domingo, outubro 22, 2017

ALEXANDRE SARKIS NEDER


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 14 outubro de  2017.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/                        


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: ALEXANDRE SARKIS NEDER


 

Piracicaba possivelmente por ser uma das pioneiras do rádio, logo que ele passou a funcionar comercialmente no Brasil, por muitas décadas é um manancial de talentos na área de comunicação radiofônica. Além das rádios comerciais, tradicionais, tem um grande número de rádios alternativas, via internet. Grandes nomes que brilharam e brilha nos meios de comunicação, a chamada “grande mídia” é oriunda de Piracicaba. Desde Carlos Nascimento, Roberto Cabrini, José Occhiuso, executivo que ocupa o cargo de Diretor de Jornalismo do SBT, um currículo de trabalho nas grandes redes de televisão. Gilberto Barros é piracicabano. Luis Carlos Quartarollo. Carlos Colonnese, que foi produtor e diretor da TV Cultura é diretor de uma empresa de comunicação de São Paulo. O lendário Léo Batista que até hoje trabalha na TV Globo já foi locutor em uma das emissoras de rádio de Piracicaba. O não menos impactante Gil Gomes, no inicio de sua carreira trabalhou também em radio piracicabana, assim como o saudoso Francisco Milani, que se tornou muito popular na “Escolinha” apresentada por Chico Anísio. E muitos outros que brilharam na chamada grande mídia. Alguns ainda estão na ativa em Piracicaba e região. Além dos nomes acima citados, muitos saíram de Piracicaba, permaneceram por muito tempo fora, com grande sucesso, mas a saudade da Noiva da Colina falou mais alto. Isso sem mencionarmos os “Monstros Sagrados” do rádio piracicabano, que por décadas desfilaram e muitos continuam ainda encantando seus ouvintes com seu talento. Alexandre Sarkis Neder conta-nos como iniciou a sua paixão pela comunicação social, escrita falada e através da imagem. Conquistou seu público, busca estar sempre com a informação mais precisa possível, ele sabe que a credibilidade do comunicador é o seu maior patrimônio.

Alexandre Sarkis Neder você natural de Piracicaba?

Nasci no dia 30 de janeiro de 1969, em Piracicaba, meus pais são o Professor Dr. Antonio Carlos Neder, cirurgião dentista, professor universitário e farmacologista e Jamile Sarkis Neder que por muitos anos trabalhou em posto de saúde em Piracicaba, foi professora da Rede Pública de Ensino, tiveram dois filhos: Silvia e Alexandre.

  Em qual escola você iniciou os seus estudos?

Foi na Rua D.Pedro I em uma escola denominada Escola Nova Recanto Infantil, depois fui fazer o meu pré-primário na Escola Nossa Senhora da Assunção. Era o tradicional Colégio das Freiras, naquela época era freqüentado tanto por alunos do sexo feminino como alunos do sexo masculino. Lá eu estudei o curso primário, o ginásio eu estudei no Colégio Salesiano Dom Bosco. O curso colegial técnico em administração eu fiz no Colégio Piracicabano. Cursei Jornalismo na UNIMEP Campus Centro, a minha formatura foi em 1991.

Como surgiu essa sua paixão pela comunicação social?

Costumo dizer que o que me levou para o jornalismo foi o esporte, sempre fui fã de esporte em especial futebol e Fórmula-1. No início da década de 80 eu demonstrava uma tendência ao jornalismo. Eu recortava os jornais que recebia em minha casa, às vezes até irritando pai e mãe, eles não tinham como ler, estava todo picotado. Montava do meu jeito, um jornal em folha de papel almaço, com várias páginas. Escrevia o nome fictício do jornal, isso eu tinha meus 9 a 10 anos. Fui me desenvolvendo, lendo, me interessando mais pelas coisas do jornalismo. No ano de 1982 houve uma grande revolução na minha vida: tinha chegado ao mercado o videocassete! Isso era uma coisa louca, poder gravar o que você está vendo na televisão!

Havia até consórcio para adquirir videocassete.

Por ai medimos como era difícil adquirir! Em 1982 houve a Copa do Mundo da Espanha. Comecei a fazer um acervo de imagens, que preservo até hoje, Em 1983 um grande amigo da família, Mário Monteiro Terra, veio em minha casa, conversou comigo, viu e leu algumas coisas. A essa altura já estava também escrevendo meus comentários e opiniões. Foi quando ele disse: “-Tem que levar esse menino para ter uma coluna de esportes em O Diário”. Ele viu um comentário que eu tinha feito a respeito do presidente da CBF na época, o Giulite Coutinho, era uma critica que eu tinha feito ao futebol brasileiro. O Mário levou o artigo para ser publicado. Em abril de 1983 eu comecei a ter uma coluna semanal, saia aos domingos,  denominada “Papo Esportivo”. Com o passar do tempo essa coluna foi crescendo. Na época eu tinha 14 anos! Em 1985 comecei a escrever uma segunda coluna que era publicada toda quarta feira,  voltada ao automobilismo, chamava-se “Alta Velocidade”. Até que em 1986 passei a ficar permanentemente em O Diário, com o então editor Renato Fabretti. Em 1987 o Renato mudou-se para São Paulo, foi trabalhar no “Diário Popular”. Eu assumi a editoria de esportes de O Diário. Entrei na faculdade em 1988. De 1988 até 1991 trabalhei no Jornal de Piracicaba. Em 1983 criei o meu próprio jornal “O Democrata” que circulou de abril de 1993 até inicio de 1999.

A sede de “O Democrata” era onde?

Era na Rua Boa Morte, entre a Rua D.Pedro I e a Rua Ipiranga. Era um jornal de circulação semanal, aos sábados, após um ano e meio passou a ser bi-semanal, quarta-feira e sábado. Inicialmente ele era impresso na Gráfica do Jornal de Piracicaba, depois passamos a imprimir no Diário do Povo de Campinas. Até que foi feita uma negociação  com o Ex-Governador Orestes Quercia, isso em 1995, quando adquirimos uma impressora do Diário Popular de São Paulo, não era off-set, era nylon-print, a chapa de impressão era diferente. Tratava-se de um maquinário mais antigo, que tinha servido todos os anos históricos do Diário Popular, o Quércia que era proprietário do jornal havia adquirido equipamentos modernos para sustituir essa impressora. Na época foi feita uma negociação muito camarada e  essa máquina veio para Piracicaba. Rodamos na nossa máquina até o final do nosso jornal. Tinhamos uma equipe própria. A confecçaõ do jornal na época era mais trabalhosa: tinha que fazer o fotolito; “queimar” a chapa, atualmente é mais fácil, através do computador transfere-se para a máquina de impressão. Até então havia um trabalho artesanal e caro. Uma característica marcante dessa máquina é que era muito grande, no dia em que ela chegou no prédio da Rua Boa Morte causou um impacto enorme pelo seu tamanho. Era uma máquina muito antiga. Para acertar o registro da fotografia, sobrepor olho no olho, nariz no nariz, tonalidade da cor, gastava-se uma quantidade de papel assustadora. Quando fechou O Democrata essa máquina foi vendida para um jornal de Poá.

Primeiro você ingressou na televisão ou no rádio?

Primeiro no rádio, na Rádio Educadora de Piracicaba, foi ela que me abriu as portas pela primeira vez em 1988. Comecei a participar de um programa chamado Educadora Esportiva, era as 6 horas da tarde. Quem me convidou para participar do programa foi o Professor Rubens Braga. Além dele participavam o Beto Pastor, Edvaldo Tietz. Nessa época eu estava na redação do Jornal de Piracicaba. Eu ia fazer os comentários juntamente com a equipe todo final de tarde, adquiria a Gazeta Esportiva e analisava para os ouvintes as notícias. Naquele ano houve eleições, o Rubens Braga como candidato a vereador teve que se afastar da rádio. Alguns dias depois o Edvaldo Tietz saiu. Logo em seguida o Beto Pastor saiu também. Assim eu fiquei apresentando por um bom tempo esse programa. Após alguns meses fui para a Rádio Difusora no final de 1988 onde permaneci até o começo de 1992.

Na Rádio Difusora você apresentava qual programa?

Na rádio difusora fiz de tudo, na época havia a Central Difusora de Jornalismo, eu cobria a Câmara Municipal, fazia reportagens de rua ao vivo com a famosa Motorola (equipamentos de transmissão externa). Gravava entrevistas de estúdio. Cobria apresentadores que não podiam fazer o programa em determinada data. Tive ali uma grande experiência. Fui assessor de imprensa do Conselho das Entidades Sindicais de Piracicaba (Conespi). Fiz umas inserções do Conespi na Rádio Difusora. Em 2011 voltei para a Rádio Difusora onde fiz o programa “Neder Especial” das 15 às 17 horas, isso até 2012. Era um programa bem eclético. Um musical com inserções populares: receitas; horóscopo; novela; generalidades. Quem participava comigo desse programa era o saudoso José Alexandre de Almeida, o Xandão. O grande projeto que faço em rádio acredito que seja o que estou realizando atualmente na Rádio Educadora. É um programa muito interessante que foi criado por Jairinho Mattos, ele me deu a honra de tocar esse projeto com toda equipe da rádio, é o programa “Novo Dia”. É um jornal da manhã que tem toda a responsabilidade de dar a primeira notícia, o que não é fácil, você tem os fatos que ocorrem na madrugada ou na noite anterior. Tem que ter tudo mastigado, para poder passar para o ouvinte. É um programa muito ágil, tem que ser muito dinâmico, de uma instantaneidade muito grande. Os comentários também, dentro do calor da notícia. Com isso os comentários saem as vezes emocionados, outras vezes com irritação, as vezes comentários polêmicos, mas são comentários daquele momento. Muito ágil do ponto de vista jornalístico, isso foi uma proposta muito interessante da rádio. Fico feliz com a audiência que está tendo desde janeiro de 2014 quando o programa entrou no ar. O programa tem a produção de Maurício Furlan, que tem um trabalho importante. O João de Oliveira que é um baluarte do rádio, na sonoplastia, eu faço a coordenação das notícias, apresento e comento. É um programa que na véspera já estou trabalhando nele, vejo as notícias em minhas fontes e trabalho a forma como vou apresenta-las. Procuro ter acesso a notícia na madrugada, no momento em que acontece. Tenho que fazer um comentário objetivo sobre a notícia que chega. Tem-se que tomar cuidado, conferir as informações antes de divulgar a notícia. Como exemplo posso citar um determinado dia em que cheguei a rádio e deparei com uma sucessão de acontecimentos ocorridos na noite piracicabana. Eventos de violência em vários bairros da cidade. Tomei o cuidado de verificar com as autoruidades responsáveis, fomos apurando e felizmente não era isso tudo, ocorreu um fato isolado que foi propagado com acrescimos e invencionices de uma tragédia. Pura lenda urbana.

A internet é uma fonte preciosa de informações, mas para um formador de opinião pode ser uma armadilha?

A gente tem que tomar muito cuidado. A internet fez surgir uma geração de comentaristas e de profissionais de influência pública que ninguém sabe de onde veio e para o que veio. Tem muitos se auto proclamando como isto ou aquilo, na verdade nunca ninguém ouviu falar. As vezes eles vem com alguns conceitos, algumas teorias que tem dois significados: ou a pessoa está de brincadeira ou tem algum interesse escuso. Quando vem no campo da informação é perigoso.

Os pais ultimamente estão aconselhando os filhos a tomar muito cuidado com a internet, a recíproca também é verdadeira, o pai tem tomar cuidado com o que está vendo?

Ultimamente os adultos estão sendo influenciados por “histórias” da medicina! Tem muita gente de jaleco que está gravando vídeos, dizendo que “comer abacate com cenoura é cancerígeno” ou “se não tomar um copo de água quando acorda irá ter dor nas pernas”, coisas dessa natureza. Isso é reproduzido de uma forma exponencial, quando você adverte sobre a veracidade desse tipo de notícia, muitos ficam tristes. Quem vê a notícia nem sempre percebe a ironia com que ela é colocada. Lógico que a internet tem o seu lado bom. Por exemplo quando não havia a internet e eu queria ouvir o meu Corinthians jogar, tinha que ouvir no rádio, tinha que sintonizar uma rádio de São Paulo, com aquela chiadeira toda, ninguém imaginva que você estava ouvindo alguma coisa. No meio da interferência de outras rádios dava para ouvir alguma coisa. Hoje temos as rádios via satélite, canais a cabo, a internet reduziu todos os problemas. O programa que apresento tem audiência em Portugal, além de que, coloco o programa no you tube, facebook.

Você está na tevisão também?

Estou na TVR – TV Regional, Canal 26 e Canal 526 da NET em Piracicaba. Lá eu apresento Neder Especial que em 2018 estará completando 20 anos no ar. Nesse tempo todo abordamos todo tipo de assunto, das mais diversas formas: médico, economico, político, de caráter geral da sociedade, de interesse público. Eventos sociais também. Fatos marcantes no decorrer da história. Cobertura de shows. Acredito que a graça desse programa é fazer de forma diversificada. Segue um formato padrão sendo maleável quanto as abordagens.

Você participa de algumas instituições de Piracicaba?

Sou tesoureiro do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, conselheiro do Clube de Campo de Piracicaba, diretor de Comunicação do Clube Coronel Barbosa, fui presidente por dois mandatos na Sociedade Sírio Libanesa de Piracicaba, de janeiro de 2008 a janeiro de 2012.

Foi uma experiência importante dirigir uma instituição secular?

A experiência ali para mim foi muito importante pelos resultados que alcançamos. Cada um que passa pela sociedade desenvolve um tipo de trabalho prioritário. Deixa uma marca, uma contribuição. A nossa Sociedade Sírio Libanesa tem muito dessa característica porque é a única entidade àrabe-brasileira que nunca parou de funcionar. Nós conseguimos fazer um trabalho muito forte na questão da solidariedade. Da beneficência.

 

LUZIA LOPES E APARECIDA LOPES


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de outubro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADAS: LUZIA LOPES E APARECIDA LOPES

 


As irmãs Luzia Lopes e Aparecida Lopes  nasceram em Buritizal, Estado de São Paulo, Luzia no dia 11 de julho de 1928 e Aparecida nasceu no dia 21 de dezembro de 1931 são filhas de Rafael Lopes e Albertina Barbosa Lopes que tiveram além das duas filhas o filho José. Rafael era farmacêutico, nascido na Espanha, imigrou ainda jovem para o Brasil juntamente com sua irmã Maria do Carmo e seu irmão José.  Foi um período em que a Europa estava em face de grandes conflitos. Atualmente as irmãs residem em um flat no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. São apaixonadas pela natureza.

Quando o pai das senhoras e seus tios vieram da Espanha foram trabalhar em farmácia?

Não. Só o meu pai já trabalhava em uma farmácia na Espanha, onde se preparou, fez curso, para trabalhar nessa área. No início eles foram trabalhar na roça, quando chegaram ao porto de Santos já havia fazendeiros esperando-os. Os fazendeiros concediam um pedaçinho de terra para eles plantarem o que quisessem, podiam criar animais nesse terreno. Aos pouco eles iam adquirindo mais um pedaço de terra.

Vocês moraram em Buritizal até que idade?

A nossa mãe faleceu muito jovem, a irmã do meu pai, Maria do Carmo, passou a morar conosco e a cuidar de nós. Ela já era casada com Rafael Gonzáles, tinham filhos, morávamos todos juntos. Com o passar do tempo, economizando, meu pai e meus tios conseguiram serem proprietários de uma fazenda. Plantava-se café, feijão, arroz, algodão, tinha uma grande horta. Naquele tempo quase todas as fazendas tinham escolas. Quando venderam a fazenda adquiriram uma casa muito grande, em Nuporanga, e uma fazenda também próxima a casa. Essa casa tem uma singularidade, foi de um dos barões do café, ele perdeu sua fortuna quando a bolsa de Nova Iorque quebrou, em 1929. Permanecemos em Nuporanga até atingir nossos 20 e poucos anos de idade.

Qual era a distração comum aos jovens na Nuporanga daquela época?

Havia um jardim muito grande e bonito na área central, onde eram executadas músicas, havia o cinema, uma parte da nossa família morava em Ribeirão Preto, íamos muito para lá, eles vinha muito para Nuporanga, usávamos o trem da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Era muito gostoso andarmos de trem, passava dentro das cidades. A linha de trem cortava as fazendas, as paisagens eram deslumbrantes: canaviais, arrozais, aquela imensidão de plantação de algodão, quando se abria em plumas brancas era de uma beleza indescritível.

Dona Aparecida, a locomotiva era a vapor ainda?

Era! Vinham às fagulhas pelas janelas, cheguei a queimar uma blusa, saiam aquelas faisquinhas, tínhamos que tomar cuidado com elas. Quando o trem parava em uma estação, descíamos, comprávamos biscoitos, maçãs, peras. Naquela época maçã e pêra eram frutas raras, pareciam pertencerem a outro mundo.

Aparecida complementa:

A fazenda em que moramos era muito rica em frutas. Passamos a chamar de mamãe nossa tia Maria do Carmo, eu tinha 10 meses quando minha mãe biológica faleceu. A mãe que nos criou, era muito curiosa, se comesse uma fruta ela guardava a sementinha no fundo da bolsa, chegando em casa ela enterrava, cuidava, ali nascia uma árvore frutífera! Com isso tínhamos uma variedade enorme de frutas. O pomar era lindo, foi ela que formou, com isso tínhamos uma fartura imensa. Tínhamos leite, fazíamos queijo branco, quanto ao queijo meia-cura havia uma maneira especial de fazer. Havia um quarto grande, onde havia a banca de fazer o queijo, no inicio o queijo ficava para sorar,  Tinha umas prateleiras onde colocávamos o queijo, eram constantemente virados, havia uma tela de proteção contra insetos. Era uma região com tradição na produção de queijos. Muitos negociantes iam adquirir nossos queijos.

Dona Luzia como surgiu a decisão da família ir morar em São Paulo?

Nosso irmão já estava trabalhando em São Paulo, era um dos três proprietários de uma empresa metalúrgica. No início fomos morar no bairro Santa Cecília, próximo a Igreja Santa Cecília, imediações da Avenida Angélica.

Dona Aparecida a senhora permaneceu também em São Paulo?

Como professora eu tinha trabalhado com creches, estudei em Ribeirão Preto o curso Educação Infantil com foco no Método Montessori. Em São Paulo trabalhei em uma creche municipal na Bela Vista, era uma instituição modelar, tinha dentistas, médicos, pedagogas, cuidadoras de crianças. A diretora era uma mulher muito chique, de família muito importante. Uma assistente social conheceu o meu trabalho, chamava-se Heloisa, ela casou-se com o dono da fábrica Vulcabrás, uma das maiores empresas de calçados do país. Situava-se em Jundiaí. A Heloisa foi me buscar em São Paulo, disse-me que na empresa em que ela trabalhava, a Argos Industrial, havia uma creche e ela estava precisando de uma pessoa com o meu perfil. Na época a Argos produzia principalmente o brim, ela especializou-se em jeans, foi na época em que o jeans passou a dominar o mercado. A Arrgos tinha uns 6.000 funcionários, exportava para Itália, Alemha, Estados Unidos. Era uma fábrica completa, entrava o algodão cru e saiam as peças prontas. Na frente da fábrica havia um edificio muito grande, uma parte ficou como ambulatório, com quatro médicos, sendo que um deles era pediatra, tinha desde bebes até crianças com nove anos, era cerca 250 crianças. Junto a indústria havia uma vila de casas para funcionários, sendo dada prioridade a bombeiros, pessoal de manutenção. Todas as casas tinham telefone para emergências. Ali trabalhei como diretora até me aposentar. A fábrica trabalhava as 24 horas do dia. As crianças maiores subiam uma escada já estavam no grupo escolar. A creche fornecia café da manhã, almoço, café da tarde, lanche. Eu morava em São Paulo, mas tinha um apartamento dentro desse prédio.

Entre São Paulo e Jundiaí qual onibus a senhora utilizava?

Usava os ônibus da empresa Cometa.

Dona Luzia a senhora trabalhava em que área?

Trabalhei em diversas atividades, por muito tempo trabalhei em um colégio em Americana, Trabalhava na secretaria do Colégio Divino Salvador, era de freiras. Infelizmente esse colégio não existe mais. Trabalhei muito com assistência a pobres, como voluntária, com essas meninas que trabalhavam como empregadas domésticas e não tinham sequer um documento. Em São Paulo me envolvi muito nessa atividade assistencial.

A senhora trabalhou com Dom Paulo Evaristo Arns, frade franciscano, arcebispo emérito de São Paulo e cardeal brasileiro?

Trabalhei com Dom Paulo, mas não na Catedral da Sé e sim nas paróquias que faziam parte da Catedral da Sé. Conheci muito Dom Evaristo, era uma pessoa muito boa, gostava muito do povo, realizei atividades com jovens, preparando-os para ajudar as pessoas necessitadas.

No período da Revolução de 1964 e o que veio a seguir, trouxe dificuldades ao seu trabalho?

Eu estava trabalhando com esses jovens, passamos por momentos muito difíceis. Havia um cuidado extremo sobre o que iríamos falar com quem iríamos falar, era muito perigoso, havia um controle muito grande, muitos agentes do governo infiltrados, vivíamos o tempo da ditadura. Dom Evaristo era a favor da liberdade, como brasileiro, como cristão. Ele foi muito ativo nesse setor.

Dona Luzia, nesse período havia muitas lideranças políticas, a senhora conheceu algum?

Conheci de longe, bem de longe! Não queríamos envolvimento com política. Sobretudo porque era muito perigoso. As grandes concentrações que eram feitas em frente à Catedral da Sé às vezes assistíamos para conhecer, mas de longe. Nunca subi no palanque! Mesmo entre os jovens havia os que eram revoltados com a situação e outros eram a favor. Todo cuidado era necessário com o que dizíamos.

Sob o seu ponto de vista, naquela época o jovem era preocupado com a questão social?

Era muito preocupado! Hoje o jovem é muito preocupado com a situação social dele, está preocupado exclusivamente com ele. Houve uma mudança muito grande nesse período. A ditadura foi uma coisa terrível. As prisões que eram realizadas,  acompanhamos a prisão de dois filhos de um professor da USP. Não havia unanimidade de opinião dentro da USP, uns eram contra, outros a favor do regime militar. A ditadura impôs um regime de vigilância extremamente eficaz. Sabiam de tudo, escutavam tudo. Um dos filhos do professor desapareceu, só muito mais tarde é que descobriram que tinha sido morto e enterrado naquelas valas onde sepultaram muitos corpos. O outro estava “ruinzinho da cabeça”. Rezamos muito naquela época, Trabalhei muito com cursilhistas, (O Cursilho, também conhecido como Movimento de Cursilhos de Cristandade, é um movimento eclesial de evangelização cristã, surgido na Igreja Católica Apostólica Romana, no seio da Ação Católica Espanhola do início do século XX). Assim como grupo de casais que acompanhávamos. Rezamos o terço inteiro de joelhos, na intenção de descobrir o que estava acontecendo com esses meninos.

Isso foi em qual igreja?

Não era igreja, era nas casas, tudo era muito visado. Houve uma missa que metade da igreja era composta por fiéis e outra metade por policiais. Fazíamos muitas reuniões sem aviso prévio. O perigo estava sempre rondando. Fazíamos reuniões para rezar o terço, vinha o padre para celebrar a missa, era tudo camuflado. Rezávamos não só para o filho do professor, mas para todos os jovens, inclusive para o jornalista Vladimir Herzog, foi uma morte que ficou na cabeça dos jovens, das pessoas.

A senhora chegou a conhecer Sérgio Fernando Paranhos Fleury que atuou como delegado do DOPS de São Paulo ?

Se conheci! Cometeu muitos desacertos! Aprendi a ler jornal quando era criança ainda. Meu tio tinha catarata, naquele tempo para operar diziam que tinha que esperar a catarata amadurecer. Era o tempo da guerra, todos eram acostumados a ler “O Estado de São Paulo”, meu tio pedia para ler para ele, eu estava no primeiro ano escolar, ele me ensiva o significado das palavras que eu desconhecia. Acostumei-me tanto com o jornal que lia do começo ao fim. Tinha os anúncios dos cinemas de São Paulo. Até hoje minha irmã e eu lemos o “Estadão”. Meu pai estava sempre com o Estadão embaixo do braço.

No período em que moravam em São Paulo frequentavam os cinemas?

São Paaulo tinha ótimos cinemas, o Ipiranga, o Cine República, Cine Cairo, eram muitos na região central. Frequentavamos o Mappin, ficamos muito tristes quando o Mappin encerrou as suas atividades. Havia a TELESP na Rua Sete de Abril, era uma beleza de prédio, com muitas cabines  telefônicas para chamadas interurbanas. Dois acontecimentos muito tristes foram os incendios do Edificio Andraus em 24 de fevereiro de 1972  e  Edifício Joelma ocorrido a 1 de fevereiro de 1974  chegamos a presenciar as cenas que ficaram gravadas em nossa memória. Do nosso apartamento dava para ver.



Vocês frequentavam algum clube?

Íamos ao Clube Piratininga, onde havia bailes com orquestras. Usávamos o bonde como meio de transporte. Na Bela Vista havia muitas cantinas lindas, festas italianas. A Rua José Paulino naquele tempo era uma beleza, os judeus dominavam o comércio local. A Estação da Luz era muito linda. Íamos de trem para Santos.

As mudanças ocorridas através do tempo foram positivas?

Com o progresso vieram coisas novas, boas e ruins. A violência aumentou. Não tínhamos o Metrô, que trouxe grande facilidade de mobilidade.

Qual foi a sensação que vocês tiveram a primeira vez que usaram o Metrô logo após a inauguração?

Aquilo foi tão rápido! Nessa época andávamos muito de ônibus, que parava em todo lugar.

Vocês chegaram a utilizar o papa-fila, que era um caminhão rebocando uma carroceria de ônibus?

Chegamos a ver, mas não andamos. Em Santos havia o papa-fila. Andamos muito com o ônibus elétrico. Conhecemos a mansão do Conde Matarazzo, era um casarão amarelo situado na Avenida Paulista. Quando íamos à fazenda comprávamos muitos produtos com a marca Matarazzo: sabão, querosene para lamparina e outros itens. Morávamos no Alto da Lapa, íamos a pé até o Ceasa. Conhecemos o famoso Castelo da Rua Apa, esquina com a Avenida São João, na Santa Cecília. Ali ocorreu um dos crimes mais comentados de todos os tempos, faleceram dois irmãos, ambos eram advogados, e a mãe deles também foi assassinada, três cadáveres e muito mistério que ainda paira até hoje. No centro havia também um restaurante muito famoso, e caro, o Fasano, de Vittório Fasano. No Mosteiro São Bento há uma missa as 9:45 com canto gregoriano. Sempre que possível íamos assistir.

Dona Luzia, São Paulo está em mudança constante?

Com certeza! Trabalhei em um ateliê de alta costura na Rua Augusta, ali eram feitos vestidos finos para a alta sociedade paulistana. A casa da estilista Dener Pamplona de Abreu e a casa do também estilista Clodovil Hernandes eram bem próximas do ateliê em que eu trabalhava. Conheci os dois. No ateliê do Dener ele tinha uma pessoa que forrava o sapato com o mesmo tecido do vestido da moça. Os dois eram muito amigos das donas do atelê, a Dina e a Arlete. Eu sempre ia levar sapatos para eles forrarem.

O Clodovil e o Dener sempre foram rivais?

Sempre! Elas contavam as histórias deles, eram muito engraçadas. Naquela época víamos muitos artistas famosos circulando pela Rua Augusta.

É verdade que nesse meio tem muita fofoca?

E como tem! Escutávamos muitas coisas. Conheci também a Madame Rosita (Rosa de Libman) fez o seu primeiro desfile profissional do Brasil em 1944, era uma pessoa muito boa e humana.

Como a senhora aprendeu a costurar Dona Luzia?

Eu era menina ainda, morava na fazenda, “O Estadão” trazia o Suplemento Feminino, lá ofereceram um curso de costura, minha mãe costurava de tudo, eu queria aprender com técnica, fiz o curso daquele jornal, por correspondência, ali tive as primeiras noções. Eu gostava muito de artesanato, fui aprendendo artesanato: crochê, tricô, bordado. Depois fiz alguns cursos em São Paulo. Surgiu a linha Varicor, hoje é um artigo raro, pois a fábrica Varicor fechou na década de 1970. É um produto lindíssimo com uma qualidade impressionante. Essas linhas fazem parte da história do bordado brasileiro. Um fio 100% Viscose com tons surpreendentes. Foi criada por uma senhora que construiu uma fábrica, ela deu um curso. Assim fui aprendendo sempre coisas novas.

Como são vistos os jovens de hoje por pessoas com a experiência de vida que as senhoras têm?

Infelizmente os jovens de hoje já não se comunicam mais, estão vivendo uma geração onde o apelo da comunicação digital os absorve totalmente. Nós tivemos a oportunidade de trabalhar com muitas pessoas pelo fato de nenhuma de nós não termos casado e não termos filhos.

Dona Luzia a senhora gosta de algum esporte?

- Ela é louca por futebol! Adianta-se a irmã Aparecida. Luzia completa: -Torço para o São Paulo! Tudo começou quando fui fazer um trabalho missionário em uma região muito carente, em Minas Gerais. Estávamos em uma casa, aos poucos foram chegando pessoas muito pobres, que construíam casa de pau a pique coberta por sapé.  As crianças queriam jogar futebol, mas não sabiam, Nem bola tinha. Reuni um grupinho, ganhamos uma bola de futebol, eu fui aprender o que é futebol, os nomes, como se joga, a posição que cada um ocupa para jogar, virei técnica do time. Um moço que jogava futebol veio trabalhar comigo, aprendi e acabei gostando. Em Campinas, em uma região muito pobre, também como missionária,  montamos dois times de futebol, fui até a prefeitura pedir uniformes, ganhamos até as chuteiras. Gosto muito de futebol. Já vi hoje que o Tite vai para a Bolívia, está preocupado com a altitude e no que possa afetar o jogo.  

 

CRAMI-MARIA HILMA DE OLIVEIRA GANZELLA e VIVIANE BERTONCELLO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 30 de setembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIA HILMA DE OLIVEIRA GANZELLA e VIVIANE BERTONCELLO

(CRAMI- Centro Regional de Registros e Atenção aos Maus Tratos na Infância de Piracicaba)

 
        VIVIANE E MARIA HILMA



O Centro Regional de Registros e Atenção aos Maus Tratos na Infância de Piracicaba, também designado pela sigla CRAMI, para todos os efeitos legais, fundado em 30 de outubro de 1986, sendo que o primeiro CRAMI foi fundado em Campinas para atender aquela cidade. Foi criado a partir da observação de médicos da UNICAMP que constaram o fato de muitas crianças de 0 a 17 anos vinham a óbito por fratura de crânio, vitimas de violência. A partir dessa observação criou-se o CRAMI que se constitui como uma associação civil de direito privado, sem fins econômicos. Tem como finalidade executar ações de prevenção, programas, projetos ou serviços de proteção social especial, dirigidos às crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, de riscos pessoais ou sociais, ou que se encontrem sob medida de proteção legal ou judicial, bem como aos seus responsáveis visando prevenção, proteção, tratamento, reabilitação e defesa dos interesses e direitos estabelecidos na Constituição Federal do Brasil e na Lei 8.069 de 1990- Estatuto da Criança e do Adolescente conforme artigo 2º do Estatuto da entidade. No desenvolvimento de suas atividades, o CRAMI promove o bem de todos, não fazendo distinção de raça, religião, etnia, sexo, posição social, e opção partidária e quaisquer outras formas de discriminação prestando serviços gratuitos. Tem como missão contribuir para que crianças e adolescentes tenham seus direitos garantidos, e que a educação dos pais e ou responsáveis sejam pautados no diálogo e não na violência. Oferta Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos na proteção Básica abrangendo todo o Município de Piracicaba. Em Parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social oferta o Serviço Especializado em Abordagem Social no âmbito da Proteção Social Especial de Média Complexidade e Centro de Referência de Atendimento à Mulher. Desenvolve também 3 projetos: Projeto de Atendimento Psicológico às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência Sexual, Informar para Prevenir, Grupo Reflexivo da Violência Intra-familiar. O CRAMI Piracicaba foi fundado  por pessoas da sociedade civil, preocupadas em cuidar de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, bem como seus familiares, ao verificar que na cidade ocorriam muitos casos de crianças vitimadas e a ausência de programas para atender essa demanda. Nesta época ainda não havia o Estatuto da Criança e do Adolescente, tão pouco o Conselho Tutelar, e vigorava o Código de Menores. Foi ai então que começou o trabalho do CRAMI, com a sociedade civil chegando antes do Estado para atender ao fenômeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes em Piracicaba. A primeira presidente do CRAMI Piracicaba foi a psicóloga Maria Christina Monteiro Stroka. O atual presidente é Edmir Bernardino Valente que encerra o seu mandato dia 3 de novembro, mas ele já esteve como presidente em outras oportunidades.

 

Maria Hilma de Oliveira Ganzella nasceu a 17 de maio de 1960 na cidade de Novo Cruzeiro, Minas Gerais. É filha de Jair Coelho de Oliveira e Nair Senna da Silva, que tiveram sete filhos: Edvaldo, Murilo, Maria, Marilene, Olivia, Marlucia e Vanusa.

Você estudou em qual cidade?

Quando eu era ainda bebe minha família mudou-se para Vitória, Espírito Santo. Estudei e permaneci em Vitória até completar 20 anos, quando então mudamos para Piracicaba. Aqui fiz a faculdade de Psicologia na UNIMEP. Estudava a noite e durante o dia trabalhava no Jornal de Piracicaba onde permaneci por seis anos, no setor de assinaturas, localizado a Rua Moraes Barros. Foi na época da Dona Antonietta Rosalina da Cunha Losso Pedroso, do Dr. Losso, Dr. Eugênio. Eu já estava estudando psicologia quando saí do Jornal de Piracicaba para fazer estágio na Dedini. Quando me formei trabalhei no Projeto NAM – Núcleo de Apoio Multiprofissional. Esse núcleo trabalha famílias nas comunidades. Eram quatro equipes compostas por psicólogas, assistentes social e pedagogos. Faziamos um trabalho com pessoas em condições de vulnerabilidade social. A minha equipe atuava no Jardim Vitória, Kobayat Líbano, Novo Horizonte, toda aquela região. Permaneci nessa atividade por quatro anos, era um trabalho muito importante.

Nessa época você já estava casada?

Eu casei-me em 1988, na Igreja Bom Jesus com Denilson José Ganzella, temos dois filhos: Vitor e Tiago.

Em sua função profissional, os problemas são das mais variadas naturezas, isso pode sair do campo profissional e interferir na vida pessoal?

Diante de determinadas situaçoes é natural ficar indignada. Procuro não levar para a minha casa as situações que vivencio profissionalmente. Mesmo porque meu marido trabalha em uma área completamente diferente, ele é engenheiro civil. 

Em que ano você ingressou no CRAMI?

Entrei em 2000. Eu já me identificava com essa demanda, a violência contra a criança e o adolescente é um tema que me interessava bastante, através do Jornal de Piracicaba li que o CRAMI estava contratando psicólogos. Quando entrei o CRAMI atendia a todas as violações de direitos da criança e do adolescente.

Em média quantas pessoas vocês atendem por mês?

Aproximadamente umas 250 pessoas. São vários projetos.

De onde vem os recursos?

Temos os associados, beneméritos, doadores. Realizamos eventos, atuamos na Festa das Nações representando a Coréia do Sul. Temos também convênio com o municipio no Serviço de Abordagem Social, desenvolvemos com a prefeitura também o CRAM – Centro de Referência de Atendimento da Mulher, temos algumas parcerias com a prefeitura.

Quais são os serviços que o CRAMI  presta à população?

Trabalhamos com a prevenção da violência por meio da convivência e fortalecimento de vinculos na faixa etária de 0 a 16 anos. Temos esse serviço da prevenção da violência.

Quando vocês são acionados?

Temos um projeto para atender as crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, esses casos chegam a entidade encaminhados pelos CREAS-Centro de Referência Especializado de Assistência Social, eles atendem a família, a criança, o Conselho Tutelar encaminha esses casos para os CREAS. Quando eles identificam que há a necessidade de um atendimento psicológico a essa criança que foi vítima de  violência, eles acionam o CRAMI encaminhando o caso. Temos também um projeto denominado Informar Para Prevenir. Tem como objetivo levar informações para crianças e adolescentes nas unidades escolares públicas municipais e estaduais. Somos constantemente convidados a dar essas palestras.

Quais são os efeitos dessas palestras para as crianças e jovens?

Esse projeto tem como objetivo de levar informações, identificar situações que não foram  notificadas ainda, existem mas estão ocultas. E encaminhar essas situações para o atendimento. Orientar o encaminhamento para o Conselho Tutelar, inserir essas pessoas nos atendimentos nos serviços do município.

Vocês trabalham com todas as classes sociais?

Trabalhamos com todas as faixas de público. A violência infelizmente está em todas as classes sociais. Esse tipo de desvio de conduta não escolhe a posição financeira ou social. A violencia é cultural, histórica, social.

Quando é mencionado o termo violencia, a primeira referência que ocorre é a violencia sexual.

Ela pode ser a violência física, a negligência, o abandono. Há muito abandono de crianças e adolescentes. Quem atende a essa demanda são os CREAS, trabalhamos com projetos, as entidades se complementam. O nosso trabalho complementa o serviço que já existe. O número de casos de violência é grande. No passado quando só existia o CRAMI atendiamos todos os casos de violência contra a criança e o adolescente. Com a criação do Conselho Tutelar cabe ao mesmo atender as notificações de violações de direitos. A responsabilidade é do poder público, o nosso serviço é complementar.

Vocês tem um ambiente com decoração diferenciada, apropriada para receber pessoas em condições especiais.

O prédio que ocupamos é alugado, temos em construção uma sede própria que deverá ter uma melhor acessibilidade, infelizmente por falta de recursos as obras estão praticamente paralisadas.

Nos seus 17 anos de atuação no CRAMI qual é sua sensibilidade com relação ao aumento da violência infantil?

Percebo que agora as pessoas falam mais sobre essa temática. Existem mais orgãos envolvidos nessa questão, o próprio governo criou programas para atender a essa demanda. Com o aumento da divulgação as notificações aumentam. Pudemos constatar isso em 2009 com a morte da menina Isabella de Oliveira Nardoni, de cinco anos de idade, jogada do sexto andar, naquele ano atendemos 259 casos. A divulgação pela mídia foi decisiva. Neste ano, se falarmos apenas sobre casos de violência sexual, no decorrer deste ano atendemos até a presente data 71 crianças.

Como é a vida do adulto que teve sua infância ou adolescência traumatizada?

É retirada dela o direito de ser criança. A maioria dos casos de violência ocorre dentro de casa, alguém da própria família pratica a violência, na maioria dos casos o agressor convive com a criança. Tivemos aqui os mais diversos tipos de situações. Muitas vezes a criança ou o adolescente não relata o que está acontecendo com ele por serem ameaçados. Isso reflete na vida da criança como um todo.

No CRAMI a pessoa vai ser orientada como deve proceder frente a uma situação de violência?

Exatamente, procuramos orientá-la qual é o melhor procedimento a ser tomado, para quais orgãos deve se dirigir, enfim quais medidas a pessoa que está geralmente em pânico deve tomar. O CRAMI tem o atendimento das 8 horas da manhã até as 5 horas da tarde, no período do almoço há sempre alguém de plantão. Situa-se a Rua Floriano Peixoto, 1063, entre a Rua Benjamin Constant e Avenida Armando Salles de Oliveira, centro. O telefone é 3302.6797.  

Viviane Bertoncello é psicologa do CRAMI e atende vítimas de violência, estudou na UNIMEP, formada na turma de 2003, trabalha no CRAMI ha 10 anos, é piracicabana, nascida a 17 de julho, casada com Fábio Bertoncelo, são pais de um filho de nome Artur.

Viviane, o espancamento deixa marcas visíveis, enquanto outro tipo de violência deixa marcas psicológicas, pode-se afirmar que diminuiu o espancamento infantil?

Não sei se é possível afirmar que não existe mais espancamento contra a criança, a sociedade começou a refletir sobre isso. Ainda existem muitos casos que são denunciados ao Conselho Tutelar, ainda existem crianças e adolescentes que vão a óbito devido ao espancamento. Antigamente o pensamento corrente era de que: “O filho é meu, faço o que eu quero”. Após o caso Bernardo Boldrini, então com 11 anos de idade, encontrado morto em um buraco na área rural de Frederico Westphalen, no Norte do Rio Grande do Sul, seu nome foi dado a nova lei que proíbe bater em uma criança. Ainda há alguma polêmica sobre o assunto, há quem afirme que se os pais não baterem hoje a polícia terá que bater no futuro. Houve uma abertura ao dialogo sobre o assunto.

O fato de ser permitido o trabalho como menor aprendiz aos 14 anos de idade contribui na formação do menor?

Viviane afirma: “Acredito que atualmente a criança tem mais informação, isso não significa que tenha maior formação. É suscetível a todo tipo de informação da mídia. Uma criança ou adolescente sozinho acessando a internet é como deixar na rua. É muito vulnerável.”

 As crianças que são vitimas em sua grande maioria são de lares desestruturados?

Falta de estrutura social, isso engloba também o aspecto financeiro, o problema social ocorre quando a pessoa está a margem da sociedade. A pessoa não consegue emprego formal, não consegue alugar uma casa, passa a morar em área de risco, o local em que ela mora é insalubre, pessoas que estão em conflito com a lei também moram lá, A porta fica aberta para que se torne um desviante, a ausência do Estado faz com que o espaço seja ocupado por pessoas que disputam o poder com o Estado.

Qual é a sua perspectiva para quando as crianças de hoje se tornarem adultos?

Sempre tenho esperança. Fico triste em ver a escola com baixa qualidade, nossas crianças merecem coisa melhor. Parece haver uma falta de interesse político em ter escolas públicas de ensino básico com excelência, como tivemos no passado. Se o ensino formar bons cidadãos eles ao constituírem uma família no futuro irão transmitir bons princípios. As noticias que a todo o momento nos chegam são decepcionantes e isso reflete na população com muito impacto. Há uma corrente de pensamento que afirma que quando chegamos ao caos total aparece uma luz.

Por que um pai espanca um filho?

Muitos não conhecem outra forma de educar. Faz parte da nossa cultura, estabelecer limites pela violência.

Há casos em que os pais ocupam cargos com altos salários, tem um alto padrão de vida, mas deixam seus filhos aos cuidados de pessoas com pouca ou nenhuma formação para a educação dos mesmos?

A corrida desenfreada para atingir uma posição de maior destaque em alguns casos faz com que a criança fique com uma babá. Acho que o pai não tem consciência plena do contexto. Ele pode até imaginar que está proporcionando uma oportunidade a uma pessoa para que cuide de seus filhos e tenha a oportunidade de ter um emprego. A criança tem uma babá, mas a referência é o pai e a mãe.

Há um caso emblemático, onde a filha facilitou o assassinato dos pais pelo seu namorado e o irmão deste, foi constatado que a filha esperou a babá ir embora, pois foi ela quem deu-lhe carinho, cuidou quando estava doente.  Portanto ela preservou a vida da babá.

Nesse aspecto sim, há até um filme: ”Que Horas Que Ela Volta”, aborda um tema parecido. Tem famílias que acham que dando bens materiais está atendendo a necessidade do filho. “Compra” o carinho e atenção da criança com presentes.

O CRAMI atua também junto aos pais?

Nós temos um grupo onde comparecem as mães com os filhos, nesse grupo os pais são separados e não são presentes na vida dos filhos. A previsão de como esse grupo deve acontecer vem do Ministério do Desenvolvimento Social, denominado Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. A assistente social se encontra periodicamente com as mães junto com os seus filhos com o objetivo de fortalecer os vínculos, para que ela não sucumba com a violência. Temos convivido com as mais diversas situações, como por exemplo, filhos de famílias abastadas que não recebem nenhum tipo de atenção ou orientação por parte da família, tem o apoio financeiro mais nada. Um exemplo é um adolescente de 16 anos que não quer estudar, passa o dia todo jogando vídeo game. Outra criança tem 5 anos, a família permite que ele ande pelas ruas o tempo que quiser.  Nesses dois casos eles estão com muita dificuldade em socializarem-se. Hoje os jogos de vídeo game são on-line, tem pessoas do mundo inteiro jogando simultaneamente. Há uma rede de pedofilia que usa os jogos para conhecer os meninos. Um desses meninos fez amizade com um homem de São Paulo e que veio até Piracicaba para conhecê-lo. Tudo iniciou pelo vídeo-game.

O vídeo-game também é um alçapão para captar crianças?

Infelizmente deixou de ser apenas um jogo inocente. Os pais têm que ficarem muito atentos ao que os seus filhos estão acessando. As crianças e os adolescentes ficam vibrados nos youtubers que é um menino que fica comentando jogos de videogame e ele vai passando suas idéias, ele fala horas de videogame, de repente ele começa a falar sobre outros assuntos.

Há características próprias a cada classe social?

As dificuldades são semelhantes, alguns aspectos, porém se destacam, nas classes menos favorecidas destaca-se a violência, nas classes mais abastadas a negligência. Ambas são prejudiciais. Ninguém nasce rejeitando as regras sociais, há um histórico de vida, não é que nasceu assim.

MARIA APARECIDA FRANCO DE BARROS FORNARI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 23 de setembro de 2017

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARIA APARECIDA FRANCO DE BARROS FORNARI


 

Maria Aparecida Franco de Barros Fornari nasceu na cidade de São Paulo a 13 de setembro de 1957, é filha de Maria Aparecida Franco de Barros Fornari (mãe e filha têm o nome igual) e João Benedito de Barros Fornari, contador e empresário, em 13 anos tiveram 12 filhos: João Carlos, José Roberto, Antonio Luiz, Paulo Eduardo, Pedro Ricardo, João Benedito, Mario Sérgio, Maria Aparecida, Célia Regina, Ana Cecília, Carmem Lia e Valter Guilherme.

Em qual bairro de São Paulo você cresceu?

Cresci no bairro Bom Retiro, fiz meus estudos no Colégio Santa Inês e o curso técnico eu fiz no Colégio Sagrado Coração de Jesus, bairro Campos Elíseos, o curso superior estudei na Faculdade de Educação Física, em Mogi das Cruzes, conclui o curso em 1976.

Seus pais foram grandes vencedores em educar todos esses filhos!

Meu pai disse que a herança dele para os filhos seriam dois diplomas: de um curso técnico e um curso universitário. Todos nós temos dois diplomas.

Com qual idade você começou a trabalhar?

Aos 19 anos comecei a trabalhar. Eu tinha cursado também o curso de Laboratório de Análises Clínicas no Liceu Coração de Jesus. O primeiro laboratório em que trabalhei foi o do Hospital Bandeirantes, situado no bairro da Liberdade. Depois fui trabalhar no Elkis e Furlanetto Laboratório Médico. Lá fazia análises clínicas, exames de laboratório.

Até que idade você permaneceu em São Paulo?

Até quando me casei. Por motivos profissionais do meu marido, ele era jogador de futebol, ele jogou até o juvenil em um grande time de São Paulo, depois o seu passe foi vendido para times do interior: Araras, São Carlos, e outras cidades, eu fui acompanhando. Tivemos um filho: Renan. Após percorrermos esse circuito todo voltamos à São Paulo, quando foi possível adquirirmos uma casinha compramos na Praia Grande, nessa época meu filho tinha seis anos. Até hoje meu filho mora lá. Eu trabalhava em São Paulo e morava na praia. Ia com ônibus fretado, por 18 anos fiz essa rotina de trabalho.

Você viajava todos os dias?

Todos os dias. Por ser ônibus fretado a viagem era menos cansativa. O ônibus parava quase na porta de casa, às vezes dormia, quando tinha muito trânsito passava um filme, jogava bingo no ônibus.

Você sempre foi muito animada!

Sempre!

Como você veio à Piracicaba?

Desde o ano 2000 meus pais vieram morar em Piracicaba. Eles foram sempre muito independentes dos filhos, mas eram dependentes um do outro! Construíram uma casinha no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. Minha tia, irmã do meu pai já morava aqui. Eu não conhecia Piracicaba. Meu pai faleceu em 2005 a minha mãe ficou conosco em São Paulo, eles tinham um flat naquela cidade. Eles que iam para São Paulo todos os finais de semana, para visitar os filhos. A maioria mora lá. A casa construída no Lar dos Velhinhos continuava pertencendo a ela. Nesse período ela manifestou a vontade de voltar a residir em Piracicaba. Nessa época eu e minhas irmãs tínhamos um instituto de estética em São Paulo, eu ia e voltava da Praia Grande todos os dias. Eu já estava divorciada. Minha mãe queria voltar para a casinha dela no Lar dos Velhinhos. Minhas irmãs e eu decidimos encerrar as atividades comerciais que estávamos desenvolvendo. Vim para Piracicaba para ficar com a minha mãe. Ela falava que o meu pai ficava no pavilhão dos homens, dando comida para eles na hora do almoço, enquanto ela ficava no pavilhão Lula dando comida e brincando com as moradoras. Foi quando pensei em um projeto: resgatar a criança interior dos idosos, com brincadeiras. Por dois anos trabalhei como voluntária. Eu tinha umas reservas financeiras, minha mãe também ajudava, até que entrei no projeto da Prefeitura Municipal, da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social – SEMDES A piscina que hoje existe no Lar foi ativada, por estar profissionalmente habilitada fui convidada a dar aulas de hidroginástica.

Você tornou-se uma pessoa conhecida junto aos pavilhões?

Brincava nos pavilhões, no começo foi muito complicado, era uma pessoa nova entrando em um ambiente diferente. As irmãs foram as primeiras a me receberem, depois as idosas, entrando com alegria eu ia contra um clima de espera da morte iminente. Creio que mudei um pouco o modelo de comportamento existente no pavilhão. Essas pessoas não tinham mais razão de viver. Com a minha alegria, com as minhas brincadeiras, parece que perceberam que tinha mais alguma coisa para fazerem.

Você trabalha com uma situação muito complicada, que é a pessoa estar próxima da sua finitude e muitos têm a consciência disso.

Desenvolvi uma intuição apurada nesse sentido, abordo a espiritualidade de cada um. Sou Reikiana, Reiki é uma palavra japonesa que significa “Energia Vital Universal”. O Reiki não é uma religião e nem uma crença. Ele abre novos caminhos para experiência espiritual e o aprendizado. Também fazendo o uso de técnicas holísticas que busca despertar na pessoa o auto-equilíbrio corpóreo, psíquico e social. A pessoa idosa enxerga a sua alma. Se for feito de coração, com profunda sinceridade, eles aceitam tudo. Se sentirem que há uma doação de fato ninguém é melhor para eles. A sinceridade tem que ser real e legitima. Qualquer coisa que lhes for prometida deve ser feita no menor espaço de tempo possível. Não deixe para amanhã, não procrastine, não adie.

Em que ano você começou a trabalhar com eles?

Aqui foi em fevereiro de 2006 quando cheguei. Fui registrada como funcionária do Lar dos Velhinhos em 2008 como recreacionista. Sou a pessoa responsável por passeios, festas, desenvolvimento da parte motora, física, brincadeiras, tenho que levantar o astral dessas pessoas. Hoje trabalho com 150 idosos carentes, sem contar o pessoal dos chalés, muitos entram na dança.

Existem casos em que os filhos deixam pais e mães aqui, como se fosse uma mala e vão embora?

Têm! Muitos casos, em especial dos carentes, em maior parte mulheres. O Lar tem várias realidades co-existindo. A realidade dos chalés, seus moradores estão aqui por opção própria. Têm liberdade completa de locomoção, independência. A realidade dos pavilhões dos homens carentes, onde muitos trazem suas cicatrizes de vida difícil, a realidade das idosas carentes que também percorrem, de forma geral, experiências dolorosas. Algumas foram trazidas por pessoas amigas, diante de situação de dificuldades básicas. Nem mesmo parentes muitas vezes as procuraram. Ou procuram.

Como fica o sentimento de uma pessoa em uma condição dessas? 

Temos que entrar com a compaixão. Não nos compete julgar. Não conhecemos o passado dessa pessoa, como foi sua conduta junto a outras pessoas. Há algumas situações em que a pessoa age conforme lhe ensinaram. Sem julgarmos ninguém, eles estão aqui, são bem cuidados, a alegria irá trazer um crescimento evolutivo maior. Encarar a realidade, um dia após o outro. Vive-se o dia de hoje.

Eles têm atividades externas as dependências do Lar?

Todo mês eu tenho um passeio com eles: praia, circo, festividades em diversos locais da cidade. No espaço destinado tem o forró toda quinta feira, das 14:00 às 16:00 horas, O Conjunto Recordar participa toda semana, isso já existe há quarenta anos. Se um músico falece ou fica impedido de tocar outro o substitui. São todos idosos também. Não perdem uma quinta feira, e os idosos “arrastam o pé”! Vem muitas pessoas de fora do Lar, geralmente do  bairro. Cantam, dançam, as cadeiras de rodas são empurradas, têm bastante voluntários.

Os ocupantes das cadeiras de rodas também participam?

Dançam também! Dentro da possibilidade de cada um. Movimentam-se sobre as cadeiras, contagiados pela música. Mexe com o ânimo deles e principalmente: saem do pavilhão. É a minha intenção, tirá-los do pavilhão. O idoso tem suas características próprias, prezam pela sua zona de conforto. Com essas atividades saem da rotina, muitos esperam o forró com bastante ansiedade. Quando temos um passeio eu não posso avisá-los com antecedência, a excitação é muito grande, começa a dar dor de barriga, parecem crianças! Só aviso a coordenadora de cada pavilhão, vou sair com tais pessoas, devem ficar arrumadinhos.

Eles dedicam-se a atividades artísticas?

Temos a Maria Amélia que realiza terapia ocupacional, os idosos pintam, desenha, ela faz trabalho em grupo.

Se a pessoa quiser ser voluntária vocês aceitam?

Lógico! Sempre estamos precisando de pessoas com boa vontade. É feito um cadastro, é estabelecido um cronograma de disponibilidade, e a pessoa passa a integrar o grupo de voluntários.

A partir de que idade a pessoa pode ser voluntária?

A rigor não existe idade que estabeleça limite para auxiliar o semelhante. Existe aptidões próprias a cada tarefa. Pode ser desde pequeno, é muito bom ver essa realidade toda. Tive um exemplo, em um sábado um menino completou 8 anos, ele pediu aos pais como presente de aniversário, fraldas geriátricas para entregar ao Lar dos Velhinhos. Todos os seus familiares, convidados para a festa deram fraldas, ele veio até o Lar, trouxe as fraldas, fizemos a festa de aniversário dele aqui também, os pais trouxeram bolo, para cantar parabéns junto com os idosos. Olha a consciência dessa criança! Está sendo moldado o caráter de um adulto de valor. Até na formação do caráter da criança essa visita aos idosos é transformadora. Há um detalhe muito importante, chamar a atenção da criança para que se cuide e no futuro venha a ter uma maturidade saudável. Ele está vendo em sua frente o que será no futuro: um idoso!

Fala-se muito na interação de crianças e idosos, como você vê isso?

Sempre tivemos as visitas das crianças ao Lar.

Qual é a reação dos idosos?

É um processo fantástico! Tanto com relação às crianças como em relação aos idosos. As crianças ficam admiradas porque não é a realidade que eles têm em casa. Geralmente os avôs deles estão na faixa de 50 a 55 anos, preservam boas condições de saúde e locomoção. Foge da realidade das crianças de 9 a 12 anos que vem até o Lar. Proporciono a interação com brincadeiras, cantando, utilizando bolas. Aí as crianças se soltam.

Essas visitas são boas para as crianças?

Muito! Eles passam por um processo de preparação anterior pelos seus professores, então já chegam orientados. É enfatizada a realidade dos idosos. Os idosos adoram. Eles são carentes, é o “netinho” deles. Eles se projetam na criança.

Outra atividade peculiar é a visita que os cães fazem aos idosos.

A cada 15 dias vem um grupo de voluntários trazendo cães especializados em visitas desse gênero. São de grande e médio porte. Foi um processo difícil  a introdução dessa atividade junto ao Lar. Houve resistência por alguns setores do Lar, preocupados com a saúde e bem estar do idoso. Só após um trabalho de referência intenso, onde foram demonstrados os benefícios que esses cães levam a local de grande vulnerabilidade como hospitais de câncer, hospitais, essa resistência foi vencida. Os cães vêm todos os domingos, permanecem por uma hora. Os idosos vibram, brincam, acariciam. São animais que receberam técnicas especiais para conviver com esse tipo de situação. O gasto de energia dos cães é tamanho que os seus donos afirmam que ao saírem os cães dormem o dia todo.

O que é o “Show da Alegria”?

Anteriormente era denominado “Disco de Vinil”, até que a pessoa responsável desligou-se do Lar. Atualmente os idosos cantam, recitam, dançamos, fazemos umas coreografias, ensaia a quadrilha, tudo para deixar o ambiente alegre. Ficamos das 8:00 até umas 10:15 da manhã com eles, passamos o café, bolachinha, tem um grupo que faz bolo. Fiéis de igrejas de diferentes credos trazem algo para os idosos, cantam.

Nesses 11 anos em que você está aqui deve ter visto muita coisa aqui dentro.

Muita! Grandes alegrias, tristezas. Ressalto muito que aqui dentro que o bem maior que eles me fizeram é muito pelo pouco que doei. (Maria emociona-se nesse momento). Aprendi muito com eles, houve uma evolução muito grande dentro de mim, espiritual, de compreensão, paciência, tolerância. Isso eu aprendi tudo com eles! Sou uma pessoa muito elétrica, quero tudo para ontem, tive que ir ao tempo deles, ia levá-los para passear, na hora em que ia buscar geralmente dizia: “- Ah! Eu vou ao banheiro!” Tinha que esperar. Para mim isso era difícil de entender. O idoso de forma geral é temperamental. É necessário saber falar com eles.

O idoso não tem muito autocensura, ou seja, tem pouco freio?

Isso eu aprendi, achei que foi bom para mim! Eu era uma pessoa muito tímida. Tive que me soltar totalmente, é uma escola.

Os idosos são vaidosos?

São! As mulheres são vaidosas, quer um batonzinho, pintar a unha, pintar cabelo, enfeitarem-se com um colarzinho, um brochinho. Os homens são mais com radinho de pilha e relógio. Quando quebram um relógio vêm imediatamente me procurar! As idosas gostam muito de boneca! Teve um ano que fiz uma campanha com os moradores de chalés e arrecadamos fundos para dar bichinhos de pelúcia! Comprei 600 bichinhos de pelúcia! Elas amaram! Sempre pedem boneca, estamos falando de pessoas na faixa etária dos 70 aos 90 anos. Eles querem alguma coisa para abraçar, para pegar. É uma carência.

Como educadora física, como você utiliza as áreas de exercícios físicos?

Acho ótimo! Tem uma escala de horário de atividades, os maiores usuários é o pessoal dos chalés, alguns aparelhos por terem sido instalados recentemente ainda precisa de algum tempo para que o habito de uso seja criado. A hidroginástica funciona para os que não se utilizam de fraldas. Hoje temos por volta de 40 alunos, a piscina é térmica, coberta, com aquecimento solar ou a gás.

A quadra de basquete está em uso?

Vamos cobrir, quero ativar isso. Nem que seja uma brincadeira com bola. Quadra já chama a atenção, resgata a infância do idoso. Conseguimos o patrocínio de um benfeitor (pessoa física) para a cobertura com telhas térmicas.

O que é ginástica cerebral?

É um sistema de exercícios específicos que oferece a possibilidade de utilização do cérebro de maneira total, em todo o seu potencial. Quero trazer essa atividade também para a quadra coberta. Facilita muito o acesso do idoso.

Com relação a alimentação, como funciona?

Temos duas nutricionistas, uma só cuida dos pavilhões e dieta deles e outra que elabora o cardápio geral. Os idosos dos pavilhões tem 6 alimentações diárias: café da manhã; uma fruta; almoço; lanche da tarde; sopa no jantar e a ceia as 7:00 horas da noite.

A comida é gostosa?

Muito boa! Eu como daqui, minha mãe as vezes cozinhava, as vezes pegava aqui.

Maria, o que eles gostam de comer mas que não é habitual ter?

São os salgadinhos: coxinha, empadinha, esfiha, kibe. Bolo eu faço todo mês, no pavilhão masculino e no pavilhão feminino, quando são comemorados os aniversariantes do mês. Faço dentro do pavilhão deles, tem muitos acamados, muitos que não saem. Para ter a energia da alegria, do aniversário, providencio um presentinho para todos eles, coisas simples. Eles gostam muito de sabonete, pasta de dente, toalhinha pequenininha, desodorande Roll On,

Aqui você carrega suas baterias e descarrega suas energias?

Considero aqui como minha missão, larguei tudo da minha vida, para vir para um lugar que nem conhecia, acho que fui um instrumento. Sem eu saber, para vir para cá eu me preparei. Fiz vários cursos filosóficos. Faço muita meditação, trabalho com yoga. Faço reflexões. Não culpo ninguém se me sentir magoada. Se me tratam mal. Não é culpa das pessoas que fazem isso, a minha consciência é: “Por que que me afetou isso” ! O que eu tenho que administrar dentro de mim para não ser machucada? O problema está comigo, as pessoas podem falar o que bem entenderem.

Você já foi rejeitada por alguém alguma vez?

Ah ! Já!

Como você trabalha isso?

Olhando no espelho! A rejeição está em mim, não está na pessoa que me rejeitou! Eu que estou me rejeitando de alguma forma! É um reflexo meu! As pessoas jogam tudo para você por ser um reflexo delas e não meu! A pessoa me diz: “Maria, hoje você está triste!” Respondo imediatamente: “ Ah! Não! Eu sempre fui alegre!Não tenho um porque de estar triste! Olhe dentro de você e vê se não é com você”. Uma pessoa rejeitada dentro de um grupo, a rejeição é ela quem estabelece. Está sendo rejeitada por ela mesma. Ela tem que ver como um processo de evolução e não algo ruim. Vai fazer uma autoanalise, ver porque foi afetada por isso? Qual é o motivo para sentir-se rejeitada? O que você faz para afastar as pessoas? Isso é autoconhecimento.

O aspecto físco da pessoa póde criar rejeição? 

Até pode! O problema de quando a pessoa rejeita outra tem que ser procurado o que causou isso, tem um motivo, ninguém aceita esse motivo, por deixar se levar pela opinião de outra pessoa. O que irão falar de mim se eu for assim? Uma pssoa fica magoada se permite-se magoar. A meu ver o Lar dos Velhinhos de Piracicaba é um paraiso para quem sabe viver. A nossa vida é isso. Aqui tem muitas oportunidades de autoconhecimento, de evolução, de ser uma pessoa melhor. Temos múltiplas realidades aqui dentro, quem vem aqui fica abismado, não tem idéia da dimensão do que o Lar é. A realidade de cada um. A personalidade individual reflete no coletivo.

Postagem em destaque

      TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS     TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS       TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS             ...