sábado, dezembro 07, 2013

PEDRO CALDARI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 30 de novembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/



 
ENTREVISTADO: PEDRO CALDARI

 

Pedro Caldari estará lançando em dezembro próximo um livro em que conta a história da Igreja Imaculada Conceição, também conhecida como Igreja da Vila Rezende. Meticuloso em suas pesquisas faz entre outras revelações a de que o projeto da antiga matriz da Vila Rezende foi do arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Pedro Caldari nasceu em Piracicaba, mais especificamente na Vila Rezende a 5 de setembro de 1938. Filho de Ricieri Caldari e Catarina Furlan Caldari, ambos piracicabanos e filhos de italianos originários de Padova. Seus Avós paternos são Pedro Caldari e Carolina Botene Caldari, os avós maternos são Tereza Gallina Furlan e Angelo Furlan.

O seu vinculo com a Vila Rezende sempre existiu?

Nasci e fui criado na Vila Rezende, na antiga Avenida Salaz hoje denominada Avenida Mário Dedini. A casa em que nasci transformou alguns anos depois em mais um galpão das Indústrias Dedini, digo que nasci dentro da Oficina Dedini ! Minha vida toda, inclusive profissional sempre foi vinculada com a Vila Rezende. Estudei o curso primário no Grupo Escolar José Romão, o professor era Leontino Ferreira de Albuquerque, um educador que tinha um amor profundo pelo ensino, contribuiu muito para a formação de centenas de vila-rezendinos.

Após concluir o curso primário qual foi a escola em que você foi estudar?

Fui fazer a “Universidade do Zanin” ! Era assim que nós chamávamos na época a Escola Técnica de Comércio Cristóvão Colombo do professor Pedro Zanuardo Zanin. Situava-se na Praça José Bonifácio, ocupava a sobreloja e nos fundos tinha uma parte da escola que ocupava o térreo. Embaixo de um lado havia um cartório, do outro lado era o estúdio do Cantarelli. Ao lado do cartório existia a Bomboniére do Passarelli, ao lado dele era o Cine Politeama. Antes de funcionar o cinema havia um restaurante que foi demolido para dar lugar ao cinema. Na parte do fundo do cinema havia um salão de snooker. Era o Snooker do Jacaré. Quando o cinema ampliou o Jacaré mudou o snooker para a Rua XV de Novembro atrás da Catedral de Santo Antonio. Lá também era um corredor onde no fundo havia um salão grande. Ali era o principal reduto dos amantes do snooker. Era frequentadíssimo era onde se encontravam os bambas do snooker.

Qual era o meio de transporte utilizado por você para vir da Vila Rezende até a escola de comércio?  

Era o saudoso bonde que infelizmente desapareceu, poderia perfeitamente estar funcionando até hoje, como existe em muitas partes do mundo. Tinhamos três linhas de bonde em Piracicaba: do centro até a Vila Rezende, do centro até a Escola de Agronomia e do centro até a Paulista, essas três linhas se interligavam.

A linha de bonde que da Vila Rezende tinha um desvio, onde exatamente era?

Esse desvio ficava na Rua do Rosário proximo a esquina da Rua Prudente de Moraes, posteriormente passou para a Rua Campos Salles proximo onde hoje existe o viaduto da Rua do Rosário, isso ocorreu quando aumentou-se o número de viagens do bonde. Um bonde vinha da Vila Rezende até a catedral, outro saia da catedral e ia até a antiga estação de trens da Estrada de Ferro Sorocabana que ficava nos confins da Vila Rezende, na Avenida Conceição! Hoje é o início do bairro São Luiz. Chamava-se Estação Barão de Rezende, ficava uns 200 metros depois do Armazém do Valler. Para situar-se melhor, nos dias atuais uns 200 metros adiante de onde hoje há um posto de gasolina, que até ha pouco tempo era de propriedade de Alzira Valler.

Em que ano você concluiu a escola de comércio?

Em 1956 após estudar por quatro anos que equivalia ao ginásio e três anos de curso técnico de contabilidade. Foram sete anos de estudo na Escola de Comércio Cristóvão Colombo, que foi uma grande formadora de contabilistas. Piracicaba tornou-se bastante conceituada por ter bons contabilistas. Os professores que lecionavam nessa escola eram também professores do Sud Mennucci, do Instituto Piracicabano, da própria ESALQ, não só acadêmicos como também catedráticos dessa escola.

Em qual horário você frequentou a Escola do Zanin? 

Inicialmente estudei na parte da manhã, depois por força da necessidade de trabalhar fiz o curso noturno. Comecei a trabalhar em uma idade que se hoje for falar torna-se um escandalo, mas na época não era. Entrei na CODISTIL quando ainda era a antiga Oficina Perissinoto, o fundador foi Augusto Perissinoto, quem deu continuidade após o falecimento do pai foi Waldomiro Perissinoto que posteriormente com o apoio de Mário Dedini passou a constituir a CODISTIL, Construtora de Destilaria Dedini Ltda, uma marca famosa internacionalmente no setor sucroacooleiro. Comecei a trabalhar na CODISTIL quando eu tinha nove anos de idade. Meu chefe imediato era Palmiro Berno, chefe do almoxarifado. Minha primeira função foi de endireitador de pregos. Na época os aprrendizes eram admitidos quando estavam saindo praticamente do curso primário, isso se dava tanto no comércio como na indústria.A ocupação que se dava à quem estava iniciando eram as mais diversas. As mercadorias vinham para as empresas em caixotes de madeira, não se desperdiçava essa madeira, o próprio caixote as vezes era reutilizado ou era desfeito e a madeira aplicada para reuso. Os produtos importados vinham em caixotes de pinho de riga. Naquela época já reaproveitava-se tudo. Digo com muita propriedade que trabalhar desde pequeno não só é salutar, como também de um benefício enorme. Nada melhor do que o trabalho para educar, dar sentido de valor, formar a personalidade, disciplina, despertar o civismo e patriotismo, enfim todos os aspectos do individuo são moldados para transforma-lo em um verdadeiro membro da sociedade. Na época eu e o Augusto Perissinoto tinhamos a mesma idade ele era sobrinho do Waldomiro Perissinoto. Após uma breve passagem endireitando pregos a próxima ocupação foi a de office-boy, onde começou uma iniciação à àrea administrativa, distinguido papéis, destinatários, levar e trazer na devida ordem e cuidado. Aos 17 anos de idade me formei como Técnico em Contabilidade, embora habilitado eu não podia assinar balanços, não tinha atingido a maioridade, mesmo sendo um dos contadores da oficina do Perissinoto, no escritório eramos um grupo de seis funcionários, na oficina trabalhavam de 100 a 120 funcionários, já era uma das associadas do Grupo Dedini. Foi o meu único emprego até a minha aposentadoria, no ano 2000.  Permaneci na empresa por 52 anos. Entrei endireitando prego e saí como diretor finaceiro e administrativo da Dedini S/A  - CODISTIL. Mário Dedini foi uma figura empresarial de grande relevância não só para a economia mas também para a sociedade, para o desenvolvimento urbano, político de Piracicaba.Ele teve uma atuação marcante.

A vocação sucroalcooleira de Piracicaba tem suas origens com o Dedini?

Graças a Mário Dedini que surgiu essa vocação. A capacitação industrial de Piracicaba deve-se quase em sua totalidade à Dedini. Não só a Mário Dedini que esteve a testa dos negócios dessa empresa até o seu falecimento em 1972. De 1920 a 1972 Mário Dedini teve uma atividade intensa, o desenvolvimento industrial de Piracicaba esteve atrelado a ele. Evidentemente ele não teve participação no ramo automobilístico. Mesmo as indústrias mecânicas que vieram a participar do esforço automobilístico praticamente foram tuteladas pelo Grupo Dedini. A maioria dos empresários desenvolvimentistas, empreendedores, tiveram seu iniciao como empregados, aprendizes, na Dedini, assim como eu. Receberam de Mário Dedini incentivo e apoio, foi uma incubadora de empresas.   

Você tinha tempo para brincar?

Também brincava! Morando na Vila Resende, desde que aprendi a andar nas ruas do bairro e adjacências do Rio Piracicaba aquilo tudo era nosso quintal! Não havia preocupação, a qualquer hora do dia ou da noite estávamos ali, com jogos infantis, brincadeiras inocentes, correndo atrás dos vagões de cana-de-açucar na época de safra, tudo isso era o nosso parque de diversões. As ruas eram de terra, não tinham calçamento, a Avenida Rui Barbosa era de terra assim como as ruas adjacentes. Não havia a distinção de direção de ruas, era caminho de veiculos, pessoas e animais. Quando chovia era o lamaçal de sempre.

Onde era a chacara do Dr. Kok?

Em frente a Igreja da Imaculada Conceição, onde hoje há um jardim, aquele quarteirão todo era murado e pertencia à Chacara do Dr. Kok, administrador do Engenho Central, uma figura exponencial. Ele era dinamarquês.  A entrada ficava em frente a Igreja Matriz da Vila Rezende, era um portão de ferro, vazado.

Quando foi construída a Igreja Imaculada Conceição?

Começou a ser construida em 1904, agora em 2014 iremos comemorar 100 anos de inauguração da Paróquia da Imaculada Conceição que se deu em 1914. A igreja nasceu da vontade de Dona Lidia de Rezende, filha do Barão de Rezende, Estevam Ribeiro de Souza. Ela construiu a igreja para honrar a memória dos irmãos Luis e Estevam de Rezende que faleceram prematuramente. O Barão de Rezende custeou  a construção da igreja, doando as terras e recursos financeiros. Praticamente toda a Vila Rezende fazia parte da então Fazenda São Pedro, pertencente ao Barão de Rezende, natural do Rio de Janeiro e que tinha se casado com Ana Conceição, filha do Barão de Serra Negra. O Barão de Rezende contratou o projeto arquitetônico e de engenharia à Ramos de Azevedo, que projetou e assumiu a responsabilidade da construção. Foi um dos poucos projetos, senão o único, de templo religioso, católico, que o Ramos de Azevedo assinou. Uma preciosidade arquitetônica e histórica sem precedente.  Que infelizmente se perdeu.  Meus pais casaram-se nessa igreja, eu fui batizado nela, casei-me nela, parte dos meus filhos ali foram batizados.

Pedro. você foi da primeira turma formada pela UNIMEP?

Tive esse previlégio. Em 1964 com um grupo de aproximadamente 248 ingressantes no curso da famosa ECA – Economia, Ciencias Contábeis e Administração, nascedouro do ensino superior no Instituto Piracicabano. Me formei em 1967 era ainda no prédio central da Rua Boa Morte.

Além das suas atividades profssionais, você participa de atividades sociais e filantrópicas de Piracicaba.

Fui um dos primeiros a ser admitido pelo Rotary Club Piracicaba - Vila Rezende, onde permaneci por mais de 20 anos e por duas vezes fui presidente.  A reunião dava-se no Restaurante Grisoto. Fui diretor do Clube de Campo de Piracicaba. Fui diretor do Lar dos Velhinhos de Piracicaba, onde tive a satisfação de colaborar na administração. Tenho um carinho muito grande por essa instituição.

Você é um artista plástico com diversas exposições realizadas.

Tenho algumas centenas de quadros que pintei. Fiz muitas pinturas de natureza morta, aves, em especial pássaros. Usei muito óleo sobre tela, gostei muito do crayon, grafite e do pastel seco, que é uma técnica que se pinta com os dedos.

Quando está pintando uma obra qual é a sensação do artista?

Confesso que as vezes não penso em nada e outras vezes penso em tudo. Acho que o espírito nesse momento se despreende e vaga por muitas dimensões. O artista plastico, assim como o escritor, o musico, quando mergulha em sua arte passa a viver em outra dimensão.

Quando você escreveu sua primeira obra?

É dificil dizer quando comecei a escrever. A partir do momento em que se é alfabezido começa-se a escrever. Tive excelentes professores de português e literatura: Benedito de Andrade, Benedito Cotrin e outros que me  incutiram o hábito da leitura. A pessoa começa a se realizar a partir do momento que começa a transmitir conhecimentos que ela adquiriu, aprimorou e passa adiante. Transmite para outra pessoa o desejo de aprender e de também ensinar.  O aprendizado nunca termina. Fora as muitas peças contábeis, pareceres, justificativas, requerimentos, ofícios e cartas, escrevi dezenas de artigos publicados em jornais. Meu primeiro livro foi Memória da Vila, nessa época eu escrevia para mim mesmo, muitos desses escritos acabaram perdidos. Como colaborador,escrevia para os jornais de Piracicaba. Em uma das reuniões do Rotary, Fortunato Losso Netto, do Jornal de Piracicaba, disse-me: “- Pedro, vamos ter a semana da Pátria, o Rotary irá dar algumas contribuições, patriótica, idelaista. Faça-me um artigo sobre Semana da Pátria”. Nisso um rotariano nato, vila-rezendino, Professor da ESALQ, Ernesto Paterniani, disse-me: “- Pedro, estou aqui reunindo uma colaboração para a Vila Rezende!”. Fiz meu artigo, estava temeroso, sem pretensão. Encabeçando as comemorações da Semana da Pátria, vi meu artigo, logo abaixo do título da matéria. Um belo dia esatava proxima alguma data festiva, alguém do jornal me pediu para fazer um artigo sobre a Vila Rezende, escrevi. Teve uma repercussão excelente. A noite em casa, fiz a primeira crônica sobre a Vila Rezende. Lí, minha esposa leu e disse-me: “-Você esqueceu de fulano.” Nessa história de ter esquecido, trinta dias depois eu tinha um calhamaço de folhas. Em trinta dias tinha escrito o primeirto volume! Isso foi em 1988. Datilografei, me atrevi a ir até Cecílio Elias Neto. Eramos companheiros da ECA. Ele começou a ler. Disse-me: “-Pedro, não sabia que você escrevia!”. Ele me incentivou a publicar. Publiquei pela Edições Paulinas, de São Paulo. O lançamento foi feito no salão paroquial da Vila Rezende. Com prefácio de Cecílio Elias Neto. Em 1991 fiz o segundo volume. Publiquei o terceiro livro, “O Cantar do Passarinho”. Sempre gostei do papacapim, o piracicabano é um fervoroso apreciador do canto do papacapim. Quando surgiu a idéia do vereador Capitão Gomes em criar a ave simbolo de Piracicaba eu o procurei e disse-lhe que para o piracicabano o papacapim é o pássaro simbolo da cidade. O livro seguinte que publiquei foi; “50 Anos do Clube de Campo”. Foi um trabalho que me deu uma enorme satisfação por resgatar o passado do Clube de Campo, isso foi em 2004.

Após esse livro, você lançou algum outro?  

Fiz o terceiro volume de Memória da Vila, que deverá ser lançado no inicio de 2014. Outro que já está saindo da gráfica e deverá ser lançado ainda este ano, é “100 Anos da Paróquia Imaculada Conceição”, tive a satisfação de ser convidado para escrever esse livro. Além dos relatos que eu guardo em minha memória, busquei os livros tombos da paróquia.

Como o interessado pode adquirir um livro desses?

Deve procurar a Paróquia Imaculada Conceição! O escritor que não faz literatura de consumo de massa, que não é industrializado,  encontra dificuldades para publicar.

Você foi presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba em que períodos?

Meu primeiro mandato foi em 1994, após um ano poderia ser reeleito, mas fiz questão de transferir a presidência para o Professor Frederico Pimentel Gomes. Em 2008 assumi a presidência do IHGP, após dois anos fui reeleito em 2010, exerci a função até 2012.

Como você vê o mundo que o cerca?

Eu me caracterizo como  “O Inconformado”, fiquei felicissimo quando da vinda do Papa Francisco ao Rio de Janeiro, não perdi uma fala dele. No dia em que ouvi sua expressão dirigindo-se aos jovens, dizendo: “ -Seja um inconformado, sempre! É do inconformismo que encaminhamos para a perfeição e para a maior aproximação com o nosso Criador!”.    O Papa em sua suma sabedoria manifesta-se dessa maneira, clara e simples, fácil de ser entendida. O dia em que deixarmos de sermos inconformados veremos que a nossa liberdade sob todos os aspectos começou a se findar. Um artista plástico, por exemplo, é um trnsformador. Ele pega uma tela em branco, ou uma folha de papel, ao começar a borra-la, ele estará colocando ali imagens, simbolos, com origem nas profundezas do seu subconsciente. Estará reproduzindo conhecimentos que aprendeu e adicionando seu inconformismo. Se concordar com tudo de nada adianta ler jornal todos os dias.

 

 

 

 

ALICE CALÇAVARA BONAMIN


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 23 de novembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 


ENTREVISTADA: ALICE CALÇAVARA BONAMIN

 

Alice Calçavara Bonamin nasceu a 13 de setembro de 1930, no então distrito, hoje município de Saltinho, filha de Carlos Calçavara e Maria Packer Calçavara, agricultores, cultivavam cereais: arroz, feijão, milho. A plantação de cana-de-açúcar ainda não tinha as atuais extensões. Carlos Calçavara era arrendatário de uma área de um sítio no sistema de plantio “a terça”, onde o proprietário da terra tinha dois terços do que era produzido na terra arrendada e quem a cultivava tinha o terço restante. Alice é a filha mais velha do casal Carlos e Maria, que tiveram ainda os filhos: Isaura, Fernando, Antonia Benedita, Luiz, Reinaldo e Mário. Alice freqüentou a escola rural até o quarto ano primário, ainda lembra-se do nome da sua professora Maria Antonieta Moraes Dias. Seus avós maternos, Judite e Luiz Packer eram imigrantes alemães. Sua avó sempre contava que veio junto com eles uma cunhada dela, não tinham onde ficar, o que comer e nem o que vestir. A sua bisavó desmanchou um guarda chuva e com o tecido fez um vestidinho para a menina. Isso ocorreu no Brasil. Estabeleceram-se em um sítio na localidade rural denominada Carrinho Leite, próxima ao Arraial São Bento, município de Piracicaba. Ali moravam seus tios e tias, todos da família Packer. Eram nove irmãos.

Como a senhora ia para a escola?

A escola ficava a uns dois quilômetros da minha casa, algumas crianças que eram nossas vizinhas formavam conosco um pequeno grupo e caminhávamos pela estrada de terra, quando chovia íamos amassando o barro.

Com que idade a senhora começou a trabalhar no sítio?

Desde pequena! Quando fiz quinze anos meu pai arrumou um serviço para mim em Piracicaba. Vim trabalhar para uma família de italianos, Júlio Vizioli casado com Emília Vizioli, com eles residia também o pai do Júlio, Emílio Vizioli. Moravam na Rua Benjamin Constant, junto a esquina da Avenida Dr. João Conceição, onde havia o bar de propriedade de Alcides Saipp, A área ocupada pelo bar e pela casa deu lugar ao posto de gasolina que existe atualmente. Na outra esquina, era o armazém do dos sogros do Alcides, o José Del Tedesco e Elza Del Tedesco. Nesse emprego permaneci por oito anos, até me casar. Naquela época aquele trecho da Rua Benjamin Constant era de terra, sem calçamento. Era uma camada de terra solta. Ali passavam muitas conduções, só havia aquela saída e a da Rua do Rosário, quando passava algum veículo levantava uma poeira vermelha, quando chovia formava barro. Era horrível.

A senhora morava com essa família?

Morava. Freqüentava a Igreja dos Frades, as vezes ia a reza a noite e aos domingos sempre ia a missa, umas seis e meia ou sete horas da manhã. Um dos frades que realizava a missa era Frei Liberato de Gries. Naquela época as mulheres cobriam a cabeça com um véu quando iam assistir uma missa. Se fosse solteira usava véu branco, as casadas usavam véu negro. Eu trabalhava os sete dias da semana, algum domingo, eu ia para o sítio na casa dos meus pais. Meu trabalho era lavar e passar roupas, fazer faxina na casa. Era uma casa grande, com quatro dormitórios, enorme. Sempre fui considerada como se pertencesse a família, sentava a mesa com eles, tinha o meu quarto em um dos dormitórios da casa.

Lembra-se do trem da Companhia Paulista?

Lembro-me sim! Passava pelo pontilhão sobre a Rua Benjamin Constant, formávamos um grupinho de meninas, da minha idade mais ou menos, aos domingos íamos até a Estação Paulista, ver o trem sair, aquele povo todo. Os passageiros colocavam vestiam roupas de passeio, bem arrumados. Era habito ter a roupa de passear e a roupa de trabalho. Lembro-me que na casa onde trabalhava tinha um toca discos onde eles colocavam discos com músicas italianas. No início eu não entendia nada, com o passar do tempo de tanto ficar lá escutando acabei entendo bem, não falava italiano, mas passei a entender.

Qual era a comida habitual?

Era uma delícia! Comiam muita massa: macarrão, nhoque. Algumas vezes adicionavam carne ao molho, outras vezes era só molho feito com gordura de porco, colocavam muito queijo. Tudo era cozido no fogão a lenha. Não havia botijão de gás e nem fogão a gás. Com o passar do tempo compraram um fogão elétrico, era muito lerdo.

A que horas a senhora levantava?

Às seis, seis e meia da manhã. Quando eu ia lavar a frente da casa, que era muito grande levantava bem cedo, o sol logo ficava muito forte. A água era encanada, só que não existia o hábito de usar mangueira, usava-se balde. Tudo era muito bem esfregado sem o uso de sabão, apenas água e esfregão. O piso interno da casa era tacos de madeira, após encerar tinha que lustrar usando um escovão pesado. Quanto escovão eu puxei naquela casa! Deixava brilhando! Quando a beirada do assoalho ia ficando meio escura utilizava uma palha de aço para tirar o excesso de cera acumulado. Era uma casa muito grande, serviço para mais de uma pessoa. Na entrada casa havia uma escada de mármore branco, o piso do jardim era de quadriculado feito com mármore preto e branco que formavam desenhos. Tudo era esfregado utilizando apenas água,vassoura e escova, deixava tudo muito bonito. Eu mandava quase todo meu salário para a minha mãe. Foi uma vida de muita luta. Permaneci lá por oito anos.

Como a senhora conheceu seu marido Júlio Bonamin?

Na época moças e rapazes circundavam a Praça em frente a Catedral, dizia-se “quadrar o jardim”, eu ia até a praça com umas primas do Júlio, tínhamos muita amizade, que mantemos até hoje,  são elas a Paula, Natividade , Maria Luiza, todas da família Possignolo. Existia o Café Imperial na Praça, o Júlio estava parado na esquina, eu passei ele olhou, perguntei para minhas amigas: “-Quem é esse moço?” . Elas responderam; “- Nosso primo!”. Isso foi em um dia de Santo Antonio. Fazia tempo que ele estava tentando falar comigo. Eu tinha medo, naquele tempo é bem diferente do que é hoje. Naquele dia ele veio conversar comigo, demos uma volta pela Rua Governador Pedro de Toledo, já era namoro! Quando fui embora ele me acompanhou até um pedaço do caminho. Tudo isso a pé. Quando eu ia de bonde para o centro levava trezentos réis, cem réis eram para o saquinho de pipoca e duzentos réis eram para pagar a ida e a volta de bonde. Se sentisse sede não tomava nada. Mas era tudo muito gostoso. Namoramos assim por cinco anos. Algumas vezes, íamos ao Cine São José. O Júlio nasceu a 19 de agosto de 1929.

Nesse período de namoro a senhora conheceu a família do seu futuro marido?

Seus pais moravam em uma propriedade rural no Bairro São Jorge, logo adiante de onde hoje é o terminal de ônibus daquele bairro. Da cidade até lá era perto, vínhamos a pé, era estrada de terra, quando chovia virava lama, ao chegarmos na cidade tínhamos que lavar os pés onde fosse possível, colocava o sapato sujo de barro em saquinho e levávamos conosco. Nem o Morro do Enxofre (Avenida Madre Maria Teodora) tinha qualquer tipo de calçamento ou asfalto. Os filhos mais velhos estavam morando na cidade, os solteiros moravam com os pais. Quando conheci o Júlio ele fazia horta, lá mesmo no sítio onde moravam e entregava no Mercado Municipal. Plantava todo tipo de verduras, legumes.

Em que dia vocês se casaram?

Foi no dia 26 de setembro de 1953 na Catedral de Santo Antonio. Fomos morar junto com a minha sogra chamada Tereza Possignolo Bonamin e do meu sogro Ângelo Bonamin. Naquele tempo era comum os filhos ou filhas que casavam ir morar com os pais, as casas eram grandes. Meu marido era o caçula, tinha que ficar junto aos pais.

Por quanto tempo a senhora e o seu marido permaneceram no sítio?

Permanecemos por três anos. Em 1956 mudamos para a casa que o Júlio mandou construir, na Avenida Dr. Edgard Conceição. Na Paulista não havia água encanada ainda, o Júlio fez um poço, comprou uma bomba que extraia água do poço e levava para um reservatório que servia a casa. O encanamento dentro de casa já existia e funcionava com a água do reservatório. A Rua Dr. Edgard Conceição era de terra nua, para chegar ao leito carroçável havia um barranco onde hoje é calçada. Às vezes eu olho e não consigo entender como ficou nivelado com a rua. Havia poucas casas vizinhas a nossa. Na esquina da Avenida Dr. Edgard Conceição com a Rua do Rosário o Alcides Saipp já tinha montado uma pequena loja de louças. A casa situada ao lado direito de quem olha para a minha casa foi construída antes de nós pela família Roel, do lado esquerdo havia uma casa de propriedade do Gepp (Como era conhecido o lendário José Tozzi). Em frente a nossa casa tem uma casa que na época pertencia à Dúlio Granja (casado com Zoraide Granja), que deixava seu cavalo em um terreno na esquina da Avenida Dr. Edgard Conceição com Rua Sud Mennucci. Na Esquina da Avenida Edgar Conceição com Rua do Rosário já tinha o sobrado da família Nassif. Do outro lado da rua, na esquina também, a residência e o comércio de Isidoro (Nenê) Lopes já existia também. A casa situada em frente a agência do Banco do Brasil, na Avenida Dr. Edgard Conceição já existia e nela morava um senhor a quem chamavam de Patrício. Na Rua Sud Mennucci, aonde mais tarde veio morar o Fustaíno, havia uma Santa Cruz. Quando mudamos para esta casa já tinha nascido minha filha Elisabete. Meu filho Antonio Carlos nasceu quando a minha filha já tinha quatro anos.

Além de cuidar da casa e dos filhos a senhora tinha mais alguma atividade?

Eu costurava camisas para a Casa Três Irmãos, de propriedade dos irmãos Ermelindo, Mário e Otávio. Os funcionários vinham trazer os cortes de camisa em uma bicicleta. Eles forneciam a linha, os botões eu não pregava. Vinha todas as camisas já cortadas era só passar na máquina, a minha era uma máquina Elgin, de pedal. Cheguei a fazer 60 camisas em uma semana. Após algum tempo parei de costurar para a Casa Três Irmãos. Comecei a costurar diretamente para os fregueses, ai eu tinha que cortar o tecido, pregar botões. Aumentei minha renda.  Aprendi tudo na raça, não fiz nenhum curso. Eu tirava a medida por outra camisa que a pessoa já tinha. Até hoje ainda tenho clientes que pedem para costurar uma camisa.

Qual era a atividade do seu marido quando mudaram para a cidade?

Ele foi trabalhar como torneiro para o meu cunhado, Oscar Chiarotti, na Conger, que na época ficava na Avenida São Paulo. Meu marido aprendeu a trabalhar com torno por iniciativa própria, não freqüentou nenhum curso para aprender. Teve uma época que além do almoço eu mandava também o jantar, ele trabalhava também a noite. Havia um senhor que levava a marmita em uma cestinha, ao lado colocava uma fruta ou um pão. (Da. Alice mostra um martelo de aço inox, todo trabalhado, feito pelo seu marido. É uma peça rica em detalhes). Meu marido faleceu em 1995, permanecemos casados por 42 anos.

Na Paulista, logo que a senhora mudou havia muitos terrenos vazios?

Existia sim, e muitos eram utilizados para montarem circos que se apresentava na cidade. Próximo aonde hoje é o Wall Mart existia um largo onde os circos se apresentavam. Onde hoje é o Banco do Brasil, na Avenida Dr. Edgar Conceição, foram montados alguns circos. No terreno baldio que havia na esquina da Rua Da. Jane Conceição com Rua do Rosário, atualmente ocupado por diversas lojas, era um local onde diversos circos e parques foram armados. Ao lado, havia o açougue do Toninho Scarpari, eu comprava carne lá. Não existia padaria por perto, a mais próxima era a Padaria São João, de propriedade de João e Dirce Rossi, localizada na primeira quadra da Rua Alferes José Caetano, logo depois da Avenida Dr. Paulo de Moraes. O prédio existe até hoje. Saíamos da igreja, pegávamos o pão e vínhamos para casa. Havia também a Padaria Cruzeiro, situada na Avenida Dr. Paulo de Moraes. A Mirtes Novelo era a dona da padaria casada com o Guido Sachs.  O Corpo de Bombeiros de Piracicaba ficava do outro lado da rua, uma quadra a frente, na direção de quem vai para a Avenida 31 de Março. A Bica do Morlet era um local onde muitos iam buscar água. Ela existe até hoje, fica na Avenida Dr. Paulo de Moraes, junto ao pontilhão da Rua da Glória.  Onde hoje é varejão era um matagal. Em frente a Padaria Cruzeiro onde existe até hoje uns barracões (Toninho Lubrificantes) era a Serraria do Chico Carretel (Francisco Pellegrino). Eles moravam em um sobradinho na Avenida Dr. João Conceição.  Naquele tempo onde passava a procissão de Corpus Christi as pessoas enfeitavam as janelas, as ruas. A procissão saia da Igreja dos Frades e ia até a Catedral de Santo Antonio. Era um tempo sem telefone, televisão e geladeira praticamente não existia. Aqui em casa cozinhávamos com fogão a lenha. Não havia botijão de gás. Meu cunhado, João Bonamin um dia trouxe uma televisão e instalou em casa. Quando meu marido chegou ficou surpreso com a novidade que seu irmão havia trazido. Era em preto e branco, marca Teleotto.

Era comum a família fazer lingüiça em casa?

Nós fazíamos. Meu marido comprava um pedaço de porco e eu, minha sogra, fazíamos. Passava a carne pela máquina de moer, usávamos tripa artificial para fabricar a lingüiça, colocávamos alho, pimenta, sal, ficava uma delícia. Após ensacar a carne na tripa deixávamos curar, ficava muito parecida com um salaminho.

Sem geladeira como era conservada a comida?

Todo dia era feita a comida. Cozinhava todos os dias feijão, arroz. Quando comprávamos um pedaço de porco, fritávamos bem a carne, colocavamos em um caldeirão e cobriamos com banha. Não estragava. Íamos tirando a carne conforme íamos consumindo. Frutas eram compradas no mercado. Geralmente banana, laranja. Frutas como a maçã não era fácil de encontrar. Hoje temos uma grande diversidade de frutas, em abundância. Vivi os tempos de racionamento, óleo de cozinha era fornecido em tambores de 200 litros, onde havia uma torneira, levávamos o litro vazio que era cheio quando comprávamos o óleo. Quem não tinha dinheiro comprava meio litro de óleo.  Os alimentos eram comprados conforme eram consumidos, não se faziam grandes compras, era raro isso acontecer. O leite comprava do Castilho que morava na Rua Sud Mennucci e trazia o leite do seu sítio. O padeiro deixava o pão em casa.  Todo dia trazia uma bengala. Deixava junto a porta, ninguém mexia, o portão ficava aberto para ele entrar.

Eram feitos passeios até o Rio Piracicaba?

Quando acontecia a Festa do Divino nós íamos. Íamos passear no Mirante, não era como é hoje, tudo era muito simples. Pegávamos o bonde em frente a Padaria Cruzeiro íamos até a Vila Rezende, voltávamos até o centro e íamos até a ESALQ. Disso eu tenho saudade. Não sobrava muito tempo para passear, tudo era feito em casa. Desde as roupas para as crianças até mesmo a parte de alimentação, os doces eram feitos em casa, assim como toda alimentação básica tinha que ser preparada em casa.

A senhora se lembra quando iniciou a construção da Igreja São José?

Lembro-me sim. Até então era um local vazio, quando foi colocada a primeira pedra eu estava presente, a minha filha Elisabete tinha três meses de vida. Lembro-me que o primeiro dentista que se estabeleceu na Paulista foi o Dr. Renato Roberto Biral, seu consultório ficava em uma das casas de propriedade de João Sabino Barbosa, na Rua do Rosário, entre a Avenida do Café e a Avenida Dr. Edgard Conceição, no lado direito de quem segue pela Rua do Rosário. 

Em que local a senhora comprava os aviamentos de costura?

Comprava na loja do Ciro Mendes, a Cred Leve, situada na Rua do Rosário entre a Avenida Dr. Edgard Conceição e Avenida do Café. Eu comprava grosa (144) de botões.

O Bar do Geep fornecia os sorvetes consumidos por boa parte dos moradores das imediações?

Exatamente. O sorvete de groselha, logo ao ser consumido deixava a língua vermelha e o sorvete ficava branco, era só gelo! Lembro-me do sardinheiro, ele passava com o carrinho de tração animal vendendo sardinha, nós comprávamos dele. Existe um sobrado em frente a Estação da Paulista, na parte térrea dele havia uma sorveteria de propriedade do Emílio Amstalden, um homem magrinho, o sorvete de lá era muito bom.

Quais são as lembranças que a senhora guarda da Chácara Nazareth?

Eu entrava na Chácara Nazareth porque a minha cunhada morava lá em uma casa bem próxima da casa grande. Meu cunhado, Silvio Bortolazzo trabalhava como caseiro, copeiro, sua esposa Hermínia  Bortolazzo era arrumadeira. Trabalhavam para o Dr. João Pacheco Chaves. Aos domingos a tarde íamos fazer uma visita à eles. É um verdadeiro paraíso, indescritível. Dona Ruth Pacheco Chaves foi quem doou o terreno da Igreja do Bairro São Jorge.

Vizinho a casa da senhora morava um religioso?

Era o então Cônego, hoje Monsenhor Luiz Gonzaga Giuliani que com sua mãe a Sra. Maria Maschietto Juliani residiu por alguns anos na casa da esquina da Avenida Dr. Edgard Conceição com a Rua Sud Mennucci.  Eu convidava às vezes o cônego para vir almoçar em casa, ele vinha sempre eu fazia alguma coisa diferente. Ele dizia: “- Está pensando que vou comer tudo isso!”. Comia muito pouco. Quando o Júlio meu marido veio do hospital, o cônego o levava e trazia para igreja com seu carro, para assistir a novena de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.

As farmácias que existia na Paulista eram quais?

Na Rua do Rosário existia a Farmácia São Judas Tadeu do farmacêutico Nelson Alves de Mattos, e na Rua Benjamin Constant a Farmácia do Lico. Ficava próxima ao Posto de Gasolina do Bonachella, situado onde hoje existe uma padaria, na esquina da Rua Benjamin Constant com Avenida Dr. Edgard Conceição. Os meus móveis foram fabricados por João Ferrari Neto e adquiridos há 60 anos, até hoje estão com o selo do fabricante. Eles também fabricavam barcos, estavam estabelecidos na Avenida Dr. João Conceição entre Rua da Glória e Rua Benjamin Constant.

PRISCILA DINIZ LEITE


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de novembro de 2013.
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/


 


ENTREVISTADA: PRISCILA DINIZ LEITE



- Cuide-se, cuide de você. Principalmente para você, não para os demais. Quando você perceber, seu estilo de vida estará tão prazeroso que seu olhar, não precisará mais de lifting para ficar em pé. Você usará é claro, afinal as etapas dos cuidados conosco envolvem também nossas rotinas, talvez nossos produtos prediletos... Pouco importa... Uma água fresca no rosto... O mais importante esteja disposto a vestir aquele roupão branco. Coma morangos! Melhor ainda colha-os... Use salto alto dentro de casa quando quiser, não precisa de um evento para isso, faça-o para você. Use suas havaianas para fazer compras... Para ir ao shopping... Faça o jantar assim, já experimentou? Faça o que sentir cuide antes de qualquer coisa do seu eu... Lembre-se o que você fará, não é problema meu apenas faça. Esse é um dever SEU! De você para você mesmo... Seu caráter cuide dele. E depois me conte...


Autora Priscila Diniz


Para quem ainda não conhece Priscila Diniz iniciou-se em sua carreira comportamental com longo trabalho desenvolvido com a Assessoria Relacionar. Muitos se perguntam como alguém em tão pouco tempo de atuação cativou a vida de milhares de pessoas, a resposta da Foccus Fix é: “Tubarões já nascem nadando. Priscila Diniz para nós é um grande tubarão”. Priscila Diniz Leite é natural de Piracicaba onde nasceu em 12 de abril de 1988, filha de Elcio Diniz Leite e Simone Viana Pereira. Tem cinco irmãos. Realizou seus primeiros estudos na “Escola Estadual Prof. Hélio Penteado de Castro”, “Escola Estadual Mons. Jerônymo Gallo” e “Escola Estadual Professor Elias de Mello Ayres”. A seguir iniciou o curso superior de Psicologia na UNIMEP. Priscila lançou o livro “Qual Monstro Te Assombra” na ultima sexta-feira, dia 8 de novembro de 2013.

O livro que está lançando aborda qual assunto?

É um livro de psicologia, é um livro de auto-ajuda.

Como surgiu a idéia de fazer esse livro?

Desde muito nova escrevo, ainda menina comecei a escrever. Escrevi páginas sobre cada tema.  Fui até uma gráfica para encadernar meus escritos, após lerem deram-me a sugestão de publicar o que estava escrito. Foi gratificante ouvir isso, mas não era o meu intuito realizar essa publicação naquela época. Eu escrevia porque gostava de escrever. Um conhecido do meu pai levou meu livro até uma editora de São Paulo. A editora interessou-se pelo livro, foi feito um contrato.

Como surgiram os temas que você aborda no livro?

No início eram referentes a minha observação do cotidiano: relacionamentos afetivos, amizades, famílias, comecei a escrever essas observações. Tive o privilégio de poder estar fora das situações e poder analisá-las. Sou incapaz de dar uma opinião a respeito de alguma coisa sem ser convidada a opinar. Quando digo algo a respeito uso de muita cautela, sempre com muita sinceridade. Eu queria colocar no livro situações que normalmente a autocensura não permite que sejam ditas. Não escrevia para os outros lerem, escrevia por sentir satisfação em escrever. Quando falamos algo não tem como corrigir o que foi dito. A palavra escrita pode ser corrigida. O que está narrado no livro é coerente com a minha forma de pensar e ser. Muitas vezes ao observar alguma situação  percebia que ela já tinha ocorrido com outras pessoas, era um fato cotidiano. Achava interessante escrever sobre o que tinha visto e guardar aquelas anotações para meu uso em psicologia, se no futuro ocorrer algum caso semelhante eu teria anotado o fato e seu desfecho.

Isso significa que as pessoas com quem você se relaciona tornam-se alvos de análises involuntárias?

Não! Não estou o tempo todo olhando com olhar observador. Muito pelo contrário. Não gosto que imaginem que escrevo sobre as coisas que me incomodam, não é isso que faço. Apenas escrevo sobre o cotidiano.

Você lembra-se qual foi o primeiro texto que escreveu? Que idade tinha na época?

Foi com a idade de 15 anos, comecei a escrever sobre as coisas certas e as erradas. Sobre o caráter do ser humano. Digitava em meu computador. Salvava. Mais tarde ia ler de novo e concordava com o que tinha escrito. Eu escrevia para eu mesma ler.  Sinto que tenho a necessidade de escrever para ter a segurança de que pensei muito para chegar a uma conclusão. Escrever é uma válvula, quando escrevo chego a uma conclusão de forma muito rápida, vou mais rápido para onde quero chegar. Se estiver preocupada com alguma coisa escrevo, dali a pouco vem uma luz. Não consigo fazer apenas uma coisa, não que eu não tenha foco, isso eu tenho.

Quais são os seus objetivos ao lançar esse livro?

O primeiro objetivo eu já alcancei: publicá-lo. Foi lançado em Piracicaba no dia oito de novembro deste ano, já tenho contrato com a Livraria Cultura para lançá-lo em São Paulo. Foi feito um contrato com a Amazon.com e estão sendo realizados os últimos acertos com a Livraria Nobel para também distribuir o livro.

Você tem um assessor?

Tenho o Marcos Ambrósio. Ele que conseguiu com que uma das livrarias patrocinasse o coquetel de lançamento do livro.

Qual é o publico alvo do seu livro “Qual Monstro Te Assombra”?

Não consigo precisar exatamente qual faixa etária se enquadra, depene muito de cada individuo. Pelas minhas observações ao redor dos trinta anos é uma faixa que se interessou muito pelo meu trabalho. Isso não significa que pessoas de outras idades não possam se interessar. O livro em determinada parte abrange pais e filhos, eu até escrevo: “-Se você estiver cansado vai tomar um café e dá para seu filho ler!” O livro é bem simples. Muita gente que leu o livro disse-me: “-Priscila, esse livro é você falando!”.

Há projeto de novos lançamentos de livros escritos por você?

Pretendo lançar a “Edição Especial” de “Qual Monstro Te Assombra” que é o volume I acrescido de mais alguns tópicos, e “Qual Monstro Te Assombra” Vol. II.

Você tem um blog?

Tenho, o acesso pode ser feito pelo endereço www.autoraprisciladiniz.webnode.com .

Em sua opinião toda pessoa que gosta de escrever deve procurar publicar seus escritos?

O que importa é a mensagem que um livro transmite. Por diversas vezes, ainda que o desejo de publicar o livro fosse muito grande, recuei . A realização de estar escrevendo e ter conseguido chegar ao objetivo é uma satisfação grandiosa. O que vier depois é uma conseqüência do trabalho. Usei as ferramentas que tinha em mãos. Através do blog Priscila Deniz, www.autoraprisciladiniz.webnode.com, recebo temas escolhidos pelos visitantes do blog, desenvolvo um trabalho em cima desse tema. Estou com um tema para desenvolver sobre o relacionamento na terceira idade. Achei o máximo isso. Desenvolvo, isso leva um pouco de tempo, o tema me traz todo o resto. Isso me remete aos tempos de estudos na Escola Estadual Prof. Hélio Penteado de Castro, tive que fazer uma redação sobre drogados, escrevi tentando me colocar no lugar da pessoa, ver o que o mundo achava daquilo, o que nós achamos, a parte social, física e mental. Coloquei com as minhas palavras. A professora chamou a minha avó (A avó paterna Aparecida Diniz casada com Dirceu Diniz Leite) com quem eu morava, perguntando se eu tinha algum problema com drogas, alguém na família, ela achava que aquilo tudo não podia ter sido criado por mim. Minha avó disse-lhe: “–Ela gosta de mesmo de escrever! Não se preocupe, ela é mesmo desse jeito!”. Sempre fui assim, o tema me trás toda a inspiração.
Você lê muito?
Leio e já li muito. Gosto da obra “Mentes Perigosas - O psicopata mora ao lado”. da médica psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva. Ela aborda aspectos que diferem os psicopatas das pessoas normais. É um livro de pesquisa.
Você se aprofunda no estudo de psicologia?
Continuo. Sempre!
Como você vê a relação de muitas pessoas através de meio eletrônico, as chamadas redes sociais?
As pessoas criam um mundo imaginário, onde tudo é bom, as pessoas só enxergam os aspectos positivos, quando essas pessoas que se comunica pela internet se encontrarem nas ruas irão falar sobre o que foi abordado na rede social, elas não têm outra vida além daquela. Irão dizer: “-Eu vi que você fez aquilo, colocou isso ou aquilo”. É outro mundo! São paralelos. Aquele é o que você quer mostrar. O mundo que a gente vive é o mundo da realidade.  Na internet só é a parte boa da realidade. Torna-se um mundo fantasioso. Faz com que a pessoa fique tão fixada naquilo que acaba perdendo o contato com outra pessoa. Ele perde a noção do que é ou não para ser dito. Essas pessoas que se comunicam mais pela rede social têm dificuldades de comunicação interpessoal. Alguém que não tenha rede social o encontro com essa pessoa é diferente. Vai ter uma conversa boa. As pessoas na rede passam a achar que podem fazer tudo, passa a ser normal fazer qualquer coisa.
Você é palestrante?
Dei palestras para funcionários de indústrias metalúrgicas. São motivacionais, comportamentais. Dependia da pauta colocada eu desenvolvia a palestra. Em grupos de prestadores de serviço na área de saúde.

domingo, dezembro 01, 2013

CARLOS MAGNO CAPRANICO CORRÊA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de novembro de 2013

Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/


ENTREVISTADO: CARLOS MAGNO CAPRANICO CORRÊA

A Escola Preparatória de Cadetes, situada em Campinas, Estado de São Paulo, é o único portal de entrada para o oficial de carreira, combatente, do Exército Brasileiro. Chefe da Seção de Saúde da Escola Preparatória de Cadetes do Exército, o Tenente-Coronel Dentista do Exército Brasileiro, Carlos Magno Capranico Corrêa nasceu em São Paulo a 1 de setembro de 1963, filho do Coronel Geraldo Aparecido Corrêa, oficial da Força Pública, que mais tarde passou a ser denominada Polícia Militar, e Fenicia Trindade Capranico Corrêa,piracicabana, ex-aluna do Colégio Piracicabano. Com três dias de vida Carlos Magno e a família dirigiram-se a Santos, cidade de onde tinham saído apenas para dar a luz a Carlos Magno. Embora nascido em São Paulo, ele se considera santista. O casal teve depois mais uma filha: Carla.

Como seus pais se conheceram?

Minha mãe tinha saído de Piracicaba para ir trabalhar no Tribunal de Justiça de São Paulo, lá ela conheceu meu pai. Como era costume na década de 50, após o casamento minha mãe parou de trabalhar e meus pais foram morar em Santos, no bairro José Menino, onde passei minha infância e juventude. Em 1980, aos 16 anos, meu pai faleceu. Até a quarta série do primeiro grau, estudei no Colégio Coração de Jesus. Depois fui para o Colégio Santista que era um colégio tradicional em Santos, dirigido pelos Irmãos Maristas onde conclui o colegial aos 16 anos de idade. Passei no vestibular, na época denominado Mapofei (Mapofei foi um vestibular da área de Exatas nas universidades da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Instituto Mauá de Tecnologia e Fei). Fui fazer engenharia na Escola Mauá, fiz quatro anos de Engenharia Elétrica. Não me encontrei, não gostei, em 1985 vim cursar odontologia na FOP – Faculdade de Odontologia de Piracicaba – Unicamp, conclui em 1988. Fiz um ano de mestrado, com a minha aprovação no concurso da Escola de Saúde do Exército situada no Rio de Janeiro., fundada por D. Pedro II. Atualmente ela admite pessoas formadas pelo curso superior, fazem um ano de adaptação e ao serviço militar, e ai formam oficiais de carreira da área de saúde do Exército Brasileiro. Entram e cursam como Primeiro Tenente, no final do curso é declarado Primeiro Tenente. Na odontologia me encontrei. Tive grandes mestres: Sérgio Mazzonetto, Miguel Morano Júnior foi meu orientador em odontologia social, por três anos trabalhei a noite como voluntário na Assistência Social Mariana.

Foi ali que despertou seu interesse pela assistência social?

Acho que despertou em Piracicaba. Aqui fiz muito trabalho voluntário no presídio, nos bairros de Santana, Santa Olímpia, Santa Terezinha, Artemis, em trailers com consultório odontológico montado. Isso nos anos de 1986, 1987. Na época havia muita carie dental, câncer bucal, câncer de lábio inferior, possivelmente provocados pela incidência solar muito intensa em pessoas de origem européia.

Após concluir o curso da Escola de Saúde do Exército para onde o senhor foi designado?

Do Rio de Janeiro fui para a Amazônia, onde servi em 1991,1992 e começo de 1993. O batalhão era em Tabatinga, fui para um pelotão destacado que era em uma região inóspita, a 400 quilômetros de qualquer cidade, localizado na fronteira com a Colômbia. Era primeiro tenente, solteiro. Nesse pelotão destacado havia mais 60 militares. Foi na época em que invadiram o Destacamento Traíra.  Traíra era um pelotão destacado na região da Colômbia, invadido pela FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. Mataram três militares brasileiros. É uma região com muito garimpo clandestino. O Exercito Brasileiro reagiu. É muito interessante que as vezes no meio da selva, andando, encontramos um marco da época portuguesa, de mármore. É uma coisa maravilhosa. É impossível não mexer com o sentimento de quem no meio de uma selva encontra um bloco de mármore, lapidado, escrito lado brasileiro, lado colombiano. São peças colocadas há 200,300,400 anos, época de  (Desbravador e militar português que atuou no Norte do Brasil em 1587 a 1641). O único braço do Estado que chega nesses lugares é o Exército. A saúde, vacinação, tratamento médico, odontológico, só chega nesses lugares pelo Exército. O correio só chega pelo Exército. A segurança, só chega pelo Exército. As Forças do Estado não chegam lá.

Nesse período em que o senhor permaneceu lá, como era a subsistência?

Hoje existem balsas do Exército que levam comida até lá. Toda a nossa cadeia de suprimentos é feita através de rios até o local. Naquela época não existiam balsas e o apoio era prestado pela Força Aérea. Nós construímos uma pista que se prestava para o pouso de aeronaves, uma vez a cada três meses a Força Aérea levava a nossa “etapa”. Etapa é como denominamos o nosso meio de subsistência. Só que quando tinha falha de avião, a próxima ida do avião demorava seis meses, daí tínhamos que nos virar com o que tinha na terra. Comprávamos produtos que os índios plantavam, caçávamos, em uma época em que a caça não era proibida como é hoje, pescávamos nos rios da região.

Que tipo de alimento os índios produziam?

Mandioca, milho, banana.

Eles têm o habito de trabalhar?

É outro aspecto também. Fazíamos a história romântica sobre o índio antes de ir para lá. Em contato com eles percebi que não bem dessa forma. Mesmo o índio puro, com pouca influência do branco, é acomodado, só se mexe em caso de muita necessidade. Ele fica na rede o dia todo, quem trabalha é a índia, é uma coitada, com um filho na barriga, um no colo, outro na barra da saia, outro puxando na perna, ela faz a roça da mandioca, de milho, faz as vasilhas onde eles cozinham e guardam alimentos, ela faz a fogueira, prepara os alimentos, o homem só se mexe em caso de guerra, para a caça e para a pesca. Eles fazem uma festa onde todos os homens se reúnem para sair para caçar ou pescar. Vão, pescam muito, enchem uma canoa, caçam em bastante quantidade, trazem, nesse dia fazem uma grande festa, se alcoolizam bastante.

Qual é a origem do álcool que eles consomem?

O cauim é feito de mandioca ou milho mastigados, as mulheres, normalmente as virgens, mastigam e cospem em uma vasilha, aquilo fermenta e vira um cevejão. É uma viagem pelo tempo, como os portugueses encontraram o Brasil a 500 anos. São grupos indigenas, não tribos propriaente ditas. Eu estava na região onde havia indios Ticunas e indios Tucanos. São dois grupos indigenas semelhantes, falam idiomas semelhantes, oriundos do Tupi-Guarani, com maior ou menor influencia do homem branco. Alguns indios conhecem instrumentos metálicos: facão, machado, armas de fogo, Coca-Cola, chocolate, outros não, ainda usam instrumentos semelhantes aos usados antes dos portugueses chegarem ao Brasil: machado de pedra lascada. Na região onde eu estava pedra era uma raridade. Os nativos: indios, população ribeirinha e descendentes de migrantes do nordeste que foram para lá na época da borracha. Os mais prestimosos tinham uma pedra redonda, com um trilho no meio que dava para fazer uma laçada de corda, usavam como ancora de barca ou como instrumento para pesca de poita. Outras regiões da Amazônia contam com fartura de pedra. Onde eu estava era areia, lama e selva.

Entre os militares que serviam no pelotão havia nativos?

Uma boa parte era constituida de soldados filhos e netos de indios, que ingressaram no Exército para o serviço militar e acabaram ficando como militares de carreira. Era uma mão de obra muito boa. Eles estavam em casa! Conheciam muito bem a região. Até hoje a penetração do Exército nessas áreas só é possível graças ao conhecimento dessa população nativa.

Qual era a atividade do senhor nesse pelotão?

Eu sou da área de saúde, mas lá nós fazemos de tudo. Um dia eu tirava o serviço de oficial de dia, que é o responsável pela segurança do aquartelamento, toda a guarda armada referente a vinte e quatro horas por dia. De tomada de conta daquela área que tínhamos que cuidar, era responsabilidade do oficial de dia. A fronteira não era delimitada pelo rio, de um lado brasileiro e do outro lado do rio, colombiano. Pelo contrário, a zona de fronteira era perpendicular ao rio. Tudo que entrava rio abaixo vinha da Colômbia. Tínhamos que fazer a revista, exercendo as atividades de polícia de fronteira e marinha. Tudo que saía do Brasil tinha que obrigatoriamente parar ali para ser inspecionado. No Brasil chamava-se Rio Içá, antes de chegar ao Brasil era chamado de Rio Putumayo. Além de oficial de dia, fazia todo serviço médico, odontológico, vacinação. De toda a população, colombianos e brasileiros. Havia um oficial dentista, um médico, um farmacêutico que além de fornecer os medicamentos fazia os exames laboratoriais. Tínhamos mais dois oficiais de armas e um oficial de comunicações. Acabávamos exercendo a atividade de polícia, se existissem alguns desafetos entre a população local, tínhamos que interceder. Existiam problemas sociais dos mais diferentes níveis, alguns casos muito chocantes. A coisa mais corriqueira era um pai de família dar uma filha em pagamento das dívidas, ela era vendida pelo barqueiro logo mais adiante.  O único meio de subsistência era o barqueiro que vinha vendo farinha, açúcar, coisas que não existiam na região. O índio não tem esse costume. Nunca vi. Era um habito corriqueiro dos outros habitantes da população ribeirinha. Éramos 60 militares, alguns casados, trouxeram suas esposas, existiam algumas casinhas, muito simples, de madeira. Cheguei a morar em uma dessas casas, onde recebi a minha mãe que foi me visitar e permaneceu por quatro meses, num ato de profundo heroísmo. Eletricidade eram só oito horas por dia. Não existia banho quente. Existia uma aeronave da Força Aérea que ia para lá, pegávamos uma carona até Tabatinga, lá pedíamos dispensa ao comandante do batalhão por dois dias, era o que chamamos de “arejamento”. Saíamos para a cidade para passear, servia para fazer as compras dos materiais mais necessários, era quando íamos ao banco, naquela época a inflação beirava 60% ao mês. O que eu recebia ficava parado na conta por três ou quatro meses, quando conseguia ir até o banco para colocar em uma poupança, o dinheiro não valia mais nada.

A quais riscos corriam os militares que serviam nesse pelotão?

Tinha muitos discos, desde as invasões dos garimpeiros, da Farc, até desavenças locais por ocupação de terra, onde tínhamos que interceder. Eu levei um tiro na canela, acredito ser de revolver calibre 38, ele entrou por um lado e saiu do outro lado. Após 15 dias quando veio a aeronave para me levar, já estava cicatrizado.  Para a época e pelo tamanho do pelotão, tínhamos uma boa infra-estrutura, havia uma sala de cirurgia, algum tipo de anestesia, mas estava longe de ser um hospital. Após permanecer por dois anos, fui transferido para Campinas, para o 2º Batalhão Logístico Leve, onde tive três anos maravilhosos. É um batalhão de apoio, ele apóia todos os exercícios da segunda região, com montagens de campanhas, seção de saúde, atendimento médico-odontológico. Fui promovido a capitão e transferido para a Escola de Cadetes, onde permaneço até hoje. Em 2009 fui para o Haiti.

Como foi essa ida do senhor para o Haiti?

Para o Exército toda missão no exterior é como se fosse uma recompensa. É oferecida essa oportunidade para quem mostra relevantes serviços. Além disso, a pessoa tem que ser voluntária. Se eu for transferido para a Amazônia ou para o Rio Grande do Sul, eu sou obrigado a ir. Para missão no exterior só vou se for voluntario. Ter mérito. E falar um dos idiomas que seja necessário na área. Atualmente o Exército tem várias missões no exterior, missões de paz, de manutenção de paz e missões de aditância, que são representações nos governos ou segurança nas embaixadas. São os adidos militares, exclusivas de pessoal de carreira de arma. Como oficial de Saúde posso ir á missão de paz ou manutenção da paz.

Qual é a situação brasileira no Haiti?

O comando de todas as operações militares dentro do Haiti é do Brasil, isso é uma conquista inédita. Foi conseguida em 2004 e permanece até agora porque a ONU gostou da atuação do Brasil no Haiti. O Brasil tem um Estado-Maior que comanda todas as forças militares do mundo inteiro que estão no Haiti, e mais um batalhão brasileiro que está naquele país.

O senhor estava no Haiti quando ocorreu o terremoto?

Foi coincidência. Fomos escalados para ir para lá em uma missão que acontecia desde 2004 e coincidentemente no final do nosso preparo aconteceu o terremoto, no dia 12 de janeiro de 2010, fomos pegos de surpresa, tínhamos chegado ao Haiti no dia 9 de janeiro de 2010. Passei pelo terremoto. A ida para o Haiti se dá por contingentes, o batalhão tem cerca de 1200 militares, viajam 300 por vez, em dois aviões de passageiros da Força Aérea. O antigo avião da presidência da república é um desses aviões. Vamos de forma rústica, levando todo o armamento, munição e equipamento individual, somos autorizados a embarcar com 45 quilos, além do equipamento. Só o equipamento que é usado diuturnamente lá, colete balístico, colete operacional, capacete, fuzil, pesa cerca de quarenta quilos. A nossa base no Haiti, tem todo aspecto de um campo de concentração requintado. Com guaritas, fios de segurança, cercas, iluminação. Lá dentro podemos ficar aliviados do equipamento, mas se pisar fora da base tem que estar com o equipamento completo. Principalmente na época em que ocorreu o terremoto.

O senhor estava em que lugar quando ocorreu o terremoto?

Eu estava na base brasileira que se chama BRABATT  Brazilian Battalion, Funciona próximo a outros batalhões, próximo a embaixada americana. Tem mais outros pontos de vigilância brasileira: Casa Azul, um aquartelamento no centro da cidade, outro se chama Ponto Forte 16. Esses dois ruíram, onde morreram vários militares brasileiros.  A base é feita com containeres emendados, por isso não ocorreu desabamento, com exceção da parte de alvenaria que desabou: uma lavanderia grande, um local chamado de “refrigério”, onde havia uma churrasqueira, um local para gelar cerveja, era utilizado no final de semana para confraternização entre o pessoal da base. Uma garagem de viaturas não chegou a desabar, mas se abalou bastante, todas as estruturas próximas, desabaram. A população começou a vir na porta do batalhão para pedir ajuda, trazendo feridos em condições terríveis. Tornou-se uma enfermaria em campo de batalha. Todo mundo acabou trazendo seus próprios colchões, colocando no pátio, a céu aberto, para a população deitar ali e receber a atenção de saúde, até os cabos e soldados que tinham uma formação básica acabaram suturando, aplicando soro, não tinha como atender a tantos feridos. Uma amostra do portal do inferno.

Quanto tempo durou o terremoto?

O abalo sísmico durou cerca de dois a três minutos, só que foi de uma intensidade insuportável, víamos as viaturas ficarem com uma roda só no chão, com a ondulação do terreno, é indescritível. Quem estava no lugar certo na hora certa sobreviveu, não dava tempo para atos heróicos, pular pela janela. Tudo foi muito rápido. Durante os seis meses e vinte e um dias em que fiquei no Haiti, eram no mínimo 36 abalos diários, sendo 3 ou 4 perceptíveis, os vidros tremiam. Até hoje, quem estava lá e escuta a vibração de um alto falante potente já fica atento. É marcante. A República Dominicana, que é na mesma ilha não sofreu abalo nenhum, num “arejamento” de três dias, fui para Punta Cana que é o paraíso, eu estava com a minha mãe e minha irmã, tomando um drinque, deu um desses abalos, o único que afetou a República Dominicana, quem estava ali sentiu, foi mínimo, mas sentem o chão vibrar, os móveis, a bebida. Elas sentiram também. Isso é o que passávamos 30 a 40 vezes por dia no Haiti. São pequenos sismos, só que quem está na hora lá não sabe se vai ser grande ou pequeno sismo. Nos primeiros três meses não tivemos nenhuma folga, o trabalho era insano, diuturno, primeiro tentando socorrer e resgatar vítimas de desabamentos, presos em ferragens, entulhos, soterrados.

Havia saques?

No Haiti sempre teve saques e durante um bom tempo imagino que irá ter. Se agravou com o terremoto. No Haiti não existe estrutura pública nenhuma, no ano de 2010 não havia nenhum serviço público. Não se varria ou limpava rua, o governo não atua lá. Noventa e oito por cento da economia é informal. Não tem iluminação pública. Em 2010 apenas dois por cento da cobertura vegetal ainda existia no país todo. Não tinham gás, eles cozinhavam com carvão, com lixo queimado, a cidade inteira são montanhas e mais montanhas de lixo.

Como eles se alimentam?

Assim que cheguei começou o terremoto, a maior parte da alimentação era originária de doações do mundo inteiro. A ONU atua bastante no Haiti. Vinte por cento da atuação da ONU é a parte militar, o resto é a atuação humana em vários aspectos. Desde levar ONGs para atendimento de saúde. No Haiti não existe mais nenhuma matéria prima, em minha opinião a ONU poderia intermediar junto a empresas privadas para que levassem a matéria prima até lá, contratassem a mão de obra por um preço de banana e dessem a eles serviços simples, não dá para exigir nada mais complexo deles, com isso iriam fortalecer a economia local. Se não der emprego o Haiti vai se acabar. Uma coisa é o que estudamos em história e outra coisa é o que pude observar lá, com o pouco contato que tive. A população branca do Haiti foi mandada embora ou morta. Eles se orgulham de ser uma das primeiras nações da América a declararem independência dos europeus. Ficaram só os africanos ou descendentes de africanos. Eles vinham de regiões distantes da África, muitos eram inimigos entre si, até hoje existe uma rixa muito grande entre os próprios negros. Não se entendem se exploram. Talvez sejam mais perniciosos do que os brancos que os escravizavam. Os que são ricos querem que os pobres continuem cada vez mais pobres.

No Haiti tem negro rico?

Tem. Existe uma região chamada Pétionville (em crioulo, Petyonvil), são mansões, seus donos são principalmente aqueles que cuidam de alguma coisa que sobreviveu ao terremoto. São muito ricos, são educados na Europa, Estados Unidos. Mesmo entre a população normal, quem tem uma condição um pouco melhor humilha quem tem condições inferiores.   

Qual era o idioma utilizado para se comunicar com a população?

O haitiano fala uma derivação do francês, chama-se “creole”, na realidade é vinte por cento de francês, com muitas palavras africanas de origem incerta e não sabida. Varias tribos de lugares diferentes foram escravizadas e levadas para o Haiti. Para quem conhece alguma coisa de francês começa bem a conversação, ele então passa a usar o linguajar deles, soa muito agressivo e não parece francês.


 
 

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