sexta-feira, outubro 09, 2015

ARLET MARIA DE ALMEIDA

Entrevista realizada a 7 de outubro de 2015
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 10 de outubro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 

ENTREVISTADA: ARLET MARIA DE ALMEIDA
A Engenheira Florestal Arlet Maria de Almeida é natural de Piracicaba onde nasceu a 20 de abril de 1949, no Bairro Alto. É filha de João Cassemiro de Almeida Filho e  Maria Fantazia de Almeida, que tiveram ainda os filhos Aracy e João Marcos. Arlet Maria de Almeida foi eleita pela Associação Paulista de Engenheiros Florestais –APAEF como a Engenheira Florestal do Ano de 2015.
Você iniciou seus estudos em qual escola?
Foi no Grupo Escolar Alfredo Cardoso. Quando iniciei tinha menos de sete anos, por dois meses, até completar os sete anos, o corpo docente da escola tinha muito cuidado para evitar que eu fosse notada nas visitas feitas por representantes da Delegacia de Ensino. Era uma exigência que o aluno só a partir dos sete anos freqüentasse a escola.
Você lembra-se do nome da sua primeira professora?
Foi Sabina Barbosa. Talvez a professora mais exigente, mais brava da escola, mas era uma grande professora. No segundo ano tive aula com outra professora, cuja fisionomia lembro-me perfeitamente, apenas o nome não me recordo no momento. No terceiro ano tive aulas com Da. Lourdes.
Após concluir o primário onde você estudou o curso ginasial?
Lá só havia o curso primário, fui estudar no Ginásio José Romão, na Vila Rezende. Eu morava na Rua Alfredo Guedes, atrás da Igreja Bom Jesus.
É uma distância considerável entre a sua casa e a escola José Romão, como você ia até lá?
Ia até o centro, a pé, lá pegava o bonde. Na volta fazia o percurso contrário, vinha de bonde até o centro e depois ia a pé até a minha casa. Minha irmã Aracy e eu fazíamos esse mesmo percurso, juntas. Era ótimo, não havia perigo nenhum. Estudávamos na parte da tarde. Levávamos a merenda. Lá estudei dois anos. Ai passei a estudar no Colégio Piracicabano, na Rua Boa Morte. No Colégio Piracicabano estudei até a oitava série, ou seja conclui o ginásio lá.
De lá você foi estudar em qual escola?
Fui estudar na Escola Normal Rural que funcionava nas dependências da ESALQ – Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, ficava próxima ao prédio da Zootecnia.  Era uma escola do Estado. O objetivo era formar professoras para lecionar na zona rural. Acredito que já nessa época minha veia do lado rural, ambiental, estava se manifestando. Conclui a Escola Normal Rural, mas não me senti atraída em lecionar.
Você continuava morando no mesmo lugar?
Morava na mesma casa, ia de bonde para a Escola de Agronomia, naquela época não havia essa história de pai ou mãe levar seu filho até a escola.
Nessa convivência você acabou se encantando com a ESALQ?
A Escola é encantadora! Esses três anos em que freqüentei a Escola Normal Rural fez-me decidir, pensava: “Quero estudar aqui!”

Fui fazer cursinho preparatório para o vestibular, no CLQ.Foi em seu inicio, começamos a ter aulas no antigo prédio da Zoologia, logo na entrada da ESALQ. Depois passou para o prédio da Mecânica, que costumamos chamar de “Maracanã”. Tínhamos aulas a noite.
No início do anos 60, no Centro Acadêmico Luiz de Queiroz, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, começou a funcionar um Curso Preparatório para o vestibular da Esalq. Era o cursinho do Calq


Naquela época, a Esalq fazia o seu próprio processo seletivo. Entretanto, alguns cursos da área de Biológicas tinham o seu vestibular unificado pelo CESCEM, cujas provas eram elaboradas pela Fundação Carlos Chagas. Politécnica, Mauá e FEI, estas duas últimas particulares, porém, todas elas com cursos de engenharia, integravam o vestibular produzido pela MAPOFEI que, posteriormente, englobaria também a seleção de todos os alunos para as faculdades públicas do Estado de São Paulo da área de exatas. Nas humanas, os cursos passaram a integrar o vestibular unificado pelo CESCEA.
Você lembra-e do nome de alguns professores da época?
Lembro-me. Foi Fundado em 1961 pelo diretor professor Shunhiti Torigoi que ensinava física, José Arthur de Andrade lecionava Biologia, Antonio Carlos de Mendes Thame,  lecionava português, Newman Ribeiro Simões, ensinava matemática, Juan Sebastianes lecionava química. Wilson Saito que no inicio trabalhava na secretaria. Eles eram engenheiros agrônomos, talvez alguns ainda estudavam na ESALQ.
Era um cursinho difícil?
Era puxadíssimo! Principalmente para mim e para uma amiga a Astrid, nós não tínhamos tido aulas de química, física, matemática. Tínhamos que aprender em um ano o que todos que fizeram o curso colegial aprenderam em três anos. Estudamos muito, muito mesmo. E entramos na ESALQ no curso de Agronomia. A minha amiga formou-se em Agronomia. Quem desejar pode fazer uma especialização em uma área que escolher. A pessoa irá fazer um curso de pó-graduação. O que aconteceu comigo foi que eu estava passando do segundo para o terceiro ano de Agronomia e eu queria fazer Silvicultura. Na época era matéria optativa.
A Silvicultura aborda qual área?
Silvicultura é a cultura de árvores. Na época tinha a Silvicultura I,II e III. Quando fui fazer a matricula, pelo fato de ter sido criado o curso de Engenharia Florestal, os alunos de Agronomia não podiam mais fazer Silvicultura. Se eu quisesse fazer Silvicultura tinha que passar para Engenharia Florestal. Mudei. Foi assim que entrei em Agronomia e sai como Engenheira Florestal. Hoje você faz o vestibular para Engenharia Florestal.
Foi um ato de coragem da sua parte em decidir por uma área totalmente nova.
Foi. Eu tinha muita segurança de que queria fazer essa parte de árvores.

Esse seu interesse pelas árvores surgiu como?
Não sei. Acho que foi dentro da própria ESALQ. Não sei explicar muito bem esse meu interesse pelas árvores, pelo ciclo, como acontece. Se é através de semente. Como é a polinização. Como é a florada. Entrei na ESAQ em 1970, essa minha decisão foi em 1972. Faz mais de quarenta anos.
Hoje às vezes chega a ser até um modismo essa demonstração exacerbada, algumas vezes sem nenhum fundamento científico, a pessoa dizer-se defensora do verde, das árvores.
Naquela época não era. Hoje é meio moda, embora seja uma moda necessária, as pessoas estão mais sensíveis, mais conscientes, com relação a esse assunto. Até mesmo em função da necessidade que estamos vendo. Eu queria estudar esse assunto, na época achava interessante. Na época o curso tinha a duração de quatro anos, atualmente são cinco anos. Formei-me na turma de 1973.
Ao concluir seu curso qual foi seu primeiro emprego?
Fui trabalhar na Prefeitura de São Paulo, na Regional de Vila Prudente. Aprendi muito lá, foi uma grande experiência. Na época Vila Prudente tinha 400.000 habitantes, maior do que é Piracicaba hoje.
                                              História da Vila Prudente - São Paulo 
Quais eram os maiores problemas que você encontrava dentro da sua área?
Vila Prudente na época era periferia de São Paulo, era uma região muito carente de sistemas de lazer, de áreas verdes, de arborização urbana.
A sua área não envolve apenas a árvore, mas o conjunto árvore, meio ambiente, o homem.
Essa parte da Engenharia Florestal dentro da cidade é chamada de Silvicultura Urbana. É um termo bem consagrado. É a cultura de árvores nas zonas urbanas. Isso é um problema muito sério digamos em 99,9 % dos municípios do nosso país. Infelizmente.
Você permaneceu em São Paulo quanto tempo?
Eu fiquei lá quase três anos. Vim trabalhar na Prefeitura de Piracicaba onde permaneci até me aposentar.
Aqui você se casou?
Casei-me, tive dois filhos João e Ricardo.
Entre as suas realizações uma delas é a arborização do Teatro Municipal Losso Netto?
Na época consegui fazer um trabalho muito bom, conseguimos comprar plantas boas, o que não era habitual na prefeitura. Hoje infelizmente foi muito mutilado. Aquela estrutura verde, arbórea ainda permanece. Muita coisa foi tirada, cortada. Houve muitas intervenções que descaracterizaram o projeto original.
Você tem outros projetos marcantes?
Fiz muitos projetos na prefeitura, cuidávamos muito da manutenção da cidade. Dentro da Secretaria de Meio Ambiente se cuida muito da manutenção das áreas. È um dia-a-dia de limpar, cortar, arrumar, plantar, podar. È quase um serviço de dona de casa na cidade, não tem fim. Não aparece, é com um grão de areia em uma praia. A necessidade é tão grande e se tem tão pouco. Diga-se de passagem, que em Piracicaba conseguimos fazer muita coisa.  Quando entrei na prefeitura nem existia a Secretaria de Meio Ambiente. Era um setor dentro da Secretaria de Obras. Com muita conversa muita discussão, conseguimos criar a Secretaria de Serviços Públicos que depois passou a ser a Secretaria de Meio Ambiente. Mas tudo isso tem um tempo, um processo de maturação. Um processo de convencimento.
Você chegou a ser Secretária?
Fui Secretária em um momento em que a Secretária da época se afastou para ser candidata a um cargo eletivo, eu a substitui por quarenta dias. Foi em um período em que a prefeitura estava em greve, foram quarenta dias extremamente difíceis.
O viveiro que você implantou comportava quantas mil mudas?
Uma coisa é o que ele produz, outra é a capacidade que ele tem para produzir. É um viveiro com capacidade para 500.000 mudas. Para viveiro não é muito para uma cidade do tamanho de Piracicaba. Tanto é que ele não consegue atender a demanda.
Quem planta essas mudas, o particular ou a prefeitura?
Quem deve plantar é a prefeitura. Muitas vezes as pessoas vão lá pegar uma muda e querem plantar.
Com relação ao plantio de árvores deve haver uma orientação técnica? É como cachorro de grande porte que é muito bonitinho enquanto é novo, mas impossível de se manter em um ambiente pequeno?
È o caso de uma seringueira em área urbana, nem pode se pensar em plantar. 


                                         SERINGUEIRAS FORDLANDIA
Sobre essa parte de plantas ornamentais não existe muitos estudos. Pode-se dizer que não existem estudos do comportamento dessas árvores. O que existe muito mais são observações. Teve uma época em que se plantou muito e foi plantado o que tinha. Você irá encontrar seringueiras, flamboyant, hoje não se planta mais esse tipo de coisa. Do ponto de vista ambiental, as cidades precisam de uma arborização de grande porte. Isso se você quiser ter resultado do ponto de vista da temperatura ambiente. Uma árvore com um ou dois metros não irá proporcionar uma copa que interfira em tudo isso. A relação do verde com as áreas de concreto, as áreas impermeabilizadas é absolutamente desproporcional. Essas áreas de cimento, concreto, asfalto, durante o dia retêm o calor. Quando chega a noite esse calor irá ser emanado. Teríamos que ter uma arborização intensa para ter influência no clima da cidade.
E as árvores plantadas em calçadas?
A pessoa faz a calçada, aí faz uma caixinha de quarenta centímetros de largura por quarenta centímetros de comprimento e quer colocar uma árvore lá dentro! E não quer que estoure a calçada! Não é a árvore que está errada! Você tinha que ter um espaço maior para a árvore poder se desenvolver. Isso é um lado da questão. Outro lado é a fiação elétrica. Por que nós temos que ter essa fiação que é uma poluição visual absurda? O que sempre escutamos é que não dá para embutir porque o custo é muito alto. Hoje esse custo é muito menor, mas se não quer embutir, vamos pelo menos compactar. Existem técnicas e existem cidades que fazem isso, sobretudo no Estado de Minas Gerais, eles compactam aquela profusão de fios, transformando em um cabo.
Uma curiosidade: alegam que a fiação embutida é cara, mas tanto a água encanada como o esgoto são embutidos há muitos anos.
Há sempre a desculpa. Ainda penso, se não querem embutir vamos pelo menos compactar. Não deixar essa profusão de fios, essa poluição visual que é a cidade. E não existe nenhuma ação para que isso mude.
Qual é a relação da árvore com as nascentes de água?
Só existe relação! Em termos de ciências florestais podemos dizer que nós temos ecossistemas florestais. Há três grandes linhas dentro das ciências florestais que estudamos. São os Ecossistemas Florestais, a Silvicultura e o Manejo Florestal e a Tecnologia de Produtos Florestais. Quando você pega uma bacia hidrográfica deve identificar onde você tem que conservar. Uma bacia hidrográfica é onde você tem o córrego principal e toda a área em seu entorno que jorra para aquele córrego. O engenheiro florestal vai olhar o que deve ser preservado, onde houver uma nascente tem que ter árvore, se mais adiante eu tiver uma área degradada posso fazer determinado tipo de cultivo. Se nas proximidades tiver um solo de boa qualidade posso plantar milho, soja. Isso é olhar para esse ecossistema e planejar o uso.
Na pratica isso é feito?
Uma boa pergunta. Deveria ser feito.
Uma usina de cana-de-açúcar, que planta grandes extensões,  faz isso?
Infelizmente ela não faz, mas deveria fazer. Quando esses ecossistemas funcionam você não terá problema de falta de água. Sem água você não terá nada. A relação floresta-água é diretamente proporcional. Se não existir um sistema florestal adequado, não haverá polinização. Sem polinização não há cultura. Não irão ter a abelha, insetos, borboletas. O ecossistema florestal precisa funcionar. Basta você ver a situação que estamos com relação a água.
É uma conseqüência desse descaso com a proteção das nascentes?
Claro! Com certeza! A falta de água é uma conseqüência do mau uso do solo. Se você, mesmo pela televisão ver a Represa Cantareira não verá uma árvore em volta do Cantareira.
O que faltou? Planejamento?
Claro! Planejamento e as autoridades competentes investir nisso. Quando você fala em tecnologia de produtos florestais o que estudamos nisso? O que a gente trabalha? Trabalhamos com madeira para construção, com produção de resina, celulose. O Brasil é o país que mais exporta celulose. As florestas plantadas protegem as florestas nativas. A necessidade de madeira é uma realidade, não há como negar. A população cresce, precisamos desses produtos. Quando ocorre o plantio de eucalipto você não está mexendo nas florestas nativas. A floresta nativa tem que estar em pé e nós entendermos que ela pode nos fornecer inúmeros produtos. E isso ser rentável pára o país.
Mito ou verdade há afirmações de que o eucalipto “puxa” a água do solo.
O eucalipto tem um crescimento rápido, existem estudos que afirmam que quando há um sistema equilibrado essa água não irá diminuir. O problema é que as pessoas não plantam, não conservam as nascentes, depois plantam o eucalipto ele passa a ser o culpado.
Estou falando com uma Engenheira Florestal e o assunto está se encaminhando para a água, são temas que tem muita relação?
Tem total relação. Sugiro que vejam o vídeo “A Lei da Água”. È muito interessante. No antigo código florestal, em volta de cada nascente tinha que ter 50 metros arborizados para proteger a nascente. O novo código baixou para 15 metros arborizados para proteger a nascente. Ai entra o poder econômico. Com isso a água irá diminuir.

Com relação a dessalinização da água, é uma saída viável?
O que sabemos é que é um processo muito caro. Isso é relativo, porque poderá chegar a hora em que a necessidade da água será primordial. O que de fato não podíamos é em um pais como o nosso que tem uma rede hidrográfica maravilhosa, deixar acontecer isso. Poluir os rios. Os rios da Bacia do Rio Piracicaba estão piorando em quantidade e em qualidade.
O próprio Rio Tietê, em São Paulo, há 60 anos era utilizado por nadadores. Hoje se cair no Rio Tietê o risco de contaminação é elevado.
Pode até mesmo correr o risco de morte por contaminação. A natureza sempre foi muito desrespeitada. Ela retribui, com certeza. Estou sempre falando em plantios homogêneos, ou seja, de uma espécie só. São plantios que vou fazer para colher. Não é a floresta nativa, que tem várias espécies. Outro fator dos sistemas é a biodiversidade. Nesse aspecto já perdemos muita coisa. Perdemos coisas que nem soubemos que existia.
O que é Manejo Florestal?
Por exemplo, planto eucalipto com a finalidade de fazer postes para a rede elétrica, vou manejar de tal forma aquilo, que tenham diâmetro, terá adubação controlada, a plantação é mais espaçada entre as arvores, isso é que é o manejo. Controlar formigas, pragas, doenças. Isso tudo é manejar a floresta. Estamos falando de floresta cultivada. Existe também o manejo de floresta nativa.
Existem os defensores da fauna e da flora que se atém ao discurso? Pelo glamour ou status?
As vezes a pessoa abraça uma causa que ela sabe que é importante, mas ela não tem o embasamento científico.
A seu ver, já nas escolas primarias deveria ser dada a noção de responsabilidade com a natureza?

Sem dúvida! Acredito que já é dada alguma coisa. Já foi muito pior. Isso precisava ser mais prático, levar a criançada para ver. Nós fizemos em uma época um trabalho no viveiro de mudas da prefeitura, recebíamos todo dia os alunos de uma classe de uma escola. Houve uma época em que até recebíamos duas, uma pela manhã e outra a tarde. Foi um trabalho maravilhoso, chegamos a receber 10.000 alunos por ano. Mostrávamos ao aluno desde a semente, todas as fases da muda, e depois mostrávamos no viveiro mesmo algumas árvores adultas. Eles ficavam absolutamente encantados. Ver uma sementinha de uma paineira depois olhava para aquela paineira. Dizíamos que dentro daquela sementinha existia aquela árvore.  
A árvore pode ser plantada e conservada eternamente?
Precisamos entender, que como nós, a árvore tem um tempo de vida. Nós não vivemos 70,80, 90 anos? Claro, tem alguns que vivem 120 anos! Nós temos um tempo de validade!
E essas árvores que vivem séculos?
São algumas espécies! A sequóia, por exemplo! No Brasil temos o jequitibá. São árvores de longevidade enorme. São árvores imensas, deve tomar-se cuidado em que local irá plantar. Cai no que? No planejamento! Da mesma forma que você planeja os ecos-sistemas florestais, você tem que planejar o plantio na área urbana. Não pode se plantar o que a pessoa quer. Quantas vezes você passa em alguma rua e vê palmeiras plantadas na frente da casa? Se olhar para cima verá a fiação elétrica ou telefônica! Irá dar problema! Por isso dizemos que quem tem que plantar é o município!
O interessado em plantar uma árvore pode realizar uma consulta junto aos especialistas da ESALQ, de uma cooperativa agrícola?
Isso poderá ser feito na prefeitura mesmo, na própria Secretaria de Meio Ambiente. Eles se encarregam de ir até o local e plantar sem custo nenhum aos solicitantes.
É muito comum o condutor de algum veículo procurar estacionar o mesmo sob a sombra de uma árvore. Mas em frente a sua casa ele não quer que se plante nenhuma árvore, por diversos motivos. Um deles é varrer e colher as folhas que caem.
É a famosa Lei de Gerson (Onde todos querem levar apenas as vantagens). Falta a cultura de entendermos a necessidade de uma arborização maciça na cidade. A forma como a cidade é feita cabe tudo: postes, fios, sinalização de trânsito, só não há espaço para a árvore. E quando tem que tirar alguma coisa, a primeira coisa que se diz é:  “ –Tem que tirar essa árvore!”
Até alguns anos a maioria dos calçamentos das vias públicas nas grandes cidades era feito com paralelepípedos. Para suavizar o andar dos veículos em muitas vias foi lançada sobre o mesmo uma camada de asfalto. Qual é o impacto da mesma em relação a penetração da água das chuvas?
Eu não conheço nenhum estudo que diga que com paralelepípedo o solo terá uma absorção de água de “x” milímetros por metro quadrado. É evidente que com o asfalto a absorção será nula.
Em Paris as calçadas são em terra nua para melhor absorção de água?
Paris tem 400.00 árvores. Toda árvore de Paris tem um chip! O técnico chega com um aparelho, encosta e mede. Pude ver que em volta de algumas árvores são terra nua com pedrisco. Ou então fazem grades enormes no mesmo nível da caçada, o que dá segurança ao pedestre, só que essas grades permitem que a árvore receba água.  A água chega até as raízes da árvore. Infelizmente em nosso país há uma covinha para a árvore e em torno dela tudo impermeabilizado. A árvore dessa forma irá cair mesmo! Existem inúmeras soluções técnicas. È que é muito mais fácil fazer uma covinha e ir embora. O custo é muito menor, nós estamos em um país pobre. Não temos que pensar só na arborização urbana, a cidade precisa ter espaços, áreas verdes, temas de lazer, onde essa  água possa entrar quando chover. Não se pode contar apenas com a tubulação. Temos o asfalto, um bueiro diminuto, um tubo pequeno para o volume de água gerado pela chuva.
A seu ver o adensamento urbano deveria ser mais bem pensado?
O planejamento urbano deveria ser mais bem pensado. Não temos mais quintais. Não faz tanto tempo tínhamos quintais, com árvores frutíferas: mangueira, jaqueira, laranjeira. Você tinha um lugar onde essa água entrava. Hoje os lotes de terrenos já são menores, a pessoa impermeabiliza o quintal. Minha casa era grande, minha mãe colocava a roupa para coarar no sol sobre a grama, essa grama absorvia água. Temos poucos parques, poucos sistemas de lazer para receber essa água de chuva.
Estamos falando de uma cidade que é tida como modelo.
É tida como modelo, nós brigamos muito para que muita coisa fosse deixada, e ainda o pessoal que está responsável por isso tenho a certeza de que briga muito por isso.  Mas ainda é muito pouco. Tem regiões na cidade que temos inundações recorrentes. Isso é a tal de silvicultura urbana, esse planejamento. Quando você tem uma cidade com uma boa arborização, bem planejada, com árvores grandes, locais permeáveis, que essa água consiga entrar, teremos um micro clima melhor. Existem estudos da ESALQ, do Professor Demóstenes, por exemplo, que mostram isso. Ele mediu a temperatura em vários pontos da cidade, a área central e a ESALQ chega a dar de 8 a 10 graus centígrados de diferença de temperatura.
Isso significa que podemos baixar a temperatura da cidade plantando árvores?
Plantando árvores e deixando espaços livres, áreas verdes. Por exemplo: estacionamento, totalmente asfaltado, ali vai dar uma temperatura enorme.
Isso faz com que tenha sentido o que o pessoal com mais tempo de vida diz: “Está mais quente do que o ano passado!
Tem uma razão. Claro. As coisas na natureza não são absolutas. Se as cidades fossem melhor planejadas, teríamos cidades mais agradáveis. Hoje quando vai se fazer um loteamento a lei diz que dez por cento tem que ser conservado como área de lazer, o resto é tudo impermeabilizado. São ruas, 5% de área institucional. O material, o concreto, o cimento segura muito o calor, esquenta, o asfalto esquenta.
Em que ano você aposentou-se?
Foi em 2011.
Depois disso você enfrentou um curso de nível elevado?
Fiz um curso de pós-graduação em recursos hídricos na Escola de Engenharia de Piracicaba. Sou apaixonada por esse assunto.
O que lhe traz mais satisfação dentro da sua profissão?
Trabalhar com bacias hidrográficas. Essa relação da floresta com a água. Quando você pega uma bacia e consegue fazer ali um trabalho sério, medindo a água e vendo aquelas árvores crescendo, acompanhando tudo isso, você irá ver essa água aumentar.
Você realizou um trabalho para uma personalidade muito expressiva?
Foi para o Dr. Fernando Penteado Cardoso. Foi um trabalho na Fazenda Mundo Novo, situada em Brotas. Era uma área em que eles faziam as reuniões de gerencia, fiz um trabalho de paisagismo em uma área de mais ou menos 4 a 5 alqueires paulistas (24.200 metros quadrados cada alqueire). Ali tinha quadra, piscina, uma área em que faziam leilão de gado, tudo foi planejado, quando as pessoas vinham onde eram acomodadas, precisavam de sombra, as reuniões de gerência, como esse pessoal iria aproveitar aquele espaço. Ali foi feito um paisagismo com características de parque, a necessidade era que fosse um tipo de um parque para ser utilizada aquela área.
Quantos parques você chegou a fazer?
Foram muitos, acho que até perdi a conta de quantos foram. Parque é muito relativo. O que você chama de parque? O Parque da Rua do Porto foi feito inúmeras vezes. Participei de muitas coisas dele.
Foi você quem implantou o Parque da Rua do Porto na primeira vez?
Na primeira vez trabalhei na implantação. O projeto veio de fora da cidade, foi elaborado por um arquiteto de São Paulo. Depois ele foi destruído porque fizeram uma feira agro-pecuária logo em seguida. O parque foi implantado novamente. Plantei muita árvore lá, perdi a conta.
Mesmo assim é um parque que tem espaço para plantar mais árvores?
Têm! Só temos que definir que uma coisa é uma floresta, outra coisa é um parque! Um exemplo é a ESALQ, onde você tem áreas de vegetação densa, tem áreas livres, há um jogo de sombra e de luz.
Tem que existir a vegetação correta para o devido lugar?
Dependendo do tipo de solo, luz e sol você irá planejar o tipo de muda que irá por. Um local que tenha meia sombra não adianta querer colocar planta de luz. Tem que colocar planta que irá agüentar aquele sol. O mesmo ocorre com um local absolutamente sombreado, tem que colocar planta que agüente a sombra.
Quanto a polinização há fatores importantes nesse processo?
Existem plantas que você tem que ter um pé macho e um pé fêmea. Outras plantas são hermafroditas, são as que têm o sistema masculino e feminino na mesma planta. Algumas vezes você não tem a planta correspondente ao redor dela, mas logo a frente irá ter. A abelhinha se encarrega de fazer esse trabalho de polinização. Infelizmente algumas nascentes são sacrificadas para dar mais espaço ao plantio.
Há uma verdadeira febre de ciclovias, é um modismo?
Essa questão de bicicleta está muito em voga hoje. Não polui, é econômica, só que faz sentido quando se tem um circuito, eu não posso fazer uma ciclovia que não liga nada a lugar nenhum. Existe o plano de ciclovia para a cidade. Em inúmeras cidades da Europa as pessoas deslocam-se de bicicleta.
Você que conhece bem o exterior, a seu ver quem cuida melhor da natureza, o norte americano ou o europeu?
Acho que o americano cuida melhor. Tem inúmeros parques em muitas cidades. O pessoal de outros países está dando a devida atenção e cuidando da natureza. Na Espanha eles têm irrigação das árvores das calçadas. Você olha uma árvore na calçada, tem um caninho ao lado, é assim em todas elas, A Espanha tem um problema de água seriíssimo. Eles irrigam as árvores da calçada. Eles não podem ficar contando só com a chuva, senão as árvores não irão se desenvolver. Tem um sistema automático que a determinada hora molha as árvores. Quando você tem uma irrigação pontual não irá gastar muita água. Irriga a noite, não evapora.
O brasileiro é meio folgado nesse aspecto.
É folgado e meio!
O ideal é molhar as plantas sempre a noite?
O correto é molhar na hora que tenha menos sol, bem de manhã ou a noite.
Você foi eleita a Engenheira Florestal do Ano?
É uma indicação do órgão de classe. Da Associação Paulista de Engenheiros Florestais. Isso muito me honra.
Para Piracicaba é uma conquista e um reconhecimento?
Acredito que sim. Tem todo um trabalho, como já mencionamos, fui meio pioneira nessa área. Agora já vemos pessoas dizendo que irão fazer engenharia florestal, engenharia ambiental. Quando decidi escolher engenharia florestal há quase 50 anos, era bem diferente. Lembro-me que quando fui trabalhar na Prefeitura de São Paulo, tive uma reunião na prefeitura, uma pessoa perguntou-me: “- O que você é? Engenheira Florestal? Existe isso? O que uma engenheira florestal vai fazer em São Paulo?” É um conceito que está tão longe da nossa realidade, naquela época, no Brasil, não se falava em silvicultura urbana. Hoje existe uma matéria dentro do curso da ESALQ de ciências florestais, dada pelo professor Demóstenes. Hoje é tudo feito através de geo processamento, infravermelho. Existem levantamentos por infravermelho que você faz e pela cor você já sabe quais são os lugares mais quentes da cidade. Tínhamos um código de preservação ambiental que delimitava uma determinada área, houve uma grande pressão da bancada ruralista para diminuir essas áreas, tínhamos que deixar 50 metros de área verde de proteção à nascente, hoje são quinze metros. É muito pouco! A reserva legal era intocável. Tinha que deixar na sua fazenda a reserva legal, não podia mexer. Hoje você pode mexer na reserva legal, se tiver na reserva legal determinada planta que produza algum tipo de semente, hoje você pode comercializar essa semente. Ou seja, a reserva legal pode ser produtiva atualmente. Não temos muitos estudos a respeito, mas existem muitas essências utilizadas em cosméticos, perfumes, remédios.
O eucalipto passou por melhoramentos?
O melhoramento genético do eucalipto foi importantíssimo. Tem a importante participação do Departamento de Silvicultura que depois passou a ser Ciências Florestais, foi o Dr.. Eladio de Amaral Mello, diretor, que criou o curso de Engenharia Florestal. No inicio as mudas eram feitas pela semente, depois passaram a ser produzidas por micro-propagação. Quando se pega uma semente ela recebeu pólen de diversas origens. Não irá ter-se uma árvore exatamente igual. Na micro propagação não. Você escolhe, se tiver o fusti ( tronco)  reto é disso que eu preciso. Se vou produzir poste, não posso ter galhos, cada galho tem um nó, ela tem que ter uma desrama boa. É eleita uma árvore como matriz. Você vai lá, pega as folhinhas e faz micro propagação. Você faz muda daquela folha! Aquela muda quando crescer será igualzinha a árvore original.
Você está clonando a árvore?
Está sendo clonada!
Qual é seu ponto de vista sobre as ervas medicamentosas?
Algumas pessoas passaram a estudar mais profundamente o assunto. Dr. Walter Accorsi foi um precursor.
O que é eco fisiologia?
Dentro das ciências florestais falávamos em fisiologia, atualmente fala-se em eco fisiologia. Fisiologia de uma planta é o estudo da mesma. Eco fisiologia é o estudo dessa planta dentro do ambiente. É a interação da planta genética mais o ambiente no crescimento das árvores. A floresta nativa temos que torná-la produtiva, lucrativa.
O avanço da tecnologia contribuiu muito para esse enorme salto?
Através desse estudo que o Professor Demóstenes faz você consegue determinar em uma cidade o quanto ela tem de área verde, de parques, quanto ela tem de área impermeável. Qual é a relação entre área permeável e impermeável. Temos aparelhos que junto a árvore determinam suas condições vitais. Como a árvore está internamente, se está oca. Como país pobre, temos um aparelho aqui outro no IPT em São Paulo. No Estado de São Paulo se tivermos 10 aparelhos é uma estimativa próxima da realidade. Falo muito de Madrid, porque fiz um curso e veio uma pessoa de lá que é responsável por essa área. Ele divide a cidade, irá nomear para cada setor um responsável, esse responsável vai ter um carrinho que tem todos esses aparelhos dentro.  O técnico tem a ferramenta, são funcionários treinados. Ele olha todas essas árvores, tem uma planilha no computador, por exemplo, a arvore 1, está na rua “x” de frente ao número 10. Ele irá fazer um histórico daquela árvore. Ele pode chegar a conclusão de que as árvores 2 , 12 e a 15, não estão muito bem. As arvores 8, 29 e 32 estão ruins. As demais estão boas. Ele faz um planejamento de tal forma que as árvores boas ele irá fazer uma verificação a cada dois anos. As árvores que estão em uma situação mediana todo ano ele irá passar por lá. As que estão ruins ele irá passar a cada seis meses. Não acontece essas catástrofes que você vê aqui! Passaram seis meses, ele constata que a árvore está ruim, ela será substituída. A pessoa não precisa pedir fazer uma requisição com 10 carimbos. Sem contar o problema com a fiação, isso não existe, ela é toda embutida. A cidade de Madrid é grande, está dividida em “n” partes. O responsável em questão, chama uma equipe, corta a árvore comprometida e substitui. A árvore tem um tempo de vida, precisamos entender isso! Ela tem um prazo de validade! A arborização tem que estar sempre sendo renovada, o problema não é cortar, o problema é não plantar. Se houvesse um plantio sistemático, você teria árvores crescendo em várias etapas. O que tem que ser tirado deve ser tirado, tecnicamente está ruim tem que tirar. Se tiver fungo tem material podre! Essa lucidez que o curso de Ciências Florestais nos dá. Não é paixão! Quando você vê um governo sério fazendo um trabalho desses, as árvores sendo olhadas sistematicamente, irrigadas, adubadas, podadas corretamente, conduzidas, a árvore ornamental não é laranja, laranja você tem que podar senão terá que colocar uma escada de 30 metros para colher laranja lá em cima. Arvore ornamental tem que ter aquela copa que é natural dela.
E as árvores que são cortadas deixando apenas “os tocos” e o tronco?
Isso é um absurdo! Isso é mutilação da árvore!
O que afeta a saúde de uma árvore?

Há pragas e doenças. Praga você vê o bicho, a lagarta, o besouro. A doença você não vê, é o fungo, bactéria, vírus, pode estar até na folha da árvore. A olho nu você não irá ver nada, só no microscópio. De uma maneira bem popular essa é a diferença entre praga e doença. 

domingo, outubro 04, 2015

UMBERTO DE ALMEIDA ROCHA

Entrevista realizada a 28 de setembro de 2015
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 3 de outubro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: UMBERTO DE ALMEIDA ROCHA
Umberto de Almeida Rocha é casado com Maria da Paz Aguado Rocha
Umberto de Almeida Rocha nasceu a 30 de março de 1937,  tem 78 anos, filho de Antonio de Almeida Rocha e Ana Luiza Prando que tiveram oito filhos: Otávio, Dionísio, Georgina, José, Rosa, Ângelo, Umberto e Inês. Nasceu na época em que seus pais moravam no sítio do Pacheco, próximo ao Morro do Brandilla. Pertencia ao distrito de Rio das Pedras. Moraram no sítio dos Pardi que tinham engenho de Pinga, nas proximidades de onde é hoje o CEASA de Piracicaba. Moraram no sítio dos Ducatti. Meu pai era meeiro. No período em que moraram no sítio dos Pardi Umberto ia a Escola do bairro rural do Chicó. Quando mudaram para o sítio do Ducatti ele ia na escola do Bairro Dois Córregos. O local onde situava esse sítio atualmente é o bairro da Pompéia. A casa da fazenda estava desocupada, foi lá que moraram. Iam a pé a escola no bairro Dois Córregos. O nome da Escola era Grupo Rural Professor Corte Brilho. Ele deveria ter uns dez a onze anos. Naquele tempo ia amarrar feixe cana, cortar as pontas da cana para alimentar os animais. Umberto de Almeida Rocha é casado com Maria da Paz Aguado Rocha, são pais de cinco filhos: José Antonio, Francilene, Luiz Fernando, Ronaldo Dimas e Danilo Marcelino. Casaram no dia 13 de maio de 1962, na Capela São Dimas, hoje é Matriz São Dimas.

Quantos feixes de cana o senhor amarrava por dia?
Uns 100 feixes. Naquele tempo passava o facão, tirava a palha, cortava a ponta e cortava o pé, a cana ficava limpinha. Amarrava o feixe com a própria folha de cana. Trabalhava descalço, as vezes usava alguma alpargatas que meu pai comprava. Amarrava um lenço no pescoço, usava um chapéu de palha. Naquela época não colocava fogo no canavial, era tudo com palha, é mais difícil, tem que cortar, descascar, Essa cana ia transportada por carroça com três burros, um no tronco ou varal e dois na frente. até a carregadeira onde o trem da Usina Monte Alegre ia carregar.
Qual era em média o peso de uma carroça carregada de cana?
Com carroça e tudo dava uns 500 quilos. Era roda raiada de madeira com um cinto de ferro. Quando chovia tinha que ajudar, a roda atolava no barro. Anteriormente, lá no sitio da família Pardi fazíamos pinga, meu pai tinha cartola de pinga em casa. Tinha uma carretinha com uma pipa só para esse fim: o meeiro precisava engatava o animal na carretinha e levava. A cartola tinha capacidade para 100 litros. A pinga durava bastante tempo, descansava na cartola. Isso não vou esquecer.
Essa pinga era paga ao dono do engenho?
Eu acredito que não. Lembro-me que era feito em alambique de cobre, deixava a garapa ficar azeda, fermentada, depois colocava no alambique e acendia o fogo, a medida que ia fervendo ia subindo o vapor, que era conduzido por um cano de cobre, era a pinga. Tinha um ribeirãozinho, após passar por uma serpentina a pinga ia para uma caixa embaixo, com uma bombinha manual a pinga era enviada para o tonel. Meu pai dizia que uns 50 litros de garapa azeda dava uns quinze litros de pinga.




 O Pardi tinha uns quatro ou cinco tonéis de madeira, cada um com uns 30.000 litros. Quando saímos do Pardi meu pai arrumou um outro sítio onde plantava “a terça”, duas partes para nós e uma parte para o proprietário. Lá tínhamos também espaço para plantar a lavoura de subsistência: arroz, feijão, milho. Podíamos criar animais. Quando malhava o arroz a tarde o dono das terras ia lá de charrete para olhar, era o Ducatti, Se desse nove sacos de arroz três ele colocava na charrete e levava, os outros seis sacos era nosso. Era arroz com casca ainda. Logo o Otavio e o Dionísio, conhecido como Tino, a Georgina, casaram. Nós mudamos para a cidade. Viemos para a Vila Progresso, hoje conhecida como bairro São Dimas. Minha casa ficava na Rua Barão de Piracicamirim, Perto da minha casa tinha dois campos de futebol: do IV Centenário e do Progresso. Ficava próximo a Avenida IV Centenário, vi fazerem aquela avenida, era um barro só. Na baixada, onde hoje é CENA – Centro de Energia Nuclear na Agricultura era a Vila Souza.
Aqui em Piracicaba o senhor passou a trabalhar onde?
Na Boyes. No inicio, meu pai tinha um carrinho de tração animal, as vezes ele ia fazer um carretinho, eu o ajudava. Quando completei dezoito anos arrumei serviço na fábrica. Isso foi em 1955, na época os maiores lugares para trabalhar era na Boyes, Prefeitura Municipal e o Dedini. Entrei na Boyes como funcionário em serviços gerais. Após um ano apareceu uma vaga como operador das máquinas. Tinha 45 máquinas na seção com dois operadores, metade das máquinas para cada um cuidar. Tinha quem transportava algodão para elas, outro que transportava o algodão pronto. O operador só ficava cuidando do bom funcionamento das maquinas. O algodão chegava na Boyes em fardos, sem caroço. O algodão já tinha passado no batedor quando chegava a essas máquinas, o trabalho delas era fazer fibras de algodão. No fim passei a ser contramestre da seção que recebia o algodão e da seção onde eram feitas as fibras. Fiquei encarregado de duas seções. Trabalhei 25 anos na Boyes.
A Boyes produzia o que?
A minha seção produzia só algodão, o fio era produzido depois. Quando entrei lá eles tinham uns tearzinhos para tecer tecidos, faziam uns panos xadrez, depois começaram a renovar, tear de dois metros, faziam tecidos para lonas. Depois passou a fazer fio e embalar fio para exportar. Ela ganhou prêmio nos Estados Unidos. Os caminhões do Expresso Piracicabano ficavam aguardando embalar os fio para transportarem até o porto.
Esses fios eram usados para que?
Aqui em São Paulo quem usava muito era a Alpargatas, a Firestone, a Goodyear, faziam lonas de pneus. Hoje vejo a fábrica no estado em que está e sinto o abandono em que se encontra.
Quantos funcionários trabalhavam na Boyes?
Teve época em que trabalhavam três turmas. Cheu a te 1.300 funcionários trabalhando. Uma turma ia das cinco horas da manhã até a uma e meia da tarde. A uma e vinte da tarde entrava outra turma e saia as dez horas da noite. As dez horas da noite entrava outra turma e ia até as cinco horas da manhã. Ligava as máquinas na segunda feira de manhã e só parava domingo de manhã. Mesmo assim por uns três anos eu ia domingo até a fábrica.
Ganhava horas extras?
A cada hora trabalhada contava como três horas. Eu trabalhava seis horas todos os domingos, contava como dezoito horas trabalhadas. Era serviço que só podia ser feito com as máquinas paradas, manutenção, lubrificação.
Quem era o proprietário da Boyes?
Era conhecido como Seu Ford. Ele vinha uma vez por mês. Quando sabia que ele ia vir o pessoal caprichava em deixar a fábrica em ordem. Muito limpa. Ele entrava, com as mãos cruzadas sobre as costas, ia verificando cada máquina, visitava cada seção. Não falava nada. Isso foi até o finzinho da minha carreira. Depois ele passou para os filhos: Peter e David. Com o pai, o velho Ford, nunca houve uma reunião. Trabalhávamos sem parar. Quando seus filhos assumiram foi montada uma estrutura administrativa, a meu ver, com mais pessoas do que era necessário. Um dia eu falei com o Dr. Peter. Colocaram um gerente geral que chamava os funcionários assobiando. Um dia ele fez isso comigo, eu fiz de conta que não ouvi. Ele veio saber por que eu não havia respondido. Disse-lhe que não estava acostumado a ser chamado por assobio. Foram desde pequenas atitudes como essa até o posicionamento junto ao mercado e suas mudanças que iniciaram a decadência da fábrica. Também foram admitidos alguns funcionários administrativos sem a devida competência. Sessenta por cento da energia elétrica utilizada na fábrica eram geradas por duas máquinas que estão funcionando até hoje, graças a um canal, braço do Rio Piracicaba. Não sei quem utiliza atualmente aquela energia. Tem gravadas o nome “Elvira”. Ao lado, ocupando um quarteirão, há um palacete que pertencia ao Ford.
A Boyes fazia muita sacaria ?
Fazia sacos para açúcar; Muitos. Chegavam sete a oito caminhões com fardos de algodão. Eram descarregados com o auxilio de equipamentos. Tinha elevador,o depósito ficava em frente ao palacete. Cada fardo de algodão pesava uns 200 a 230 quilos. Nós íamos trabalhar passávamos pelo meio do jardim que existia e mais tarde o local foi ocupdo para construir o Hotel Beira Rio. Nós morávamos no que é hoje bairro São Dimas, descíamos, a pé, ali era tudo pasto próximo a ponte Rebouças havia uma fábrica de refrigerantes. Não tinha avenida. Naquela época a atual Avenida Torquato Leitão, que passa em frente ao Lar dos Velhinhos era tudo terra. Assim como o Morro das Carmelitas. Não havia naquele trecho a Avenida Armando Salles de Oliveira, era só pé de mamona, e o Ribeirão Itapeva passava no meio. A linha de trem passa a Estrada de Ferro Sorocabana. Aqui na Vila Rezende, na Avenida Conceição havia duas biquinhas de água, foram canalizadas. Tinha uma água que era um cristal! Os mais antigos dizem que era um brejeiro muito grande, até pecavam. Dona Maria da Paz, esposa de Umberto conta um fato curioso, seu pai era espanhol, residia em Piracicaba, era o filho mais velho dos filhos do sexo masculino. A sua família continuava morando na Espanha, a filha mais velha mandou uma carta dizendo que estava doente e que estava com saudade dele. Ele foi para a Espanha visitar a sua família.A viagem de navio demorava um mês. Sua irmã faleceu, ele permaneceu até a missa de sétimo dia do falecimento, e depois voltou ao Brasil. Na volta a sua filha Maria da Paz já tinha nascido e batizada como Terezinha. É que a parteira achou que a criança ia morrer, perguntou à mãe que nome daria a criança, sua mãe respondeu: “ – Põe o nome de Terezinha, tenho tanta fé em Santa Terezinha!” Seu pai na volta da Espanha fez o registro dela em cartório com o nome de Maria da Paz. Naquela época a família que ia ter nenê chamava a parteira, que vinha e ficava na casa até a criança nascer. Até o umbigo cair, depois a parteira ia embora. Uma tia, irmã da minha mãe, fez a promessa de que se eu vivesse seria batizada como Terezinha em Bom Jesus de Pirapora. E foi de fato o que ocorreu.
Como surgiu o nome Maria da Paz?
Quando casei meu apelido era Terezinha do Açougue. Era um bairro que estava começando, meu pai colocou o primeiro açougue do bairro São Dimas, ali na Vila Boyes, próximo a igreja. Os dois primeiros filhos tive em casa: José Antonio e Francilena Aparecida.
A senhora nasceu em Piracicaba?
Nasci no bairro Limoeiro a 23 de janeiro de 1940, mudei para a cidade com nove anos.
Como o casal se conheceu?
Foi em baile da Festa de São Pedro, o Umberto estava tocando acordeão. Começamos a dançar. Antigamente na véspera de São Pedro era feriado, ele tocava sanfona, o musico que tocava violão casou-se com uma prima nossa, o Tito.Outro musico tocava cavaquinho. Formava um trio. Na véspera do Dia de São Pedro era feriado, então faziam aqueles bailinhos. Umberto de posse da sua sanfona executa a música “Saudades de Matão”.
O senhor permaneceu na Boyes até que ano?
A 30 de agosto de 1980 eu me aposentei. Formei a Banda Primavera, nós viajávamos para muitas cidades como Botucatu, São Manoel, Lençóis Paulista, Tietê, conchas, Boituva Cerquilho. Éramos seis, tinha outro sanfoneiro o José Clemente. O vocalista era deficiente visual Lourenço do Prado, Valter era o baterista, o Mineirinho no contrabaixo. Tocávamos forró, valsa, bolero. Aqui no varejão vai das sete e meia até as onze e meia da noite. Quatro horas de show. Nesse mundão começava as nove horas da noite e ia até as duas da madrugada.





   


Quanto tempo a Banda Primavera executou músicas?
Foram uns quinze anos. Tocamos no Teatro São José, em Piracicaba. A faixa etária que frequentava era a maioria da terceira idade. Fui uma vez no auditório da Rádio Difusora com o meu compadre Laerte Zitelli, ele foi padrinho do meu filho. Ele trabalhava conosco na fábrica Boyes, aposentou-se conosco na fábrica. Conheci o Hilário Luccas, ele era chefe da sala do pano. A minha seção era Cardas e Batedor. “Cardeava “ o algodão e no batedor, bati o algodão e fazia um rolo. O rolo passava nas cardas e saia só o algodão, só fibras. Dalí ia para a passadeira, dali saia na maquina de fiação, depois saia a espula(bobina) com o fio.
A comida o senhor levava de  casa?
Levava a marmitinha, e como gostava! Meu irmão Otávio vinha lá da Vila Monteiro, a pé.
Os jovens da Vila Rezende não aceitavam muito rapazes de outros bairros passeando por aqui, e a recíproca era verdadeira?
Tinha a Turma do Zoca, que era muito valente. Agora estão todos já com idade mais avançada. A parte de cima do algodoal até o frigorífico era plantação de sisal (pita), utilizada para fazer corda.
Da fábrica dava para ver o Rio Piracicaba?


Na Boyes tinha a fábrica velha e a fábrica nova. Da fábrica velha, onde as vezes tinha algum vidro quebrado, dava para ver o pessoal pescando no Véu da Noiva, pescavam cada dourado! Tinha muito peixe. 

sexta-feira, setembro 25, 2015

NOÉ BATISTA DE CARVALHO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 26 de setembro de 2015.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:  NOÉ BATISTA DE CARVALHO





Noé Batista de Carvalho nasceu a 23 de outubro de 1939 em Pilar do Sul, região de Sorocaba. É o segundo filho dos onze tidos pelos seus pais João Batista Sobrinho e Maria Emília Vieira que tiveram os filhos: Lazara, Noé, Antonio, Benedita, Gabriel, Maria Alice, Joana, Maria José, João Pedro, Conceição e Paulo. Seu pai era lavrador em uma região de pequenos sitiantes que cultivavam milho, mandioca, feijão arroz, cultura de subsistência. Tinha a criação de animais, como gado, suínos, aves.
                                                       Conheça Pilar do Sul


O senhor freqüentou a escola rural?
Freqüentei a Escola Mista, eram três turmas na mesma classe. Ficava a uma distância de uns cinco quilômetros, íamos a pé, descalços, com o piquá (Bolsa com alça de ombro para carregar. Sacola simples, rudimentar.). A professora chamava-se Maria José Vaglio. Ela morava em uma casa anexa a própria escola, tinha dois filhos pequenos, a propriedade era de um tio meu. Até completar os dezoito anos trabalhei na lavoura. Eu e meus irmãos, conforme ia crescendo ia pegando na enxada. O guatambu por ser muito utilizado na confecção de cabos de enxada motivou o povo a criar a expressão “pegar no guatambu” como sinônimo de “trabalhar com a enxada”. Com 18 anos fui morar em Sorocaba, meu primeiro emprego foi ser porteiro do Hotel Vicente, hoje não existe mais. Ficava no centro de Sorocaba, próximo da ponte da Avenida São Paulo. Eu dormia no alojamento do hotel e lá mesmo tomava minhas refeições. Eu trabalhava no período noturno, das dez horas da noite até as seis horas da manhã. Permaneci aproximadamente um ano trabalhando no hotel. Nesse hotel tinha um hospede que era engenheiro da Companhia Nacional de Estamparia, a Cianê. Ele me convidou para trabalhar na Cianê, fui, trabalhava a noite.





O senhor foi trabalhar em que setor?
Eu não conhecia nada de tecelagem, quando cheguei me colocaram em um trabalho chamado de “grupamento de fios”, era a emenda dos fios. O técnico em tecelagem foi me ensinando e logo aprendi a fazer a emenda dos fios, era feita através de uma máquina. Permaneci na Cianê por um ano mais ou menos. Tinha um colega que morava no mesmo bairro, Vila Progresso, eu morava na casa da minha irmã mais velha, a Lazara, seu marido era motorista da Santa Lucinda, faculdade de medicina de Sorocaba. Esse meu colega da Cianê disse-me: “-Vamos para São Paulo!”. Perguntei o que iríamos fazer lá, ele disse que tínhamos que aventurar. De repente poderíamos arrumar um emprego em São Paulo. 
                                    "ENTRE RIOS" - a urbanização de São Paulo
Trabalhávamos a noite e durante o dia íamos para São Paulo, com o ônibus do Rápido Brasil. Naquele tempo em São Paulo não havia rodoviária, ficávamos no inicio da Avenida Ipiranga. Ali era o ponto de ônibus da Cometa, do Rápido Brasil. Isso foi em 1960.




                                    SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv

 


                      SÃO PAULO EM 1943 - 46 - HAGOP GARAGEM.wmv






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                                                                                  História Secreta de São Paulo 2   



                                                                          História Secreta de São Paulo 3   


                                                                                 História Secreta de São Paulo 4



                                         História Secreta de São Paulo 5   


                                                                               "São Paulo tem História" (Estação da Luz)

Os táxis antigamente eram das marcas Ford e Chevrolet, eram carros pretos, importados. Naquele tempo não havia táxis de frota. Os motoristas de táxi trabalhavam na parte da manhã, às vezes até as duas horas da tarde. Eles arrumavam sempre um empregado, sem registro, para trabalhar o resto da tarde e algumas horas da noite. Era tudo provisório, não tínhamos curso de motorista de praça. Só tínhamos a carteira de motorista. Os taxistas usavam gravata, quepe, os empregados nem sempre usavam. Tinha que ter um guia das ruas de São Paulo, o Guia Levi era o mais usado. Dava até multa se não tivesse o guia no carro.
Nessa época o senhor trabalha a partir de que horas?
Pegava o carro às duas horas e trabalhava até as dez, onze horas da noite. Fui morar em uma pensão na Rua Tamandaré, próximo ao então Hospital Modelo, depois denominado Hospital Samcil. Eu disse ao meu colega: “- Vamos fazer o curso de motorista de praça na prefeitura para legalizarmos a nossa vida. Fizemos uma semana de cursinho na Avenida Prestes Maia, obtivemos o certificado, começamos a pagar o INSS como motorista de praça.
O senhor chegou a presenciar cenas de violência?
Não. Em 1965 houve uma balançada em São Paulo com o assalto do Banco Moreira Salles pelos gregos. Até então São Paulo era tranqüilidade. (Em 27 de janeiro de 1965 cinco homens roubaram Cr$ 500 milhões (US$ 274 mil) de uma perua do Banco Moreira Salles, Unibanco, em São Paulo. Na ação, mataram o bancário José Pepe. Os gregos Evangelos Demetrius Flengas, Garyfalous Nicolau Krassas, Michel Basile Nikolaides, Gerasimos Andreas Tsolias e Georges Andreas Tsantilas, autores do "Assalto dos 500 milhões" foram presos um mês depois, graças à denúncia de um guarda que havia multado Michel no dia do assalto. Na época foi considerado o assalto do século. A mídia internacional teve sua atenção voltada para o fato.)


Como o senhor adquiriu o seu próprio taxi?
Naquele tempo foram lançados os carros da Volkswagen, da linha Gol 1.000, fabricaram muitos carros e não tinha procura, o pátio da Volkswagen estava cheio, o governo federal financiou e tirou taxas para motorista de praça. Compramos o carro a fiado. Era o famoso Gol BX refrigerado a ar, não tinha radiador, a cor era verde. Fiquei trabalhando, só que não tinha ponto fixo, só ficava rodando. Naquele tempo taxi não tinha uma cor padrão, era a vontade.
Já tinha o taxímetro?
Já! Como era taxi comum tinha bandeira 1 e 2 só. Quando comecei a trabalhar, ainda era empregado, não tinha taxímetro, era apenas uma tabela. Mas logo veio o taxímetro, tinha as bandeiras 1,2,3 e 4. Conforme o numero de passageiros conduzidos era o número da bandeira e aumentava o preço. Um passageiro era bandeira um três passageiros era bandeira 3, era mais caro.Logo depois isso caiu, entrou um novo prefeito que acabou com essa lei.
Como funciona a bandeira 2?
Até as dez horas da noite era bandeira 1. Das dez horas da noite até as seis horas da manhã era bandeira 2. Sábado era bandeira normal. Domingos e feriados era bandeira 2. Em São Paulo se você rodar pega passageiros, e há um ditado que diz: “Cobra que não caminha não engole sapo”. Entrou um prefeito que começou a criar pontos livres, ou seja, tinha os pontos dos motoristas antigos, um ponto numerado credenciado. No ponto livre o taxista poderia parar, fosse onde fosse o lugar. Depois para conseguir um ponto tinha que pagar uma taxa anual, na hora de licenciar o veículo. 
O senhor tinha ponto fixo?
Quando isso começou, eu requisitei um ponto na Rua Tamandaré, próximo ao Hospital Modelo. Lá permaneci até 2007. Quando completei 35 anos de trabalho requisitei a aposentadoria. Do meu tempo até 2007 foi mudando tanto o conceito de motorista de taxi, o conceito de trabalho, o sistema de taxi que cada prefeito que entrou foi regulamentando, inclusive as cores do taxi, impondo certas condições, foi havendo uma profissionalização, dando uma espécie de transparência, houve uma valorização maior do motorista de taxi.
O senhor transportou alguém famoso?
Uma pessoa famosa que conversei bem com ele foi o Garrincha. Eu peguei-o na Rua Brigadeiro Luiz Antonio, ele estava hospedado no Hotel Danubio. Ele deu abertura, conversamos bastante. Outro que transportei foi Roberto Guilherme da Silva ator e humorista brasileiro. Seu personagem mais popular é o Sargento Pincel do programa Os Trapalhões.
O passageiro geralmente gosta de iniciar uma conversa com o motorista?
Gosta! Principalmente mulher! Às vezes é uma espécie de desabafo. O tema preferido delas são problemas particulares. Já saiu uma matéria em um jornal de São Paulo onde comparavam o motorista de taxi a um padre ou psicólogo, onde as pessoas desabafavam. Choravam. Fumavam demais. Eu tinha que procurar aconselhar. Em alguns casos acredito que deve ter dado algum resultado. Aconteceu com um colega, ele pegou um passageiro para levar até o Aeroporto de Cumbica, era um executivo de uma empresa multinacional, já estava cansado desse trabalho. Entrou de mau humor no taxi, o motorista puxou conversa com ele. Em outra ocasião esse mesmo executivo tomou meu taxi e disse-me o quanto aquele motorista o tinha ajudado com suas palavras e atenção. Tem um caso que ocorreu comigo, uma mulher entrou no meu taxi, perguntou-me se ela podia fumar. Disse-lhe que pela lei é proibido, mas pelo seu nervosismo, é melhor que fume. Só não queime o banco do carro. Andamos um trecho, ela começou a desabafar, ela tinha saído do emprego, havia acontecido uns problemas. Ele pediu que a deixasse na casa da sua mãe. Foi um caso bem marcante. Outro foi de uma parturiente, quando cheguei à porta do Hospital do Servidor Público, no Ibirapuera, a criança começou a nascer! Chamei o guarda, ele imediatamente chamou uns enfermeiros que estavam por perto. Colocaram-na em uma maca e a criança nasceu ali mesmo. Uma vez eu peguei uma moça no Ibirapuera para levar em Perdizes. Ela entrou no taxi, sentou-se, imediatamente a presença dela me aliviou, é o tipo da pessoa que tem uma aura muito agradável. Perguntei-lhe se era de alguma religião. Ela disse-me que era budista. Ela me explicou muita coisa interessante sobre o budismo. Outra vez eu estava no ponto, uma mulher dirigiu-se até o meu carro, estava com uma vestimenta diferente, um vestido meio azulado, um turbante na cabeça, era uma figura muito diferente. Ela pediu-me que a levasse a um lugar que nem me lembro mais, ela era muito quieta. Minha curiosidade foi maior, delicadamente perguntei-lhe qual era a sua religião. Ela muito gentil, disse-me que era maometana. Era uma pessoa muito fina. Espalhou uma energia positiva. Pensei que se alguém carregasse em seu taxi dez pessoas como aquela por dia sairia abençoado.
O senhor segue alguma religião?
Sou Católico Apostólico Romano. Praticante.
O que mais desgasta o motorista de taxi?
Eu trabalhei durante 33 anos como motorista de praça. Nos últimos três anos eu já não estava agüentando mais. O trânsito. O barulho. Tinha rádio dentro do carro sempre ao gosto do passageiro. Ligado ou desligado. E no tipo de música que o mesmo queria ouvir.
Em média quantas pessoas o senhor transportava por dia?
É muito difícil dizer. Às vezes pegava uma corrida muito longa que um passageiro apenas ocupava um período todo. Às vezes pegava o que os taxistas chamam de “pescoço”, são corridas muito curtas, o que compensa é a bandeirada, que é zerar o taxímetro e iniciar novamente com outro passageiro.
O senhor sentia que as pessoas carregam suas próprias energias, positivas ou negativas?
Sentia na hora a energia emanada pela pessoa, tanto positiva como negativa.
Há taxistas que se especializam em um tipo de cliente ou lugar?
Tem motorista de todo jeito. Tem uns que só trabalham a noite, são especialistas em transportarem os freqüentadores da noite: bares, boates, e tudo que a noite oferece. Outros faziam ponto na rodoviária. Eu trabalhava só durante o dia, quando chegava umas cinco horas da tarde parava de trabalhar. Com o tempo ganhei experiência, muitos colegas passavam suas experiências. Quais eram os locais onde se corria mais riscos, que tipo de corrida recusar. Conforme o destino da corrida a chance de sofrer um assalto era praticamente certa. O passageiro poderia ser um assaltante ou naquele destino iria encontrar facilmente algum outro passageiro que poderia ser assaltante.
O senhor foi assaltado alguma vez?
Não. Mas percebi que um passageiro estava com a intenção de me assaltar. Disse-lhe: “Você está mal com Deus!” Ele afirmou e perguntou-me como eu sabia? Fiz-lhe ver que estava atento ao seu comportamento. Ele tinha saído da prisão, queria ir até a rodoviária, levei-o sem cobrar nada.
A antiga rodoviária de São Paulo, o Terminal Rodoviário da Luz era um bom lugar para pegar passageiros?
Era bom, muito movimentado, central, quando ainda funcionava a Estrada de Ferro Sorocabana. Quando acabou a Sorocabana foi minguando, o lugar decaiu muito, tornou-se perigoso. Quando tinha as Feiras do Anhembi eu estava lá, o movimento era bom. Antes as feiras eram no Parque Ibirapuera.
E as famosas enchentes, alguma o pegou?
Logo no começo peguei algumas, depois quem conhece São Paulo fica esperto com as enchentes. Quando via que o céu escurecia e ia vir àquela tromba d água eu ia embora. Lembro-me de uma enchente na Avenida Pacaembu, os carros rodando, eu com passageiro, entrei em uma rua na contramão e consegui escapar da enchente. No chamado popularmente como Buraco do Adhemar, em uma referencia ao túnel que existe no Vale do Anhangabaú, construído pelo governador Adhemar de Barros, ali eu peguei enchente, não tem para onde sair.
Essa sensibilidade do motorista com relação ao passageiro é fundamental?
Com o tempo ganha-se conhecimento, pelo modo como a pessoa dá o sinal para o taxi parar já se tem uma idéia do tipo do passageiro. Se tivesse um mínimo de desconfiança passava direto. Sempre fiz isso. Lembro-me de um senhor, de terno e gravata, que parecia ser um executivo. Deu-me o sinal, entrou no taxi, no meio da nossa conversa ele revelou que era general reformado. O modo de a pessoa dar o sinal, seu jeito, já diz alguma coisa. A pessoa irradia o que ela é. O que sou internamente transpira para fora. A idade, um pouco de leitura, a atenção, vai deixando-nos experientes.
A relação do taxista com outros motoristas, com motociclistas gera muita tensão?
Principalmente com motocicleta tem que se tomar muito cuidado. É Um perigo. Vi muitos acidentes terríveis envolvendo motocicletas
Em que bairro o senhor morava em São Paulo?
Moramos sempre na Liberdade, bairro dos japoneses. Na Praça Almeida Júnior. Acostumamos tanto com os japoneses que o mecânico era japonês, o médico era japonês, eles são muito dedicados no que fazem. Um mecânico japonês mudou-se para o Jabaquara, eu ia até lá, sabia que o seu serviço era perfeito.







E como era o lazer do senhor?
Geralmente viajava muito em excursões. Ia para locais turísticos, religiosos, culturais.
O senhor fazia viagens como taxista?
Fui para Atibaia, Águas de Lindóia, Varginha. Geralmente ia levar e já deixava acertado para depois ir buscar a pessoa.
Na década de 70 os postos de gasolina ficavam fechados durante o final de semana determinação do governo para economizar combustível o que os taxistas faziam?
Ficava só uma companhia de petróleo para abastecer, sabíamos que determinado posto em tal lugar estava autorizado a fornecer combustível. Só taxi que podia abastecer. Sempre enchíamos o tanque com antecedência como prevenção.
Além do Gol, quais carros o senhor utilizou para trabalhar?
Primeiro tive um Fusca, era um veículo que tinha que ser tirado o banco do passageiro ao lado do motorista, ficava só o banco de trás. Depois comprei o Gol, mais tarde comprei um carro russo, o Lada. Depois tive uma Paraty, daquelas antigas, quadradona. Depois comprei um Santana.

                            Fusca Taxi - BRASIL 1988 - TV aleman



                                   Otávio e as Letras - Trailer - Taxi Fusca 68



Como o senhor veio morar em Piracicaba?
Tenho muitas pessoas amigas, parentes, em Piracicaba. Em 2007 viemos morar no Lar dos Velhinhos.  Temos muitos amigos em São Paulo que nos telefonam. Alguns já vieram nos visitar.
O senhor acessa a internet?
Uso para enviar e receber e-mails ou pesquisar alguma coisa.



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