domingo, fevereiro 05, 2017

ARY WERNECK

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: ARY WERNECK
(ARISTIDES DE OLIVEIRA CAMPOS)




Aristides de Oliveira Campos é o nome civil do artista Ary Werneck nome sugerido em 1976 por uma diretora de teatro que admirava e quis homenagear Nelson Werneck Sodré (Pesquisador e escritor sobre a história do Brasil publicou dezenas de livros que se tornaram obras de referência para os historiadores e estudiosos do país.).
Você nasceu em qual cidade?
Nasci a 30 de agosto de 1934, em Jardinópolis, uma pequena cidade próxima a Ribeirão Preto. Meu pai era mineiro, seu nome é Abílio de Oliveira Campos e minha mãe Catharina Balbina do Nascimento, da região de Ribeirão Preto, com ascendência paulista de 400 anos. Tiveram quatro filhos: Alderico, Aristides, Irineu e Ivone de Lourdes.
Você estudou inicialmente em qual cidade?
O meu pai era encanador, no tempo em que era um ofício que exigia do profissional uma série de atribuições técnicas, os canos tinham que serem trabalhados com tarrachas, faziam-se as roscas, ele era contratado para fazer encanamentos nas cidades próximas. Fomos morar onde na época era chamado de distrito Sales de Oliveira. (Atualmente Sales Oliveira é um município  Estado de São Paulo, que faz parte da Região Metropolitana de Ribeirão Preto). Entrei na escola com sete anos, meu pai aos 36 anos faleceu. Estudei na Escola Capitão Getulio Lima em Sales de Oliveira. Lembro-me da minha escola até hoje. Fiz os quatro primeiros anos lá, quando conclui não havia outro curso a seguir em Sales de Oliveira. Após o falecimento do meu pai, minha mãe e nós, seus quatro filhos, mudamos para Ribeirão Preto. Quando meu pai faleceu minha mãe tinha 34 anos. Ela teve que trabalhar muito para nos criar. Ela lavava roupa para outras pessoas, lembro-me de que eu ajudava quando ela ia passar roupa. Era utilizado ferro a carvão, ela passava roupas para pessoas grã-finas: camisas, saias. Trabalhava com dois ferros, enquanto usava um o outro já era preenchido com brasa do fogão a lenha. Isso foi no período da Segunda Guerra Mundial. Lembro de que tudo era racionado, havia o cartão de racionamento. Lembro de que meu tio Alberico resolveu fazer gasogênio, para um ônibus que circulava pelo local. Ele cortava a lenha, fazia o carvão e vendíamos em um posto de gasolina. Na época a gasolina era importada, vinha em tambores era colocada em bombas de gasolina. Essa gasolina era bombeada manualmente, abasteciam os veículos.  Os ônibus denominados de jardineiras, utilizavam muito o gasogênio, era comum pararem na estrada, dar todo tipo de problema, mas acabavam chegando ao seu destino. O Brasil produzia muito pouca coisa, Importávamos o trigo que era consumido. Lembro-me com muita saudade da estrada de ferro.  A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro passava bem no meio da cidade. Todos os dormentes que eram cortados para a Mogiana, cortados na Alto Sorocabana, envelheciam ali, no pátio, era cortadas com quatro faces, chanfradas, tinha acredito que uns dois metros e vinte sentimetros de comprimento, eram colocados ali para secarem em pilhas com dormentes sobrepostos dois a dois. Minha mãe descobriu que em cada dormente daquele tinham umas lascas que ficavam como cascas. Ela pediu licença para o chefe da estação ela, meus irmãos, eu, íamos tirar aquelas cascas enormes, juntavamos tudo em um quartinho no fundo de casa. Cozinhamos com aquelas cascas durante muito tempo. Outra coisa que ela fazia também, aos domingos após a missa, íamos até a beira da estrada de ferro, que era pertinho. Tinha a linha de trem, logo depois acompanhando os trilhos era plantada erva cidreira, Ao lado havia um pasto e em seguida a cerca, ali ela plantava abobora, pepino, buxa, antes de roçarem o pasto íamos lá e trazíamos, aboboras, pepinos. Havia uma fruta silvestre chamada marolo. Agora estão cultivando, na época era uma fruta silvestre que não se plantava. Tem um perfume que se sente a distância. Tenho muita saudade daquele perfume e da doçura da fruta.
Você permaneceu em Sales de Oliveira até quando?
Eu calculo que permanecemos lá até uns três anos após ter terminado a escola. De lá fomos à Ribeirão Preto aonde conhecíamos uma senhora amiga da família. Ribeirão Preto é uma cidade muito importante, eu me lembro de Ribeirão Preto com 70.000 habitantes. Com quatro jornais diários. Quatro estações de rádio. Com uma biblioteca chamada Padre Euclides. O que sobrou do Cassino Antárctica e transformou-se em um auditório. No passado a Antarctica tinha nontado esse cassino e patrocinava tudo. O Bar Pinguim já existia. Lembro-me do Edifício Antônio Diederichsen, um prédio de seis andares, mas muito alto para a época. Tinha uma parte residencial e outra de escritórios. Embaixo lojas. Na esquina da Rua São Sebastião tem a Cafeteria A Unica, eu acho que é o mellhor café do mundo. Próximo havia uma loja que vendia produtos importados: pera, maçã. Até hoje lembro-me do aroma da maçã. Minha mãe era uma escavadora. Quando a maçã estava um pouquinho amassadinha eles nos davam. Bem como outras frutas finas importadas. Essa loja chamava-se “ A Deliciosa”. Tinha as lojas Caprichosa que tinha artigos para senhoras, Caprichosinha com artigos para crianças e Caprichoso que era uma alfaiataria. Em frente tinha uma casa chamada “Arca de Noé”, o proprietário era um português, vendia todo tipo de frios importados: salame, presunto. Na Praça XV, que é a praça principal da cidade, tinha o Teatro D. Pedro II, a Companhia Cervejaria Paulista, produzia uma cerveja preta chamada Niger. A Cervejaria Paulista foi adquirida pela Antarctica. Na esquina havia o Palace Hotel, onde ficavam os grandes artistas.  Na Praça XV tínhamos três café, entre eles o Café Pinho, famosíssimo e o Café Triangulo. Ainda na praça tínhamos uma loja de pianos, que tem uma ligação com Piracicaba. Ribeirão Preto tem dois times gloriosos de futebol: Botafogo e Comercial. O Comercial foi muito famoso nas décadas de 20,30, foi jogar na Europa, quando voltou fizeram uma campanha gloriosa pelo Norte do Brasil, sendo chamado “Leão do Norte” por causa disso. Atualmente não existe mais o Comercial, só o Botafogo. Belmácio Pousa Godinho  nascido em Piracicaba, foi jogar no Comercial contratado a peso de ouro.  Belmacio foi um importante futebolista, músico e comerciante. A família tem a loja “A Musical” em Piracicaba até hoje.
Você concluiu o ginásio em Ribeirão Preto?
Quando vim para Ribeirão Preto já tinha passado alguns anos, fui trabalhar. Trabalhei no comércio, na Cervejaria Paulista, por parte de mãe eu tinha um tio, ele possuía um Chevrolet ano 1944. Era representante comercial, viajava pelo Sul de Minas Gerais: Muzambinho, Sacramento, Guaxupé, eu ia com ele só para abrir as malas com mostruário de roupas, depois guardar e fechar. Naquela época não havia a quantidade de escolas que temos agora. A maioria era de escolas particulares. Quando tive a oportunidade fiz os chamados exames de madureza.
Como se deu a sua entrada para o teatro?
Em Ribeirão Preto havia um teatro chamado “Teatro Escola Ribeirão Preto”.
O que o levou a entrar para o teatro?
A fascinação pelo teatro. Quando a minha mãe foi para Ribeirão Preto ela foi trabalhar em uma pensão, como cozinheira, isso facilitava também porque morávamos no porão da pensão. Na época Ribeirão Preto estava no roteiro feito pelas grandes companhias de teatro. Os artistas famosos ficavam no Palace Hotel, Grande Hotel, Hotel Brasil, Hotel Aurora, e os técnicos, chamados maquinistas naquela época, ficavam na pensão aonde a minha mãe trabalhava. Eu ajudava a distribuir filipetas, às vezes tinha que conseguir algum móvel, às vezes ganhava ingresso para ir assistir ao espetáculo. Com isso vi grandes artistas que trabalhavam naquela época: vi muitas vezes Procópio Ferreira, Itália Fausto, Jaime Costa, Dulcina de Moraes e seu marido Odilon, ela era filha de Conchita de Moraes, eram atores de grande importância. Ribeirão Preto tinha um teatro amador muito forte também. Lá foi fundada uma escola de teatro chamada Teatro Escola de Ribeirão Preto, a fundadora, segundo consta, era chamada de Dona Pequena é tia do ator Lima Duarte.



Isso foi motivando a sua vontade de ingressar no teatro, qual foi a primeira peça em você participou?
Foi “Casa de Orates”, uma peça de Aluisio Azevedo. Casa de Orates é um asilo de malucos. (Casa de Orates palavra de origem espanhola que quer dizer loucos, doidos). Para mim isso foi importantíssimo, eu estava trabalhando com os bons atores da cidade. Em Ribeirão Preto recebemos o Teatro da Universidade de Coimbra. Fizeram apresentações no Rio de Janeiro, São Paulo e Ribeirão Preto. Apresentaram “O Auto da Barca do Inferno” uma complexa alegoria dramática de Gil Vicente. Ribeirão Preto tinha uma Orquestra Sinfônica altamente conceituada, que infelizmente encerrou suas atividades. Durante a Segunda Guerra tínhamos um maestro idoso, chamado Inácio Stabile, quando ele faleceu trouxeram um maestro da Itália chamava-se Enrico Ziffer, na época tínhamos dois corais, eu participava, fazia a voz de tenor. Ele ficou tão animado que quis montar uma ópera. Ele conseguiu patrocínio e trouxe os artistas principais de fora. Escolheu as óperas mais conhecida como; “La Traviata”, onde participei; “La Bohème”, o pessoal do coro entrava, era uma maravilha! Foi uma vivência cultural muito grande. Naquele tempo tínhamos o chamado “Teatro de Lona”. Também denominado de “Circo Teatro”. Tivemos grandes espetáculos de Circo Teatro que viajava. Apresentávamos peças como: A Mulher Que Veio de Longe; Amar Foi a Minha Ruína, O Mundo Não Me Quis, eram sucessos garantidos.
Quando você mudou-se para São Paulo?
Fui em 1956, tinha 22 anos. Meu tio José Mário convidou-me para ir trabalhar Trabalhei em uma loja chamada Casa José Silva que vendia roupas masculinas. Eu era auxiliar, os vendedores eram muito bem pagos, bem vestidos. Trabalhavam com gravata, paletó. Diga-se de passagem, que naquela época todo mundo usava paletó, gravata e chapéu No Cine Ipiranga não entrava quem não estivesse usando paletó e gravata. Havia grandes lojas, lembro-me da “  Exposição” cujo slogan era: “ Basta ser um rapaz direito para ter crédito na Exposição”.
O teatro continuava em sua vida?
Fazia os espetáculos nos fins de semana, foi uma época em que o pessoal da musica raiz quis entrar no circo, eles já cantavam, eram fortes, além de nós que nos apresentávamos tinham os violeiros que cantavam. Lembro-me que Cascatinha & Inhana fizeram uma turnê grande conosco. Nos anos 50, 55, após a Segunda Guerra, começaram a vir para o Brasil as grandes cabeças do Teatro, inclusive o fundador da  Companhia Cinematográfica Vera Cruz Franco Zampari. Todo mundo juntou-se no TBC – Teatro Brasileiro de Comédia, na Rua Major Diogo, era a elite, embora ninguém fosse profissional ainda. Até que em 1952 tornaram-se artistas atuando como profissionais, com alto nível. Só fomos ter a nossa categoria reconhecida como profissional em 1972 pelo Ministério do Trabalho. De 1964 a 1972 tínhamos nossa carteira funcional emitida pelo Departamento de Diversões Públicas, ligado ao Ministério da Justiça, maldosamente também chamada de “carteirinha de prostituta”, isso porque essas profissionais para se safarem da policia se registravam como atrizes sendo que eram de fato prostitutas. Jamais pisaram em um palco.ndo o TBC  Trabalharam muito pela categoria de ator e artista Lélia Abramo, Cacilda Becker, Juca de Oliveira. O pessoal da categoria era muito unido naquele tempo. Quaganhou importância e as companhias se dividiram, tinha uma crítica que acompanhava o teatro, começou com Décio de Almeida Prado, Sabato Magaldi veio depois. O Professor Alfredo Mesquita organizou em sua casa a EAD- Escola de Arte Dramática. Fiz um concurso, fui aprovado, mas não pude dar continuidade. Tinha que sobreviver, naquele tempo saia vendendo liquidificador, enceradeira, não havia lojas que vendessem esses produtos. Ninguém queria vender em loja esse tipo de produto. A Arno foi a primeira empresa que organizou esse tipo de venda de porta em porta para esses produtos.
Com raríssimas exceções o ator não é valorizado financeiramente?
Até hoje é uma profissão muito difícil. Em alguns países, há uma organização muito bem feita, e as coisas funcionam a contento. Aqui há o Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão de São Paulo que é o mesmo tanto para o funcionário como para o patrão.
De quantas peças você participou?
Foram muitas peças, fazíamos muito Teatro Popular. Fundamos um grupo de teatro chamado PETECA – Pequeno Teatro da Capital. Fazíamos muitos entretenimentos, esquetes, peças curtas, variedades, canto, musica.
É mais difícil fazer o público rir ou chorar?
Acho mais difícil fazer rir. A comédia tem um “time” que o drama às vezes você está contando alguma coisa e leva a emoção, o riso tem o tempo certo, para ser engraçado tem que ter aquele momento, aquele instante. Fazíamos muitas comédias de costumes, eram originarias do teatro francês. Eu acho que tudo começou mesmo quando importamos grandes diretores: Gianni Ratto, Ruggero Jacobbi, Zbigniew Marian Ziembinski, Maurice Vaneau, o TBC era a grande estrela do teatro, o TBC não parava. Era uma peça atrás da outra.
Como o ator sente o público?
Cada lugar tem um publico diferente. Há localidades ou regiões, onde o publico vai ao teatro porque acha chique. Outros lugares o publico freqüenta porque gosta de fato. Enfim há inúmeras formas de manifestação do publico com relação ao espetáculo apresentado.
Você conheceu Plínio Marcos?
Conheci muito, do Teatro de Arena, do Redondo. (Bar Redondo tradicional ponto de encontro de artistas nas décadas 60,70,80 é vizinho do Teatro de Arena, na Rua Rego Freitas, ganhou esse nome pelo formato circular do prédio) Hoje também tem um pessoal novo na Praça Roosevelt. Mas o Redondo continua sendo ponto de encontro de artistas..
Quantas peças você escreveu?
Registradas na SBAT - Sociedade Brasileira de Autores Teatrais tenho quatro peças.Duas políticas e duas infantis. Uma política chama-se”O Diabo Mostra o Rabo”. Uma peça infantil é “Alma das Coisas”. Quero apresentar a peça “ O Diabo Mostra o Rabo”.  A nossa vida é curta, mas a arte é para sempre.
Ha quanto tempo você está em Piracicaba?
Já faz muito tempo, meu irmão mais velho veio para Piracicaba no inicio da década de 60. Ele faleceu, recebeu em homenagem uma rua com seu nome Alderico de Oliveira Campos, o Tenente Campos.
Quantos filhos você tem?
Tenho um, chama-se Paulo, tem 54 anos, já é avô também, ou seja, eu sou bisavô!
Você atuou em diversas ações culturais em São Paulo, sob patrocínio?
Tinha uma empresa que trabalhava basicamente com cultura, tive o patrocínio de diversas empresas de grande porte. Até que decidi morar em Piracicaba. Aqui realizei ações culturais, produzi um espetáculo que financeiramente foi oneroso para minhas economias. No inicio sentia muito a falta do ambiente teatral que eu vivia em São Paulo.
Ari tem um poema que você gosta muito e o acompanha em seus pensamentos?
Tem sim. É de Vinicius de Moraes. Chama-se Soneto da Fidelidade.

De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.



DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de janeiro de 2017
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/



ENTREVISTADA:  DIRCE CASSANHA GONÇALVES PINTO
Dirce Cassanha Gonçalves Pinto nasceu a 8 de agosto de 1930, a Rua William Speers no bairro da Lapa, em São Paulo, filha de Raul Cassanha e Josefina Carrera Cassanha que tiveram quatro filhos: João , Geraldo, Laís e Dirce. Raul Cassanha era funcionário do escritório da estrada de ferro SPR - The São Paulo Railway Company Ltd. que fazia a ligação entre Santos e Jundiaí, utilizava o sistema “locobreque” O "locobreque" tinha a função de frear a composição na descida da serra, que simultaneamente puxava outra que subia. O cabo entre as duas máquinas passava por uma grande roda volante, chamada de "máquina-fixa" que ficava em cada um dos cinco patamares.
A senhora lembra-se da descida da serra?
Andei tanto naquele trem, com o meu pai, com a nossa família. Saíamos de São Paulo e íamos até Santos, lembro-me das rodas dentadas e cordas de aço, que tracionavam o trem. A  minha meninice foi muito boa, joguei barra-bool, um joga a bola para outro, com uma risca onde não pode ser ultrapassada. Barra-manteiga é a jogada em que a bola bate e não pode atingir o jogador ou ele ficará de lado. Acusado era outra bricadeira onde a agilidade era colocada em prática. São brincadeiras inocentes e da minha época de menina.Eram brincadeiras em que meninas e meninos participavam. Hoje desde pequena a criança quer tablet, celular. Eu cheguei a jogar bolinha de vidro, rodar pião. Fui meio moleequinha. Fui sócia do Clube de Regatas Tiete, andava com meu futuro marido e uma amiga, de catraia pele Rio Tietê, dentro de São Paulo. Tinha algumas pessoas que até nadavam no Rio Tietê.
A mãe da senhora tinha alguma outra atividade além de cuidar do lar?
Ela foi professora de bordados, fazia crivo, filet, antigamente usava-se muito cortinas de crivo, filet. Ela tinha uns bastidores enormes de pé, no chão. Aprendi a fazer muitos tipos de bordados, mas esses com bastidores eu não quiz aprender.
A senhora estudou em qual escola?
Estudei na Academia Comercial São Paulo. Morávamos na Lapa, meu pai acredito que foi promovido, fomos morar em Campos Eliseos, quando ele ficou Chefe do Movimento, mudamos para o Bairro da Luz, isso porque ele tinha um horário diversificado.
A família foi morar em que rua?
Fomos residir a Rua São Lázaro, uma travessa da Rua São Caetano, hoje tradicional pelas lojas especializadas em vestidos de noivas.Naquela época era um bairro uito tranquilo, muito bom, tinhamos uma boa casa, depois fui estudar o curso primário no Grupo Professor Pedro Voss. Após eu terminar o curso primário, meu pai mudou-se para a Vila Clementino, a Rua Botucatu, bem em frente a Escola Paulista de Medicina. Fui estudar em uma escola na Vila Mariana, era o Colégio Campos Salles, minha irmã e eu pegávamos o bonde, as vezes o bonde aberto, outras vezes o bonde fechado, que por sua cor vermelha era conhecido popularmente como “camarão”. Naquela época não se pensava em um curso superior como engenharia, advocacia. Geralmente as opções para a mulher era ser professora ou secretária. Fiz tres anos de secretariado. Eu gostava muito da Vila Mariana, as vezes ia a pé até a Vila Mariana.
Após formar-se como secretária a senhora foi trabalhar em qual empresa?
Fui trabalhar na empresa Itaú Transportes Aéreos. Eu trabalhava na Rua Asdrubal do Nscimento. Era uma empresa aérea que só transportava carga. Tinha que usar saia azul marinho e blusa branca, tinha algumas mulheres que usavam gravata, eu nunca usei.
Qual foi o próxima empresa em que a senhora foi trabalhar?
Fui para o frigorífico Anglo (do Grupo Vestey) de capital britânico. O escritório ficava no décimo e décimo primeiro andar de um edifício situado a Rua Anchieta, logo após a Praça da Sé, primeira travessa da Rua XV de Novembro. Eu trabalhava no Departamento de Vendas, havia uma secretária que tinha fluência em inglês, tínhamos três chefes, ingleses. Eles produziam enlatados, apresuntados, charques, derivados de carne vindos de Barretos, Pelotas. Trabalhava da 8:30 às 11:30 e das 13:30 às 17:30 . No Anglo as roupas eram a vontade, cada um vestia-se como gostava.
Tinha restaurante no local?
Não tínhamos, nós íamos almoçar em casa, ninguém comia na cidade. Eu senti em sair de lá, mas saí porque tinha casado. Os primeiros móveis que comprei quando casei foi no Mappin, na Praça Ramos de Azevedo esquina com a Rua Xavier de Toledo. Os produtos comercializados pelo Mappin eram muito bons, eu gostava muito. Eu ia muito ao Restaurante Itamarati, que existe desde 1940, fica na Rua José Bonifácio.
Como secretária a senhora fazia o serviço de rotina?
As vezes chegava um telegrama, conforme o lugar eu tinha que datilografar em 8 vias, 12 vias para entregar à todos os chefes. No caso de doze vias usavam-se onze carbonos! A máquina que eu utilizava era uma da marca Olivetti. Eu gostava do meu trabalho.
A senhora era boa datilógrafa?
Acho que era! Eles gostavam. Tinha feito o curso de datilografia em uma escola particular.
Quanto tempo a senhora permaneceu na empresa Anglo?
Acho que fiquei uns três anos. Comecei a trabalhar em uma empresa pequena, de lá fui para a Itaú, onde permaneci por um ano, sai e fui trabalhar no Anglo. Saí para casar, aos 23 anos.
Como a senhora conheceu seu futuro marido?
Eu tinha um primo que fazia ginástica na Associação de Cultura Física, ficava na Rua Augusta, quase esquina com a Rua Santo Antonio. Decidi também fazer. Eu tinha uma tia que também gostava de fazer ginástica. Antigamente era muito praticada a chamada Ginástica Sueca. Em competições nos encontrávamos grupos de moças e rapazes, vinham grupos do Rio de Janeiro. Não era a ginástica como é feita hoje, eu fazia todos os aparelhos da época: paralelas, trave, solo,cavalo, ginástica olímpica. Naquela época era uma atleta. Eu pesava 42 quilos. Foi lá que conheci o meu marido Henrique Gonçalves Pinto, ele tinha cinco anos a mais do que eu. Era contador-auditor. Tivemos três filhos: Roberto, Marta e Fábio. Permanecemos casados por quarenta e seis anos e meio, a 3 de agosto de 1999 ele faleceu.
Em qual igreja vocês casaram-se?
Casamos na Igreja da Consolação, no dia 16 de abril de 1953. Sempre tivemos um ótimo relacionamento, se um dos dois ia sair, saiamos juntos. Não havia essa história de se você não vai então eu vou sozinho. Íamos muito a bailes da Associação Cultura Física. Depois mudamos para Bebedouro.
O que os levou a mudar para Bebedouro?
Um amigo do meu marido tinha uma fazenda, eles foram criar frangos. Galinhas poedeiras e frangos de corte. Na época meu marido já estava cansado de ficar em São Paulo. Após um ano adquirimos uma propriedade rural, ele fez uma granja, e uma particularidade curiosa, pouco conhecida, o que mais vendia e dava mais lucro era o esterco das galinhas. Naquela época Bebedouro era muito forte na cultura de café, e o esterco era utilizado como adubo para o pé de café. Depois Bebedouro dedicou-se a cultura de laranja. Permanecemos em Bebedouro por uns quatro anos, eu sempre gostei de morar no interior em chácara, sítio, fazenda. Eu tinha dois cavalos, um era o Gaucho, um cavalo castanho escuro. Outro cavalo era meio marrom. Em função da família, com o objetivo de ficarmos mais próximos, viemos morar no Jardim da Glória, no Cambuci. Cerca de um ano depois, fomos para perto de Miracatu, nas proximidades de Registro. Praticamente a cultura praticada é de banana. Tudo que tinha que se fazer havia a necessidade de deslocar-se até Registro pela BR-116. Meu marido tinha bananal e ele quis colocar gado de leite. Na época do frio, a banana tem seu preço mais alto, só que tem pouca banana, ela demora para engordar. Quando a banana está bonita, o valor dela é muito baixo. Eu me desiludi completamente com a agricultura. Quando tínhamos a granja em Bebedouro meu marido plantou algodão. Deu um algodão maravilhoso. Quando chegou o atravessador, disse: “-Tem muito algodão por ai, dou tanto pelo algodão do senhor!”. Se o agricultor segurar o algodão perde peso, quem ganha é o atravessador. Quando morávamos em Miracatu não havia energia elétrica, meu marido adquiriu um rádio de pilha, um dia ouvimos Alziro Zarur transmitindo suas mensagens. Fomos a São Paulo e visitamos a Legião da Boa Vontade, a LBV. Conhecemos, conversamos, gostamos.
A senhora permaneceu por muito tempo em Miracatu?
Logo que as crianças passaram a freqüentar a escola mudamos para Peruíbe. Meu marido ia para o sítio e eu ficava em Peruíbe. O colegial eles tinham que estudar em Itanhaém. Uma perua da prefeitura levava e trazia. Em Peruíbe morávamos em um prédio bem na beira da praia. Um lugar bonito, gostoso. Gosto de Peruíbe até hoje. Nesse meio tempo, meu filho tinha se formado e trabalhava na Caterpillar em São Paulo. Quando a Caterpillar mudou-se para Piracicaba, meu filho veio para trabalhar na empresa. Foi quando eu conheci Piracicaba. Morávamos em Peruíbe, meu marido adoeceu, as consultas médicas eram feitas em Santos. Por insistência do meu filho que estava em Piracicaba, viemos para cá. Fomos atendidos por um médico de Piracicaba que constatou a gravidade da doença do meu marido e tomou as devidas providências. Com isso ele viveu mais uns cinco anos e pouco.
A senhora acompanha noticiários, vê televisão?
Acompanho, só deixo de acompanhar quando o tema passa a envolver violência, noticias que transmitem pessimismo, levanto, vou tomar uma água. De uma forma geral, se posso fazer determinada coisa eu faço. Tenho opinião própria formada.
Continua com a prática de esportes?
Faço ginástica aqui na quadra, a chinesa, e faço de alongamento com outra professora.
Algum hobby?
Gosto de ler.
A seu ver, as mudanças ocorridas no decorrer dos anos tornaram a vida melhor?
No aspecto de evolução tecnológica melhorou. Em contrapartida as relações humanas pioraram.
Atualmente a senhora reside sozinha há momentos em que a solidão se faz presente?
De uma forma geral não me sinto só, sinto sim que aos sábados a tarde há uma quietude, natural do próprio dia. Nessas horas recorro ao computador, onde tenho meu facebook, e-mail, faço minhas pesquisas no Google, e para me distrair também as vezes utilizo algum jogo como paciência e caça palavras.
Qual é a sugestão que a senhora dá para a pessoa ter a longevidade com  plena saúde física e raciocínio rápido que a senhora possui?


A meu ver a pessoa deve procurar ter atividade, para não ficar pensando de forma negativa. Uma das coisas importantes em nossa vida é não guardar ressentimentos Não limitar-se a ver televisão exclusivamente, buscar uma atividade manual, enfrentar novos desafios como por exemplo  aprender novos comandos de computador, o computador não cria dependência, é a cabeça da pessoa que determina o quanto ela deve permanecer em frente ao equipamento. Se a pessoa tiver condições de sair, deve passear. Mesmo que seja uma voltinha, conversa com alguém, jamais se isolar. Tenho cinco netas, um neto e uma bisneta de três anos.  Tenho três filhos maravilhosos, com famílias maravilhosas, mas julgo ser importante ter a minha vida própria, ter autonomia. Sinto permanentemente o carinho que meus filhos têm por mim e eles sabem o quanto amo a minha família. Há uma grande diferença entre vida própria e abandono. 

WALDIR ANTONIO JURGENSEN

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 17 de dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO:  WALDIR ANTONIO  JURGENSEN

Waldir Antonio Jurgensen nasceu a 26 de junho de 1953 na cidade de Americana, é filho de Waldemar Bernardo Jurgensen e Nair Roque Jurgensen que tiveram ainda os filhos Wagner e Waldemar. Seu pai foi industrial do ramo têxtil, da então Indústria Irmãos Jurgensen, atualmente tem a denominação de Indústria Têxtil Irmãos Jurgensen Ltda. Foi fundada em 1946. Seu pai tinha 21 anos, ele tinha um irmão mais velho Enzo Jurgensen. Foi a época em que a cidade de Americana recebeu todo apoio para que qualquer pessoa tivesse a chance de ser um pequeno empresário. Essas empresas começavam em fundos de quintais. Essa situação deve-se muito a colonização italiana e alemã que teve a cidade de Americana.

Qual é a origem do sobrenome Jurgensen?
Meu avô nasceu no Bairro dos Pires, em Limeira, o bisavô tinha vindo da Alemanha ou da Dinamarca, até hoje não sei. Fui diversas vezes no Bairro dos Pires, na entrada há um cemitério, um dia percorri todos os túmulos e contei 22 túmulos com o sobrenome Jurgensen. As datas giravam em torno de 1870, 1880. Imagino que vieram para a região antes da chegada dos italianos. (Eram alemães, contratados como parceiros na Fazenda Ibicaba, ainda em 1846 que pertencia ao senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro. Eles tocavam as roças bem antes da legião de italianos que tomou os cafezais paulistas nas décadas seguintes). É interessante observar que as primeiras levas de imigrantes alemães foram enviadas para o bairro rural de Parelheiros, em São Paulo, conforme descreve um jornalista que pesquisou o assunto. A segunda leva de imigrantes alemães parou em Vinhedo ou Valinhos. E a terceira no Bairro dos Pires.  Esses imigrantes tinham um bom domínio do cultivo, conseguiam produzir de forma satisfatória aos patrões. Uma característica muito particular, é que sabiam cuidar dos animais. Ninguém entendia melhor de cavalo e de cães do que os alemães. A minha avó materna era de Mantova, italiana, dizia que eles vinham para “Fazer a América”, não tinham noção de localização geográfica, os que aportaram na América do Norte, a noticia de que era um continente alastrou, só que muitos vieram para a América do Sul, pelo que imagino, não sabiam nem onde ficariam. Eram decisões políticas, o governo decidia. Os proprietários de terra tinham a propriedade de áreas inimagináveis. Nós a chamávamos de “Vó Eurides”, depois de muito tempo descobri que seu nome em italiano deveria ser Euridice. Seu marido, meu avô materno chamava-se Joaquim,de origem portuguesa. Também era agricultor, plantava café na região de Jaú. Veio a crise do café em 1929, alguém soube que haveria empregos nas tecelagens, primeiro veio o irmão mais velho da minha mãe, depois outro irmão, veio a minha mãe e meu avô após vender o sítio em Mineiros do Tietê.  Minha mãe era operaria, não concluiu o quarto ano primário. No tempo deles, quem residisse em Americana e quisesse ter um diploma tinha que estudar em Campinas. Tinha a enorme facilidade de pegar o trem da Companhia Paulista em Americana e em quarenta minutos chegar em Campinas. Muitos americanenses estudaram no Colégio São Luiz de Campinas. Formavam-se contadores, homens iam serem contadores. As mulheres iam ser professoras. Meu tio Enzo não quis estudar, meu pai foi. Minha tia Julia estudou no Colégio São José em Limeira. Como meu pai estudou,ele foi trabalhar na Nardini
Os norte-americanos, imigrantes, foram também importantes no desenvolvimento de Americana?
Sem dúvida, os sulistas norte-americanos vieram refugiados para cá, imigraram por questão política. Tinham tradição no cultivo do algodão e haviam perdido uma guerra interna, há uma curiosidade, eles ocuparam Americana, Santa Bárbara D`Oeste, Capivari, basicamente esse núcleo. Sob a minha ótica toda a região tem influência deles. Estamos falando por volta de 1870. Eles trouxeram a semente do algodão e ferramentas agrícolas como, por exemplo, o arado. Em 1860, a Guerra da Secessão nos Estados Unidos, paralisou em parte a exportação da fibra deste país à Europa. Este fato desencadeou um novo impulso algodoeiro no Brasil, que durou pouco mais de 10 anos. No Brasil se cultivava o algodão arbóreo, de ciclo perene. No século XIX, foi introduzido o algodão herbáceo, de ciclo anual e fibra curta. Imigrantes norte-americanos que se estabeleceram em Santa Bárbara, orientaram os agricultores brasileiros que não tinham experiência com a nova planta. Com isso ajudaram muito Americana, a primeira indústria metalúrgica em Americana, foi a Indústrias Nardini, fundada em 1908, fazia implementos agrícolas, quem falava em máquinas operatrizes? A fábrica da Nardini era atrás da Igreja Matriz de Santo Antonio, ocupava um quarteirão todo, os arados produzidos como não cabiam na fábrica, muitas vezes ficavam na calçada. Disso eu me lembro. Teve uma época em que eles passaram a fabricar teares, a vocação de Americana passou a ser a de ter muitas indústrias têxteis. Havia outras fábricas de teares como a Teares Andrighetti, a Rebelo a Alva. Eram excelentes máquinas na época. A Nardini passou a fazer teares, só que eles não evoluíram, o maquinário ficou obsoleto. Eles já estavam na área de máquinas operatrizes, torno, fresa, estavam começando a abrirem as escolas SENAI no Brasil e a indústria automobilística. Eles forneciam muito.
Você conheceu alguém da família Nardini?
Conheci o Sr. Afredo Nardini, que foi da segunda geração dos Nardini, até onde sei o fundador foi o Sr. Fortunato Nardini que teve vários filhos, o mais velho era Bruno Nardini, conforme a tradição italiana, o filho mais velho tinha que ser um padre, e foi o Monsenhor Bruno. Quem conduzia a empresa era o Seu Alfredo e o Seu Fortunato, irmão dele. O seu Alfredo viajava o Brasil inteiro vendendo as máquinas.
Americana já tinha a linha de trem?
Tinha, era da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, era uma linha eletrificada, um espetáculo. O Trem Azul que era o trem de luxo fazia toda a região de Araraquara, Alta Paulista, tinha outro ramal que ia até Jales, esse trem tinha vagão restaurante, dormitório, era o que a Europa tem hoje. Ele saia da Estação da Luz, passava em Jundiaí, Campinas onde tinha uma derivação para a Mogiana, depois seguia até a primeira parada grande que era em Rio Claro, onde passava por uma inspeção completa, nos compressores, material rodante, olhavam tudo. Lembro-me que de Itirapina saia um ramal que ia até Barretos, e outro que seguia em frente e passava por Brotas, Torrinha, Dois Córregos, Jaú, Bauru e ia embora. O Trem Azul era o chamado trem de luxo, os funcionários uniformizados, com gravata, quepe, muito formal. Assentos almofadados, Os passageiros também viajavam com roupas sociais, os homens usavam terno. Havia o carro de passageiros de primeira classe e de segunda classe, ambos almofadados, os carros de segunda classe tinham os bancos em um material semelhante ao plástico, mais simples. Os de primeira classe eram de tecido apropriado, lembrava muito banco de avião. Alguns horários, em algumas composições, havia o carro Pullman. Era uma composição de passageiros, com cinco a seis carros de segunda classe, três de primeira classe e um carro Pullman, nesse carro havia uma pequena mesa, em torno dela sentavam quatro pessoas, as cadeiras giravam, havia o vagão restaurante e algumas composições tinham o carro dormitório também. O restaurante não era com glamour, mas era feito com cuidados especiais. Havia o Trem de Aço, que era um trem marrom, feito com chapas pintadas de marrom. Havia os trens com vagões de madeira. Eram trens mais simples. Todos os carros possuiam lustres. Não havia banco rasgado, vidro quebrado. As peças eram todas em bronze.
O ensino primário você estudou em qual escola?
Estudei na escola mais tradicional de Americana: Grupo Escolar Dr. Heitor Penteado, onde atualmente funciona a Biblioteca Púbica Municipal. É onde faço trabalho voluntário mais de uma vez por semana estou lá. Subo as escadas e penso: aqui estudei o terceiro ano, aqui o primeiro. Onde fiz o Jardim de Infância não existe mais porque derrubaram. Ao lado existe até hoje a Igreja Matriz de Santo Antonio. Fui descobrir que o Apfelstrudel (folhado de maçã) era feito de maçã quando eu já tinha uns 15 anos. Isso porque naquele tempo onde morávamos não existia maçã. A minha avó fazia strudel de banana!
Você lembra-se da FIDAM ?
Lembro-me da 1ª. FIDAM. Em uma área total que estimo ser de uns 10.000 metros quadrados, no centro dessa área a igreja em formato de cruz estava em construção, ao lado existiam dois terrenos vazios, usado como canteiro de obras. Alguém teve a idéia de organizar a 1ª. FIDAM – Feira Industrial de Americana. Ela começou no salão sob a igreja, com espaços delimitados por divisórias de Duratex, e cada empresa ia lá e colocava o seu nome, as peças de tecidos dependuradas, nessa época já tínhamos a indústria, só que da primeira FIDAM não participamos.
Como foi o ingresso da família na produção têxtil?
No período pós-guerra existia uma empresa de origem norte americana, Tecelagem de Fitas Dr. Hans Schwartz, até hoje existe o prédio em Carioba. Meu tio Enzo começou trabalhando lá. Através do tio do meu tio Enzo ele passou a trabalhar em um quartinho, era muito comum na época, colocava-se dois teares e tinha-se uma tecelagem! Tio Enzo e papai tomaram gosto pela coisa, a fábrica começou em 1946, a primeira folha, do primeiro livro de empregados da Indústria Irmãos Jurgensen tem o Dr.Jessir Bianco foi o primeiro contra-mestre, em uma analogia a construção civil é o mestre de obras.
Que tipo de tecido era produzido nessa indústria?
O mais simples possível! Muito forro, muito algodãozinho que ia ganhar estampinha, desse algodãozinho fazia camisa, vestido, toalha. Um tear mecânico da época conseguia fabricar no máximo 800 metros por mês. Antigamente não se vendia um caminhão de tecido, vendia-se uma peça. Vender cortes era uma coisa habitual. Cresci com a minha mãe guardando em casa, pontinhas de peças, quando precisava de uma camisa levava na costureira e fazia com aquele corte. Ou então fazia em casa, a maioria sabia costurar em casa. Tecelagem, confecção e malharia são coisas distintas. Americana não tinha vocação para malharia, as confecções em grande parte concentravam-se no Bairro Bom Retiro, em São Paulo. A Rua 25 de Março em São Paulo era em sua maioria lojas de tecidos.
O seu pai estudava a noite em Campinas?
Ele estudava contabilidade a noite, em Campinas, voltava no trem que acho que chegava a meia noite em Americana, ele não tinha como abrir a fábrica de manhã. Quem abria a fábrica era o Dr. Jessir. Quando meu pai concluiu os três anos de Escola São Luiz, o Dr. Jessir prestou vestibular na primeira turma da PUC para Direito. Em 1952 Dr. Jessir e Diógenes Gobbo, juntos com o Mantovani, fundaram o jornal “O Liberal”. É até hoje o jornal mais importante da cidade. De contramestre o Dr. Jessire passou a ser o advogado da empresa. Os acertos de demissão de empregado eram acertados no escritório. Tinha que haver um motivo muito forte pêra o funcionário sair da empresa. Era uma relação muito equilibrada entre a empresa e o funcionário. Americana prosperou muito, todo mundo ganhou dinheiro. Ruas asfaltadas com toda infra-estrutura. Para instalar uma empresa, entrava na prefeitura com um papel e saia com a empresa autorizada a funcionar. Meu pai começou a construir um prédio, onde hoje funciona uma delegacia de policia, na região central, na Rua Dr. Candido Cruz, eu morava com a minha avó, meu pai não tinha casa para morar. Ele construiu o prédio da fábrica para poder por os teares. Meu pai construiu a cozinha, o quartinho, do lado do escritório, no meio da fábrica, para você sair do escritório e ir para a sala de panos passava pelo meio da casa. Vendedores, clientes que vinham de fora, almoçavam em casa. Não sei como a minha mãe fazia ela tinha que se virar. Minha mãe era operária. Ela começou a trabalhar na tecelagem, foi a sorte do meu pai. Ela aprendeu a ser urditriz, que fazia os rolos de urdume, A máquina que realiza esse processo chama-se urdideira. Urdume são os fios no comprimento do tecido. Um grande carretel, até hoje chamados de rolos. Com diversos comprimentos: 500, 600, 1000 metros. A trama é feita com os fios da largura, que é feita com a lançadeira.
Você tem em sua casa muitas peças feitas com tecidos  fabricadas pela sua empresa, qual é a sensação de estar utilizando algo feito por você desde o inicio?
Eu sou também Técnico Têxtil formado pelo SENAI juntamente com a minha esposa Valdeci Borsato Jurgensen, o pai dela trabalhou na empresa Dierberger no setor de frutas do Mercado Municipal de São Paulo. O meu sogro veio para Limeira com a função de construir um viveiro de mudas para o Dierberger, a Fazenda Moinho Azul era de propriedade de um senhor chamado Fisher, cliente do Dierberger, um dia ele convidou o meu sogro para tomar conta da sua fazenda. A distância da fazenda até Americana era de 12 quilômetros, estudamos Valdeci e eu, na mesma escola, Instituto de Educação Presidente Kennedy, a Valdeci formou-se e passou a trabalhar na própria escola como professora. O meu sogro permaneceu na fazenda, mas não por muito tempo. Veio uma pessoa chamada Dr. Waldemar Clemente com sua esposa Lita Clemente. O Waldemar juntou com a Lita e constituíram a Walita. O Dr. Waldemar era filho de um fazendeiro de Monte Mor, ele estudou engenharia no Mackenzie em São Paulo e especialização na Alemanha, onde conheceu Dona Lita, casaram-se e vieram para o Brasil. Na época todo industrial tinha que ter uma fazenda, ele adquiriu a fazenda do Fischer, uma área de 540 alqueires as margens da Rodovia Anhanguera.  A Walita começou na Vila Mariana, em São Paulo, conheci pessoas que trabalharam lá. O Dr. Waldemar criou dentro da Walita uma divisão fabricando alternadores de carros, a Wapsa. O crescimento da Wapsa incomodou a Bosch, que adquiriu a Wapsa.
Voltando para a tecelagem Indústria Irmãos Jurgensen, qual foi a próxima etapa?
Meu pai foi àquela pessoa que gostava de aproveitar todos os cursos que surgiam, logo depois que ele formou-se em Campinas, em Americana surgiu a primeira escola para formar professores, a Escola Normal. Quem veio para dirigir a escola foi a  Professora Aparecida Paioli. Era uma senhora solteira, advogada, que sabia dirigir uma escola como ninguém. Ele formou-se na primeira turma, como professor, lecionou por um período como professor do Estado.
Como era a fábrica?
Ainda criança eu andava pela fábrica toda, mexia na espuladeira, fazia os tubetes de trama, espula é o tubete com fio.
Quantos cones cabem em um tear?
Depende do tamanho da gaiola da urdideira. Gaiola é uma armação de ferro com pinos, tinha uma metalúrgica,a Denadai, que construía, faziam de tudo, vários equipamentos de teares, tudo era feito em Americana. O cliente encomendava: “- Preciso de uma gaiola com 800 fusos”. Fusos são os pinos onde são colocados os cones com a linha para ser tecida.
Os motores funcionavam com energia elétrica?
A transmissão era feita por um sistema de correias, a energia elétrica tinha a vontade em Americana, já havia a Usina do Salto Grande. Foi um período em que tudo favoreceu, os tecidos eram despachados pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. A primeira transportadora rodoviária “Americana” começou com um caminhãozinho.
A AVA já existia?
A AVA- Auto Viação Americana era um modelo de transporte urbano. A linha mais longa dela era Campinas, Santa Bárbara D`Oeste, Piracicaba. Era uma epopéia sair de Campinas e vir até Piracicaba. A AVA foi incorporada pela Viação Piracicabana. Estudei na Escola de Engenharia de Piracicaba, onde me formei, vinha pela AVA, descia em frente a ESALQ, ali conseguia uma carona até a Escola de Engenharia. Isso no tempo da “Estrada Velha”, vinha por Tupy, Caiuby, a SP-304 não estava pronta ainda. De Americana à Piracicaba era uma hora de viagem.
Em que ano você entrou para a Escola de Engenharia de Piracicaba?
Fiz ginásio e colégio do Estado em Americana, depois um ano de cursinho no Anglo Latino em São Paulo, situado a Rua Tamandaré. Fui para São Paulo com 17 anos, pelo fato de ter jogado basquete pelo Rio Branco e praticado natação para o mesmo, já tinha a carteira de identidade..

Waldir você foi fazer o curso preparatório no Anglo Latino, em São Paulo, para ingressar na Escola de Engenharia.
Fui fazer a matrícula no cursinho, situado a Rua Tamandaré, com meu tio Enzo e minha mãe, fomos de Kombi, ele ia fazer uma entrega em São Paulo. O terceiro ano do Curso Científico fiz no Colégio Metodista de São Paulo, na Liberdade, a entrada era pela Rua Fagundes. O meu pai tinha uma tia, Corina Durante, que morava na Rua Barão de Iguape, juntamente com uma filha e um filho, o Roberto, com quem passei a dividir o quarto. Posso afirmar que a tia Corina foi a minha mãe por um ano. Ia a pé para o cursinho, as aulas começam às sete horas da manhã, quando fechavam o portão, eu andava um pouquinho mais de meia hora até chegar. As aulas do cursinho terminavam, a uma hora da tarde chegava em casa e passava a tarde estudando. Os exames simulados eram domingo pela manhã, só restava o domingo a tarde para descansar. Vinha à Piracicaba uma ou duas vezes ao mês. Isso era no tempo do MAPOFEI - foi um vestibular criado em 1969 para a área de Exatas nas universidades Instituto Mauá de Tecnologia (MA), Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (PO) e Faculdade de Engenharia Industrial (FEI). Ao fazer o vestibular tinha que colocar a ordem da escola que você queria. Entrei em Barretos, onde morei por dois anos, fiz o Tiro de Guerra lá, morava em república. O Tiro de Guerra ficava ao lado da faculdade. Às cinco horas da manhã estava no Tiro de Guerra, recebia as instruções, voltava para casa, trocava a farda e ia para a faculdade. Estava no segundo ano da faculdade, insatisfeito, pela distância, eram 300 quilômetros, eu desconhecia a existência de uma faculdade de engenharia em Piracicaba, encontrei um amigo, o Marton, que disse estar estudando na Escola de Engenharia de Piracicaba. Um dos professores que dava aula em Barretos, também lecionava em Piracicaba, o professor de Calculo I, Justino Castilho.  Fui falar com o secretário da escola, Luiz Romanelli. O Professor Justino morava em Limeira, meu pai conseguiu entrar em contato com ele. O Professor Justino de uma atenção muito grande. Coincidiu de no próximo sábado haver uma prova de seleção para alunos que desejavam a transferência. A prova foi aplicada pelo Professor Sady Previtalli, em um sábado a tarde, no período de férias escolares. Deu uma questão só, teve gente que pegou, olhou, devolveu. Fiquei lá, acredito que fui o último a entregar. No dia marcado, fui até a secretaria o Luiz Romanelli mandou trazer uma relação de documentos. Fui buscar a documentação em Barretos. A primeira aula de estatística que fui assistir na Escola de Engenharia de Piracicaba já era prova, o tramite dos documentos me impediram de ingressar antes. Tinha perdido três semanas de aulas. Em 1977 me formei em engenharia civil.
Você teve aula com o professor João Chaddad?
Tive. Na época ele estava construindo o Edifício Orsini. Ele construiu 18 edifícios em Piracicaba. Vivi três anos para a escola, não fiz outra coisa a não ser estudar.
Depois de formado você foi trabalhar em qual empresa?
Fiz algumas prospecções e acabei indo para o Rio de Janeiro. Em uma das maiores construtoras do país recebi a proposta para ir trabalhar em Tucurui, no Pará. Na época era uma localização inóspita. Sei que mandei muitos currículos, montei meu escritório, fazia pequenos projetos, acompanhava obras. Tinha outros dois sócios. Um deles prestou concurso e entrou em uma autarquia. Outro sócio decidiu ir acompanhar a empresa que a família tinha em outro ramo. A essa altura, meu tio Enzo já tinha se aposentado, meu pai ainda não. Foi quando fui convidado por ele para ir trabalhar na fábrica de tecidos. Quando percebi já estava envolvido no processo. Meu tio Enzo e meu pai fizeram um acerto financeiro, e a fábrica passou a ser propriedade do meu pai. Foi um período bom, final dos anos 70, começo dos anos 80, Americana estava muito bem. A nossa situação era difícil, isso porque não éramos pequenos, em contrapartida havia as grandes indústrias, a melhor época para a tecelagem em Americana foi em 1985, época em que o Sarney era o Presidente da República. Ele criou uma coisa na economia, que até hoje ninguém sabe o que aconteceu, a prefeitura de Americana tinha dinheiro sobrando, contratou a empresa Camargo Correia para fazer um canal no centro da cidade, foi construída a Rodoviária, o Teatro Municipal. Lembro-me que o Mario, nosso contador, no inicio do ano seguinte disse: “Waldir ! Esse foi o ano em que vocês mais pagaram imposto!”. Todo mundo ganhava dinheiro, você via o empregado contente, o contramestre nosso, que era a pessoa que tocava a fábrica, compramos uma casa em frente a fábrica e demos para ele morar, para não ter nem a preocupação de vir para a fábrica.
Vocês tinham clientes no Brasil todo?
Tínhamos. Quando alguém ia começar uma tecelagem, fazia o pano mais simples que existia que era o forro. Os famosos “forros de manga”, feitos com fio de acetato, a pessoa enfia o braço ele desliza; O meu pai passou a fazer forros para alfaiataria, os vestidos eram forrados, tudo era forrado. Em todas as indústrias sobravam restos de fios, eram juntados e vendidos como sucata, meu pai descobriu que se criasse uma linha inferior de forro com os restos dos fios, dava para vender forros para funerárias, não tinha quem quisesse fazer isso, meu pai com restos de fio ia fazendo, as funerárias do Brasil inteiro compravam. Uma, duas, pecinhas, mandávamos. Da Du Pont nós só comprávamos um tipo de fio chamado nylon cordura. Era um fio grosso, da chamada linha industrial, essa foi a linha mais evoluída que nós tivemos em termos de tecnologia. Tecido industrial vai na lona de pneus, lona de correia, tênis, mochilas. Vendemos muito para a MAGGION PNEUS e CORREIAS. A CINASA usava também para impermeabilização de viga-calha, tínhamos que cortar tudo em rolos estreitinhos para mandar para eles. A Correias Universal de Várzea Paulista comprou muito conosco. Houve um período em que fornecemos muito para Franca, para sapatos de lona. O grosso dessa linha industrial era para Curitiba e Rio Grande do Sul. Você não imagina a quantidade de fábrica de malas que havia em Curitiba. Americana era sinônimo de prosperidade, não pelos metros que eram feitos, mas sim pelo quanto de estoque existia, Isso em todos os segmentos, havia uma marcenaria pequena, mas o estoque de madeira que ela possuía era imenso.
Vocês só tinham a tecelagem?
Basicamente sim, tínhamos algumas máquinas para fazer preparação com fios, não tínhamos a parte de tingimento e estamparia. O nosso sonho era ter uma tinturaria. As vezes colocávamos um tecido em uma tinturaria ficava dois meses para ser tingido. Imagine o estoque que você tinha que ter. Era antieconômico. Não existe teoria de economia que explique ficar com um giro desse parado. Além disso, a anilina utilizada, conforme a qualidade influencia na qualidade do tecido, quando ele chega da tinturaria é praticamente impossível saber qual a qualidade da anilina utilizada, só com o uso é que o consumidor ficará sabendo. As ramas eram todas iguais, a água, fixadores, muitas vezes pagava-se por um serviço que não havia certeza da qualidade. Decidimos montar uma tinturaria, Fiz o projeto, com todas as especificações técnicas. A prefeitura não aprovou. Americana não tinha mais condições de oferecer água para novas indústrias. Quando aconteceu esse fato fui até a Associação das Indústrias, por um período de tempo ela tinha cotas de água destinadas à industria, na época não adquirimos nenhuma, não pensávamos ainda em colocar a tinturaria. As cotas tinham acabado apenas o prefeito poderia liberar. Fomos falar com o prefeito, um médico, Dr. Waldemar Tebaldi, tinha aversão a empresários, ele que expandiu a parte iurbana de Americana, até ele entrar não se construia em terreno com cinco metros de frente, Dr. Tebaldi liberou a construção em terrenos de cinco metros de frente. Acabou todo urbanismo da cidade. A partir do memomento que ele liberou os terrenos as ruas passaram a ter 12 metros e não mais 14 metros, esses bairros não tem qualidade de vida. O morador faz a garagem, as guias são todas rebaixadas, se você chegar de carro vai parar aonde? Se tiver um evento, um aniversário como é que faz?Vai parar aonde? Há bairros inteiros assim. Fui contra isso. Diseram-me que na Europa tem. Só que a realidade é outra. Americana não precisava disso. Imagine a rede de água para atender aquela quantidade de casas? O sonho dele era fazer um hospital. De fato existe um hospital que leva o nome dele, só que hoje vejo que é uma das razões que afundou Americana, não tem orçamento que consegue bancar um hospital. O diretor clinico do hospital era o Dr. Helio, que foi prefeito de Campinas. O sonho do Dr. Tebaldi era fazer um hospital para atender gratuitamente. Infelizmente perderam o controle, o hospital passou a atender pacientes de cidades vizinhas, e Americana arcando com os custos. Na minha visão hospital tem que estar sob a responsabilidade do Estado ou da União.
E vocês como resolveram o problema da água?
Adquirimos um terreno no municipio vizinho de Nova Odessa, ao lado da represa, com água a vontade. A tinturaria foi para lá. A Toyobo de Americana fazia o melhor fio de algodão do mundo. Era a perfeição. Não sobrava, era muito dificil conseguir uma cota para comprar deles, exportavam tudo. A Toyobo começou com a fiação, depois no Alto de São Domingos montou uma tecelagem grande, alta produção. Ao lado da tecelagem montaram uma confecção a Grand Smash, o resto de algodão, o que sobrava eles montaram uma fábrica de meias, faziam nylon, como nós fazíamos, faziam malharia, tudo que era da área espoprtiva.
Existe ainda a Toyobo?
Infelizmente fiquei sabendo que a empresa está fechando, foi no dia em o nosso presidente estava no Japão convidando as empresas japonesas a investirem no Brasil. A fibra acabou, a Polienka multinacional holandesa acabou, faliu.
Voce ainda mantém a empresa?
Não, fui sócio com os meus irmãos por 16 a 17 anos, de 1978 até o dia do Plano Real, em 1994. Nesse dia comecei a minha empresa, parei  agora em 2011. Esperei o ultimo empregado conseguir um emprego.
Como a música entrou em sua vida?
Meu pai na sua juventude tocou na primeira orquestra que teve em Americana. O Colégio Piracicabano tinha um orfeão o regente chamava-se Germano Benencase. Italiano, nascido a Vietri-sul Mare a 9 de abril de 1897, morava em Americana e era sogro do meu tio Enzo. Lembro-me até hoje quando Villa Lobos esteve no Colégio Piracicabano. O maestro Benencase era compositor, professor de violino, regente auto didata. Fez músicas conhecidas, editadas. Não tinha ainda  a Escola de Música  Piracicaba. O Maestro Benencase dava aulas também no Educandário Divino Salvador de Americana. Era um professor de música que ensinava solfejo, canto e instrumento. Meu pai tinha aulas de violino com ele. O filho dele era violinista e regente, montou uma orquestra em Americana, meu pai tocou nessa orquestra. Que eu sei foi a primeira orquestra de Americana: “Orquestra de Cordas de Americana” tenho as partituras guardadas até hoje.
Você perguntou como eu entrei na música
O violino ficava em cima do guarda-roupa em casa, eu nem me atrevia a chegar perto dele porque tocar violino era coisa de gênio. O maestro italiano, o músico italiano, só ele tinha o conhecimento, não podia se falar em frente a ele. Música era Verdi ! No máximo um Villa Lobos! O clima era esse. Eu estudava piano, nunca toquei nada para ele. Não me atrevia a chegar lá e tocar.
Quem dava aulas de piano para você?
As professoras da cidade, entre elas Elisete de Camargo Neves. Comecei a tocar com cinco a seis anos, entrei no Jardim da Infancia não sabia escrever o nome mas já tinha o caderninho de música. Era moda: toda casa tinha um piano!  Mulheres praticamente só tocavam piano. Não eram vistas com bons olhos as que tocavam violão. Violino não era um instrumento, era um troféu! Eu fiz uns 4 ou 5 anos de piano, eu sabia ler do meu jeito: clave de sol; clave de fá; tirava a música mas demorava. O Jardim da Infancia era uma coisa em que contava-se uma historia para o aluno desenvolver, não ia direto na fórmula, na lousa. As aulas de piano eram assim. A Elisete puxava a partitura e mandava tocar essa frase. A segunda vez eu não olhava a partitura isso é aprender a tocar de ouvido. É valido? Sim!O compositor parte dai para escrever. Resultado: anos 60, você ligava unm rádio, ouvia Jovem Guarda.
E Bossa Nova?
Lembro-me de que as primeiras coisas que ouvi de Bossa Nova questionei-me: “-Espere um pouco. Essa música é diferente!”. Lembro-me da primeira vez que ouvi “Garota de Ipanema”. Eu era garoto, sentava ao piano e tocava.  Ouvia-se muito rádio. Em Americana só tinha uma: Rádio Clube de Americana,AM, o gerente era Geraldo Pianhanelli, a rádio era dos irmãos Duarte. Saiu um disco dos Beatles, alguém tinha, nós não tinhamos dinheiro para comprar, eu estava em uma calçada de um barzinho, conversando, quando chegou de São Paulo o Castro dizendo: “-Gente, olha o que eu comprei!”. Era um disco de vinil, compacto, não me lembro se era uma ou duas musicas de cada lado do disco do Sgt. Pepper's. Beatles. não tocava na rádio, demorava para chegar. Iamos a casa de algum colega para escutar. Fazíamos a festinha americana, cada um levava um prato com alguma coisa, colocavamos a música tocando e nos reuniamos, garotos e garotas. Toda casa tinha piano, nas festas de aniversário, sobrava para mim a tarefa de tocar. Foi inaugurada a piscina, a quadra de futebol de salão, a quadra de basquete, a quadra de hoquei,  do Clube Rio Branco, na decada de 60, e tinha o Salão de Baile que todos os sábados tinha soirée, com 14 anos podia ir. O Clube Rio Branco fez o maior sucesso, pegou uma diretoria espetacular. Com o ginásio do Rio Branco , larguei o piano, minha mãe não gostou quando troquei o piano pelo esporte. Passava o dia inteiro no Rio Branco. O Ginásio Estadual Presidente Kennedy ficava ao lado do Clube Rio Branco, a tarde quando terminava as aulas ia pegar uma piscina. Naquela época quem estudava no Kennedy usava paletó e gravata, trocava de roupa, punha o “calção” saia da piscina, colocava o uniforme de novo e ia embora. Foram anos assim. A parte de esportes do Rio Branco desenvolveu-se muito,  Americana teve um time de Hoquei de Patins que era excelente, vinha a Portuguesa de Desportes jogar em Americana.
O hoquei é um esporte de elite?
O equipamento era caro. É um esporte violento porém bonito de se ver.
Como você tornou-se um violinista?
Um dia eu estava na fábrica, apareceu uma pessoa o Sr.Agostinho Campaner Paparotti, eu o conhecia, ele tinha uma marcenaria, queria falar com o meu pai. Eu ouvi de longe os dois conversarem, o Agostinho dizendo ao meu pai “- Porque você não volta?” Passaram-se uns dias, tocou o telefone novamente, a fábrica tinha só um telefone, o número era 1871, ficava na minha mesa, não tinha ramal. Era o Seu Agostinho procurando pelo meu pai. Meu pai não gostava de dirigir, ele disse-me: “- Você precisa me levar na marcenaria do Agostinho”. Quando cheguei encontrei um local com um grande número de peças de violino, arco de violino, violoncelo,tinha até uma harpa. O homem era um luthier! Do outro lado havia uma banca com um senhor italiano, já idoso, trabalhando, escavando as madeiras. O Seu Agostinho era um músico amador, que nunca tinha abandonado a profissão. Era um músico amador que depois passou a ser profissional integrante da Orquestra Sinfonica de Americana, tocava junto com o musico de renome internacional, Paulo Celso Guimarães de Souza. Eu freqüentava os concertos, gostava muito de ir também para os concertos da Orquestra Sinfônica de Campinas.
O seu pai teve uma atuação marcante junto a comunidade em Americana?
Ele trabalhou por mais de 30 anos para a Igreja Santo Antonio, era da comissão das festas do mês de junho, a Igreja Católica fundou uma orquestra em uma creche em Americana, a “Creche Irmã Doracina Saraiva”.
Como era o Seu Agostinho?
Era muito hospitaleiro, tinha tempo para tudo, dizia: “- Venha aí na hora em que você quiser!”. Lembro-me que voltei um dia, ele tinha umas ferramentas que eu nunca tinha visto na vida, goivas, entalhamento de madeira, consertava uma harpa, aqueles chaveamentos, aquilo encanta. Um sábado fui até lá, Seu Agostinho disse-me que estava cansado de convidar o meu pai para voltar a tocar, perguntou-me se eu não tocava nenhum instrumento, disse-lhe que tocava piano. Ele disse-me: “Vem ai! Eu te ensino alguma coisa de violino!” Resultado: comecei a fazer aulas com ele, do zero! O tempinho que sobrava aos sábados, lá pelas três horas da tarde eu ia para lá. Um sábado o Agostinho disse-me: “-Waldir! Eu preciso ir para Salto tocar! Vai ter um concerto! Você quer ir comigo?” Ele não falou com todas as letras, mas era para que eu fosse dirigindo o automóvel. Teve um domingo que ele me disse: “- Waldir, eu preciso ir para São Paulo, preciso fazer aula com Altea Alimonda”. Uma noite Seu Agostinho disse-me: “ Esta começando uma orquestra em Piracicaba, você não quer me levar?”. Viemos, foi na casa do Seu Waldir Belluco, estava presente Justo Moretti Filho. Foi ele quem nos orientou em um episódio em que a carteira do CREA veio incompleta, Ele era professor da ESALQ e Conselheiro do CREA. Ele me convidou para participar da orquestra. Lembro-me da primeira vez em que pisei em um palco, no Teatro Dr.. Losso Netto. Eu pisei no palco tremendo. Tudo é experiência na vida.  Seu Justo Moretti me incentivou a ter aulas com o Seu Waldir Belluco. Fiz aulas com ele por seis ou sete anos, tivemos um regente que um dia disse: “-O Lar dos Velhinhos vai fazer 95 anos, vou levar o coral para lá e preciso levar a orquestra também”. Domingo de manhã, quando entrei, vi aquela igreja, o lago, pensei: “-Mas que lugar!” Piracicaba tem um lugar desses!”. Depois de um mês meu sogro estava morando no Lar dos Velhinhos  de Piracicaba. Ele saiu bem mal de Americana, a Irmã Hilda que cuidava dele, ela não é uma Irmã, é uma Santa. Ele sarou, tivemos que comprar roupas novas, ele engordou, nada mais servia. Passou a ter qualidade de vida, andava para todos os lugares. Cheguei um dia no Lar, perguntei pelo meu sogro: “ Cadê Seu Alcides?”.Responderam-me que ele tinha saído. Retruquei: “ –Mas não está autorizada a saída dele sozinho!” . A pessoa  disse-me: “ Ele saiu com o Dr. Jairo Ribeiro de Mattos!” então presidente do Lar dos Velhinhos.  Dali a pouco apareceram os dois, Dr. Jairo descobriu que ele tinha trabalhado a vida toda na Fazenda Dierberger, ficaram grandes amigos.



JOVELINA GOIA

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 24 dezembro de 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/


ENTREVISTADO: JOVELINA GOIA
Ao relatarmos sobre Jovelina Goia, estamos trazendo a tona parte da história recente de Piracicaba. Um dos pontos que desperta lembranças é a saga de “Ao Cardinali” há períodos em que as narrativas se entrelaçam. “A trajetória empresarial de “Ao Cardinali” iniciou-se em 1 de janeiro de 1936, quando o casal Augusto e Ida Cardinali estabeleceram-se na Avenida Conceição,19, antiga Avenida Rui Barbosa,129, na Vila Rezende. O casal permaneceu com essa atividade até o ano de 1949, quando no dia 9 de julho, estabeleceu-se na mesma Avenida Conceição,13, com a denominada “Casa Imaculada Conceição”, no ramo de comércio de louças e presentes. No ano de 1951, no mês de novembro , abriu a filial da Rua Governador Pedro de Toledo,784, permanecendo até o ano de 1995, transferindo-se em seguida para a Rua Governador Pedro de Toledo, 826 contando sempre com a colaboração do seu filho Irandir (Didi) na direção da empresa, da filha Arlet e também do neto Irandir Junior. No ano de 1969, dia 20 de abril, um incêndio devorou todo o estabelecimento, passando a atuar na mesma Rua Governador Pedro de Toledo, esquina com a Rua São José, imóvel pertencente a família Luciano Guidotti, até o mês de dezembro do mesmo ano, retornando ao prédio da Rua Governador Pedro de Toledo,784 , totalmente remodelado. “Ao Cardinali” tornou-se celebre por estar voltada para artigos para presentes, cristais, porcelanas, artigos em inox, peças para decoração e utilidades domésticas, sempre com o lema de bem-servir e transparência nas operações comerciais, contando com uma equipe de colaboradores, atentando sempre para o bom atendimento. Pertence a família de Irandir, sua esposa Eudacil e a filha Iraneuda. Essa nota foi distribuída, mencionando o ano de 1991”.
Jovelina Goia nasceu a 7 de novembro de 1946 no bairro rural de Santana, em Piracicaba, filha de Oscar Goia e Otilia Cristofoletti Goia que tiveram nove filhos: Jovelina, Ana Maria,Olivia Carmem, Roque Caetano,Luiz André, Aparecida de Fátima, Deucida, Luzia e Dorival. Seu pai foi agricultor, cultivava arroz, melancia, feijão, ervilha até que nos últimos anos cultivou cana-de-açúcar. 
Naquela época desde pequenos já ajudavam o papai e a mamãe?
A partir dos sete anos, ia para a escola, voltava e já ia ajudar o pai e a mãe. Tinha uma avó que era da família Vitti e outra das minhas avós era Cristofoletti, ambas descendentes de tiroleses. Eu freqüentava o Grupo Escolar Dr. Samuel de Castro Neves.
Essa escola tinha também alunos do bairro vizinho de Santa Olímpia?
Eu acredito que sim, havia certa disputa entre os dois bairros, desde aquela época. Acredito que com o passar do tempo essas disputas, que eram até saudáveis, foram diminuindo.
Em Santana a senhora estudou até que série?
Até a terceira série. Eu era muito magrinha, meu pai tirou-me da escola por precaução levava uma hora a cavalo para chegar até a escola. Quando chegava à minha casa tomava um lanche, não me alimentava bem. Depois fiz o quarto ano noturno, em Santana, meu pai fez comigo para que eu fosse. O sítio era do Seu Antonio Gadotti que tinha um açougue na Vila Rezende, na Rua Primeiro de Agosto.
A senhora ia a cavalo sozinha?
Íamos eu e minha irmã.
Como chamava o cavalo?
Era uma éguinha, a “Pampa”, pintadinha de branco e marrom. Era mansinha, tenho muita saudade dela. Enquanto estávamos na escola ela ficava na casa de um padeiro que era vizinho do grupo escolar.
O seu pai estudou o quarto ano primário com a senhora?
Estudou comigo! Ele já tinha estudado anteriormente, mas foi comigo só para que eu fizesse o quarto ano noturno. Lembro-me que a professora que lecionava no quarto ano noturno era Dona Isabel Vitti. Havia também a professora Raquel, que era professora substituta. Eu a adorava. Outra professora era a Dona Dirce. Nessa época tínhamos mudado para próximo da escola, cerca de 50 metros de distância.
Naquela época ao completar o quarto ano primário já se encerravam os estudos e ia trabalhar?
Exatamente! Fui trabalhar com o papai na roça. Nessa época trabalhávamos com arroz, feijão, melancia, milho. Plantávamos, cuidávamos e colhíamos. Meu pai passava com o arado, ia abrindo a cova e nós íamos atrás plantando. Com o pezinho íamos cobrindo as sementes com terra. Nós morávamos no meio de uma invernada, os bois eram para serem abatidos. As vacas tinham crias, mas eram muito bravas. Se não estou enganada, minha mãe adquiria leite de cabra de alguma vizinha. Ou comprava leite de vaca, mas de outra pessoa. Nessa época já éramos cinco filhos.
E os pratos italianos, como eram?
Havia muita fartura, macarronada, polenta, nunca faltou nada. Não havia o luxo que existe atualmente. Tínhamos carne de porco, de frango, fazíamos lingüiça, fritava a carne do porco e deixava dentro da lata de gordura. Era assim que se armazenava, não havia geladeira. Depois à medida que comíamos, tirávamos e colocávamos para fritar na panela. Era uma comida saudável. Não se falava em colesterol e demais índices indicadores de gordura. Trabalhava-se muito.
Vocês vinham muitas vezes para a cidade?
Vínhamos poucas vezes. Papai vinha, fazia as compras e levava para casa. Comprava-se o essencial: sal, açúcar pegava na usina, coisas que não tinha mesmo em casa. Praticamente tínhamos tudo lá. Verduras, alface, cenoura, tínhamos uma horta.
O seu pai vinha para a cidade de charrete?
Ele vinha de charrete até o “caiapiá”, (acredita-se que tenha essa denominação derivada de “calepiá” por sua vez derivada de eucaliptal ).era aonde carregava-se cana de açúcar nos vagões de trem do Engenho Central.  Na estrada que liga Piracicaba a Charqueda, ali ele vinha, deixava a charrete e o cavalo na casa de um tio, que era da família Zambon. Ele pegava o ônibus da Trevisan e vinha para Piracicaba. Propriedade de Egisto Trevisan (A Viação Trevisan, em plena atividade desde 1954, foi fundada pelos irmãos Egisto Trevisan, Lazaro Trevisan e Antonio Trevisan). Em Santana conheci um moço e acabei casando-me com ele e vim morar em Piracicaba. A partir daí eu ia até a casa dos meus pais só para passear, eles tinham mudado para a Vila Santa Luzia, conhecida também como Tabela do Recreio.
A senhora passou a trabalhar em Piracicaba?
Comecei a trabalhar quando faltavam quinze dias para inaugurar o Hotel Beira Rio. Eram cinco andares.  Entrei como camareira, arrumava os quartos do segundo andar, era um hotel luxuoso para a época. Lá eu também tomava as minhas refeições, eu morava pertinho, na Vila Rezende. Permaneci no Hotel Beira Rio por dois anos e oito meses. O serviço em hotel exige muito do funcionário, embora obedeça a uma escala, trabalha-se aos sábados, domingos. O proprietário era Seu Antonio José Martins, o “Toninho Beira Rio”.  Ele veio de Curitiba. O seu filho tem o Antonio`s Hotel.
A senhora saiu e foi trabalhar aonde?
Fui trabalhar na casa de Dona Amélia Guidotti, esposa de Luciano Guidotti, na época já havia falecido. Trabalhei oito anos com ela. Eu conheci o Prefeito Luciano Guidotti, porque tinha minhas amigas que trabalhavam lá há muitos anos, eu ia visitá-las e conseqüentemente as vezes o via. A casa situava-se na Avenida Independência esquina com a Avenida Saldanha Marinho. Ali morava Dona Amélia, a sua filha Lucia Cristina ao lado, o Seu Wilson Guidotti, pai do Balu Guidotti, do outro lado.
Como era a Dona Amélia?
Maravilhosa! Eu sempre dizia para ela que a tinha como minha segunda mãe. Aprendi muito com ela. Entrei como arrumadeira, tinha cozinheira e uma babá que era para os netinhos dela. Nessa época ela já morava no Edifício Tapajós.
 Dona Amélia comentava alguma particularidade do Comendador Luciano Guidotti ?
Ela falava que ele deitava na cadeira de balanço e dormia. Ela dizia: “- Nossa Luciano!  Você mal encostou e já está dormindo!” Ele respondia: “-É a consciência tranqüila!”
Por que a senhora deixou de trabalhar para Dona Amélia?
Eu queria t5rabalhar no comércio. Eu estava doida pelo comercio. Queria entrar na Drogasil. Existia a Farmasil e a Drogasil. Era três farmácias da rede na Rua Governador Pedro de Toledo. Dona Amélia dizia: “–Você vem amanhã almoçar comigo!”. Na hora do meu almoço na Drogasil eu ia ao Edifício Tapajós, que ficava a uns quatro ou cinco quarteirões. E gradativamente fui espaçando esses almoços. Eu a adorava. Aprendi muita coisa com ela, ela às vezes perguntava se eu ia demorar muito na cozinha, e convidava-me para sentar junto a ela para assistir televisão. Foi e época em que a filha dela mudou-se para o apartamento debaixo.
Em qual dos estabelecimentos da Farmasil a senhora foi trabalhar?
Fui trabalhar como caixa na Farmasil denominada Nova Piracicaba, situada entre a Rua XV de Novembro e a Rua Rangel Pestana. Era ao lado da Lojas Riachuelo.
Como era trabalhar no caixa?
Eu transpirava de baixo em cima! Ficava nervosa quando via fila no caixa. Meu gerente, Seu Antonio, dizia: “- Você vai prestar toda a sua atenção no primeiro cliente que estiver a sua frente! Cobra volta o troco direitinho. Depois vem o outro! Não veja a fila!” Isso no tempo daquela abençoada máquina registradora que tocava campainha quando cobrava. Fazia um barulhinho característico e abria a gaveta. Eu queria ter um salário melhor, passei a ser perfumista. Cuidava dos perfumes e atendia os clientes que desejassem perfume.
O que é necessário para ser uma perfumista?
Não sei! Entrei de olhos fechados!
Como identificar o perfume ideal para cada pessoa?
Normalmente a pessoa já estava determinada a adquirir o produto que ela desejava. Uma das características é que eu trabalhava maquiada. Usava-se um sapato com um salto médio, usava calça cumprida e um casaquinho, comprido e com manga até abaixo do cotovelo, tinha gola, No pescoço usava um lencinho. Não havia ar condicionado, apenas ventilador. A loja “Ao Cardinali” tinha convenio com a Drogasil eu via o que as funcionárias de “Ao Cardinali”gastavam na Drogasil, logo conclui que o salário deveria ser muito bom. A Arlet Cardinali, irmã do Irandir (Didi) Cardinali, convidou-me para trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época o gerente da Drogasil era o seu Elcio. Após uns dois meses fui trabalhar em “Ao Cardinali”. Nessa época ainda estavam em “Ao Cardinali” o Seu Augusto Cardinali e Ida Siviero Cardinali, pais do Didi , da Arlet, Augusto Cardinali Junior, esses três filhos ficavam na loja, os demais filhos tinham atividades fora da loja.
Por muitos anos “Ao Cardinali”  dominou o mercado de presentes finos em Piracicaba.
Foi criada uma tradição, o fato de dar um presente com a etiqueta “Ao Cardinali” já estava chique. Fiz muitas amizades quando trabalhei lá. As famílias Dedini, Ometto, todo pessoal da alta sociedade piracicabana comprava em “Ao Cardinali”. É interessante observar que as pessoas de menos recursos também compravam lá, havia facilidades para realizarem o pagamento. Havia o crediário com cinco a seis pessoas trabalhando  nesse setor. Vendia-se muito para empresas, todos os restaurantes adquiriam produtos com eles: copos, pratos, taças. O Restaurante Mirante adquiria tudo que necessitava em “Ao Cardinali”. Aceitávamos encomendas. Se dois pratos do aparelho de jantar quebrassem, nós providenciávamos a reposição. Havia uma grande confiança por parte do cliente em nossas orientações. Caso a pessoa precisasse dar um presente a alguém, seja aniversário, casamento, ou outra ocasião especial, éramos instruídas como agir. Direcionávamos o presente e o cliente para o mesmo sentido. Conforme a situação e a posição social do cliente e do presenteado, e as possibilidades de comprar. Era feita uma rápida análise e tínhamos de pronto a solução. Recebíamos treinamento para agir corretamente em cada situação. O importante era que o cliente saísse plenamente satisfeito. Tínhamos aulas de etiqueta, de que lado coloca-se o garfo e a faca, conforme a bebida a ser servida correspondia uma taça. Até a abordagem ao cliente. Cada produto novo que chegava tinha instruções a respeito do produto, se chegasse um carrinho de bebe tínhamos que aprender tudo sobre como abrir, fechar, desmontar.
A venda de faqueiros na época era muito grande?
Saia bastante havia com 130 peças e outro com 101 peças. Acredito que foi “Ao Cardinali” que lançou em Piracicaba a hoje tão comum “Lista de Presentes”. Que são os presentes que os noivos gostariam de ganhar. Isso facilita muito.
Alguns anos antes eram comuns, presentear galheteiros.
Davam muito, era um dos presentes mais acessíveis financeiramente. Tínhamos também o sistema de troca de presentes, se por acaso o casal ganhasse três panelas de pressão, podia dar uma para a mãe, outra para a sogra e uma para o casal. Mas e quando ganhava cinco panelas de pressão? Trocava por aquilo que ela não tinha ganhado. As panelas Nigro, Panex, Rochedo, eram bem conceituadas. Dos faqueiros o Hercules era o de maior valor.
Tinha brinquedos?
Na época de brinquedos era muito bom, fazíamos a felicidade de muitas crianças.
A relação de “Ao Cardinali” com a loja “A Porta Larga” como era?
“A Porta Larga” era uma loja muito bem conceituada, com excelentes produtos, só que o segmento em que eles atuavam era mais da área têxtil.
Ainda com relação a treinamento, se houvesse pessoas interessadas em fazer fondue, marcávamos um local, convidávamos os interessados, vinha um senhor de São Paulo, trazendo todo o material, íamos duas ou três vendedoras, a gerente, o professor e os convidados.  Cada vez que fazíamos iam 20 a 30 pessoas. Pessoas de restaurante também participavam. O Vado do Restaurante Mirante estava sempre em “Ao Cardinali”.Quando eu entrei já trabalhavam lá 30 funcionárias. Nos finais de ano contratavam mais funcionários. O Seu Didi trabalhava mais na área de compras, seu irmão cuidava das finanças, sua irmã cuidava de nós. Havia três homens só para fazerem as entregas, trazerem mercadorias do depósito. Tudo que havia de novidade tinha em “Ao Cardinali”.
A vitrine de “Ao Cardinali” marcou uma época, era muito atraente, principalmente a noite quando as pessoas saiam a passeio.
Todas as semanas fazíamos uma vitrine diferente. A gerente dava as instruções e umas três ou quatro funcionárias ajudavam. No Natal não trabalhávamos com venda de árvore de Natal, porém montávamos uma para dar o clima natalino. No período do Natal não tínhamos tempo de almoçar, jantar, era uma loucura!
A loja “Ao Cardinali”, com uma clientela muito boa, excelentes fornecedores, decidiu abrir uma filial logo que o Shopping Piracicaba foi inaugurado, como isso foi visto pelos funcionários?
Na realidade o Didi Cardinali abriu a loja para dar oportunidade de crescimento e expansão, por razões que merecem um estudo a parte, o empreendimento permaneceu aberto por alguns anos. Ele próprio esteve a frente da loja, lá eu trabalhei de 1990 a setembro de 1997. Lá havia a Mesbla e a Sears.
Com toda a sua vivência em comércio, como a senhora vê a postura e o atendimento que são dados atualmente aos clientes em determinados estabelecimentos?
Na minha época havia uma comissão que o vendedor recebia pelas vendas realizadas. Dizem que houve diversas mudanças, isso refletiu negativamente no atendimento, no tratamento que é dispensado ao cliente. Trabalhar no “Ao Cardinali” era um privilégio, era uma escola, os demais comerciantes queriam empregar todos que trabalharam no “Ao Cardinali”. Um conhecido lojista, bem sucedido, sempre esteve atento as possíveis e raras funcionárias que saiam de “Ao Cardinali”. Ele celebrizou essa convicção de que todas nós éramos excelentes funcionárias. Entre os fatos marcantes e característicos, aconteceu de uma criança entrar com febre e sair feliz, ele queria intensamente determinado brinquedo. A mãe não podia adquirir a vista, nem em duas parcelas, mas consegui fazer com que pagasse em cinco vezes pelo crediário. A criança transformou-se na hora. Saiu radiante de felicidade. Outra coisa que deixou saudade eram as festas de confraternização que fazíamos entre nós, na própria loja. Fechávamos a loja e comemorávamos nossos sucessos, nossas vitórias, lutas, desafios vencidos.




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