sexta-feira, outubro 17, 2014

ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG


JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 18 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 


ENTREVISTADO: ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG
 
Alfred Alfons Alexander Pottag nasceu a 27 de fevereiro de 1926, na cidade de Gleiwitz O/S, Alemanha, filho de Martha Pottag e Fritz Pottag. Hoje ele reside em Piracicaba, do alto dos seus 88 anos conserva uma vitalidade invejável, ao apanhar uma caneta que ia cair seus movimentos foram rápidos, conserva um forte sotaque, muito sorridente e solícito, extremamente organizado, mantém documentos que demonstram sua trajetória pessoal e profissional. Trabalhou no Brasil em uma empresa de origem alemã, na parede estão dependurados os quadros com muitos certificados atestando seu excelente desempenho profissional nessa conceituada empresa. Sua trajetória de vida é exemplar, mesmo em condições mais adversas possíveis.  Atualmente Gliwice (em alemão Gleiwitz) é uma cidade no sul da Polônia. Após o fim da Primeira Guerra Mundial ocorreram confrontos entre alemães e poloneses por questões de territórios. Habitantes etnicamente poloneses queriam incorporar a cidade de Gleiwitz. Houve resistência por parte da população etnicamente alemã. A Liga das Nações realizou um plebiscito em 20 de março de 1921 sendo que 78 por cento da população votou pela sua permanência como integrante da Alemanha. Quando o território era parte da Alemanha, em Gleiwitz foi erguida uma torre de rádio em madeira, existente até hoje e é a mais alta estrutura em madeira da Europa. Têm 118 metros de altura, uma escada de 365 degraus dá acesso ao topo. A 31 de agosto de 1939 ocorreu o famoso Incidente Gleiwitz, a invasão da rádio por um grupo de pessoas usando uniformes poloneses apoderou-se da estação de rádio de Gleiwitz para transmitir em polonês uma mensagem anti-germânica. No dia seguinte, a 01 de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia iniciando a Segunda Guerra Mundial. Alfred Alfons Alexander Pottag então com 13 anos, morava em Gleiwitz, centro do teatro de operações. A casa em que residia permanece no mesmo estado em que se encontrava na ocasião, sendo que nesse período foi totalmente conservada pelos proprietários, sem alterar as características originais.

ALFRED ALFONS ALEXANDER POTTAG

O senhor estudou na Alemanha?
Estudei na Mittelschule, termo em alemão literalmente traduzido para nível intermediário entre ensino fundamental e ensino superior, utilizado nos sistemas de ensino das diferentes partes da Europa de língua alemã, isso foi em 1941. A profissionalização concluí em 5 de maio de 1944, como técnico mecânico. A 15 de maio fui convocado pela marinha alemã para ir para a França. Em janeiro embarquei no navio Julius Rütger, era um navio tanque, eu tinha feito o curso de telegrafista na marinha, trabalhei nessa função. Depois embarquei no Gazella. Embarquei na Flotilha Hella DGO 29.

CAPA DA CADERNETA COM TODAS AS ANOTAÇÕES DA FAMÍLIA

Como era a bordo?
 Passamos por muitas batalhas, sempre sendo bombardeados, por aviões, navios.
O senhor teve algum ferimento nessas batalhas?
Felizmente não. Meu posto era na sala de telegrafia.


Como era a alimentação dentro do navio?
Normal. Tinha um cozinheiro que preparava a comida. Todos os alimentos eram enlatados. Isso foi muito ruim, quase tive escorbuto, doença que surge como conseqüência da falta extrema de vitamina C no organismo. O médico trouxe-me pomada a base de limão para higienizar e passar na gengiva. Havia muito peixe, defumado.


Quantas horas dormia-se por dia?
A cada quatro horas havia revezamento. O telegrafista tinha que mandar e receber mensagens em código. (Criptografia- Enigma é o nome por que é conhecida uma máquina electro-mecânica de criptografia com rotores, utilizada tanto para criptografar como para descriptografar mensagens secretas, usadas em várias formas na Europa a partir dos anos 1920. A sua fama vem de ter sido adaptada pela maior parte das forças militares alemãs a partir de cerca de 1930).


Quando descia no porto qual era o melhor local para abrigar-se?
Escondíamos na floresta. Os russos sempre vinham na hora certa. Às oito horas da manhã já vinham os aviões bombardeando. Já ouvia o motor dos aviões que estavam chegando. O navio tinha a defesa antiaérea. As flotilhas tinham metralhadoras, canhões.
Quanto tempo durou a participação do senhor na Segunda Guerra?
Foram alguns meses, os russos chegaram muito rápido. Sempre fugíamos antes de eles chegarem. Quando os navios estavam no porto os russos vinham atacar com seus aviões, às oito horas da manhã, ao meio dia, às quatro horas e às seis horas da tarde, eram quatro ataques sempre na mesma hora. Antes de chegarem os bombardeiros já fugíamos. Em 8 de maio de 1945 acabou a Segunda Grande Guerra. A capitulação foi propalada à todo mundo, ao meio dia tinha acabado a guerra. Após o meio dia viriam os russos, teríamos que entregar tudo para eles. O comandante do nosso navio disse-nos que às oito horas da noite iríamos fugir, no meio daquela confusão toda. Voltamos para a Alemanha. Encontramos com militares da Suécia, iríamos nos rendermos a eles. Perguntaram se tínhamos algum ferido, dissemos que não. Perguntaram se tínhamos combustível para continuar, dissemos que tínhamos, eles então não nos deixaram aportar. Foi bom. Bem depois eu ouvi falar que os soldados da Suécia, da Noruega, mandavam os que se rendiam para os russos e os russos mandavam os prisioneiros para a Sibéria! Continuamos a viagem, até o ponto em que perguntei a outro marinheiro se sabia onde estávamos, ele disse-me que conhecia aquele local, era a Ilha de Rügen, Alemanha. Era 13 de maio de 1945, viajamos a noite, foram cinco noites. Nosso navio era o DGO-29. Permanecemos no porto, até que veio uma patrulha mista, alemães e ingleses, perguntaram quem erramos, respondemos que éramos marinheiros. Permanecemos algumas semanas, fomos até Franzburg, voltamos.


Os ingleses estavam comandando a operação naquela área?
 
 
MAQUINA DE CRIPTOGRAFIA ENIGMA COM TRÊS ROTORES

O comandante inglês, junto com seus oficiais, nos separou por idade, acima de 25 anos para um lado, com menos para outro lado. Ele perguntou quais eram as funções em que cada um era especialista. Telegrafista, mecânico, especialista em minas, fui trabalhar uns dias em um navio inglês, em agosto de 1945 veio um navio chamado Tanga, com 20 ingleses, sendo 2 oficiais, 2 russos, 1 telegrafista russo, foram pegar pequenas flotilhas, passar para eles, todos os navios eram levados para os russos, fizemos isso umas cinco ou seis vezes, levar navios para os russos, inclusive entregamos um navio chamado “Pátria”. Estávamos na condição de prisioneiros. Os ingleses nos deixaram com os holandeses, para tirar a minas deles.

 BRINQUEDO ALEMÃO COM DEZENAS DE ANOS PERTENCENTE A FAMÍLIA DE ALFRED

Como eram retiradas as minas no mar?
Os holandeses tinham cinco ou seis flotilhas, sempre com patrulha holandesa. Quando via as minas, deixavam que fizéssemos o trabalho perigoso para eles. Dá para ver onde está a mina. Normalmente a mina é ancorada num lugar pré-determinado, ficando flutuando sob a superfície e na altura determinada por um cabo ligado a uma espécie de  ancora, quando cortado o cabo a mina subia. Para cortar o cabo eram passados um navio a cada lado do cabo, a mina subia e aflorava a superfície. Passava três vezes pelo cabo em um sentido, e mais três vezes no sentido perpendicular ao sentido anterior.  Assim cortava o cabo. Esse cabo que passavamos era como uma serra de metal. A  artilharia holandesa então atirava e explodia a mina, desativando-a.

PLACA EM GLIWICE ONDE INICIOU A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

O senhor está vivo por ter muita sorte, esse é um serviço perigoso!
Eu nunca fiz esse desarme, ficava no navio Tanga que acompanha as operações! Tiramos minas até chegar a Roterdan.

NAVIO TANGA

Quando o senhor deixou de ser prisioneiro de guerra?
No começo de dezembro de 1945, subinhos em caminhões que iriam nos levar em campos de prisioneiros. Inclusive tenho uma marca proxima ao olho, isso foi uma passagem que nunca me esqueci. Um coronel inglês, muito altivo, com um bastão sob o braço, deu ordem de comando em inglês, de forma enérgica, muito rápido, não compreendi imediatamente, ele perguntou-me de forma mais energica alguma coisa que não entendi. De alguma forma entendi que ele queria que em consideração a sua autoridade batesse a continência para ele. Imediatamente obedeci, e fiz o sinal de continência a que estava acostumado no exército...alemão! Imediatamente ele bateu com o bastão em meu rosto, muito próximo ao olho, deixando a marca que tenho até hoje.
Nesse período é que o senhor foi libertado?
Só que antes de tudo fizeram avaliações médicas, tudo anotado em uma caderneta, as injeções e vacinas que eram dadas. Cada folha era analisada, passava por várias mãos de analistas do exército inglês. Era feita uma autentica classificação e análise do soldado prisioneiro. Incluindo fotografia, impressão digital. Alfred busca em seus arquivos a ficha original e exibe com satisfação, dá para sentir o prazer da perfeita ordem e disciplina germânica, que zelou por seus documentos todas essas décadas, no mais perfeito estado de conservação.  Na Alemanha cada família tem uma caderneta, em capa dura, com o símbolo do Estado Alemão onde são registrados os eventos importantes, desde o casamento, nascimento dos filhos, com toda a relação de ascendentes e descendentes diretos. È uma cópia dos documentos arquivados na prefeitura da localidade aonde a pessoa reside.
O senhor casou-se?
Casei-me com Anna Paula Pottag, na Alemanha, tivemos três filhos: Carmen, Ralf Siegfried e Fred Wolfgang. Em 1960 cheguei ao Brasil. Trabalhei sempre na Bosch, a Bosch inventou e produziu o primeiro aquecedor do mundo, sendo a pioneira neste mercado. Os Aquecedores a Gás de Água Bosch Junkers. Existiam várias fábricas e divisões, mas todas com a marca Bosch.
Quanto tempo o senhor trabalhou na Bosch?
Foram quarenta anos.
O senhor voltou a passeio a atual Gliwice, hoje território polonês, (em alemão Gleiwitz)
 Em 2005 fiz uma viagem com meu filho pela Alemanha, fui visitar a casa onde nasci o local onde foi a prefeitura, a estação de trem, a universidade, a escola onde estudei, ao lado, o jardim biológico com dois leões de pedra na entrada, a maior torre de rádio em madeira da Europa, com décadas de existência. Há uma placa onde marca o dia da entrada da Alemanha na Polônia, foi quando se iniciou a Segunda Grande Guerra Mundial a 31 de agosto de 1939. Alfred mostra a fotografia de uma estrutura em vidro e alumínio que compõem um edifício, construída quando ele morava em Gleiwitz. Nesta igreja (ele mostra a fotografia tirada em 2005), onde fui batizado, recebi a primeira comunhão. Conversei com o padre, que embora seja polonês fala alemão, fiquei impressionado que bastou dar a data do meu nascimento e ele imediatamente localizou o documento do meu batizado. Todos os meus dados estão anotados, filiação, ascendentes. Ele fez uma cópia, só que traduzimos em português. Encontrei meu cunhado, ele tinha voltado em 1959 para a Alemanha, ele foi escravo dos russos até 1959.  O pai dele fez a opção de ser cidadão polonês. Almoçamos, juntos com mais parentes e amigos na casa dele. Todos optaram pela nacionalidade polonesa.  
 
 

sexta-feira, outubro 10, 2014

MARIA ODILA RAZERA GERAGE GARDENAL e JOÃO MATIAS GARDENAL


 
 PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 11 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/



 



ENTREVISTADOS: MARIA ODILA RAZERA GERAGE GARDENAL  e  JOÃO MATIAS GARDENAL

 

A Sra. Maria Odila Razera Gerage Gardenal nasceu em Piracicaba a 2 de agosto de 1942 filha de Rafael Gerage e Herminia Razera Gerage que tiveram 12 filhos: Leni, Neli Carolina, Darci, Miguel, Luzia, Antonieta, Irineu, Maria Odila, Terezinha, Roseli, Rafael e Carlos.  O Sr. João Matias Gardenal, nasceu em Laranjal Paulista a 3 de agosto de 1942, filho de Adamo Gardenal e Anunciata Mateucci Gardenal que tiveram treze filhos: Aparecida, Natalino, Vitória, Maria, Josué, Isabel, Irene, João Matias, Junia, Herminda Loide, Noemia, Tito e Juraci. A 10 de setembro de 1966, Maria Odila e Matias tiveram seu casamento celebrado pelo Padre Antonio Geroto na Igreja Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Frades, em Piracicaba, tem os filhos Maria Adriana, Carlos Alberto e Emerson.

Da. Maria Odila como vocês se conheceram?

Foi na casa de uma cunhada do Matias. Na época eu fazia bordados ponto cruz, rococó,  para a cunhada dele, a Rosa, eu pegava peças dela como lençóis, para bordar. A Rosa e seu marido Josué Elias Gardenal moravam na Avenida do Café, duas casas antes de chegar a Rua da Glória. Nessa época o Matias estava residindo com eles, foi lá que o conheci. A Rosa incentivou o nosso namoro. Casamos e fomos morar na Rua Alfredo Guedes, 1828, era casa do meu sogro.

O senhor exercia qual atividade na época?

Trabalhava no Dedini.

Com quantos anos o senhor veio de Laranjal à Piracicaba?

Eu estava morando com meu irmão Josué quando completei 19 anos.

Quando o senhor chegou aqui qual foi a sua primeira atividade?

Em Laranjal Paulista eu trabalhava na roça, carpia mesmo! Aqui chegando fui trabalhar na oficina mecânica de propriedade do meu irmão Natalino. Antonio Gardenal. Comecei trocando molas, lonas. Serviços que não exigiam conhecimentos técnicos relevantes. O que eu fazia era serviço próprio de ajudante mecânico. Permaneci lá por cerca de um ano e pouco, de lá fui trabalhar no Dedini.

Que serviço o senhor fazia no Dedini?

Trabalhava na manutenção, a noite.

Como era o Comendador Mário Dedini?

Pelo menos nas vezes que nos encontramos era do tipo da pessoa que vinha cumprimentar, dava um aperto de mão, perguntava, falava, quando passava perto de alguém sempre cumprimentava a pessoa. Era um homem simples. Pelo menos dentro da oficina. Era interessado pelo serviço e atencioso com os funcionários. Permaneci trabalhando lá por três anos.

Saindo desse emprego no que o senhor foi trabalhar?

Fui ser motorista de caminhão, isso foi em 1965. Fui trabalhar com um Alfa-Romeu, o famoso FNM. O proprietário do caminhão era Raul Fernandes do Depósito de Madeiras Fernandes.

Como é dirigir um FNM?

Para quem tem braço bom é um caminhão gostoso. Não tinha direção hidráulica, era câmbio seco, tinha que ter uma boa audição, o câmbio seco só se engata a marcha no tempo certo do motor, na rotação correta do motor. Eram quatro marchas todas reduzidas. Tinha um motor muito bom.

Quebrava muito?

Quebrava, mas não por defeito do caminhão, as estradas é que não eram boas. A grande maioria das estradas era de terra. As estradas eram ruins, tinha que ficar engatando as marchas o tempo todo. Carregava 20.000 a 22.000 quilos. Saia de Chopinzinho, Pato Branco, Marmeleiro, Cascavel, Foz do Iguaçu no Paraná, só estradas de terra, com aclives que quando chegava ao topo o motor estava no último estágio de potência.

E quando chovia?

Tinha que esperar passar a chuva. Nesses caminhões não adiantava colocar correntes nos pneus. O motor era diesel.

Quem trocava o pneu quando furava?

Eu mesmo trocava. Colocava o macaco conhecido por “Chicão”. Só que usavamos uma madeira resistente, alta o suficiente para que pudéssemos aliviar o peso, ai entrava com o macaco hidráulico embaixo. O estepe ficava dependurado atrás, tinha uma catraca para solta-lo. Dava trabalho. Não furava muito os pneus.

O Alfa-Romeu esquentava muito o motor?

Não tinha esse problema. Era barulhento. Na época poucos caminhões tinham a cama dentro da cabine, o Alfa-Romeu tinha uma cama, dormia-se dentro da cabine. A velocidade normal era de 60 quilômetros por hora. No ponto morto não tinha limite. Em lugar que podia soltar, descia no ponto morto. De vez em quando dava uma cutucadinha no freio para ver se estava funcionando. Se precisasse segurar a curta distância era impossível. Para dar partida tinha duas baterias de 24 volts. Motor com seis pistões. O motor dele é muito semelhante ao do Scania, a diferença é que do Scania é bloco fundido e o do FNM era todo em alumínio.

O senhor lembra-se do Papa-Fila, que era o caminhão FNM com o reboque em forma de carroceria de ônibus, conduzia um grande número de pessoas?

Era o famoso Romeu e Julieta.  Vi em São Paulo esse Papa-Fila. O motorista ficava isolado na cabine. O FNM era um caminhão bom, o que tirou a fama dele foi a qualidade das estradas. De onde ele saia com carga pode ser que tenha caminhões fabricados hoje que não saiam.

Que cor era o caminhão do senhor?

Era um verde claro. Trabalhei com esse caminhão de 1965 até 1968.

Quanto tempo o senhor levava até Pato Branco?

Fazia uma viagem por semana. Trazia 60 dúzias de madeira, pinho, tábua de 30 centímetros por uma polegada e levava 300 sacos de açúcar, na época eram sacos de 60 quilos cada um. 

Viajava a noite?

Sempre! Aproveitava que a temperatura era mais baixa. Não esquentava os pneus. Não se ouvia falar em assalto, era raríssimo. As estradas eram bem menos movimentadas. Eu ia até Itapetininga, Capão Bonito, descia a Estrada da Ribeira e subia a Estrada 27 para descarregar açúcar em Curitiba. Lá descarregava no Dias Martins, era depósito que refinava o açúcar, ficava no centro da cidade, entrava com o caminhão na Rua João Negrão, Rua XV de Novembro onde hoje é calçadão, tempo em que havia bonde em Curitiba. Em Londrina passava pela Avenida Paraná, com o caminhão carregado de madeira. Hoje a avenida toda é calçadão.

Após três anos e pouco o senhor foi trabalhar com o que?

Mudei de profissão, fui trabalhar como motorista de ônibus na empresa de ônibus Paulicéia. Os proprietários eram Ademar, Aldano e José (Gegé) Beneton. A mãe deles deve ser prima do meu avô. Fui fazer a linha do Centro até a Vila Rezende. Saia do abrigo, hoje denominado Terminal Urbano. A cada meia hora ia e voltava. Trabalhei uns 15 dias na rua. Não me adaptei ao serviço. Sai da rua e fui trabalhar de lavador e borracheiro, dentro da empresa. Um dia ele me disse para levar uma excursão de um pessoal do Bairro de Santana para Santos. Eu nunca tinha ido para lá. Era um ônibus monobloco, com poltrona. O meu problema era atravessar São Paulo, nunca tinha entrado em São Paulo dirigindo. Ia pela Via Anhanguera, pelo centro de São Paulo, bairro Ipiranga e Via Anchieta. Parei no Posto Santo Antonio em Jundiaí, tinha um pessoal de Jundiaí que estava saindo para Santos. Fui acompanhando um dos ônibus que ia para Santos e deu certinho. Lá fomos para a Praia José Menino. Durante a semana eu era borracheiro e lavador, aos finais de semana motorista de excursão. Ganhava horas extras, percentagem de 15 por cento do valor da excursão, ganhava o cigarro, almoço no restaurante, na volta faziam coleta de gorjeta para o motorista. Era bom. Isso foi em 1968 Em 1969 comprei uma borracharia na Renovadora de Pneus Rezende. Oswaldo Mantellatto e Antonio Domingos Gerolamo eram sócios, tinham uma filial em Barra Bonita. Fui ser gerente lá, de 1970 a 1978. Voltei à Piracicaba e adquiri a borracharia lá no Posto Menegatti, o “Postão”. Lá permaneci por sete anos.

O que melhorou nos pneus nesse período de tempo?

O pneu radial. A lona em vez de ser feita em nylon é feita em aço. Atualmente é muito fácil consertar furos de pneus, muitas vezes não é necessário nem tirar da própria roda.

Quantas libras de ar são colocadas em um pneu de caminhão?

Depende da medida do pneu. No caso do pneu radial é cerca de 100 libras.

Algumas vezes vemos tiras de pneu soltas nas estradas, por que isso ocorre?

Geralmente é falta de conservação do pneu. Um pneu novo, se pegar um prego e o prego ficar no lugar de tal forma que fique vazando ar, ele tampa o buraco na borracha, mas na lona ele não tampa, o aro vai saindo e procurando espaço, até soltar a casca do pneu, que são esses pedaços a beira da pista. Muitas vezes o motorista não vê, não bate pneu.

O que é bater pneu?

É ter um martelinho ou um pedaço de ferro, e aonde você para, você vai lá e dá uma batida, se ele estiver cheio ou baixo percebe-se na batida.  

O senhor chegou a viajar para o Norte do Paraná?

Viajei para Paranavaí, Campo Mourão, Nova Londrina, de Maringá a Paranavaí foi asfaltado em 1964. Eu levava cimento para colocar no piso, era areia, quando chegava com o caminhão carregado com 300 sacos de cimento já tinha os quadrados todos prontos, para fazer a base da pista. A carga de cimento é uma das piores cargas para transportar. O caminhão fica seco, dá um soco seco. A carga não tem balanço.

Após permanecer com borracharia no Postão, qual foi a próxima atividade do senhor?

Fui trabalhar como vendedor de pneu, na Ressolagem Jardim. Como conhecia bem Barra Bonita, Jaú, comprei um caminhãozinho e fui fazer essa linha. Logo já consegui quatro usinas de açúcar como clientes. Pegava os pneus gastos, trazia, ressolava e devolvia. Quando eram sete horas da manhã eu já estava dentro da usina. Muitas vezes eu chegava à Barra Bonita com o caminhão carregado e o chefe ainda não tinha chegado, às seis horas da manhã. Daqui até lá eu levava uma hora e meia para chegar. Tive caminhões Mercedes Benz, Volkswagen e o ultimo foi um Ford Cargo.

Por que o pneu de trator tem que ser cheio de água e ar?

Para o trator ficar mais pesado e não patinar. Você coloca o pneu em pé, o bico na extremidade superior, sem a válvula, coloca a água até começar a vazar no bico. Depois se coloca a válvula e completa-se com ar. Ele tem mais água do que ar.

Quem consegue erguer um pneu desses?

Só o guincho.

Em que ano o senhor parou de trabalhar com pneus?

Parei de trabalhar em 2003, foi quando fiz uma cirurgia e tive uma infecção. Acabei decidindo parar. Atualmente só faço tarefas em casa, cuido da manutenção. (Por opção o casal mantém a casa sem auxílio de terceiros).

Dona Maria Odila complementa:

Acho que é bom para a saúde, trabalho não mata ninguém. Se tiver o que fazer não fica apenas lendo, deitadinha, com depressão. Indo à luta é muito mais saudável, dorme-se melhor, alimenta-se melhor, a vida é outra. Caminhamos cerca de quatro quilômetros todos os dias.

Dona Maria Odila vocês são católicos praticantes?

Somos, tornamo-nos mais assíduos após voltarmos de Barra Bonita, quando os filhos estavam mais crescidos, morávamos próximo a Igreja Matriz da Vila Rezende, na Rua Rafael Aluisi, a minha filha como era pianista tocava o órgão da igreja na missa das sete horas, a família inteira estava presente. Em 1995 mudamos para um local mais distante, mas continuamos a freqüentar a mesma igreja. Depois a nossa filha casou-se passamos a ir às missas das três horas da tarde, aos sábados. O coordenador geral, Edélcio Camargo viu em nós a oportunidade de sermos ministros da eucaristia. Fizemos um curso preparatório para sermos ministros. Atualmente o pároco é o Padre Orivaldo Casini, o Monsenhor Jorge continua exercendo suas funções.

O que faz um ministro da eucaristia?

O ministro é Ministro Extraordinário da Eucaristia, o padre é Ministro Ordinário. Os Ministros Extraordinários ajudam o padre a participar da missa, distribuindo a eucaristia. Na Igreja Matriz da Vila Rezende a eucaristia são duas espécies, o pão e o vinho. Existe uma escala de ministros para cada missa e data a ser realizada. São 18 ministros para cada missa, sendo que 10 participam e 8 ficam como substitutos, o nosso coordenador, Dimas Broió organiza a escalação dos ministros. Caso não estivermos escalados nem por isso deixamos de ir a missa. Há ainda os coroinhas, os diáconos, que auxiliam o padre diretamente na celebração. Na Matriz da Via Rezende, a cerimônia de entrada segue a seguinte ordem: a cruz é introduzida em primeiro lugar, a seguir os três leitores, em seguida cinco ministros de cada lado, formando uma fila dupla, seguido do padre com os coroinhas. É um cerimonial.

É uma função do Ministro da Eucaristia a visita a enfermos?

É uma função que é determinada pelo coordenador. Levar a comunhão aos enfermos. Nós ainda não fomos escalados para realizar essa atividade.

Existe alguma atividade dos ministros antes da celebração da missa?

Dona Maria Odila responde que a preparação da missa por dois ministros ou duas ministras, consiste em preparar as âmbulas com o cálice. Âmbula é um recepiente onde são colocadas as hóstias não consagradas. O vinho é um vinho especial distribuido pela Curia Diocesana. São colocadas onze âmbulas, para os 10 ministros e uma para o padre. Em média em cada âmbula são colocadas 40 hóstias.

E ficam em que local essas ambulas?

Fora do sacrário elas permanecem em volta do cálice. São preperados três corpóreos, são três toalhinhas, que são colocadas em cima do altar, só para colocar as âmbulas, o cálice do padre, a âmbula maior onde está a eucaristia, hóstias já consagradas, após a consagração o padre inicia a distribuição da eucaristia seguido dos ministros que fazem a distribuição.

Quando é distribuída a eucaristia ela é colocada na mão ou na boca do fiel?

O fiel é que determina. Todos os ministros antes de fazer a distribuição fazem a assepcia das mãos,

Qual o número de fiéis que participam da missa?

A igreja comporta 1.000 pessoas sentadas.

O Ministro da Eucaristia usa algum paramento?

Usa a Opa, que é um blaser branco, especial, próprio para a distribuição da eucaristia. Usamos apenas durante a missa. O sangüineo é uma toalhinha que é colocado junto a âmbula, a hóstia consagrada simbolizando o corpo é molhada no vinho que simboliza o sangue de Cristo, ou nós ou o fiel molhamos a hóstia no vinho, a maior parte das pessoas prefere ela mesma molhar a hóstia no vinho, se ficar alguma particula de vinho em seu dedo ela usa o sangüineo para reter essa minima porção de vinho, que significa o Sangue de Cristo. O Sangüineo é mais tarde lavado em uma taça, e a àgua que resulta dessa limpeza é colocada em uma planta. Ele é lavado isoladamente, não pode ser misturado a mais nenhum tipo de tecido ou roupa. Simboliza o nosso respeito ao Jesus Eucarístico. Após a celebração da missa é feita a purificação, se restou alguma eucaristia, é colocada na âmbula maior e depositada no sacrário. Os ministros comungam após os fiéis comungarem, tomamos o vinho consagrado. As âmbulas são colocadas em um aparador. Após o término da missa dois ministros vão até esse aparador e passam em média meio copo de água em cada âmbula, depois em todos os cálices, são enxugados com o sangüineo existente no local. A água após passar pelas âmbulas, ou tomamos ou é colocada em uma planta. Nós usamos uma âmbula que têm um cálice encaixado dentro. Nesse pequeno cálice é que é colocado o vinho. As hóstias ficam em torno do cálice.  
Sangïneo
 

Dona Maria Odila qual é o sentimento em ser Ministro da Eucaristia?

Quem escolhe as pessoas é Deus. Para nós foi uma grande honra em sermos escolhidos. É um ministério muito lindo. Acredito que a pessoa que nos convidou foi orientada pelo Espírito Santo. Para nós significa uma grande responsabilidade. Acho que os pais devem dar o exemplo aos filhos, aos netos. O Sr. João Matias complementa dizendo:  Considero importante a pessoa freqüentar uma igreja, é um local aonde poderá encontrar a paz.

 

 

sexta-feira, outubro 03, 2014

ALDO PERNAMBUCO SOBRINHO


 PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 04 outubro de 2014.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
 

ENTREVISTADO: ALDO PERNAMBUCO SOBRINHO

 

Aldo Pernambuco Sobrinho nasceu em Piracicaba a 30 de agosto de 1971 é filho de James Pernambuco (Conhecido como Bilo) e Diva de Moraes Pernambuco que tiveram os filhos James, Gisele e Aldo. Aldo é casado com Renata, são pais de um filho, Bryan.

Seus estudos você realizou em que escola?

Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, meu primeiro professor foi Seu Dirceu.  Estudei depois na Escola Estadual Prof. Mello Moraes e Colégio Técnico Industrial de Piracicaba. Ainda existia o Estádio Roberto Gomes Pedrosa, antigo campo do VX de Novembro, onde atualmente existe um supermercado.

Você chegou a freqüentar o antigo campo do XV de Novembro?

Meu pai gostava do XV e tinha muita amizade com o Colega que o convidava e eu acabava indo junto. Sempre joguei futebol, mas não profissional. Quando eu era jovem, o Córrego Itapeva era a céu aberto, junto onde hoje é a Avenida Armando Salles de Oliveira. Já existia a Cidade Jardim, o Jardim Europa.

O seu pai foi um entalhador?

Na realidade meu pai foi um marceneiro, ele trabalhou onde hoje é o Posto de Saúde, na Rua D.Pedro I, atrás do Mercado Municipal, ali era a oficina do Neno, meu pai trabalhou muitos anos com o Neno, como era conhecido Eugênio Nardin. O Neno fabricava móveis e entalhava também, tinha os entalhadores, os lustradores. Meu pai é natural de Piracicaba, começou a trabalhar lá ainda garoto. Meu pai sempre trabalhou como marceneiro, com o Neno ele deve ter trabalhado uns 15 anos. Fazia móveis finos.

Que tipo de madeira era usada naquela época?

Acho que mais cedro e imbuia.

E Pinho de Riga?

Em Piracicaba não se acha mais, em São Paulo pode até ser que você encontre. Mogno é raridade, não se acha mais

Antigamente o bacalhau era importado embalado em caixas de pinho de Riga.

Hoje vem em uma madeira bem mole. Descartável. Antes as madeiras eram boas, hoje a maioria dos moveis é em MDF. (MDF é a sigla de Medium Density Fiberboard, que significa placa de fibra de média densidade, é um material oriundo da madeira, fabricado com resinas sintéticas).

O sobrenome Pernambuco sugere que há uma ligação com aquele estado.

Já me perguntaram qual é a origem do sobrenome Pernambuco, eu não sei dizer. Meus tios também são todos de Piracicaba. Não há nenhuma relação próxima com o estado de Pernambuco.

Quando seu pai deixou de trabalhar com o Eugenio Nardin, montou a sua própria marcenaria?

Exatamente! Meu pai nasceu em 1919, creio que ele veio para cá na década de 40. Aqui meus tios Aldo e Julio o ajudaram a comprar as máquinas. Meu tio Aldo foi o primeiro motorista do Engenho Central, meu pai guardava tudo que era publicado a respeito, após seu falecimento esse material se perdeu. Ha muitos anos saiu em “O Diário” uma matéria sobre o meu tio Aldo que foi buscar um automóvel Ford ano 1929 no porto de Santos. Meu pai ainda muito jovem passou a fabricar móveis, charretes, as rodas eram de madeira e o aro de ferro que eram feitos pelo Romeu Ferreiro, estabelecido na curva do “S”, existente na Avenida Armando Salles de Oliveira.

A charrete mais conhecida é a de tração animal, mas na época existiam charretes de mão?

Acho que para a charrete de mão em 1958 era dada pela prefeitura uma placa que era a licença PMCM Prefeitura Municipal Carro de Mão era necessário ter aquela licença para transportar mercadorias. Eram umas carroçonas grandes, altas, ele saia daqui e levava os móveis não sei para quem, lá na Estação da Paulista.

Subia a Rua Boa Morte?

Subia empurrando na mão. Eu tinha uma até um ano atrás.

Eram muito comuns umas carrocinhas conduzidas à mão.

Até hoje existe no Cemitério da Saudade. No Museu da Água existe uma exposta.

O seu pai tinha o desejo de que os filhos seguissem a carreira dele?

O meu pai tinha a preocupação de que os filhos sofressem algum tipo de acidente por causa do grande número de máquinas cortantes. Depois que ele viu que eu passei a me interessar mais, vir com mais freqüência para ver ele fabricar as peças, ele foi abrindo mais a porta, deixando eu vim ver. Mostrava, falava o que era. Como eram feitos os móveis, os encaixes. E de fato é grande o número de ferramentas perigosas. Meu pai mesmo teve uns dois ou três acidentes, mas era um marceneiro que tinha todos os dedos.

Os clientes traziam os projetos dos móveis que desejavam?

Traziam sim, desenhos feitos a nanquim, escrivaninhas. Ele tinha uma pasta só com esses projetos.

Que idade você tinha quando começou a olhar com mais interesse as coisas que o seu pai fazia?

Eu estava com uns treze anos quando comecei a ver as peças que ele fazia com outros olhos a parte da marcenaria. A parte do entalhe foi com 15 a 16 anos que passei a freqüentar a oficina do Eugenio Nardin, situada na Rua do Vergueiro. Eugenio fazia todo tipo de móvel fino, restauração, pintura.

Você lembra-se da sua primeira obra em madeira?

Foi um banquinho! Meu pai não deixava mexer nas máquinas, ele tinha muito cuidado para não acontecer nenhum acidente.

Por que você gosta do entalhe?

Porque você pega uma madeira bruta e consegue fazer o que desejar com a madeira.

Quais são as madeiras boas para entalhes?

Cedro, imbuia, cerejeira, se tivesse, mogno.

Para realizar o entalhe é necessário ter muitas ferramentas?

Há a necessidade de ter um arsenal de ferramentas. Uma da bancas de carpinteiro que meu pai utilizava tem a data atrás, 16 de outubro de 1933. É de cabriúva. Meu pai e um amigo dele que fizeram. As roscas são de madeira.

Você após freqüentar a oficina do Eugênio Nardin, voltava para a oficina do seu pai?

E tentava entalhar algumas coisinhas.

Seu pai permaneceu aqui na oficina até que ano?

Faz oito anos que ele faleceu, aos 85 anos, trabalhou até falecer.

Devagarzinho você foi ganhando espaço na arte do entalhe?

Meu pai tinha uma roda de amigos que freqüentavam a marcenaria, ao final de tarde aparecia muitos amigos para conversar, trocar idéias. Ele pegava algum entalhe que tinha feito e mostrava com orgulho aos amigos. Aprendi entalhe com Eugênio Nardin e com Pedro Senicato, o Pedrinho Entalhador. O Sbrissa e o Pedrinho Entalhador faziam sobre tampo de caixão funerário. Não era com resina sintética como hoje, era tudo entalhado. Alguns entalhavam o caixão inteiro.

Você já entalhou urna funerária?

Entalhei só um sobre tampo. O Pedrinho desenhou como estava bem doente, pediu para o Hélio entrar em contato comigo. Fiz o sobre tampo para o Hélio tirar o molde em resina e comercializar para as fábricas de urna. Eu fiz o molde. Ele faz a peça em resina. Com 23 anos eu já estava bonzinho no entalhe. É uma arte em que a cada dia vai se aprendendo alguma coisa. O que gostava de fazer era porta. A minha primeira peça que fiz e gostei muito foi um relógio de madeira.

Você dá aulas de entalhe?

Dou aulas todas às tardes.

Qual é o requisito para ser aluno da arte de entalhar?

Qualquer pessoa dos 12 aos 99 anos pode estudar entalhe! O aluno mais novo acredito que foi o Marcelinho, tinha uns 12 anos. Atualmente tenho cerca de 15 alunos, de 23 a 75 anos.  Um dos alunos é um senhor que vem de Tietê. Eles dizem que é uma terapia. Tanto é que saiu uma matéria chamada “Terapia do Entalhe”. Tem que ter calma se tiver pressa não irá conseguir fazer nada. Sou detalhista, se o aluno errar irá fazer novamente. Você pega uma madeira cheia de farpa, tira na plaina. Nas máquinas pesadas eu faço o trabalho, por precaução e cuidado com o aluno. Nas aulas eles usam as minhas ferramentas, quando começam a gostar passam a adquirir as próprias ferramentas.

Quem tem mais facilidade para entalhar o homem ou a mulher?

Ambos têm condições, depende apenas do aluno ou aluna. Tive uma aluna, a Eliane, que tinha uma mão para entalhar que era muito eficiente.

O entalhe está voltando a entrar em evidência?

Acho que o entalhe está sendo realçado. O surgimento de novelas de época traz muitas peças entalhadas. Muitas molduras. A atenção dos decoradores está se voltando para peças diferentes. Através da internet mantenho contato com entalhadores praticamente do mundo todo. Há uma grande troca de informações. Até mesmo na maneira de como se amola um formão.

Você faz entalhes específicos, sob encomenda?

Antes de começar a entalhar a peça propriamente dita eu faço um estudo. Temos exposto ali a parte de cima de uma cabeceira de cama. Depois de feito o estudo, se o cliente aprovar passo a entalhar.

Quem gosta de móveis entalhados?

Pessoas mais maduras e refinadas. Há uma movimentação nesse sentido, se só o móvel entalhado pode criar um ambiente mais sóbrio, a mescla com outro tipo de decoração pode dar refinamento.

Para ser entalhador tem necessariamente que ter a mão firme?

Não. Quando o aluno ingressa seus primeiros trabalhos são um peixe e uma flor. Nesses trabalhos fico conhecendo o movimento de mão, a coordenação do aluno. Faço trabalhar a mão direita e esquerda que são os movimentos contrários do cérebro.

A seu ver em matéria de entalhe quais são os países que se destacam?

Eu creio que seja a Espanha e a Alemanha.

Na cidade de São Paulo tem bons entalhadores? Eles o conhecem?

Existem bons entalhadores, alguns me conhecem. Em meu conceito o entalhe é uma arte que deve ser ensinada, passada aos que interessarem, muitas pessoas podem ter até um dom maior do que quem ensina.

Proprietários de antiquários procuram seu trabalho?

Alguns sim. Tenho sido procurado por igrejas, atualmente estou restaurando peças da Catedral de Santo Antonio. Às vezes as pessoas falam: “- Mas é um dedo que você está fazendo!”. Só que para esculpir um dedo tem que dar o volume certo, a nervura certa. Fazer a unha perfeita, igual a outra.

Entre as centenas de ferramentas de entalhe, uma se destaca pelo formato, o macete do entalhador. Como pode ser definido seu uso?

Uma das aulas é usada para ensinar os alunos a fazerem seu próprio macete. É feito de madeira dura, geralmente o rouxinho, garapeira, cabreuva. Existem macetes antigos, como de bronze por exemplo.

Quanto tempo dura um curso de entalhe?

Depende do aluno. Esse senhor que vem de Tietê faz cinco anos que está comigo como aluno. É um bom entalhador. Ele vem às terças-feiras, e segundo suas palavras se não vier a semana fica sem sentido. É uma terapia.

Quando o futuro aluno mostra interesse em matricular-se qual é a primeira providência que você toma?

Eu digo: “- Vamos fazer uma aula para ver se é isso mesmo que você gosta de fazer”. Uma aula dura cerca de duas horas.

Você tem um grande número de ferramentas diferentes, todas são necessárias?

Cada formão tem um formato. As goivas, que são formões com sulcos, formões retos, semi-goivas.

Você tem uma furadeira manual que deve ser muito antiga.

Deve ter umas oito décadas.

O que é a ferramenta chamada guilherme?

É uma ferramenta utilizada antigamente para fazer os rasgos para encaixar porta. O barilete, que é um tipo de raspilha.

A madeira para ser trabalhada tem que estar totalmente seca?

Para ficar totalmente seca pelo menos uns seis meses.

Você está restaurando uma espada e uma palma em madeira, que pertencem a Catedral de Santo Antonio. Você tem conhecimento de quem é essa obra?

Não sei responder com exatidão, a informação que me chegou é de que veio de Portugal. Aquele Cristo Rei veio todo desmontado. As placas são encaixadas, parafusadas.

Você dá aula de entalhe para restaurador?

No momento estou dando aula para uma pessoa que restaura.

As ferramentas profissionais de entalhe são fáceis de encontrar?

Normalmente as melhores ferramentas são as importadas da Europa, Estados Unidos. No Brasil temos apenas uma fábrica e cuja qualidade fica aquém das importadas. As ferramentas fabricadas na Argentina já têm uma qualidade melhor.

Mundialmente o entalhe é uma arte que tende a aumentar ou a diminuir?

Tende a crescer. No Brasil já esta havendo uma nova mentalidade sobre o entalhe. Na Espanha e na Alemanha são matérias curriculares.

Você está no face book?

Estou como Aldo Entalhe. E quem quiser vir conhecer, fazer uma aula, fica feito o convite, estou aqui a disposição.

Quantos entalhadores existem em Piracicaba?

Entalhadores estilo ornato, que é o estilo que eu faço, que eu saiba só existe eu. Depois existem entalhadores que fazem placas. Sou um pesquisador nato, gosto de saber como o pessoal fazia, eu procuro descobrir quem se dedica a arte do entalhe.

Aldo, você se considera o único representante de uma arte que está quase em extinção em nossa cidade?

Por isso sempre procurei divulgar pela mídia, as pessoas que faziam em Piracicaba foram aos poucos falecendo. No sul Treze Tílias é uma cidade que tem uma feira só de escultores, acontece durante uma semana. Em Campinas tem uma catedral muito bonita, entalhada, demoraram treze anos para entalhar. No centro de convivência tem um entalhador muito bom. O Mosteiro São Bento, em São Paulo, é maravilhoso em termos de entalhe. Em Piracicaba tem entalhe na Igreja dos Frades, a porta da Igreja da Paulicéia, a porta da Igreja São Dimas, a Catedral tem alguma coisa. Agora a porta entalhada na igreja ao lado da Matriz da Vila Rezende. Levo meus alunos a esses locais para que conheçam os estilos, como se pode fazer uma voluta, um contorno. Não sou dessa época mas dizem que o Colégio Industrial ensinava a entalhar. Atualmente o pessoal não tem muita paciência para fazer um entalhe, por isso você vê todo mundo estressado, todo o mundo quer tudo muito rápido, apressado.

Você recomenda à quem está quase a beira de uma terapia, que venha fazer uma experiência com entalhe em madeira?

É uma sugestão interessante. Aqui você vai trabalhar o seu lado psicológico. Os alunos comentam e eu tenho um aluno que era muito ansioso ele disse que aprendeu a curar a ansiedade aqui. Tem até um médico cardiologista que é aluno, faz o curso para relaxar o stress.

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