro padre, dois padres xaverianos foram transferidos, antes de mim, tinha chegado o Padre Stanislau Pirolla .O bispo que nos acolheu foi Dom Agostinho Sartori, capuchinho. Ele disse ao povo com sua voz que parecia um trovão: “-Povo de Deus. Cuide bem desses dois padres, porque uma comunidade paroquial sem padre é um corpo sem cabeça”. Ele nos chamava de Padre Lau e Padre João. Após seis meses, vieram os padres Carlos Corrucci , o vice-provincial Padre Roberto Beduschi. Fui transferido, chorei como uma criança que perdeu a mãe.

O senhor foi transferido para onde?

Fui para Centenário, e ia para Lupianópolis às quartas-feiras, sádados e domingos. O povo era muito acolhedor, comecei a divulgar nosso jornal “Cosmos”, primeiro jornal missionário do Brasil, era impresso em São Paulo, divulgado junto aos adolescentes. Após seis meses em uma assembléia, o provincial disse: “- No Rio de Janeiro existe o Diretor da Infância Missionária, um padre holandes, ele está pedindo um padre xaveriano que vá ajudá-lo como secretário, na contabilidade. “-Vocês acham que devemos aceitar esse convite?” Todos reponderam “-Sim!”. E quem devemos mandar? “-Padre Murazzo! Padre Murazzo!”. Por aclamação fiz as malas mais uma vez. Esse padre, Paulo, era colega de escola de Lefevre. Ele não sabia uma palavra de italiano e eu não sabia uma palavra de holandês. Nos comunicávamos em português. Fiquei um ano e meio no Bairro de Santa Tereza, aos pés do Corcovado, foi um período abençoado. Estavamos situados entre as mansões e a Favela dos Prazeres. No meu livro “Ide e Evangelizai”, contei algumas experiências desse período. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, uma das irmãs paulinas foi encarregada de coordenar a Coleção Evangelização de Conversão. A irmã e diretoria de um colégio, Isabel Fontes Leal Ferreira me pediu que escrevese lguma coisa das missões. Em três volumes contei experiências que propiciam reflexões.

Após um ano e meio no Rio de Janeiro o senhor foi transferido para São Paulo?

Fiquei mais de um ano com as pontifícias obras missionárias, foi quando tive contato com Dom Evaristo Arns, divulgamos o jornal Cosmos. Isso foi em 1976, 1977.

Foi um período político bastante agitado?

Sim, Dom Evaristo era um ponto de referência. De 1978 a 1984 por seis anos fiquei em Londrina, foi na época da contestação, eu era reitor do Seminário Nossa Senhora de Fátima de Londrina. Nessa época escrevi o livro “Cêntuplo” Os seminaristas tinham uma ideologia muito acentuada. Tínhamos os cursos de segundo grau e filosofia, inclusive com vocações adultas, pessoas que entravam já com 25 anos ou mais. Foi nesse período que explodiu a revolução na diocese de Campo Mourão, onde tínhamos três paróquias e dois padres no seminário. O bispo era Dom Eliseu Resende. Em 1981 os dois primeiros padres xaverianos que vieram para a paróquia da Paulicéia eram o Padre Zézinho e Padre Zézão, este espanhol. Vim para São Paulo a pedido de Dom Paulo Evaristo Arns. Fui evangelizar em Itaquera, Guaianazes e toda aquela região. Depois de seis anos meio em Londrina fui para a Diocese de Ourinhos, para Piraju, na época era Diocese de Botucatu. Foram três anos muito abençoados. Em Piraju, em 1987, quando o Papa João Paulo II esteve em Buenos Aires mandamos quatro jovens para representar o Brasil Na época eu fazia um programa na rádio, juntamente com os jovens era um programa voltado á juventude. Foi quando nasceu um livro com a experiência daquela época.

O senhor voltou à Itália?

Estava em Piraju quando fui chamado de volta à Itália, para mim foi a morte, como se estivesse indo para o exílio. A Direção Geral ficou sabendo do sofrimento por que tinha passado em Londrina. Faz parte da rotina, um xaveriano após 5, 10, 15 anos em missão em outros países, ser chamado de volta para a Itália. Para se reciclar e dar uma consciência missionária, formar missionários. Fui a Désio e lá fiz parte da equipe que tinha esse trabalho. Foram oito anos abençoados, lá estava o Cardeal Martini, era uma diocese que conseguia cativar os jovens através da bíblia. Em 1995 voltei ao Brasil, fui destinado para Curitiba onde Dom Pedro Fedalto pediu que animasse as vocações. Por três anos fiquei morando no seminário no bairro Vista Alegre das Mercês. Era uma capela dos frades capuchinhos que se tornou paróquia, fiquei a disposição da diocese. Fazíamos encontros missionários. No livro “Cêntuplo” tem vários testemunhos de pessoas de Curitiba.

Quantos livros o senhor já escreveu?

Deve ser uma dezena. Escrevi na Coleção Evangelização de Conversão: “Amar é ir ao Encontro”, “A Amizade Tudo Pode e Tudo Alcança”, “ Ide e Evangelizai”, “Alegria e Admiração”, também traduzido para o italiano. “A Amizade, Segredo de Felicidade” está ainda sem tradução do italiano para o português. Há ainda o livro “O Cêntuplo”, “A Ponte da Amizade”, “A Reciprocidade, Coração da Amizade”. Em duas línguas “Os Jovens e a Civilização do Amor”, escrito com Claudinei Polizel. Dia 28 de julho na Livraria Nobel estará sendo lançado o livro mais recente: “Cruzes no Caminho”. Um livro que ajuda a refletir e meditar para melhorar a nós mesmos e o relacionamento com os outros.

Como o senhor chegou a Piracicaba?

Em 11 de janeiro de 2011 terminei o segundo mandato de provincial em São Paulo. O pároco daqui foi eleito provincial, disse-me: “–Agora você fica em meu lugar”. Nós xaverianos fomos feitos para animação missionária. Eu queria fazer o mesmo trabalho que já tinha feito em Curitiba, no Rio de Janeiro, São Paulo. Ele pediu novamente que ficasse nesta paróquia, aceitei e no dia 18 de fevereiro de 2011 o bispo Dom Fernando me apresentou ao povo. Atualmente sou pároco de 20 comunidades, para serem cuidadas por três padres: eu. Padre Humberto e Padre Lucas. 








































                                                           






domingo, julho 08, 2012

RAFAEL GOBETH

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: RAFAEL GOBETH
Rafael Gobeth poderia ter seu sobrenome escrito com inúmeras variações, Gobet, Gobett, Gobetti ( muito comum no bairro rural de Santana). Todos que carregam esses sobrenomes são parentes entre si, seus antepassados embarcaram no mesmo período em Hamburgo, na Alemanha com destino ao Brasil. François bisavô paterno de Rafael saiu da Suíça em 1854 com sua esposa e duas filhas: Melanie e Jolie juntamente com outros suíços franceses que se estabeleceram em Piracicaba e região. Seu neto José Gobeth e Maria de Lourdes Gobeth, ela descendente da família Goldschmidt casaram-se e tiveram os filhos: Roberto, José Eduardo, Lineu Marcos, Raul e Rafael gêmeos e Fábio Fernando. Rafael e Raul nasceram a 27 de janeiro de 1949.

Qual era a atividade principal do seu pai?

Era empresário, teve uma serraria na Avenida Dr. João Conceição esquina com a Rua Dr. Fernando de Souza Costa, atrás da Estação da Paulista. Local ocupado atualmente por prédios e residências. Meu pai era muito novo ainda quando se tornou arrimo de família, cuidou de seus irmãos e mãe. Juntamente com Francisco Pelegrino, mais conhecido como Chico Carretel, que tinha mudado de São Paulo para Piracicaba e com Romeu Gerds adquiriram essa serraria. Meus tios Salésio e Urbano também foram sócios. Os cinco sócios eram os maiores fornecedores de carretel para linha de costura do Estado de São Paulo. Fabricavam formas de madeira para fabricação de sapatos. Meu pai era um bom financista e administrador, o Chico Carretel tinha muita habilidade com a madeira.

Como foi o início dessa fábrica?

Meu avô deixou como herança uma chácara no final da Rua XV de Novembro, adiante do SEMAE, o sitio que pertencia ao meu avô e deu origem a essa chácara tinha 42 alqueires. Iniciava próximo ao Cemitério da Saudade e entendia-se além do atual Hospital Unimed. Esse bairro por um tempo foi conhecido como Bairro dos Franceses. Eram vizinhos das propriedades, sítios também, das famílias Bacchi, Razera, Schimidt. Para iniciar a serraria meu pai teve que hipotecar suas terras. O empreendimento obteve sucesso, a serraria forneceu muita madeira para construções da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, da Catedral de Piracicaba. A madeira vinha de trem, em taboas ou em toras. Eles compravam matas da região de Piracicaba, essas vinham em toras. O Chico Carretel deixou a sociedade e estabeleceu-se na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina coma Rua José Pinto de Almeida, onde funciona o Toninho Lubrificantes. Lembro-me que em 1956 meu pai foi Festeiro do Divino, na nossa casa havia uma grande movimentação de pessoas, abateram 2.000 frangos. A procissão desceu a Rua Governador Pedro de Toledo até a Catedral, havia o encontro de barcos, uma procissão subia a Rua Moraes Barros até a Catedral.

Até que idade você morou na Avenida Independência?

Até completar 23 anos. De lá fomos para a Rua XV de Novembro, a casa existe até hoje, onde reside meu irmão Raul.

Seus estudos foram feitos em que escolas?

O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que era ao lado da Igreja dos Frades, nos anos de 1956 a 1959. Minha primeira professora foi Zuleica Wagner Campos Martins, tive aulas com Dona Edna, Dona Paulina e Seu Pedro Negri, pai do Pedrinho Negri. Vi construir o prédio existente na esquina da Rua São Francisco de Assis com Rua Alferes José Caetano. Eu era integrante da Cruzada Eucarística. Na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Joaquim André era um terreno vazio. Meus pais eram muito católicos, a cidade era católica. Meu pai começou a construção da Igreja Santa Catarina, na propriedade que foi do meu avô, meu tio Marcelino Perecim, casado com a irmã do meu pai, Tia (Nica) Antonia foi quem doou o terreno minhas duas avós se chamavam Catarina, uma delas era Catarina Schimidt. Em Piracicaba havia duas escolas famosas onde era lecionado o quinto ano primário, fiz na Dona Amália, que ficava na Rua Riachuelo entre a Rua Boa Morte e Rua Governador e Pedro de Toledo, a casa existe até hoje. Em 1960 entrei no Colégio Dom Bosco onde tinha um campo oficial de futebol, nesse campo eles faziam dois meio campos, com trave e tudo. Existia um campinho de futebol onde hoje está o ginásio de esportes. Mais acima tinha duas quadras de futebol de salão, em uma delas havia cestos para jogar basquete. E tinha uma área externa, onde nos reuníamos quando íamos desfilar fora do colégio, em frente havia o Bar do Seu Santo. O diretor do Dom Bosco era Padre Mario Quilici, conselheiro era o Padre Geroto, Padre Modesto também foi diretor. Lembro-me do Padre Astério, Padre Geraldo, Padre Tabir, Padre Miranda. Padre Paulo, Padre Luiz. O Padre Tabir jogava futebol com os alunos, jogava muito bem. Eu jogava mais como ponta esquerda e armador, sou canhoteiro. Meu irmão gêmeo estudava de manhã e eu estudava à tarde. Ele começou a usar óculos aos sete anos eu aos 12.

Como gêmeos vocês viveram algumas confusões divertidas?

Diversas, principalmente na adolescência. Eu penteio o cabelo da esquerda para a direita e o Raul da direita para a esquerda, estávamos no auge da semelhança. Isso foi em janeiro de 1968, portanto nós tínhamos 19 anos. Fui fazer um curso internacional de música em Curitiba, durou um mês e uma semana, o governador Paulo Pimentel nos cumprimentou. O Raul tinha ficado em Piracicaba. Quando voltei cheguei às 10 horas da manhã em casa, perguntei à minha mãe: “Cadê o Raul?” Ela me respondeu: “Ele deve estar no centro.”. Fui até o centro, entrei na Galeria Lúcia Cristina, no fundo havia um espelho enorme, fui chegando gritando “- Oh, Raul! Eita”. Era o meu reflexo no espelho! Quando percebi o que estava fazendo comecei a rir tanto da situação que estava criando para mim mesmo. Quem me viu deve ter imaginado que eu estava ficando louco. Eu tinha me confundido com meu irmão através da minha imagem refletida no espelho. Acabei encontrando meu irmão no centro. Quando éramos pequenos, a primeira vez em que fomos tocar em público foi na Sociedade Italiana, a Escola de Música não existia ainda com aquele espaço físico. Começamos a estudar música em 1960, o Maestro Ernest Mahle era nosso vizinho. Minha tia Cecilia Gobeth morava conosco, ela nos incentivava muito a estudar música, aparecia nos jornais noticias de cursos que eram oferecidos ela nos mostrava. Dos seis irmãos cinco foram estudar música. Só o mais velho que não quis ir. O José Eduardo tocava violino, o Irineu fagote, o Raul violoncelo, eu flauta transversal e o Fábio oboé. Fomos fazer uma audição pública da escola. O Maestro Mahle estava coordenando. Eu tinha de 12 para 13 anos. Havia uma disputa de qual família tinha mais filhos na Escola de Música, a Gobeth ou a Zagatto. A cena mais engraçada foi que eu entrei e toquei flauta transversal, o Raul entrou e tocou violoncelo, o público ficou admirado: “- Nossa ele toca dois instrumentos!”. Ai houve a apresentação do Quinteto Gobeth, foi quando a platéia murmurou: “- São iguaiszinhos!”.
Qual era a reação dos seus pais com o fato de ter cinco filhos executando música clássica?

Meu pai gostava muito, era uma pessoa carismática, que venceu na vida com muita dificuldade. Ele faleceu em 3 de janeiro de 1964. Queria que todos estudassem, dava muito valor para a escola. Ele sempre nos apoiou, minha tia Cecília também gostava muito. Dos cinco, músicos profissionais só ficaram o Raul e eu. Com 15 anos comecei a dar aulas de flauta.

Após completar o ginásio no Colégio Dom Bosco onde você foi estudar?

Fiz um ano de científico no Sud Mennucci, saí e fui estudar contabilidade na Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin, onde me formei como contador. Em 1971 fui para São Paulo para estudar administração na Escola Getúlio Vargas. O Raul acabou permanecendo em Piracicaba após freqüentar por um período de tempo o curso de química no Mackenzie.

Você morava onde em São Paulo?

No inicio foi em uma pensão na Rua Manoel da Nóbrega, quase esquina com a Avenida Paulista. Dali eu mudei para a Aclimação, na Rua José Getúlio, de lá mudei para uma travessa da Rua 12 de outubro, na Lapa. Trabalhei na Credicard, que era Citicard, do Citibank funcionava na Rua Sete de Abril, no Edifício dos Diários Associados. Em seguida fui trabalhar na Faço, que fabricava britadores, trabalhei na Mooca, na Avenida Presidente Wilson. Era uma empresa de suecos que passou para a Allis-Chalmers empresa americana. Conversei com a minha família, decidi fazer o CPV Curso de Preparação para Vestibulares, ficava na Avenida da Consolação, em frente ao Cemitério da Consolação. Fiz esse cursinho e passei. Na Getúlio Vargas fiz muitos amigos como Eduardo Naufal, Johnny Saad, Paulinho Kopenhagen, Olavo Setubal Júnior, eles me chamavam de “Piracicaba”. Fui trabalhar na Nestlé, na época a matriz ficava na Avenida da Consolação, trabalhava na contabilidade, fazia correções de lançamentos. Nessa época estava afastado da música. Eu tinha 24 anos. Nesse meio tempo minha ex-professora Grace Lorraine Andersen Bush indicou meu nome para o Teatro Municipal de São Paulo. O diretor me contratou, onde toquei com os maiores regentes do Brasil e da América do Sul, como Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky, e muitos outros nomes famosos. Fiz cachê em muitas orquestras. (No jargão dos musicistas fazer cachê é tocar como convidado em outra orquestra recebendo um pagamento pelo seu trabalho). Toquei em minha vida com mais de 70 regentes.

Quantos filhos você tem?

Sou casado com Yara Regina Roberti Gobeth fonoaudióloga, acupunturista, temos três filhos: Gabriel, Cecília e Pedro. Tranquei a matrícula no sétimo semestre na GV. Meu primeiro filho tinha nascido. Em 1978 voltei para Piracicaba, com a minha esposa e meu filho. Fiquei dando aulas na Escola de Musica de Piracicaba. Na ocasião havia perspectivas para outros empreendimentos. Conseguimos dar uma boa formação aos nossos filhos, todos são formados pela USP com especializações em suas áreas de trabalho. Toquei muita música, mas a minha carreira é mais expressiva como professor. Desde 1965 dou aulas, com dois breves períodos de interrupção. Afirmam que tenho muita criatividade para dar aula. Sei que tenho essa facilidade para ensinar música.

Com a saída do Maestro Ernest Mahle da Escola de Música de Piracicaba, as perspectivas futuras dependem da instituição que a assumiu?

Vejo a necessidade de maior apoio por parte do poder público, através de projetos culturais desenvolvidos pela União, pelo Estado e pelo Município. É uma tarefa árdua e com perspectivas pouco alentadoras administrar uma instituição desse porte sem um comprometimento dos poderes constituídos. Temos como exemplos os resultados colhidos pelos recursos investidos pelo Estado em Tatuí.

Qual é a importância da Escola de Música de Piracicaba para a cidade?

É muito grande, levou o nome de Piracicaba ao Brasil inteiro, a ponto de eu estar no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em outros estados e me perguntarem se eu conhecia a famosa Escola de Música de Piracicaba. Isso sem falar que levou o nome da nossa cidade para as mais diversas partes do mundo. Ela chegou a estar entre os 10 símbolos de Piracicaba. A importância do Maestro Ernest Mahle foi muito grande, enquanto esteve a frente da direção artística era a imagem viva da escola. Vinham muitos professores de São Paulo, Rio de Janeiro, que hoje já não vem mais. É um investimento alto, cujos recursos o Maestro Ernest Mahle conseguia obter. Grandes nomes do cenário musical passaram por Piracicaba. O órgão de tubo da EMP está entre os três melhores do Brasil. Piano de cauda Steinway deve ter uns sete ou oito. Há um acervo muito importante de partituras. A EMP tem um acervo que só é menor do que o da USP e o do Conservatório Nacional do Rio de Janeiro. O Maestro Ernest Mahle é uma pessoa muito importante para Piracicaba, só que ainda não foi devidamente reconhecido.

O que você sente ao executar uma peça musical?

Cada dia tenho um sentimento.

Dizem que o músico desenvolve uma forma de raciocinar própria.

Afirma-se que o lado do cérebro é o mesmo utilizado pela matemática. Dificilmente você irá encontrar um músico que seja ruim em matemática. A música não é palpável, é imaginária. Ela é sentida. A matemática é abstrata.

Você se comunica com a natureza através da música?

Muito! Muito! As artes são entrelaçadas. O que se usa de cores nas artes plásticas se usa nas notas musicais.

O brasileiro tem musicalidade?

Os próprios maestros cotam o brasileiro como grandes músicos, o maestro Zubin Mehta é um dos que afirmam isso. Nomes renomados têm vindo para o Brasil. O Brasil hoje exporta músicos muito bons. Muitos músicos saídos da Era Mahle estão hoje na Europa e Estados Unidos. Podemos citar alguns nomes: Paulo Arantes, Washington Barella, João Paulo Casarotti, Daniel Duarte.

Quando o aluno forma-se na EMP qual título ele pode receber?

No curso oficial ele forma-se como Técnico em Música, a semelhança de outros cursos técnicos, como por exemplo, Técnico em Contabilidade. É uma profissão.

Por que o brasileiro não consome música clássica?

Agora o Brasil está começando agora a olhar mais para a música clássica. Quantos brasileiros consomem pintura? São poucos. Isso porque a nossa cultura é incipiente.

Quando uma comunidade carente e assistida executa música clássica sai um produto de excelente qualidade.

Eles gostam muito. Só que para eles o acesso é difícil.

Existe uma barreira?

A música erudita é elitizada. De 30 anos para cá são realizados grandes concertos em praças públicas, como no Parque Ibirapuera em São Paulo. Faz muito sucesso.

O que significa música sertaneja universitária?

Sertaneja universitária é uma denominação criada por algum marqueteiro. Não existe isso. É como afirmar que exista Música Barroca Cabocla! A denominação sertaneja universitária é uma criação do mercado para vender seu produto, tentar elitizar algo extremamente popular. O objetivo é despertar o interesse do universitário, criar um glamour junto à classe que tem poder aquisitivo para consumir.

O mesmo pode ser feito com a música clássica?

Aos poucos a música clássica vem ganhando mais espaço. A questão é que a música erudita custa muito mais caro. Para formar um músico clássico demoram-se muitos anos. Para formar um sertanejo em dois meses ele estará com um repertório. Dá para formar uma dupla sertaneja por quarteirão. É uma música que se canta de terça, paralela sempre ou de sexta paralela, é só ter um ouvido um pouco musical e uma voz firme que a pessoa já pode cantar. Sou capaz de formar uma boa dupla por quadra.

Como Alessandro Pinezzi tornou-se um ícone piracicabano?

Alessandro Pinezzi é um grande violonista, é um músico por excelência, um fenômeno que respeito muito. Igual a ele no Brasil só existe Yamandu Costa, tinha o Rafael Rabelo, já falecido. O Pinezzi é um músico completo, toca erudito, popular, já tocou na Rússia, Estados Unidos, foi aplaudido no mundo todo. È um público que conhece profundamente música. Fábio Zanon é um violonista de música clássica. Yamandu Costa, Alessandro Pinezzi são músicos que já nascem prontos, uma benção de Deus.

Há pessoas que investem grandes quantias equipando seu veículo com possantes alto falantes. Essa pessoa pode ser um músico em potencial?

Pode ser. O que existe na verdade é que todo mundo gosta de um público, quer um palco, quer brilhar, a modéstia é graxa que ainda não foi lustrada. Todo mundo tem um “tcham” de artista! Esses veículos disputam entre si qual tem maior potencia de som, no meu ponto de vista é uma falta de educação e de cultura. Geralmente a aparelhagem de som custa mais do que o próprio carro. São pessoas simples que buscam uma forma de projeção pessoal. Por isso que o poder público tem que participar na formação de músicos, fica muito caro formar um músico, comprar instrumentos, contratar um professor qualificado. Isso ocorre hoje na favela de Heliópolis, em São Paulo. Tem quatro piracicabanos ensinando lá.

Uma boa orquestra rende dividendos políticos?

Tentaram acabar com a orquestra de Campinas, há uns 20 anos, quase lincharam o vereador que fez a proposta. A orquestra já tinha conquistado seu público, faz parte do coração da cidade.

Você tocou em óperas?

Toquei em São Paulo, entre elas “Navio Fantasma”, “Macbeth” de William Shakespeare, Turandot, de Giacomo Puccini. Fiz 6 óperas como instrumentista, uma delas de quatro horas de duração. Parsifal de Richard Wagner são 12 horas de duração. Em Manaus foi realizada a obra completa. Essas óperas são muito pesadas para o músico, tem que estar o tempo todo ligado, ópera é muito difícil de se fazer. Tem muitos recitativos, o msico tem que acompanhar no momento exato. Quando vem as árias, que é o solo, torna-se fácil acompanhar. Estudei ópera por dois anos com Niza de Castro Tank.






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