domingo, junho 19, 2016

WALDOMIRO SCARPARI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADO: WALDOMIRO SCARPARI

Waldomiro Scarpari, aos 83 anos, com uma disposição invejável tem prazer em trabalhar. Fica evidente a sua dedicação ao seu trabalho e aos seus clientes, embora tenha uma equipe, continua a frente do seu empreendimento. Entre relógios, peças, vendas e consertos ele faz de cada cliente um amigo. É comum de forma inesperada alguém entrar para contar uma novidade, trocar um dedo de prosa, trazer a última piada, o que torna o lugar aprazível, reina o bom humor. Isso não diminui o profissionalismo com o qual todos se dedicam. Enfim um local á moda antiga, mas com tecnologia atual. Entre suas muitas atividades, Waldomiro já foi Juiz de Paz. Talvez tenha sido um dos raros homens a ter em mãos um cheque assinado em branco, para ser preenchido, dado pelo Comendador Mário Dedini que comandava um império metalúrgico e siderúrgico. Waldomiro Scarpari tem uma das qualidades essenciais, que transforma o homem em um vencedor, a sua humildade.
Waldomiro Scarpari nasceu a 15 de fevereiro de 1933, a Rua Boa Morte esquina com Rua Joaquim André, ali havia um hotel de propriedade do seu pai, ficava a menos de duzentos metros da Estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Piracicaba, São seus pais Antonio Scarpari e Andresa Novello Scarpari que tiveram os filhos Pedro, Milton, Waldomiro, José e Tereza. Waldomiro é casado com Beatriz Scarpari, tem três filhos: Maria Cristina, Waldomiro e Marisol. Tem sete netos e quatro bisnetos.
Qual era a atividade do seu pai?
Quando faleceu meu avô ele foi trabalhar em um sítio no bairro dos Marins, com um tio meu, Mário Fornazier casado com a irmã da minha mãe.
O senhor chegou a frequentar a escola na área rural?
Estudei na Escola Rural do Bairro dos Marins, permaneci na área rural até os oito anos, depois mudei para a cidade, passei a freqüentar o Grupo Escolar Francisca de Castro na época situada na Rua do Porto. Quando mudamos para Piracicaba fomos morar no bairro Paulista, próximo ao armazém do meu tio Vitório Fornazier casado com a irmã da minha mãe, a Mariquinha, ele era ajudado pelos seus filhos Alcides e Waldemar. Hoje no local funciona o Supermercado Balan. Naquele tempo a Praça Takaki não existia, era tudo mato. Nessa época é que conheci José Nassif, uma pessoa marcante pela sua gentileza e a atenção que dispensava às pessoas. Tanto que eu era criança e ainda lembro-me dele.
No seu tempo o trem da Companhia Paulista estava funcionando?
Aos dez anos eu ia carregar mala dos passageiros que chegavam às nove e cinqüenta da noite. Com nove anos eu tive a felicidade de ser o primeiro aluno da classe isso me proporcionou tirar o diploma do curso primário um ano antes do que normalmente era comum. Tive como professores: Dona Hercília Sertem Ferraz, Professor Altino do Nascimento, o diretor do grupo era o Seu Canto. Fui engraxate no centro da cidade, lá eu conheci Pedro Natividade que é um dos maiores advogados de Piracicaba, ele era engraxate. Já éramos amigos.
O centro era muito disputado pelos engraxates?                
Era difícil ser aceito pelo grupo, existia uma palavra que os engraxates usavam quando apontava um cidadão, com a possibilidade de engraxar seu sapato. O primeiro engraxate que visse o cidadão dizia: “Narete!” Era entendido que aquela pessoa teria seus sapatos engraxados pelo engraxate que tinha dito a palavra em primeiro lugar. Se por ventura ele escolhesse outro engraxate tinha que dar uma porcentagem ao que gritou “Narete!” primeiro. É uma palavra sem um significado conhecido, criada há muito tempo, pelos velhos engraxates que ficavam na praça. Eu era um bom engraxate, tinha clientes famosos, o Ex-Prefeito Nélio Ferraz de Arruda, na época ele trabalhava na rádio, ele usava um sapato de cromo alemão, super brilhante. Além de pagar ele sempre dava uma gorjeta. Eu ia de bonde na sexta feira ou no sábado até a Vila Rezende, para engraxar os sapatos da família Dedini, do Leopoldo, das irmãs dele, engraxava 10,12 a 15 pares de sapatos deles. Eles faziam questão que eu almoçasse lá.
Como foi sua experiência como carregador de mala ainda menino?
Eu tinha uns 10 anos, mas já era bem fortinho. Tinha um casal que vendia miudezas em frente ao Mercado Municipal no final de semana e durante a semana em frente ao Bar Americano que ficava ao lado da matriz, onde depois foi construído o Edifício Gianetti. Ali o Michelle Gianetti tinha um bar, havia uma engraxataria que pertencia a uns italianos, havia também uma sede onde os carros do Gianetti paravam. Eram os carros que conduziam as pessoas para São Paulo. Lembro-me dos Gianetti: Frank, Atílio. Durante o dia eu trabalhava como engraxate e a noite ia esperar a chegada do trem. Essa mala deveria pesar 10 a 12 quilos, eu colocava nas costas. O casal ia embora, eu pegava o bonde e dirigia-me até onde eles ficavam em uma pensão na Rua D. Pedro II, eu descia do bonde na esquina da Boa Morte com a Rua D. Pedro II, passava ao lado do mercado. Deixava a mala lá e recebia pelo trabalho. O marido chama-se Raul Costa sua esposa era Dona Rute. Um dia perguntaram-me se eu não levaria a mala logo pela manhã em frente ao Bar Americano. Eles vendiam pentes, cintas plásticas, óleo para cabelo, perfume. Parei de engraxar sapatos e passei a trabalhar para o casal, eu levava a mala, ajudava a armar a barraca, às vezes ele ia fazer algum negócio ficava a senhora dele e eu. Com isso comecei a aprender a vender. Quando o Raul não estava na hora do almoço ela ia almoçar no Bar Americano e eu ficava sozinho na barraca vendendo. Eu também almoçava como eles no Bar Americano. Lá pelas cinco horas eu que fechava a barraca e levava na pensão onde eles moravam. Com o passar do tempo, um dia ele me levou junto para São Paulo, ele comprava em uma rua algumas coisas depois ia até a Rua 25 de Março. Ele não gostava muito de carregar peso, eu ia junto para carregar pacotes.
O senhor com isso foi conhecendo São Paulo?
Com isso, aos doze anos eu pegava o trem, sozinho, e ia para São Paulo. A locomotiva era a vapor. Fazia as compras em uma loja de uns espanhóis que me admiravam, me tratavam muito bem. Diziam “- Você vem sozinho menino, com dinheiro?”. Uma das vezes eu comprei meia dúzia de navalhas alemãs Solingen, no dia seguinte fui prestar as contas, o meu patrão Raul quase me mandou embora. Por causa das navalhas, que custava caro. A mulher dele o aconselhou a ter calma. Domingo às seis horas da manhã já ia montar a barraca no Mercado Municipal. Ofereci a um senhor uma navalha, dizendo que era alemã, cabo branco, ele pediu para ver. Dei o preço três vezes a mais do que eu tinha pago. Ele comprou a navalha. Na segunda feira o Raul nem estava conversando comigo. A Dona Rute sabia que eu era importante para eles. Às vezes fazia outros tipos de serviços, como ir buscar pão, leite. A tarde chegou um senhor dizendo que o cunhado dele havia adquirido uma navalha no dia anterior, ele também queria uma. No final da semana não tinha mais navalha. Tinha encomenda, até barbeiro queria comprar navalha. Na terça feira fui a São Paulo buscar navalhas. No salão de engraxate, ao lado da matriz tinha também a barbearia dos Righetto. Chegando em São Paulo comprei seis navalhas, os espanhóis ofereceram relógios de pulso, eu expliquei que o Raul tinha ficado bravo porque eu tinha comprado as navalhas sem sua autorização, os espanhóis me disseram: “-Com o relógio vai acontecer a mesma coisa”. Era novidade! Acabei trazendo três relógios. Cada relógio foi vendido por quatro vezes a mais do que tinha pago. Com isso começamos a vender relógios, navalhas. Apareceu um suspensório moderno Trouxe um jogo de cinco suspensórios de plástico, incolor. Acabei virando o comprador do Seu Raul. Nesse meio tempo, um senhor de nome Avelino, mandou fazer uma barraca mais bonita do que a nossa, como se fosse concorrente. Mais tarde esse Avelino foi dono de uma casa de armas na Rua Prudente de Moraes. Um senhor de nome Antonio, comprou a barraca do Raul, pagou caríssimo. Nessa época a barraca já vendia muito, coisas boas, mais caras. Como o Raul tinha parentes em Limeira mudou-se para lá. Mas me levou para Limeira. Raul tinha um sobrinho em Limeira, o Hélio que após algum tempo foi para Rio Claro. Em Limeira vendia-se muito relógio, acontecia de às vezes o relógio dar uma parada. Eu abria o relógio, mexia, ele começava a funcionar de novo. Tinha um relojoeiro de nome Herculano Khiel, era famosíssimo em Rio Claro. Quando eu não dava conta do relógio levava para ele. Ele dizia: “-Isso aqui é fácil, é só fazer isto, mais isto.” Com isso comecei a desmontar o relógio e a montar. Toda noite eu ia até o Herculano, aprender a trabalhar com relógio. O Raul vendeu a barraca em Limeira, eu voltei para Piracicaba. Naquele temo havia muito relógio de bolso, de pulso havia poucos. O Herculano atendia pessoas que vinham de todos os lugares. Aos domingos fervia de gente que ia levar ou buscar o relógio. Era um Deus nos acuda! O Herculano convidou-me para que ficasse na casa dele, com a sua família: esposa, dois filhos e uma filha. Os filhos às vezes permaneciam na casa de parentes, praticamente ficava sua esposa, filha, ele e eu. Já no começo eu ia buscar pão, leite, jornal. Era tratado como um filho. Trabalhava de segunda a segunda. O serviço começou a render, eu aprendi a trocar eixo, corda. limpar, palitar bem o relógio (palitar era tirar a sujeira com um palito). Ele tinha uns 200 relógios para consertar, em pouco tempo consertamos tudo. O cliente não tinha que esperar como antes. Eu gostava de trabalhar. Permaneci dois anos com o Herculano. Meu pai faleceu, eu vim embora para Piracicaba. Eles não queriam que eu viesse embora. A empresa de ônibus que fazia o percurso era a Mesquita.  Arrumei na Avenida Rui Barbosa um salãozinho, isso foi em 1947. Eu tinha 14 anos. Naquele tempo ele deu-me uma nota de quinhentos mil réis. Era denominada “Carijó”.
Nessa época a Vila Rezende era o bairro que gerava as riquezas da cidade?
As grandes empresas estavam estabelecidas na Vila Rezende, como a Dedini, a Codistil, era o bairro onde o poder aquisitivo era elevado.
Tinha um restaurante muito famoso o senhor conheceu?
Era o restaurante da Gigeta Papini. Conheci muito a Gigeta! Tinha uma polenta com frango que era excepcional. Ficava onde hoje é a loja Monteiro.




Como foi a formação da clientela?
Toda segunda feira o Herculano mandava pelo ônibus uma caixa cheia de relógios. A Avenida Rui Barbosa era duas mãos. Na sexta feira iam todos os relógios prontos e consertados. A estrada para Rio Claro era de terra, quando chovia não conseguiam subir o Morro do Boiadeiro. Aqui quando começou a surgir algum serviço eu tinha uma mesinha que trouxe de casa, umas pinças que o Herculano me deu, chave de fenda, alicate, consertava despertador, relógio de parede, de bolso ou de pulso. Às vezes a pessoa trazia, eu consertava, levava na casa do cliente, ficava lá, depois de 10, 15, 30 dias ele vinha me pagar. Ele esperava para ver se realmente estava bom. Despertador o Westclock era o mais comum. Tinha muitos despertadores Veglia, relógio italiano. O Junkers fabricado na Alemanha.  De bolso o Roscoff Patent. Patek Philippe era raro, a maioria era de ouro. Era um relógio só para pessoa de muita posse. De pulso eram comuns os relógios Omega, Cima Tissot, Zenith.  Meu irmão Zézinho vinha a pé da Rua Alferes José Caetano, 1572 trazer o almoço, ele passou a observar, a aprender e tornou-se um grande relojoeiro. Começamos a trabalhar juntos, fui para São Paulo, comprei uma máquina de lavar relógios chamada Safrany. Ela limpava 12 a 14 relógios em uma cestinha. Ai comecei a trabalhar com o Provenzano que tinha uma loja na Rua Boa Morte, no começo vinha 10 a 20 relógios, comecei a trabalhar para a Relojoaria Rubi, para o Gatti, Consomagno, Relojoaria Puzzi. Chegava a consertar 200 relógios por semana.



O senhor conheceu Giovanni (Joane) Ferrazzo ? 
 Conheci muito! Ele fabricava as vassouras marca “Elefante” na Avenida Rui Barbosa. Naquela época a linha da Estrada de Ferro Sorocabana passava paralela a Avenida Rui Barbosa, tinha uma parada próxima onde hoje é o posto de combustível conhecido popularmente como “Posto da Velha”.
O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?
O Seu Mário foi um grande amigo. Ele tinha por mim uma consideração fora do comum. Fui presidente da Sociedade Amigos de Vila Rezende por causa dele. Ele me chamou, a Sociedade estava em uma fase ruim, não tinha uma sede, nós nos reunimos em um casarão situado na Avenida Rui Barbosa, ali se reunia o Rotary também. O proprietário, Babico Carmignani cedia o prédio para nosso uso. Conheci a irmã mais velha do Mário Dedini, a Clementina, era uma pessoa fantástica. Ela teve um problema de saúde e gostava que eu a visitasse, às vezes ela telefonava e dizia: “Walmiro, vieni qui”. Eu fui engraxate da família, eles me conheciam há muitos anos. O Leopoldo Dedini ficou meu cliente. Eu ia para São Paulo trazia Caneta Tinteiro Parker 51, trazia 10, 20 unidades. O Mário não gostava de preta nem de cinza, tinha que ser vermelha ou azul. Vendi muitos relógios para eles, fiz muitos consertos. Fui a São Paulo, na Praça do Patriarca, no Unibanco, o gerente era piracicabano. Na época existia a Morro Velho que vendia ouro mil. Comprava um quilo de ouro, com o cheque do Seu Mário, em branco, só com a assinatura dele, levava esse ouro em uma firma que eu já conhecia e transformavam aquele ouro em caixas de relógio, as máquinas eu já tinha comprado, geralmente Seiko, Orient, automáticos. E depois ia a outra fábrica para confeccionar as pulseiras. Em 1972 foram fabricados 350 pulseiras e relógios de ouro, para pessoas que já tinham 25 anos ou mais de serviços prestados como funcionário da empresa. Foram utilizados dois quilos e meio de ouro. Eu administrava a liga em que eram feitos para transformar em ouro 750.
Tinha algum desenho no relógio?
Não. Só tinha uma gravação no fundo, com o nome da pessoa a data e gravado Oficinas Dedini. Quem gravava era conhecido como Cheide, hoje mora no Rio Grande do Sul. Essas homenagens eram feitas de cinco em cinco anos. Em 1977 a festa foi na casa do Seu Mário, na Rua Santo Antonio, era um quintal só para as três casas: do Armando, filho do Seu Mário na Rua Santo Antonio esquina com Rua Treze de Maio, Seu Mário  morava na casa do meio e na outra casa onde morava Arnaldo Ricciardi hoje funciona o Restaurante Montesul. Foram feitos 280 relógios e mais um determinado número de medalhas de ouro para aqueles que completavam trinta anos de serviços prestados às Oficinas Dedini. Em 1982 foi o último ano em que aconteceu isso, depois Seu Mário faleceu. Os relógios não eram mais de ouro e sim folhados a ouro. Ai a empresa começou a ter uma fase não muito boa.
O Comendador Mário chegou a ver essa fase da empresa?
Viu. A Dedini forneceu todo aço utilizado na ponte Rio-Niteroi. Naquele tempo ainda tinha a Estrada de Ferro Sorocabana, passavam 15 a 20 vagões carregados de aço. Ao que consta, o pagamento desse aço todo era feito de forma defasada do vencimento, embora os impostos incidentes já tivessem sido recolhidos.
O senhor conheceu o Comendador Humberto D`Abronzo?
Conheci muito. Assim como sua irmã Ana, carinhosamente conhecida como Aninha, ela, Renan Cantarelli, João Vendemiatti, formamos o grupo de pessoas que montamos a Sociedade Amigos de Vila Rezende. (SAVIRE). Nós fizemos uma comissão para construir a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo. Fomos falar com o Mario Areas Witier, ele nos doou um terreno. Trouxemos de São Paulo o pessoal especializado para analisar, recusaram o terreno.  Era um bom terreno, mas na época o local era impróprio pelo acumulo de água. Procurei o Seu Mário Dedini, expliquei a ele a situação. Ele pensou e disse: “-Deixa eu pensar uma coisa Miro, depois eu falo com você”. O terreno onde está situada a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo era dele, ele doou para a construção da escola. Fomos a São Paulo falar com o Governador Carvalho Pinto, por intermédio de Francisco Carlos Neves, filho do Dr. Samuel de Castro Neves, ele era assessor do governador. O Governador Carvalho Pinto nos atendeu, cuidou da planta do colégio, cuidou de tudo, conseguimos assim construir a escola. A SAVIRE distribuía cestas básicas aos carentes. Cada caso era analisado com muito critério. Fui fundador do Rotary Club da Vila Rezende junto com Jairo Araritaguaba gerente do Banco Moreira Salles. O Jairo Ribeiro de Mattos, com quem tenho muita amizade, montou o Conselho de Saúde de Piracicaba, onde eu era diretor, funcionava atrás do Mercado Municipal, ao lado do Posto de Saúde. Todos os diretores eram médicos, só eu que não era. Naquele tempo já comecei a dar uns palpites, como fazer visitas aos bairros, ver se os poços de água estavam próximos as fossas sépticas, as pessoas não sabiam que poderia haver a contaminação da água quando essas duas construções estivessem próximas, isso ocasionava muitos problemas de saúde.
Não havia a rede de esgoto?
Isso ocorria muito na área rural. Cada diretor trabalhou em uma área, eu escolhi o bairro do Godinho, onde eu tinha uma chácara. Cada diretor tinha sua atividade profissional, fazíamos essas ações voluntárias e na medida em que conseguíamos. Mas fizemos muitas ações nesse sentido. No Godinho famílias inteiras tinham problemas de saúde, eu dizia “- Vocè está bebendo água com bactérias, fecha o poço de água e a fossa séptica. Faz o poço em um lugar alto e o banheiro (com fossa) lá embaixo. Ou constrói um cômodo e faz um banheiro dentro de casa”. O poço com uma bomba pequena joga a água em uma caixa de água, por gravidade a água vem até a casa. Muitos fizeram isso. Dezenas de famílias que tinham problemas de saúde sararam. Como havia sido uma sugestão minha, fizeram questão que eu fosse o segundo presidente do Conselho de Saúde de Piracicaba. O terceiro presidente foi o Lodovico Trevisan.
O senhor participou de outras entidades?
Fui presidente do CDL- Clube dos Diretores Lojistas da Vila Rezende. Conseguimos muitas melhorias para o bairro. Fui Juiz de Paz do Segundo Subdistrito. Mário Telles era o cartorário.
Como Juiz de Paz o senhor deve ter muitos casos para contar!
Aconteceram muitas coisas, havia um Juiz de Paz substituto, que era o Severiano. Naquele tempo, quando fazia o casamento eu tinha certa ênfase. (Com ênfase e uma voz de locutor, Waldomiro repete o que dizia). “De acordo com a vontade que ambos acabaram de afirmar, perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da Lei, os declaro casados”. O pessoal começou a querer casar aos domingos. Aos sábados eu já tinha que ir lá, fazia dez a doze casamentos. Lembro-me de que fui celebrar um casamento em um determinado bairro na zona rural, onde o filho de uma das mais tradicionais famílias de Piracicaba iria casar-se. Foi marcado para o Juiz de Paz estar lá ao meio dia. Fui com o meu carro, chegando lá já havia muita gente. E o noivo não vinha. Após uma hora de espera, chamei os responsáveis e perguntei o que estava acontecendo que o noivo não vinha. Tinha viajado? Não irá vir mais? Disseram que ele teve um mal estar, mas estava ali. A uma hora e meia da tarde ele apareceu. Completamente bêbado. Quase não parava em pé. Perguntei-lhe o nome, ele balbuciou. Chamei o responsável, disse-lhe: “Sou Juiz de Paz, tenho uma responsabilidade, não posso fazer esse casamento. O homem está completamente bêbado!” Tentaram contemporizar. Neguei-me a realizar o casamento com o noivo naquelas condições. Peguei o meu carro e vim embora. Deu o maior sururu. Principalmente pela importância da família, rádios, jornais, exploraram o assunto. Criticaram-me muito. Relatei ao Mário  o ocorrido, ele era um homem de poucas palavras, cumprimentou-me pela atitude e disse que ele iria destituir o Juiz de Paz que realizasse um casamento naquelas condições. Fui procurado pela mídia. Disse que o noivo tinha tido um mal súbito, não contei sobre o estado lamentável do mesmo. Em seguida pedi demissão do cargo de Juiz de Paz.
O senhor foi presidente do Lar Betel ?
Fui por dois anos, quando assumi tinha uma série de problemas, quem me pediu para assumir foi  Antonietta Rosalina da Cunha Losso Pedroso, diretora do Jornal de Piracicaba. Tive a felicidade de ter como diretores: Flávio Risolo, Dalgo Migliolo, Reinaldo Meneghini. Nino Gobim e seu filho Marco, Comendador Antonio Lubiani. Esse pessoal me ajudou muito. Conseguimos todos os colchões novos, roupas de cama, cobertores. Terminamos um pavilhão, contratamos uma jovem que fazia planejamento de tudo, contratamos também uma nutricionista. Ao lado do Lar Betel tinha um casarão velho, pedi ao prefeito Adilson Benedito Maluf, nós ganhamos aquilo lá. Jairo Ribeiro de Mattos era deputado estadual, nos deu uma Kombi, para fazer mercado, levar idoso para a Santa Casa.
O senhor participa da ACIPI?
Desde 1970 sou diretor da ACIPI – Associação Comercial e Industrial de Piracicaba. Conheci muito Telmo Otero, fomos nós que construímos o prédio onde está instalada a ACIPI. A Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Empresários de Piracicaba (Coopcred) foi implantada por José Antonio de Godoy que me nomeou como coordenador da construção em um terreno de 1.350 metros quadrados. Tive muita colaboração de toda a diretoria. Atualmente sou diretor de Patrimônio da ACIPI.  Já fui diretor de: eventos, relações públicas. Ser diretor da ACIPI é uma escola, é um laboratório, algo maravilhoso.


CHRISTOVAM VAZ

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com  2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
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ENTREVISTADO: CHRISTOVAM VAZ
Christovam Vaz do alto dos seus quase 89 anos é um exemplo de que o ser humano pode atingir seus objetivos mesmo em condições adversas. Violinista, professor de violino, com muita garra, homem de princípios elevados, aproveitou cada momento que teve para realizar seu sonho de ser músico. Foi agricultor, comerciante, corretor de imóveis, por vinte anos atuou como motorista de taxi em São Paulo, sempre com o violino no porta malas do automóvel, para nos poucos momentos de folga estudar música e violino. Garantiu o sustento da sua família, trabalhando muito, sem deixar a arte de lado. Hoje tem uma família unida e três violinos, amigos inseparáveis. Escreve poesias, letras de música, foi Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS, fundada em 1975 pelos maestros Ary Vieira e João Fonseca da Rocha, elogiada entre outros, pelos maestros Souza Lima, Isaac Karabitchevsky e Eleazar de Carvalho. Christovam Vaz por três anos foi voluntário do CVV de Sorocaba. Atualmente Christovam Vaz e sua esposa Elisa da Encarnação Diogo Vaz residem em Piracicaba.
O senhor nasceu em que data?
Nasci no dia 20 de outubro de 1927, em Coroados, noroeste do Estado de São Paulo. Meu pai é Casemiro Vaz e minha mãe é Alexandrina dos Prazeres Vaz que tiveram os filhos: João, Guilherme, Clotilde, Alzira, Manoel e Christovam. Meus pais vieram de Portugal, casados, meu pai era marceneiro. Inicialmente foram morar em Birigui e em seguida em Coroados. Infelizmente ele faleceu precocemente, com hanseníase. Na época eu era muito pequeno, guardo poucas lembranças. Eu era o filho caçula, tinha uns dez a doze anos. Moramos um período em Sertanópolis, no Paraná. De lá viemos para a cidade de São Paulo.
O senhor fez o curso primário em que escola?  
Estudei no Grupo Escolar da Vila Guilherme. Tinha que trabalhar, fui trabalhar em uma fábrica de vidro, a Nadir Figueiredo, que ficava no Belém. Meu serviço era junto ano forno.
O senhor era praticamente uma criança e trabalhava junto ao forno?
Eu fazia o possível para chegar mais perto e jogar água fria, para manter constante a temperatura do forno. Essa atividade era considerada insalubre, com isso eu recebia uma espécie de subsidio. As peças de vidro eram montadas em uma máquina e nós as levávamos para o forno. Um forno especial para recoser aquelas peças. As peças saiam do forno já preparadas.
Como era feito o vidro?
Há duas origens: os cacos de vidros ou montado com a matéria prima: areia, barrilha e demais componentes. Usávamos barrilha substituindo o sabonete ou sabão para lavarmos as mãos ao sair do serviço, ou para almoçar.
A Nadir Figueiredo produzia que tipos de produtos?
Produzíamos copos, jarras. Já era uma empresa grande quando trabalhei lá.
O senhor chegou a conhecer Nadir Figueiredo?
Havia até uma brincadeira entre nós, dizíamos quando ele chegava: “O homem está chegando!”, isso porque sentíamos o perfume do charuto que ele costumava fumar.
O senhor teve outra atividade na empresa Nadir Figueiredo?
Após trabalhar na produção das peças em vidro, fui trabalhar na lapidação, tinha que ter o dom artístico para trabalhar na lapidação. Fazia desenhos no vidro. Havia uma pedra junto a uma espécie de torno de madeira, que era manipulado junto ao vidro branco ou colorido. A peça lisa era marcada por esse torno de madeira, era riscado o que seria feito depois. O desenho não era a mão livre, era feito na máquina depois era lapidado.
Havia algum tipo de proteção: óculos, luvas?
Não usávamos, não havia nenhum tipo de preocupação exagerada. Naquele tempo não tinha, hoje há equipamentos especiais de proteção individual.
Nessa época o senhor morava com a sua família?
Morava na Vila Maria. Naquele tempo o movimento na Vila Maria era pequeno. Eu trabalhava no Belém, na Rua Passos. A empresa através de alguns diretores, montou uma divisão da Nadir Figueiredo, no Belém mesmo, mas em outro endereço, depois de algum tempo fomos trabalhar em uma unidade situada na Rua Voluntários da Pátria, em Santana. Lá trabalhei como lapidador. Lapidador era considerada uma profissão. 
A empresa Nadir Figueiredo produzia vasilhames como garrafas, por exemplo?
Na época, que eu me lembre não produzia. Eram mais jarros e copos. Havia também uma produção de cristal, as peças eram fabricadas utilizando o que chamávamos de cana. Na ponta havia uma bolinha, mergulhava-se no vidro líquido e levava para a máquina, era a máquina que dava o formato da peça. Antes soprava com a boca a ponta da cana para injetar ar e dar inicio ao processo. Era um serviço onde só os adultos trabalhavam. Criança era só para criar o vidro. Eu era criança, já tinha saído da escola para trabalhar.
Da sua casa até o trabalho, qual condução o senhor utilizava?
Ia de bonde! Ali na nossa região não havia o bonde fechado, conhecido como “camarão”, só existia bonde aberto. Andava meia hora a pé para pegar o bonde. As ruas eram todas de terra, quando chovia andava com um chinelo dependurado nos ombros, ia descalço, quando chegava ao serviço lavava os pés e colocava o chinelo. Nesse tempo o Rio Tiete era limpo, andavam de barco, nadavam. Inclusive eu e outras pessoas pegávamos um barco na Vila Maria Alta, havia a Vila Maria Baixa. Íamos passear até o Corinthians. Lá havia uma ponte de madeira, nós conhecíamos a região como Parque Novo Mundo.  Naquela época havia um zoológico, na Rua 7,  uma lembrança que muitos guardaram é que o dono do zoológico faleceu sob a pata de um elefante
Até que ano o senhor permaneceu trabalhando na Nadir Figueiredo?
Permaneci até 1947, quando me casei.
Como o senhor conheceu sua futura esposa?
Na escola! Foi lá que conheci Elisa da Encarnação Diogo Vaz, minha esposa. Tivemos dois filhos, Diogo e Elisabete. Temos sete netos e dois bisnetos. A Elisa morava a duzentos metros da minha casa quando nos conhecemos, íamos e voltávamos da escola juntos. Naquela época éramos crianças. Quando Elisa completou 16 anos e eu tinha 17 anos começamos a namorar. Antes de casar Elisa trabalhou seis anos na São Paulo Alpargatas situada na Rua Almeida Lima. 

                                      Elisa da Encarnação Diogo Vaz e Christovam Vaz

A senhora chegou a trabalhar na fabricação do famoso calçado alpargatas?
Naquela fábrica fazíamos alpargatas, tapetes, lonas. Quando nasceu a minha filha deixei de trabalhar na Alpargatas.
Após o senhor sair da Nadir Figueiredo qual foi a sua próxima atividade?
Fui trabalhar em um bar em sociedade com meu irmão Manoel, o bar ficava no Alto da Vila Maria. Permaneci uns dois anos. Em seguida adquiri um empório, junto com a minha esposa. Era o “Empório São Judas Tadeu”, ficava no Jardim Japão.  Permanecemos por seis anos com esse empório. Em seguida fomos para Arthur Alvim onde ficamos três anos com um bar. De lá fomos para a Rua Antonio de Barros, no Tatuapé, como proprietários de um bar. Após vender esse bar, adquiri com um sócio um bar na Avenida São João, em frente ao Cine Pomodoro. O sócio faleceu. Foi uma experiência difícil, as imediações eram freqüentadas pela “malandragem” da época. Perto da Folha de São Paulo, na Alameda Barão de Limeira, era um local mal freqüentado, até o odor era marcante, cheirava mal. Vendemos o bar para nos livrarmos daquilo. Naquela época a rodoviária não existia ainda, foi construída depois nas imediações. Decidi mudar de atividade, com meu cunhado Manoel, fui ser corretor de imóveis. Tinha escritório na Praça da Sé. Além das vendas e locações vendíamos terrenos em loteamentos, como no Butantã, na Avenida Raposo Tavares. Ganhei muita experiência com essa atividade.
Após encerrar a carreira de corretor de imóveis qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar como taxista. Trabalhei nessa profissão por vinte anos, em São Paulo. Trabalhei sempre com Fusca, das mais diversas cores: amarelo, cinza, azul. Trabalhava durante o dia, quando tinha movimento avançava até as dez horas da noite. Meu ponto era fixo, ficava no bairro Pompéia, naquele tempo o ponto já tinha telefone. Passei a trabalhar com taxi para poder estudar violino.
Quando o senhor passou a gostar de música?
Quando nasci! Ainda pequeno já tocava violão, cavaquinho, ainda muito pequeno eu já cantava afinado. Meu irmão mais velho executava musica com o cavaquinho, eu ainda muito novo, quando percebia que havia uma mudança de notas acompanhava já bem afinado. Isso no interior, no meio do mato. Na época trabalhávamos no sítio, próximo a Sertanópolis, no Paraná.
Sua paixão pelo violino nasceu quando?
Eu tinha atração não só pelo violino como pelo violão também. Onde estávamos não havia cursos especializados, estudávamos “a olho”. Sem método. Após vir para São Paulo, depois de muitas experiências, passei a estudar violino metodicamente.
O primeiro violino que o senhor adquiriu foi quando?
Comprei um violão na Casa Di Giorgio, em 1946, pagando a vista.  Eu estava com meu irmão quando adquiri esse violão, é um instrumento com 70 anos! O violino eu adquiri em 1950. Não era um violino de origem famosa, mas tinha boa qualidade. Conheci um professor que passou a me dar aulas de violino.
O senhor também gosta de serestas?
Gosto e muito! Fiz muitas serenatas, em especial para minha namorada, atualmente minha esposa. Tinha um amigo que cantava divinamente.
Qual era a reação da senhora? Era um sinal de que a moça estava ouvindo, acender a luz do quarto, a senhora acendia?
Meu pai não gostava. Mas eu abria a janela.
Christovam completa:
Havia um acordo entre nós seresteiros, íamos fazendo serestas para as namoradas ou pretendentes de cada um, com isso varávamos a noite tocando e cantando. Tinha um senhor que morava na Vila Maria e mudou-se para o Ipiranga. Fomos fazer uma serenata para a filha dele. Ele veio nos atender, gentilmente, pediu que entrássemos o enamorado era o Alfredinho. Ele muito tímido foi embora logo, nós amanhecemos na casa desse senhor, comendo e bebendo a vontade. Éramos sempre belissimamente recebidos. Era raro oferecerem alguma recepção, mas sempre nos escutavam.
Em que ano o senhor e sua esposa casaram-se?
Casamos no dia 5 de abril de 1947, temos 69 anos de casados. A cerimônia foi na Igreja São José do Belém. Tínhamos que nos confessar antes do casamento, fomos, era uma sexta-feira Santa, estávamos na fila da confissão, ela e eu, houve algum problema com o padre, ele deixou o confessionário e não voltava. Após uma longa espera decidimos ir embora.
Como taxista o senhor teve inúmeros tipos de passageiros.
Sem dúvida. Inclusive dois assaltos, que se considerarmos o tempo em que trabalhei, 20 anos, está bom demais! Não foram violentos, não agrediram. Em um dos assaltos os assaltantes deixaram-me na Estrada de São Miguel Paulista. Pegaram um pouco de dinheiro que eu tinha, o violino, que estava no porta malas, eles não mexeram. No dia seguinte a polícia trouxe-me o carro de volta. Certa ocasião eu estava na Avenida São João, centro de São Paulo, esperando o farol abrir, vi uma pessoa esperando um taxi, parei, o “passageiro” entrou no carro, nisso ia entrar um segundo passageiro, estavam juntos, a policia chegou! Já estava de olho neles, prendeu-os e já me dispensou. Eu sou muito devotado a crença do amor, da bondade. Na crença do crédito perante Deus.
Trabalhando como taxista o senhor conseguia ter tempo e disposição para estudar violino?
Eu queria estudar, mas não tinha tempo nem como estudar. O meu estudo musical foi sempre meio difícil. Quando adquiri o taxi além de trabalhar eu sempre dava um jeito de estudar no Conservatório de Guarulhos, onde estudei por cinco anos.
O senhor através do tempo adquiriu conhecimento suficiente para tornar-se professor de violino?
Foi um bom curso, mas como eu necessitava dividir minhas tarefas, estudar e trabalhar para manter a minha família, deixei de aprofundar-me mais, da forma que eu gostaria, no estudo do violino e da música. O importante é que fiz o curso completo.
O senhor tocou violino em orquestra?
Toquei no Conservatório Amador de Guarulhos. Éramos chamados a tocar em diversos locais. Tocamos por duas vezes no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei como profissional na Orquestra de Osasco, mas a política, que no momento não recordo os detalhes, desmontou a orquestra.
O senhor mencionou Araçoiaba da Serra, qual é a relação do senhor com essa cidade?
Lá adquirimos um empório. Adquirimos uma chácara de 4.000 metros. Assim que cheguei à cidade, indicaram-me um maestro, João Fonseca da Rocha, uma grande alma. E ele me aceitou. Passei a integrar a orquestra. Gravamos o Hino Oficial de Araçoiaba da Serra na cidade de Tatuí. Eu era Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS.
Atualmente o senhor faz poesias?
Tenho poesias que faço, algumas já foram publicadas. Procuro expressar o melhor que o ser humano tem dentro de si.
O que a música significa para o senhor?
Sem ela eu não seria nada. Eu precisaria ser musico conhecer música, para completar a minha existência. Um grande pensador já disse que a música é a arte divina por excelência.
O senhor lembra-se com saudade de Araçoiaba da Serra?
Hoje me emocionei (chorou) quatro vezes ao ouvir o Hino de Araçoiaba. Lugar santo, divino onde morei por 22 anos. Além da música fizemos grandes laços de verdadeiras amizades. O Universo é dirigido pelo amor, veja a força que o amor tem! Quem usou essa força foi o Criador!


Poesia que o Sr. Christovam fez à sua esposa Elisa: A minha amada e/ querida Elisa/ Meu segredo vou revelar/Dizendo a toda gente/ Por que tão derrepente/ Meu coração reprimido/ Dentro de um peito partido/ Vive feliz a cantar.  Porque não dizer tudo agora/ Com verdadeira mansidão/ Tirar de dentro prá fora/ Toda minha devoção/Revelando meu intento/Quero a todos confessar/ Estou cansado, não agüento: Meu desejo é te Amar! 

sexta-feira, maio 13, 2016

JOSÉ FERREIRA (ZÉ PRADÃO)

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de maio de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: JOSÉ FERREIRA (ZÉ PRADÃO)



José Ferreira desde muito cedo começou a gostar de escrever. Aos quatorze anos já escrevia com regularidade. Extremamente observador dos hábitos e costumes, procurava registrar os fatos que presenciava ou ouvia falar. Em pouco tempo tinha acumulado uma série de cadernos, com registros históricos de uma época. O destino quis testar sua tenacidade e sua vocação, um dia ao voltar do seu trabalho ao local onde morava, só encontrou as cinzas de um incêndio. O que um dia tinha sido seu maior bem, seus escritos, agora estavam destruídos. O choque foi grande para ele. Mas a vida tinha que continuar. De origem humilde, teve que trabalhar ainda muito cedo para ajudar a compor os escassos ganhos da família. Com o passar do tempo, o sonho maior falou mais alto, e aos poucos José retornou a escrever. Hoje já aposentado, quase de forma compulsiva ele escreve. Escreve muito. Com letra caprichada, vai dia a dia preenchendo grossos cadernos. Desperta a curiosidade natural de alguns. Outros julgam que é apenas um capricho. Mas aos poucos ele vai revelando o interior do seu ser, a sua extrema capacidade de observação de hábitos e costumes, e transforma tudo isso em contos, poesias, frases. Um historiador e escritor nato. Nascido a 5 de maio de 1942, a Rua XV de Novembro entre a Rua Aquilino Pacheco e a Rua Silva Jardim no Bairro Alto, em Piracicaba. José em seus escritos aborda de formas diferentes, em histórias, poesias, frases, o cotidiano. É uma escrita pura, que nasce do seu intimo, de suas observações. Um autêntico artista que apesar de não aquecer as cadeiras das escolas por muito tempo se expressa de forma objetiva, artística. Um grande valor literário, sem dúvida.



Onde hoje é o Estádio Barão de Serra Negra tinha o que naquela época?
Tinha um bosque, eu brincava ali quando criança. Já existia aquela árvore frondosa que permanece até hoje, a sapucaia. A fruta dela tinha o formato de coco com uma espécie de tampa, quando amadurecia aquela “tampa” caia. Dentro havia uma espécie de noz. .Em frente ao Cemitério da Saudade havia um largo, éramos crianças, um pegou uma enxada, outro pegou o rastelo, e decidimos fazer um campinho de futebol ali. No bosque havia um bambuzeiro, fomos lá e pegamos uns bambus grossos, fizemos a trave, quando marcávamos um joguinho contra algum time adversário pegávamos cal e marcávamos as linhas do campo.
Qual era a atividade do seu pai?
Era pedreiro, seu nome era Antonio Ferreira e minha mãe chamava-se Dulcilia Conversa Ferreira. Eles tiveram os filhos: José, Maria Luiza, Ana Maria e Alcides.
O senhor estudou em qual escola? 
Comecei no Grupo Escolar Alfredo Cardoso, naquela época era atrás da Igreja Bom Jesus. Depois eu fui para o Grupo Escolar Prudente de Moraes que ficava onde hoje é o Museu Prudente de Moraes, na esquina da Rua Santo Antonio com a Rua Treze de Maio. Como eu era muito novo minha mãe me trazia a pé do Bairro Alto até a escola. Consegui voltar ao Grupo Escolar Alfredo Cardoso, no prédio que está até hoje. Antes ali tinha sido estação de trem da Estrada de Ferro Sorocabana, nós chamávamos ali de Largo da Estação. Estudei até o quarto ano primário. Ai eu comecei a trabalhar.
Em que local foi seu primeiro emprego?
Com aproximadamente treze anos fui trabalhar para a Prefeitura Municipal no “Rec-Rec”. O serviço era tirar grama dos vãos entre os paralelepípedos e a grama que nascia no leito carroçável, sarjetas.  Trabalhava a maior parte do tempo com a coluna dobrada, o chefe não era fácil, se desse uma paradinha ele dizia: “Vamos, vamos...”. A água era armazenada e servida em um corote de madeira. Entrava no serviço as sete horas da manhã, parava para almoçar as dez horas, as duas horas da tarde tinha café com leite. A nossa sede era na Avenida Dr. Paulo de Moraes, no prédio da prefeitura. Só que nosso chefe dizia: “ Amanhã vamos começar o serviço em tal rua”. As ferramentas eram levadas pela prefeitura para essa determinada rua na véspera.
Como eram as ferramentas?
Sabe esses arcos de barril? Íamos a diversos lugares, pedíamos aqueles arcos de barril, nós é que tínhamos que ir atrás, não era a prefeitura. Tinha os mais largos e os mais estreitos que chamávamos de ferrinho. O maior era usado em touceira de grama. Quando era touceira muito grande usávamos a enxada. As ferramentas eram amoladas com lima
Quanto tempo o senhor trabalhou no “Rec-Rec”?
Trabalhei quando o prefeito era o Dr. Samuel de Castro Neves.
O senhor chegou a conhecer o Teatro Santo Estevão?
Conheci! Inclusive tenho uma história relacionada ao prédio do Teatro Santo Estevão. Naquela época eu estava estudando das duas e meia às cinco e meia da tarde no Grupo Prudente de Moraes, que era onde é o Museu atualmente. Minha mãe me levou até a escola. As cinco e meia eu saí e passei em frente ao Teatro, bem na frente da porta do Teatro Santo Estevão quando fui descer a guia, vi algo embrulhadinho, Peguei e olhei, eram Cinco Mil Réis! Ali tinha um ponto de carro de praça (taxi). Coloquei no bolso rapidamente, desci a Rua São José, entrei na Rua Governador Pedro de Toledo, desci a Rua Moraes Barros, correndo sempre, virei na Rua José Pinto de Almeida, subi a Rua XV de Novembro, cheguei em casa quase sem fôlego, minha mãe perguntou-me por que eu estava correndo tanto. Contei o que tinha achado. Minha mãe quis saber onde eu achei. Contei toda a história para ela. Ela mandou que eu permanecesse com o uniforme da escola, ela se aprontou, disse-me: “-Vamos aonde você achou o dinheiro!” Fomos a pé até o Teatro. Ela quis saber em que lugar eu havia achado aquele dinheiro. Mostrei o local. Ela perguntou-me se alguém viu. Eu respondi-lhe que era possível que os motoristas de carro de praça tivessem visto. Minha mãe foi e perguntou ao Mingo Fantasia, que era um dos mais antigos motoristas de carro de praça. Ele morava perto de casa, na Rua Moraes Barros em frente ao Grupo Escolar Alfredo Cardoso
Ela disse: “Seu Domingos, esse é meu filho, o senhor conhece, ele disse que achou esse dinheiro aqui. “Seu Domingos respondeu: “- Ele achou mesmo Dona Dulcilia. Nós vimos quando ele abaixou e depois vimos àquela criança correndo. Fomos ver atrás do Teatro se não tinha ninguém o ameaçando. Nós vimos ele achando”  Minha mãe deu até um suspiro. O Seu Domingos disse: “A senhora veio lá do Bairro Alto, a pé só para confirmar?” Minha mãe respondeu: “Eu tenho que confirmar”.
Nessa época o senhor  trabalhava como pedreiro?
Ele já estava trabalhando no Cemitério da Saudade, junto com o me pai, o nome dele era Antonio Ferreira, mas era conhecido como Pradão. Isso porque na entrada do cemitério tem uma imagem do Pradão com um livro. Quando ele começou a trabalhar lá colocaram o apelido e ficou conhecido como Pradão. Quando ele faleceu a nota dizia que tinha falecido Antonio Ferreira, o Pradão. Ninguém o conhecia por Antonio.

João de Almeida Prado é conhecido como homem do livro no cemitério, diz a lenda que de vez em quando o livro está em sua mão e as vezes no chão





ANTONIO (JÁ FALECIDO) IRMÃO DE JOSÉ FERREIRA 
Entrevista dada â alunos do Curso de Jornalismo da UNIMEP

Você tem apelido?
Quando eu jogava no time “Paulistano” que ficava no Bairro Alto, na esquina da Rua Silva Jardim, o Ari Rizzo tinha uma lojinha na Rua Moraes Barros bem em frente ao campinho. O Hugo Olivetto (Que por algum tempo ficou conhecido como um dos homens mais pesados de Piracicaba, chegou a fazer até propagandas comerciais em função da sua condição física), morava ali perto. Fomos falar com o Ari, estávamos formando um time, queríamos adquirir um jogo de camisas, só que não tínhamos dinheiro, pagaríamos quando pudéssemos. Ele nos deu 12 camisas. No time tinha o José Zambello, branco. Combinamos eu era Zé Preto e ele Zé Branco. Era uma época diferente, havia pureza de sentimentos. A escola era uma beleza, um silêncio! No Grupo Prudente de Moraes tive como professora Dona Célia.
Qual foi o próximo emprego em que o senhor trabalhou?
Fui trabalhar em uma selaria na Rua Governador Pedro de Toledo, quase na esquina da Avenida Independência, de propriedade de Marcelo, o Marcelino Mendes e do Toninho eram irmãos. Um tomava conta da loja e o Marcelo tomava conta e nos ensinava o ofício atrás, no barracão. Depois eles compraram do Augusto Baldo a selaria na esquina do mercado e daí mudaram-se para lá. Eu passei a trabalhar para o Laerte Tremacoldi, ele tinha uma fábrica de barcos, atrás do Grupo Alfredo Cardoso, os barracões estão até hoje lá. A parte debaixo do barracão era a fábrica de barcos. Comecei fazendo limpeza, aos poucos ele foi me ensinando a parte de pintura, apertar parafusos nos barcos. Após algum tempo sai e fui trabalhar com o meu pai. Eu tinha uns quinze anos.
O primeiro dia em que o senhor foi trabalhar com o seu pai, no Cemitério da Saudade, qual foi a reação do senhor?
Foi normal. Entramos meu irmão e eu. Naquela época não se usava o pedrisco para fazer concreto, Meu irmão e eu ficávamos de segunda feira até sábado quebrando aqueles pedaços de tijolos, em cima de uma pedra de paralelepípedo.No sábado nós a peneirávamos e mediamos em uma lata de dezoito litros. O empreiteiro Firmino José Ribeiro chegava, outro empreiteiro era o Xoxo. Nós mediamos, meu pai marcava. Ele dizia: “Os meninos quebraram tantas latas de pedrinha”.  Eles pagavam o meu pai, quando chegava aos sábados, meu pai dava um mil réis para nós. Íamos ao cinema São José, meu irmão e eu, quando chegávamos, na portaria tinha um senhor já bem idoso que vendia um doce baratinho chamado de mata-fome. Comprávamos uma para cada um de nós e subíamos para assistir filmes de bang-bang com Tom Mix, Buck Jones, Roy Rogers. Não deixava de ir um sábado sequer. Na Igreja Bom Jesus tinha o Cine Paroquial, lá não pagávamos nada. A molecada pobre do bairro lotava o Cine Paroquial. Naquele tempo usávamos ainda calças curtas e pé descalço. Fui colocar uma alpargata no pé aos quinze anos. O pessoal chamava a Alpargatas Roda de “enxuga-poça”. Um dia uma vizinha chegou para a minha mãe e disse: “Dona Dulcilia, experimente esse sapato no pé do Zézinho, assim eu era chamado no bairro, era do meu filho”. Minha mãe pegou, agradeceu, experimentei o sapato. Parece que tinha sido feito para mim.  Foi meu primeiro sapato, eu tinha quinze anos. Foi uma festa. Eu disse ao meu irmão: “Você vai de alpargatas e eu vou de sapato”. Passou um tempo e ela apareceu com outro par de sapatos, perguntou à minha mãe: “-Vê se serve para o Nenê”, que era o apelido do meu irmão Antonio Ferreira Filho. Era meio grandinho, mas minha mãe enchia de jornal na ponta e deu certo. Meu irmão disse-me: “Não é só você que vai de sapato, eu também vou!. Essa vizinha era casada com Ernesto Furlan, eles moravam ao lado da nossa casa.
















No cemitério o senhor após algum tempo quebrando pedra mudou de função?
Passei a ser servente, fazia massa, dava os tijolos. Naquela época eu era servente de Antonio Ferraz, conhecido como Nico, irmão do Xoxo. O nome do Xoxo era Aristides José Maria, ele era conhecido como Xoxo desde quando jogava futebol no Palmeirão, no Palmeirinha. Lá ele ganhou o apelido de Xoxo que permaneceu por sua vida e em suas obras no cemitério. Ele colocava uma plaquinha com o nome Xoxo em cada tumulo que fazia. Isso motivou até um fato engraçado, um pessoal da zona rural encomendou um tumulo. Quando ficou pronto chamaram a família para ver. Um dos parentes, desconfiado, bateu no tumulo, e disse: “Não sei não se vai durar muito!”. Os demais quiseram saber porque, ele mostrou a placa escrito Xoxo e disse : “ Olha ali” . Foi quando o Xoxo teve que explicar toda essa história. Lá no cemitério trabalhava também Antonio De Sordi, pai do De Sordinho (Nílton De Sordi que jogou na Seleção Brasileir). Ele era empreiteiro e trabalhava para o Xoxo. Eu trabalhava um pouco com ele e um pouco com o Nico. O De Sordi, assim como os pedreiros daquela época era exigente. Saia às cinco horas da tarde, quando faltavam uns quinze minutos ele dizia: “Pode pegar as ferramentas e lavar”. Tudo tinha que ser muito bem lavado, a colher de pedreiro, enxada, o caixão de massa. Hoje geralmente deixam do jeito que está. O Xoxo montou a marmoraria juntamente com seu sobrinho Osvaldo Perina, o apelido dele era Zito, como sócio. Naquela época chamava-se Marmoraria Bom Jesus. Artur José Maria, filho mais velho do Xoxo ficou tomando conta das obras do pai no cemitério. O Xoxo ficava mais na marmoraria. Eu comecei a trabalhar com ele, já como pedreiro. Era ele, eu e um senhor de idade que nós o chamávamos de “Seu Zico”. Ele era nosso servente, e praticamente um pai para nós. No fim o meu pai começou a empreitar obras por conta própria.. Éramos nós dois ele e eu. Na época havia uma concorrência agressiva, outro empreiteiro fica observando o cliente acertando o serviço com algum construtor. Quando o cliente saia o empreiteiro que estava de olho abordava o cliente e fazia por um preço menor o mesmo serviço. Era uma guerra. Meu pai percebendo o procedimento ocorrido algumas vezes, fez um documento onde o contratante assinava um termo de compromisso, nos termos de uma duplicata. Ele dizia: “- Vou fazer o serviço, quando terminar eu aviso e o senhor paga a duplicata”. Até que meu pai ficou enjoado daquela concorrência o tempo todo e decidiu parar.










O senhor deve ter histórias memoráveis ocorridas no cemitério.
Lembro-me de uma senhora que procurou o meu pai e disse: “-Pradão, quanto você cobra para erguer uma segunda gaveta no tumulo de minha propriedade, que só tem uma gaveta?” O tumulo fica perto do túmulo do Padre Galvão. Meu pai deu o orçamento, Ela estava conversando com o meu pai, eu fiquei meio afastado, meu pai não gostava que ao conversar com uma pessoa alguém, mesmo um filho, ficasse perto dele escutando. Olhei na direção do centro de Piracicaba, vi uma poeira enorme, comentei com um colega que estava perto que estava estranhando aquela poeira. Ele disse-me: “Estou com o rádio ligado. Caiu o Comurba!” Era parte do edifício “Luiz de Queiroz” mais conhecido como COMURBA que era o nome da construtora Companhia de Melhoramentos Urbanos. A mulher que tinha ido conversar com o meu pai amoleceu as pernas e sentou-se. O amigo dele, marido dela, trabalhava como encanador naquela obra. Ela simplesmente disse: “Meu marido trabalha no Comurba!”. Sem saber se ele tinha sido vitima, no outro dia meu pai e eu demos andamento a obra, deixamos preparado para ser usado futuramente. No dia seguinte a mulher voltou e disse ao meu pai: “É Pradão! O túmulo vai ser usado! Meu marido faleceu no acidente do Comurba!”.
O próprio empreiteiro é que fazia o sepultamento?
O sepultamento era feito por funcionários da prefeitura. Depois é que o empreiteiro passou a fazer também o sepultamento. Nesse caso em particular, como o túmulo ainda estava por ser concluído, ele foi autorizado a fazer o sepultamento.
Como funcionava a distribuição de serviço entre os empreiteiros?
Cada empreiteiro era escalado uma semana. Era o Xoxo, o Firmino José Ribeiro, o Fioravante de Lima (Tino), cada semana era um, fazia o rodízio. Trabalhei com todos eles. Naquela época não éramos registrados, havia a necessidade de bons profissionais, quem precisava pagava um pouco a mais e o profissional ia trabalhar para outro empreiteiro.
A porta principal do cemitério foi sempre no mesmo local?
A entrada era pela Avenida independência, o portão existe até hoje, mas segundo consta, em 1906 o vereador Francisco Morato propôs a construção de um portal de entrada que acabou ocasionando a demolição do muro que separava os mortos de diferentes religiões.  O projeto é de Serafino Corso e foi construído por Carlos Zanotta. Diziam que onde é Estádio Barão de Serra Negra, na época em que foi construído, foram achadas ossadas ali.
Quantos anos o senhor trabalhou no Cemitério da Saudade?
Trabalhei 30 anos no Cemitério da Saudade. Não era funcionário da prefeitura, era empreiteiro.




Tinha pessoas que davam gorjetas?0 anos, embora não fosse funcionário da prefeitura Tinha! Acabei tornando-me um pedreiro considerado como bom profissional, eu sempre gostei de fazer o serviço bem direitinho, fiz o sepultamento de Mário Dedini, Leopoldo Dedini, Cassio Paschoal Padovani, só não fiz o de Luciano Guidotti, porque não era o dia o meu plantão. Eu era conhecido no cemitério como “Zé Pradão”.T
O primeiro sepultamento que consta nos registros do Cemitério da Saudade é da negra Anastácia?
Foi da escrava Anastácia e ela está sepultada no mesmo lugar onde está sepultado o João Balaeiro, ele fazia balaio e vendia. Era negro, de calça arregaçada, pito na boca. Ao lado da capela tem um tumulo de um menino que tinha falecido com nove ou dez anos, em cima do tumulo fizeram uma caixa de mármore, com tampa, ali começou a aparecer água. Era uma caixa vazia, com a tampa, para no futuro plantarem alguma flor, quando então seria tirada a tampa de mármore. Após algum tempo, um determinado dia levantei a tampa, não comentei nada com ninguém. Um dia chegou uma senhora, após um bom tempo rezando junto ao tumulo ela disse-me: “- Falaram que esse menino virou santo”. Conversamos um bom tempo, ela teve a curiosidade em saber o que tinha naquela caixa de mármore, eu abri para que ela visse, estava cheia de água! Ela disse-me: “Será que eu não posso levar um pouco dessa água?” Disse que podia, arrumei uma garrafinha, com uma caneca enchi a garrafinha para ela. Após agradecer muito ela foi embora. Uns quinze ou vinte dias depois, a mulher me procurou no cemitério. Ela foi onde eu estava trabalhando e começou a chorar. Ela me agradeceu muito, pediu que Deus me abençoasse, disse que seu filho não podia nem levantar da cama, ele tinha dez anos, disse-me “ Lembrei-me de que o senhor tinha falado da água, dei daquela água para ele beber, o menino sarou!”. Eu apenas pedi que ela não comentasse com ninguém, iria causar um tumulto.
Há uma história de um caixão que ninguém conseguia levar assim que entrou no cemitério?
É o túmulo do Padre Galvão. A meu ver é uma lenda, não posso afirmar a veracidade do fato. Isso ocorreu no portão antigo, na Avenida Independência. Quando chegou onde está o caixão pesou muito, a ponto de terem que soltar no chão. Os funcionários mais antigos comentavam que foram feitos todos os esforços para erguer o caixão, mas não conseguiram. Decidiram fazer o tumulo ali mesmo, e assim foi feito.



Outro tumulo muito visitado é o de Alfredo Cardoso?
Há um grande número de pessoas que freqüentam esse tumulo, a meu ver há bastante criatividade popular.




O Cemitério da Saudade cresceu muito?
Cresceu! Compraram a chácara da família Schmidt e aumentaram.
O senhor aposentou-se trabalhando no cemitério?
Não, aposentei-me quando trabalhava em uma indústria metalúrgica, logo que meu pai faleceu, eu fiquei desgostoso e sai do trabalho no cemitério. Eu já tinha casado com Maria Aparecida Bernardes Ferreira, ela era enfermeira na Santa Casa de Piracicaba. O primeiro emprego dela foi no restaurante e lanchonete Leiteria Brasileira, ela era uma menina, exercia a função de ajudante de cozinheira. Tivemos quatro filhos: Lucilaine, Claudia, Ana Paula e José Roberto. Quando caiu o Comurba eu era solteiro, nós éramos namorados. Troquei de roupa e sai de casa, disse à minha mãe que tinha caído o Comurba e a Cida, minha noiva na época, trabalhava no restaurante encostado. Desci a pé a Rua XV de Novembro, quando cheguei a policia não deixou entrar na área isolada. Fui informado então que não havia acontecido nada no local onde ela trabalhava, o pessoal estava todo no fundo do restaurante. Casamos na Igreja Bom Jesus. Eu tinha dois cunhados, João Bernardes e Luiz Bernardes eles me convidaram para ir trabalhar na Metalúrgica RKM. Fui admitido, trabalhei dois anos como faxineiro, ai me chamaram para auxiliar de almoxarifado. O porteiro aposentou-e, fui para a portaria. Tive que anotar tudo que ele fazia, ele não me ensinou nada. Quando ele saiu eu consultava minhas anotações, em pouco tempo já estava amigo dos caminhoneiros. O filho do Xoxo conversou comigo, eu comecei a trabalhar com ele, fora do horário de expediente na metalúrgica, empreitava para realizar serviços em túmulos. Como ele tinha marmoraria eu passei a ajudá-lo na montagem de tumulo, principalmente de granito. A princípio usava-se o granito preto, hoje utilizam mais o marrom. Aos sábados e domingos meu irmão e eu trabalhávamos no cemitério. Levava massa, erguia parede, só que o nervo ciático começou a se manifestar. Eu carregava muito peso. Apesar de que o material o filho do Xoxo mandava o funcionário deixar tudo já preparado para que eu trabalhasse da forma mais fácil. Mesmo assim eu fazia esforço físico, levava as latas com massa, abaixava, levantava. Um dia eu disse-lhe: “Artur, não dá mais!”. Trabalhei oito meses após aposentado. Nessa época aluguei um quarto na Vila Monteiro e passei a morar sozinho. Após um excelente relacionamento com uma senhora que conheci, chegamos a conclusão de que seria melhor continuarmos excelentes amigos. Logo depois ela vendo-me morando sozinho, apresentou uma amiga com a qual vivi treze anos Infelizmente ela ficou com Alzheimer, ficou pele e osso, eu que cuidava dela. Nós freqüentávamos a Igreja São Francisco de Assis, próxima de casa. As filhas foram extremamente atenciosas com ela, e vendo o quadro, acharam que eu estava sentindo demais a doença dela. Iria me acabar junto com ela. Um dia me chamaram e disseram que eu deveria me cuidar, dar um pouco de atenção a mim mesmo, voltei a morar naquele quartinho que já tinha morado há anos. Ali tinha meu fogão, minha geladeira, cuidava das minhas roupas. Foi quando minhas filhas começaram a falar que eu ali sozinho não era uma boa opção. Eu não queria morar com nenhum dos filhos, sei que cada um tem sua vida própria. Elas então conseguiram com que eu arrumasse uma vaga no Lar dos Velhinhos. Faz dois anos que estou aqui.
Sr. José Ferreira, como começou essa sua carreira literária?
Eu tinha 14 anos.  Escrevi muito. Já adulto tinha uma amiga, o marido dela trabalha no SEMAE, eu fazia poesia e ela gostava muito. Eu tinha um caderno de duzentas folhas. Totalmente escrito. Muitos me aconselharam a publicar um livro daquele caderno. Essa minha amiga adoeceu, não podia mais levantar da cama. Eu pedia licença ao marido dela e ia visitar-la.Uma ocasião levei o caderno, ela começou a chorar e disse-me: “Zé antes de eu morrer você não dá este caderno para mim?” Dei o caderno para ela. Passei um tempo sem escrever até resolver a começar tudo de novo, comprei cadernos, canetas.
Você se considera um escritor, um poeta ou um historiador?
Faço alguns versos, mas não me considero um poeta, eu conto histórias. Tenho muitas histórias. Algumas delas estão em meus cadernos. Relembro as histórias do meu pai, da minha mãe, escritas após eles terem falecidos. Parte da história da minha vida. Sinto que o que escrevo desperta a atenção de muitas pessoas. Já publiquei pequenos trechos, por influencia de amigos. Meu sonho é transformar uma parte do que tenho em um livro. Só existe a barreira do custo de impressão, esse eu não consigo arcar com ele.



Histórico sobre os primeiros cemitérios e enterramentos de Piracicaba:

    Equipamento de primeira necessidade em qualquer civilização, o cemitério sempre esteve ligado à religião católica, no território brasileiro. Dependendo da classe social, os homens livres, quando mortos, eram sepultados dentro ou no adro das igrejas. Já os escravos eram enterrados nas fazendas onde trabalhavam ou abandonados nas proximidades de uma Santa Casa de Misericórdia (Cachioni, 2002). 
    A antiga prática dos enterramentos dentro das igrejas foi considerada prejudicial para a saúde pública, e uma legislação determinava que fossem construídos cemitérios em locais afastados da área do perímetro urbano, no entanto a população ainda insistia no sepultamento dentro das igrejas (ou nos seus adros), por considerá-los áreas santificadas. 
    Todavia, em Constituição, as obras de construção de uma nova matriz católica, as quais circundando a edificação primitiva, inviabilizavam a referida prática, o que tornava fundamental a construção de um cemitério (Cachioni, 2002).
    Em 1828 o governo determinou que os cemitérios fossem transferidos para locais mais apropriados, a bem da saúde pública (Carradore, 1989). 
    Apesar da legislação não permitir, a teimosia do povo ainda mantinha a prática dos sepultamentos dentro da Matriz de Santo Antônio, mesmo depois da construção de um cemitério no Largo da Boa Vista. Cemitério este que, em poucos anos, se deteriorou por falta de conservação (Cachioni, 2002).
    Somente em 1849 o cemitério da vila foi definitivamente cercado. A partir deste momento, a população passou a ter menos reservas em sepultar seus  mortos naquele sítio, que até então, não tinha sequer recebido a benção da igreja (Carradore, 1989). Saneamento e salubridade dificilmente eram encontrados nas vilas e cidades imperiais. O Cemitério público, localizado no Largo da Boa Vista, causava enorme constrangimento pelas queixas dos moradores das redondezas, pois vivia a exalar ‘hum hálito pestífero’, a tal ponto, que a 
Câmara exigiu do Fiscal que tomasse medidas sérias para  ‘mais bem enterrar os cadáveres’... (Perecin, 1989). 



Cemitério da Saudade:
  

  O Cemitério da Saudade de Piracicaba foi o terceiro na cidade a ser construido e foi formado inicialmente como um cemitério protestante. O cemitério foi solicitado porque os protestantes, no caso, luteranos, não podiam ser sepultados em cemitérios católicos. Havia em Piracicaba dois cemitérios Católicos: o primeiro ficava localizado na Praça Tibiriçá, onde atualmente se encontra a E.E. ‘Morais Barros’ e o segundo, onde se encontra o Colégio Dom Bosco-Assunção, servia apenas  aos padres e freiras. Theodore Loose foi um dos primeiros a serem sepultados no cemitério da comunidade, em 1869. 
    Muitos norte-americanos (batistas, metodistas e presbiterianos), vindos da Guerra da Secessão, também enterraram seus mortos nesse cemitério, que foi de uso exclusivo da comunidade alemã até tornar-se municipal (público) em 2 de dezembro de 1872, com o sepultamento da escrava Gertrudes.  Para tanto foi construído um muro que separava os Protestantes dos Católicos. Também neste ano foi colocado, no muro da Avenida Independência, frente à Rua Moraes Barros um portão de ferro confeccionado pelo ferreiro 
Joaquim Lordello (Cachioni, 2002). 
    Reformado no início do século XX, suas ruas foram em boa parte alteradas, mantendo-se alguns túmulos nas disposições antigas, como no caso do Padre Galvão.  Em 1906 o vereador Francisco Morato propôs a construção de um portal de entrada no Cemitério Municipal, que acabou trazendo a demolição do muro que separava os mortos de diferentes religiões. Foi executada uma avenida central e um portal de entrada, com características neoclássicas e anjos em relevo, projetado por Serafino Corso e construído por Carlos 
Zanotta (Setto, 1996). 
    Apesar de popularmente se dizer que pode ter sido inspirado no portal do Cemitério de Gênova, na Itália, é difícil a comparação, tendo em vista que o importante portal monumental do Cemitério Staglieno não apresenta semelhanças formais com o portal piracicabano, muito menos em tamanho ou proporções. O  Portal do Cemitério da Saudade é uma construção de caráter monumental, com inspiração no ‘Arco do Triunfo’ clássico, tendo proporções bastante acanhadas se comparado ao congênere genovês. Na entrada há quatro figuras em relevo representando serafins e querubins, todas diferentes entre si. O portão de ferro fundido foi trazido da Alemanha pelo arquiteto Serafino Corso e a epígrafe OMNES SIMILES SUMUS foi pintada em 1941 pelo artista local Joca Adâmoli, atendendo ao pedido do Prefeito José Vizioli. A liberdade estética, com a qual foram usados os elementos clássicos, insere o monumento no Ecletismo.


Para respeito aos direitos autoriais, o desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.

Para respeito aos direitos autoriais, o desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.


 


Para respeito aos direitos autoriais, o desenho do Cemitério da Saudade deve ser creditado ao DPH Ipplap.





A denominação Cemitério Municipal da Saudade foi feita por indicação do vereador Oscar Manoel Schiavon, em 12 de junho de 1953. O prefeito Aquilino José Pacheco montou a sua atual estrutura, ordenando os túmulos, colocando guias e sarjetas, drenando as águas pluviais que causavam erosão e infiltrações nas sepulturas. O Cemitério da Saudade ocupa área de 145 mil metros quadrados, tem 20 mil túmulos, 90 quadras,1 avenida, 12 ruas e 11 travessas (de A a K), guarda 124 mil restos mortais e realiza aproximadamente mil sepultamentos por ano (Cachioni, 2002).
                               Portal do Cemitério da Saudade. Acervo IPLAP



Portal do Cemitério da Saudade no primeiro quartel do século XX. Arquivo IHGP.



Situação atual do Portal do Cemitério Municipal da Saudade, após obras de recuperação.
Exemplo de obra de arte encontrada no Cemitério da Saudade:Foto: Paulo Renato

Exemplo de jazigo encontrado no Cemitério da Saudade.Foto: Paulo Renato.

         TUMULO  ONDE ENCONTRA-SE SEPULTADO PRUDENTE DE MORAES O PRIMEIRO PRESIDE CIVIL DA REPÚBLICA


O Cemitério
O maior cemitério da cidade de Piracicaba guarda mais de 124 mil restos mortais, e não é a toa que junto com alguns deles nasceram e vivem até hoje crenças que já espalharam por gerações de piracicabanos. João de Almeida Prado, um empresário estudioso conhecido pelas suas obras, depois de falecido ficou famoso de outra forma, sua estátua de bronze sobre o túmulo é a personagem da história do homem do livro, contam que o livro também bronze que está no chão de seu sepulcro, já foi visto por muitas vezes na mão do homem estudioso.O cemitério foi fundando em 1872, ele foi o terceiro a ser construído na cidade. Em Piracicaba nesse tempo existiam outros dois cemitérios, porém católicos: o primeiro ficava localizado na Praça Tibiriçá, onde atualmente se encontra a Escola Estadual ‘Morais Barros’ e o segundo, onde se hoje se localiza o Colégio Dom Bosco-Assunção, esse servia apenas aos padres, freiras e religiosos reconhecidamente católicos, de ordens leigas. Como os dois locais pertenciam às ordens religiosas a administração era feita pela igreja, que exigia comprovantes de batismo e extrema unção para o sepultamento, dificultando assim o enterro dos negros, judeus, ciganos e também dos protestantes. O médico alemão, Dr. Otto Rudolpho Kuffer que residia em Piracicaba e também era protestante em 1860  solicita a compra de terreno, e no mesmo ano recebe da Câmara Municipal de Piracicaba a concessão de uma Carta de Data (que permitia a compra) e adquire o terreno para a construção de um cemitério para os protestantes, comunidade que na época estava em grande ascensão local e regional.
Ao todo são mais de 145 m² de extensão, são aproximadamente 20 mil túmulos, distribuídos em 90 quadras, um avenida, 12 ruas e 11 travessas (de A a K). O local escolhido diferente dos outros cemitérios ficava longe do centro da cidade, em terras que eram usadas para o cultivo de algodão, e também de cana. No local apenas os que fossem comprovados legitimamente protestantes poderiam ser enterrados, situação que só mudou em dezembro de 1872. As primeiras pessoas a ocuparem o campo foram: família Wolling em 1878; família Lohse, em 1878; família Theodor Loose, em 1878 e família Gott, em 1873. A municipalização de cemitérios só ocorreu em Junho de 1890, pelo então imperador Dom Pedro II. E para marcar esse novo momento o primeiro sepultamento realizado na Saudade já como cemitério municipal foi o da escrava Gertrudes.
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