sexta-feira, janeiro 18, 2019

ESTHER MARIA ZEN BRASIL


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 05 de janeiro de 2019.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

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ENTREVISTADOS: ESTHER MARIA ZEN BRASIL
                   E CARLOS ALEXANDRE BRASIL


                               

A variedade e a qualidade cultural existente em Piracicaba é riquíssima. São tantos talentos, diversificados, que torna-se difícil até mesmo conhecer a todos. Temos vagas impressões desse inumerável conjunto. José Carlos de Godoy Brasil, o “Zé Carlos” ou “Bedas” como era popularmente conhecido tornou a cidade de Piracicaba mais alegre, com inúmeras apresentações musicais que realizou, inclusive nas cidades da região. Este mês de dezembro de 2018 José Carlos silenciou seus instrumentos. Sua presença marcante deixou um vácuo que só o tempo pode superar. Sua esposa Dona Esther Maria Zen Brasil, amparada por um de seus filhos, Carlos Alexandre Brasil, revelou um pouco da história de lutas e conquistas que viveram juntos. Entre muitas glórias, a grande lição é a força do poder do amor. Zé Carlos embora não aparentasse, sofria de uma doença crônica e incurável, o alcoolismo. Só a fé e o amor de Dona Esther, que movimentou todas as barreiras, fez com que Zé Carlos, ao ser pai do primeiro filho, Carlos Magno, deixasse de sequer experimentar uma bebida e continuasse a fazer o que gostava: exercer a música, animar inúmeros bailes, ingerindo apenas água. O amor substituiu a doença do alcoolismo.  Uma verdadeira lição de vida. José Carlos de Godoy Brasil teve um atuação marcante na cidade de Piracicaba. Seu pedido antes de falecer foi de ser cremado e ter suas cinzas dispersas no Rio Piracicaba. Na semana passada a família cumpriu sua última vontade. Reunida, com todo o respeito, entregaram às águas do Rio Piracicaba a última lembrança do ente querido. A cremação é um dos processos mais antigos praticados pelo homem. Em algumas sociedades este costume fazia parte do cotidiano da população os gregos, por exemplo, cremavam seus cadáveres por volta de 1.000 A.C. No Japão, a cremação foi adotada com o budismo, em 552 d.C, Há religiões que não recomendam a cremação. Os cemitérios, que à primeira vista não oferecem riscos, também podem causar danos à natureza e à saúde da população. Foi o que demonstrou um estudo sobre contaminação de águas subterrâneas por necrópoles realizado pelo engenheiro civil e doutor em Hidrogeologia, Bolivar Matos, A possibilidade de contaminação se relaciona, além das chuvas, ao tipo de solo no qual está o cemitério. Terrenos arenosos, que são porosos, facilitam a passagem da água, fazendo que com o necro-chorume chegue mais facilmente ao lençol freático.


Dona Esther, a senhora nasceu em que cidade?

Nasci a 3 de maio de 1942, aqui em Santa Terezinha, Piracicaba. Na época Santa Terezinha era uma vilinha, papai tinha sítio em Santa Terezinha. Havia muitos sítios em Santa Terezinha. Como só tinha filhas, não tinha como tocar a lavoura, ele foi obrigado a vender o sítio. Ele comprou uma casa no centro de Santa Terezinha, essa casa ainda existe, fica na Rua Virgílio da Silva Fagundes, conheci o Zé Carlos lá, e nos casamos. Meu pai chamava-se João Zen e a minha mãe Joana Helena Larroca Zen, tiveram oito filhos: Ermelinda, Ercília, Elvira, Esther, Helenice e Sueli sendo que faleceram muito novos: Alécio e Hélide. Na época os recursos médicos eram com mais limites. Em Santa Terezinha tem uma rua com o nome do meu pai: Rua João Zen.

Nesse sítio em Santa Terezinha o que era cultivado?

Papai plantava de tudo: cana-de-açúcar, café, milho, arroz, mandioca, frutas. O sítio ficava no bairro Boa Esperança, um pouco acima do ribeirão existente lá, onde existe uma vala abaixo do Atacadão era um ribeirão, o sítio do papai ficava nesse ribeirão e ia até lá em cima, no Boa Esperança, pegava toda aquela região da hoje Vila Sônia, onde está o terminal de ônibus urbano. Vizinhos tinha o sítio do Zanin, do Paulo Grandis. A casa do papai era uma casa grande, foi demolida para passar a avenida. Todos nós irmãos ficamos indignados por terem derrubado a casa! Era uma casa muito bonita, com varanda, escadaria. Papai que construiu. O meu avô paterno é Nicola Zen, tem uma rua em sua homenagem em Santa Terezinha. Sua esposa era Elvira Zen. Meu avô veio da Itália com 12 anos, no Fanfulla um navio a vapor italiano que fez o transporte de imigrantes italianos entre a Itália e o Brasil diversas vezes.(No primeiro quarto do século XX foi afundado por um U-Boot alemão.)

O avô da senhora veio sozinho da Itália?

Ele veio com a família toda. Inclusive ele teve irmãos que nasceram no Brasil.

Em que ano o pai da senhora se desfez do sítio?

Foi em 1958. A agricultura sempre foi complicada. Hoje a agricultura é explorada em alta escala por grandes empresas. O pequeno agricultor tem muitas dificuldades para sobreviver.

Nessa época a senhora trabalhava?

Trabalhava na roça mesmo! Saia da escola e ia trabalhar, estudava na Escola Municipal Prof. João Batista Nogueira, que na época situava-se em outro local físico, passava o trenzinho da Companhia Sorocabana de Estradas de Ferro, passava em Santa Terezinha, as crianças do sítio da Santa Lídia, Artêmis, vinham de trenzinho que parava em frente a escola. Enquanto não chegava o trem não entravamos na sala de aula. Minha primeira professora foi Dona Terezinha da Cunha, depois tive aulas com Dona Oscarlina, Dona Gertrudes Barbosa Moretti, tem uma rua no bairro Algodoal com o nome dela, no quarto ano tive aulas com Olga Benatti, ela lecionava Canto Orfeônico para nós, era regente do coro da Catedral.

A senhora ia como para a escola?

Ia a pé, com sol, chuva, não perdia aula. No período em que estudei, quando chegava em casa tinha os deveres, arrumar a casa, a cozinha. Tinha que deixar tudo em ordem. Minhas irmãs mais velhas já cozinhavam, eu não. Minha irmã mais velha aprendeu a costurar, ainda quando era novinha, com 13 anos ela costurava calça, camisa para todo pessoal. Minha mãe comprava peças de algodão cru, na Casas Pernambucanas, Casa Moniz, Casa Dom Bosco. Quando recebia dinheiro da usina papai falava: “-Isto aqui é para as despesas!”. Comprava vestidos para as festas, calçados, tinha que durar até o ano seguinte.

Pelo fato de comprar uma peça de tecido, a estampa era a mesma para todos?

Ficava todo mundo igual! Era comum na época. Não tínhamos rádio, éramos doidas para ter um rádio. Era um sonho ter um rádio para ouvir Tonico e Tinoco, aquela tarde sertaneja, Nelson Gonçalves, ouvir as novelas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, Paulo Gracindo (pai) era um galã. Lembro-me que dizíamos: “Papai, não vai dar para comprar rádio?”. Ele respondia: “-Se Deus ajudar, aquela rocinha de feijão vamos usar para comprar o rádio!”. Veio a seca, nada de rádio! Muito tempo depois compramos o rádio, como não havia energia elétrica era ligado a uma bateria de carro. As vezes acabava a carga no meio da novela. Uma vez acabou a carga, estávamos sozinhas minha irmã e eu. Dissemos: “Vamos no Alcides Motta, lá em Santa Terezinha, buscar um acumulador?”. Engatamos o burro no carrinho e fomos buscar, depois o meu pai ficou sabendo, deu a maior bronca.  Era um rádio muito bonito, colocamos em um lugar de destaque na sala. Era moderno para a época, uma madeira amarela, passávamos óleo de peroba para ficar brilhando. Tinha duas hastes de madeira nas extremidades do telhado, um fio de metal esticado e outro descendo até a entrada da antena do rádio. Quando víamos uma casa com antena dizíamos: “Lá tem rádio!”. Era sinal de status. Nós éramos os únicos que tínhamos rádio nas imediações. Domingo a vizinhança ia lá em casa para ouvir cururu: Pedro Chiquito, Nhô Serra, Parafuso. Foi uma época em que a amizade era mais forte. Quando um vizinho abatia um porco, um boi, era repartido graciosamente entre todos. Fazíamos linguiça em casa, descascava alho, colocava a pimenta do reino.

Deixava dependurada?


Ficava dependurada, mas não em cima do fogão de lenha, senão ela ficava defumada. Ficava na dispensa. Tinha as peças de toucinho dependuradas, Não se comia essa linguiça mole que se compra em supermercado! Ela tinha que ficar seca, era quase um salame, ficava muito gostosa. Comia crua, colocava no meio do pão.

Naquela época as mulheres geralmente davam a luz na própria casa?

Havia muita solidariedade. A parteira muito competente era a Angelina Chiodi, ela trabalhava na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba e morava em Santa Terezinha, tinha uma farmacinha que atendia a população. Quem tinha dor de garganta, uma febrezinha, ia lá. Ela era a parteira de todas as mulheres do bairro, na hora do parto se ouvia: “Chama Dona Angelina! Chama Dona Angelina!”.

Não havia pré-natal, nenhum desses procedimentos que existem hoje?

Que pré-natal? O pré-natal da mulherada era no cafezal! Eu mesma, ainda mocinha, colhia algodão, café. Isso fiz até 16 anos, quando papai vendeu o sítio, era o Sítio Bela Vista. Tínhamos um cavalo, marronzinho, manso, o “Gaúcho”. Nós vínhamos para a cidade com um carrinho de roda de madeira e aro de ferro, puxado pelo “Gaúcho”. Vinha a família toda, eram colocadas umas cadeirinhas para as meninas menores, outra ia no meio, uma no colo da mamãe, uma dependurada em cada lado e passeávamos.

A senhora era mocinha, naquele tempo tinha bailes em Santa Terezinha?

Tinha! Faziam casamentos com bailes, tinha festas na Igreja de Santa Terezinha, a antiga que está sendo restaurada, vínhamos nas festas. As famílias frequentavam. Havia um respeito muito grande, tinha os amigos, os primos, íamos ao baile, as onze horas tínhamos que estar em casa. E nada de namorar!

A senhora participava das atividades paroquiais?

Todos os dias as seis horas da tarde eu tocava o sino da igreja! Subia na torre e puxava a corda. Eu pegava a chave na casa da senhora que tomava conta da igreja e ia cumprir a minha tarefa. Eu seguia o horário pelo relógio da minha casa. Naquela época relógio de pulso era característica de pessoa rica. Os moços que ganhavam um relógio de presente da namorada era notícia. Um acontecimento.

Como a senhora conheceu o seu futuro marido?

É uma história muito bonita. Embora tenha algumas coisas de triste também. Havia restrições familiares com relação ao nosso casamento. Não era uma relação com aprovação familiar. Casamos e tivemos quatro filhos, nenhum deles ingere bebida alcoólica e nem faz uso de tabaco. Nem os meus filhos viram o pai ingerir álcool. O Zé Carlos era músico, quando o conheci era alcoólatra. A beleza dessa história está na superação do vício. Outro fator é que mesmo alterado era incapaz de provocar uma briga, ter ações violentas, ele tornava-se em uma pessoa mais alegre, extrovertida. Eu trabalhava como telefonista em Santa Terezinha, era funcionária de Prefeitura Municipal de Piracicaba.

Como a senhora iniciou esse tipo de trabalho?

Foi instalada a estação de PBX em Santa Terezinha, abrangia toda aquela região, até hoje lembro-me de todos os números de telefones de sítios, fazendas, fábricas. Lembro-me que 301 era do Hermínio Grisotto, era o subprefeito de lá. 302 era do Chiodi, 303 era do armazém do Mardegan. Para pedir a ligação mexia-se uma manivela e pedia para a telefonista fazer a ligação para o número desejado. Havia uma central com plugue das linhas operada pela telefonista.

Em que local ficava o PBX?

O PBX foi instalado na sala da casa do meu pai. Eu trabalhava em casa! Eu trabalhava até as 14 horas, depois era outra minha irmã que ficava.

De madrugada tinha ligações?

Tinha! E muitas! Geralmente era por motivo de doença, chamar a ambulância, algum bêbado que estava caído em algum lugar.

Tinha trote?

Não tinha. Havia sim dificuldades de expressão quando a pessoa pedia a ligação, algumas vezes tinha que descobrir o que a pessoa queria, como uma pessoa, cuja esposa estava no hospital e essa pessoa pediu: “Por favor! Ligue na maternidade dos homens!”. Fatos dessa natureza, a falha de expressão, era comum. Era um pessoal muito simples que protagonizavam essas situações.

Telefonista era uma profissão importante, respeitada pela população?

Era uma profissão muito respeitada. O nosso atendimento tinha que ser imediato, as vezes estávamos atendendo a uma pessoa, quem tinha que receber o recado não tinha telefone, íamos anotando, enquanto isso outro usuário chamando para completar a ligação. Se demorássemos um pouquinho muitas vezes a pessoa que queria a ligação ficava impaciente.

Uma ligação para fora de Piracicaba como funcionava?

Era o interurbano. Muitas vezes uma ligação para São Paulo demorava mais do que o tempo de ir e voltar de carro, trem. Era comum o interessado marcar a hora para completar a ligação, por exemplo. A pessoa pedia a ligação as 10 hora da manhã e marcávamos a ligação para São Paulo as 15 horas. Para a pessoa não ficar esperando esse tempo todo. Eu ainda passava para a central em Piracicaba, a Companhia Piracicaba de Telecomunicações CIPATEL, o gerente era o Professor Olenio Veiga, grande violinista. Trabalhei como telefonista por três anos, me casei, depois voltei a trabalhar e aposentei-me em 1979.Sempre no PBX. Papai vendeu a casa, nós todos casamos, a casa era grande, ele construiu uma casa menor. O Centro Telefônico mudou-se para uma residência onde era a Guarda Municipal. Depois chegou o telefone automático. Após o PBX sair de casa, eu trabalhava das seis horas da manhã até o meio-dia, minha irmã trabalhava do meio dia até as seis horas da tarde e a minha sobrinha trabalhava das seis horas da tarde até as onze horas da noite. As onze hora da noite o guarda assumia o trabalho. Santa Terezinha era muito diferente, logo na entrada, saindo da pista, passava pela propriedade de Antonio Dias de Souza, a Rua Nossa Senhora do Carmo é em homenagem à sua esposa Dona Carminha, a sua filha Maria do Carmo estudou comigo. O sobrado que existia ali, era histórico, demoliram para fazer banheiro! Onde esse povo está com a cabeça? Onde hoje é a Belgo-Mineira, era só eucalipto, tinha uma estradinha que passava no meio, íamos de carrinho com tração animal até a Fazenda Santa Rosa onde morava uma tia da mamãe, lá de cima papai e nós olhávamos para trás, ele dizia: “Lá é a Casa da Baronesa”. Ficava na região da Nova Piracicaba.

Quantas linhas de telefone havia em Santa Terezinha?

Havia duas linhas para atender a 30 telefones. Se tivessem duas pessoas conversando ao telefone, as outras 28 tinham que esperar! Tinha um relê, quando acabava de falar o relê caía, as vezes dava problema, não caía. Quem estivesse operando o PBX entrava na linha e dizia “Alô, alô!”. As vezes o usuário dizia: “Estou falando ainda!”. No Museu Prudente de Moraes tem um PBX que era de Saltinho. Ártemis também tinha PBX.

As telefonistas se conheciam entre si?

Sim, nos conhecíamos! Fiz muitas amizades, conheci muitas pessoas, pela voz já identificava a pessoa.

A senhora disse que conhecer o seu marido José Carlos de Godoy Brasil foi um acontecimento?

José Carlos de Godoy Brasil nasceu em 01/031937, em Campina Grande, Paraíba, filho caçula de Cornélio Wanderley e Luzinete de Godoy Brasil, que tiveram cinco filhos, sendo que dois faleceram ainda novos. Seu pai, Cornélio era comerciante de algodão e em dezembro de 1937, o armazém da sua empresa “Cornélio Brasil &Cia” sofreu um incêndio acidental de grandes proporções.  Cornélio faleceu em fevereiro de 1938, com apenas 30 anos, vítima de tuberculose. José Carlos aos 11 meses ficou órfão de pai. Sua mãe, viúva, juntamente com os filhos foi para Recife, Pernambuco. Aos 14 anos ele ingressou no Instituto do Açúcar e do Álcool, o IAA, na Delegacia do Recife. Quando ele

completou os 17 anos a Delegacia do IAA em São Paulo estava necessitando de funcionários, ele se inscreveu para vir para São Paulo. Como era menor de idade a mãe veio junto. Permaneceram por oito anos em São Paulo, morando na Rua das Palmeiras. De lá ele foi para Ribeirão Preto, onde permaneceu por dois anos. No final de 1962 ele veio aqui para a Destilaria Gileno De Carli, no hoje conhecido como Bairro IAA.  Ele morava a duas casas da casa da residência da minha irmã, o meu cunhado também era do IAA. Minha irmã chegava em casa e dizia; “Esther, está morando um casal, um rapaz e mãe dele, é um moço muito educado, toca um violão que é uma beleza, ele canta, é muito brincalhão”. Pensei: “quero conhecer essa pessoa”. Um sábado teve um casamento em Santa Terezinha, de uma amiga nossa, Ele chamava-se Benedito Lourenço, um negro muito respeitado no bairro. Naquela época quando tinha um casamento todo mundo ia. Eu estava trabalhando como telefonista, bateram na porta. Abri, um moço muito cavalheiro disse-me: “Senhorita, por favor, preciso fazer uma ligação para a minha mãe na Destilaria, vai ter um baile aqui hoje, vou ao baile e quero avisar que vou chegar tarde.”

Eu perguntei-lhe: “Você é o Carlinhos?” Ele afirmou que era e perguntou-me quem eu era; Respondi-lhe que era irmã da Elvira. Ele era muito formal, respondeu: “Ah, a senhora Dona Elvira! Eu vou ao baile, tive até que emprestar um paletó e uma gravata”. Naquele tempo não se admitia o acesso a bailes, cinemas, sem paletó e gravata. Ele perguntou-me se eu ia ao baile. Disse-lhe que iria. Sua afirmação foi: “-Eu vou dançar com você!”. Fui ao baile, ele veio tirar-me para dançar. Minha mãe já sabia da fama dele, o seu vício pelo álcool, ela olhava com olhar estalado! A nossa família toda estava em um salãozão. Ficava na Travessa Luiz Franchi, 55 Santa Terezinha. Hoje nesse salão é a Academia de Ginástica do Ernesto Randolfo Bernardino. Dançamos, depois de terminado o baile ele me acompanhou até o portão de casa. Ele disse-me: “Amanhã venho buscar você para irmos à matinê!” Disse-lhe: “Nem venha!” Ele disse que estaria no dia seguinte a uma hora da tarde para me buscar. No dia seguinte me arrumei e fomos ao cinema, no Cine Polyteama. Viemos com ônibus que vinha de São Pedro e tinha um ponto em Santa Terezinha. O ônibus passava às 13:20, a sessão começava as 14:00 horas. Descia no Largo São Benedito. O ônibus fazia uma parada no Largo e depois ia para a Paulista para pegar os passageiros que vinham de trem até Piracicaba. Estava próximo do carnaval, ele disse que não iria estar em Piracicaba, ele tinha uns amigos de seresta em Pirassununga: o Nelson, o Roberto Batistella.  Eram amigos desde quando moraram em São Paulo. Após o carnaval, uma sexta-feira à tarde, eu estava fazendo faxina em casa, batem na porta. Atendi. Era ele! Passamos a ter uma relação de Romeu e Julieta, minha família era contra o nosso namoro. A mãe dele sabia que a minha família não queria, ela também não queria. Encontrávamos às escondidas. Pensávamos que só nós sabíamos. Mas quando eu chegava em casa Santa Terezinha inteira sabia que tínhamos nos visto. Foi um período muito sofrido. A contragosto o meu pai aceitou o nosso namoro, ficamos noivos, por algum motivo terminamos. Teve um baile na Fazenda Dona Lavínia, Seu Hermes era o administrador, pai da Cida Abe, eu era amiga das meninas: da Edna, Elza. Meu pai sabia que eu tinha terminado o namoro, deixou-me ir. O Zé Carlos também foi ao baile. Minha irmã não podia nem vê-lo. O Zé Carlos e eu ficamos conversando, minha irmã viu. De lá ela telefonou para o meu pai, dizendo que eu tinha voltado a namorar com o Zé Carlos. E aí para chegar em casa? Eu disse a ele, vamos embora a pé? A fazenda é em frente a Usina Costa Pinto, viemos andando pela estrada, estava uma noite de lua cheia, quando chegamos na estrada de Charqueada passou um colega nosso de caminhonete, ele também estava no baile, nos deu carona. Nos deixou na Destilaria, na casa da minha sogra. Ela e ele me levaram até a minha casa. Quando me aproximei de casa estava tudo iluminado. Era umas três horas e meia da manhã. Até o meu avô estava acordado! Foi aquela confusão! Nem deixei o Zé Carlos e a mãe entrarem em casa. Me deitei na cama, o meu pai falando muito, disse: “-Amanhã quero esse rapaz aqui, vou falar com ele!”. Não tinha acontecido nada demais, viemos de um baile a pé.  Eu tinha que levantar para trabalhar no PBX, as seis horas da manhã. Conforme meu pai desejava, liguei para o Zé Carlos, meu pai queria falar com ele. Ele veio, meu pai foi direto ao assunto: “Amanhã vocês vão casar!”. Eu pensei: “Ô coisa boa!”. Só que eu não tinha nem enxoval pronto ainda, não tinha vestido de noiva, não tinha nada. Sei que diversas pessoas, amigas, da família, prontificaram-se a fazer cada um alguma coisa. Eu tinha uma amiga, Deise, que emprestou-me seu vestido de noiva, ficou impecável. Outra tinha a grinalda. No domingo a tarde fui atrás das minhas amigas, do meu padrinho de batismo, Na segunda feira cedo fomos ao cartório de registro civil situado na Avenida Rui Barbosa. Os papeis ficariam prontos as quatro e meia da tarde. Fui até uma loja, comprei um corte de tecido, fui até a minha irmã Ermelinda e disse-lhe: “Quero esse vestido desta forma, para casar hoje à tarde no civil!”. Ela fez o vestido para mim. No dia. Casamos. Fomos até a Igreja da Vila, combinamos com o Padre Jorge para casarmos no sábado. Eu o conheci em fevereiro, em agosto nos casamos. Dia 19 de agosto de 1963 casamos no civil, no dia 24 de agosto na Igreja Matriz antiga da Vila Rezende, quem celebrou o nosso casamento foi o Padre Jorge. Eu era Filha de Maria em Santa Terezinha.


Quantos anos vocês permaneceram casados?

Ficamos 56 anos casados. Sem uma briga, nunca dormimos brigados. Dessa união nasceram quatro filhos: Carlos Magno, ele tem uma franquia de escola de arte, seu talento deve ter origem na atividade do Zé Carlos, que gostava de desenhar. Tinha a mão habilidosa para a arte, nos anos 60 fazia “bicos” como desenhista publicitário em Santa Terezinha. Pintava e ilustrava estabelecimentos comerciais. Lá ficou conhecido como “Bedas” (pronuncia-se “bédas”). Nos anos 70, a manutenção de instrumentos eletrônicos era onerosa, Zé Carlos decidiu estudar eletrônica sozinho tornando-se o mais requisitado técnico de manutenção de órgãos eletrônicos nos anos 70/80. Ele aceitou o desafio de transistorizar completamente um órgão a válvulas. Isto é converter para transistores todo o circuito com válvulas, o que exigiu que fizesse todo o projeto eletrônico e ele mesmo o executasse. Foram dias e noites debruçados nos livros de eletrônica estudando as possibilidades, desenhando o circuito e executando o projeto. Ficou espetacular. Outra proeza foi projetar e montar o seu próprio órgão eletrônico, que usou entre 1979 e 1983.

Ele fazia órgãos com pedaleiras. Ele gostava muito de cinema, tinha seu projetor de filmes, alugava os filmes e passava em Ártemis, Saltinho, no Engenho Central. Isso antes de tornar-se músico profissional.

Quando a senhora o conheceu tocava algum instrumento?

Eu estava estudando órgão. Parei. Eu renunciei a tudo, por paixão. Meu objetivo era que ele deixasse de ingerir bebida alcoólica. Eu pensava em ter filhos. Abri mão de tudo, por um período me afastei um pouco da minha família, Depois voltamos, papai o elogiava, meu pai teve um problema de saúde, o Zé Carlos foi quem tomou todas as providências para que ele fosse tratado com recursos médicos. Um dia, após algum tempo, ele disse: “Zé Carlos, você foi quem eu mais critiquei e no entanto foi quem mais me ajudou”.

José Carlos e Esther tiveram quatro filhos: Carlos Magno, Alex, Liliane e Carlos Alexandre. Carlos Alexandre Brasil, físico, professor de física na Universidade Tecnológica do Paraná é um dos filhos do casal.  O gosto pela arte foi herdado por Carlos Magno que estudou desenho artístico, Alex Ricardo é funcionário público federal, formado pela USP de São Paulo, em história com especialização em arquivologia. Apaixonado por cinema. Responsável pelo Cinepiano, onde filmes mudos são projetados com trilha sonora ao vivo e as improvisações de um pianista, como era feito nos primórdios do cinema. Liliane Magda estudou teclado em Tatuí. É professora de música. Carlos Alexandre afirma: “Somos todos o nosso pai, que sozinho, fazia o que todos juntos fazemos!”.

Carlos Alexandre onde foi a sua formação acadêmica?

Estudei na USP em São Carlos, onde fiz graduação e doutorado, passei três anos na Unicamp fazendo pós-doutorado, voltei para a USP onde fiz o segundo pós-doutorado, quando prestei o concurso e passei nesse cargo que ocupo hoje em Cornélio Procópio, na Faculdade Tecnológica Federal do Paraná UTFPR.

Carlos Alexandre. qual era a relação do Zé Carlos com o Cobrinha?

O meu pai, Zé Carlos, as vezes estava tocando, o Cobrinha estava na festa, eles acabavam tocando juntos. Zé Carlos lançou vários talentos como tecladista, como o Tadeu da Academia Styllus de Música, o Hermes Petrini. Nos anos 50 quando ele ainda morava em São Paulo, viajava frequentemente até Pirassununga para fazer serenatas com um grupo de amigos. No final dos anos 60 tocou violão acompanhado pelo seu grande amigo Antonio Carlos Coimbra na harpa, no restaurante Sobrado em Águas de São Pedro. Amava bossa-nova e gabava-se de ter sido um dos primeiros a trazer para Piracicaba a “batida”, as dissonâncias e a voz mansa do novo ritmo criado por João Gilberto. Apresentava-se com sua banda New Soul nos carnavais de diversas cidades da região. Foi animador de auditório no então Clube de Campo de Santa Terezinha, (Localizado onde hoje situa-se o Atacadão) com shows de calouros e outras atrações.  Na metade da década de 70 iniciou os estudos de órgão eletrônico na Yamaha, em São Paulo, instrumento que faria dele presença constante no cenário musical de Piracicaba, São Pedro, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. Em Águas de São Pedro inaugurou o Hotel São João e tornou-se músico contratado do hotel, tocando em almoços e jantares ao longo dos anos 70. Após o término do contrato foi contratado Pelo Grande Hotel-Escola SENAC de Águas de São Pedro de 1979 a 1981. Nos anos 80, acompanhando a tendência fez a transição para o “teclado eletrônico”. Sozinho, com esse instrumento, animou casamentos, bodas, formaturas, aniversários, recepções solenes. Animou sozinho carnavais nos clubes Coronel Barbosa e Cristóvão Colombo, além de fazer a decoração do espaço!  Compôs marchinhas de carnavais para esses clubes, na época em que Heitor Montenegro era o presidente do Clube Coronel Barbosa. Em Águas de São Pedro, apresentava-se sozinho como atração no restaurante Roda d`Água, nos hotéis Avenida e Jerubiassaba. Foi o musico oficial da Força Aérea em Pirassununga e na Base Aérea Santa Cruz, no Rio de Janeiro, atuando nos eventos promovidos pela Aeronáutica, inclusive nas visitas dos Presidentes da República, ministros de Estado, apresentações da Esquadrilha da Fumaça. Tornou-se presença constante no Egidio`s Buffet em Sorocaba, Marinho em Marília, Lona Branca em Ribeirão Preto e Panela Preta em Pirassununga. Nas festas do Chope em Votorantim. Lembro-me do meu pai enchendo o carro com pesados amplificadores, caixas de som, órgãos/teclados partindo para alguma cidade apenas com um mapa. Ele tocou ao lado de músicos consagrados como Araquém Peixoto (Tromponista, irmão de Cauby Peixoto), abriu shows com Dick Farney e Pedrinho Mattar. Em reconhecimento ao seu trabalho em 1992 recebeu o diploma de consagração pública, em primeiro lugar como “Show Man – Tecladista” por estar enaltecendo a arte e a cultura brasileira. Em 8 de dezembro de 2017 recebeu um diploma de consagração da Ordem dos Músicos do Brasil. Através do seu canal do You Tube recebia curtições de várias partes do planeta, com seu repertório baseado em Bossa Nova, Julio Iglesias e Frank Sinatra.

Dona Esther, ele compôs alguma música para a senhora?

Não, mas cantava muito “Dio, come ti amo”! Ele fazia serenatas para mim quando eu era solteira. Meu pai gostava de jogar boche, e naquele tempo havia um bar, enquanto meu pai estava jogando ele estava no bar tocando violão. Meu pai chegou em casa e disse: “E não é que o “estrupício” toca bem!”. Era uma época de muito romantismo. Meu marido tocava o repertório de Júlio Iglesias, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra.




O José Carlos executou músicas para Armando Dedini?

Tocou em muitas festas do Armando Dedini, do Dr. Dovilio Ometto, realizadas na propriedade deles no bairro Água Seca. Quem gostava da sua música é Nelson Torres. O Mário Terra tinha uma coluna no jornal e sempre noticiava suas apresentações musicais. Ele tocou muito na boate Zum-Zum. Ele tinha uma grande amizade com João Chaddad, que ia em casa com a Dona Esther. O Zé Carlos e o João ficavam cantando as músicas executadas no teclado. Os dois fizeram gravações. Ele ultimamente cantava muito a música de


Nelson Gonçalves “Quando Eu me Chamar Saudade”. Ele fazia muitas festas em Votorantin para o Dr. Antonio Ermírio de Moraes.


A senhora ia também?


Eu acompanhava ele! Não deixavam ele parar de tocar, tocava seis horas sem repetir, sozinho, no teclado. Não bebia nada, só água! Ele dizia que eu o havia salvado. Conheci o presidente do IAA Dr. José Maria Nogueira, pai do Ronnie Von (Ronaldo Nogueira). Acredito que ele veio para Piracicaba na inauguração do Hospital dos Fornecedores de Cana, ele e o meu marido almoçaram no Restaurante Mirante. Meufilho Carlos Magno foi convidado para dar uma entrevista no programa “Todo Seu” do Ronnie Von, isso foi no ano passado. Fomos eu e meu marido juntos com o meu filho. Quando o Zé Carlos fazia programa de calouros em Santa Terezinha eu também cantava, meus ídolos eram Francisco Carlos, Elvis Presley, Paul Anka, Nat King Cole, Frank Sinatra, Neil Sedaka, Miguel Aceves Mejia, Altemar Dutra, Nelson Gonçalves, Trio Cristal, Trio Los Panchos. Lembro-me do Clube dos Artistas, Almoço com as Estrelas com Ayrton e Lolita Rodrigues. Cacilda Lanuza de Godoy Silveira, conhecida no meio artístico como Cacilda Lanuza era prima do Zé Carlos, ele conheceu Dorival Caymmi. Apresentou-se na Rádio Mayrink Veiga.Conheceu o maestro e arranjador Adylson Godoy irmão de Amilton Godoy pianista do Zimbo Trio.


O desejo do seu marido, era após o falecimento ser cremado?

Atendemos o seu desejo, ele foi cremado. As cinzas estão aqui em casa, e devemos cumprir sua vontade, vamos entregar às águas do Rio Piracicaba, que ele tanto amou. Será ao som de violino tocado pelo meu neto.

sexta-feira, dezembro 28, 2018

PIRCICABA AGORA


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 29 de dezembro de 2018.

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/


http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO: JOSÉ BARBOSA DA SILVA NETO
                      (NETO BARBOSA)


Ele vem conquistando espaço, está cada dia mais conhecido do público piracicabano e regional e lógico de todos que o seguem pela internet mundo afora. Aos que imaginam que a mídia é feita de glamour, pode ter a certeza de que é feita com muita luta e suor. Barbosa Neto têm a receita dos vencedores: trabalho, profissionalismo e simplicidade. Extremamente atento a tudo que acontece durante a apresentação do seu programa, atende a todos com o mesma atenção, com naturalidade. Produz o programa “Piracicaba Agora”, um programa interativo, o público participa, uma versão repaginada dos antigos programas de auditório que o rádio por muitos anos consagrou, com notícias locais, regionais, entrevistas, dicas de profissionais com renome. Os meios de comunicação via celular, computador, transportam as participações do telespectador.

José Barbosa da Silva Neto, Barbosa Neto, nasceu a 18 de abril de 1974, no tradicional bairro da Penha, em São Paulo. É filho de Getúlio Barbosa da Silva, funcionário do Estado, e Teresa Assunção da Silva, que tiveram três filhos: Fábio, Tânia e José.

Qual foi a primeira escola que você frequentou?

A primeira foi a Escola Estadual Oswaldo Aranha, a minha primeira professora foi Dona Masako. Muito rígida, mas também muito atenciosa. Na quinta série tive a Professora Sueli, lecionava geografia, interessante que ela me incentivava muito a ser embaixador! Dizia: “Você tem que trabalhar em embaixada, ser embaixador!”.

Quando ela dizia isso qual era o seu sentimento?

De conquista! De tentar conquistar! De reconhecimento! Eu não entendia muito bem o que era, sempre fui muito questionador e ela me estimulava muito. Geografia é uma matéria muito interessante, dependendo do educador ele sabe desenvolver isso, a professora Maria me fez amar matemática.

Como era o bairro?

A Penha é um bairro da Zona Leste de São Paulo, era muito tranquilo. Estamos falando de uns 30 anos atrás. O Metrô Penha tinha acabado de chegar, era a última estação na época, depois de alguns anos foi até o Corinthians, Itaquera.

Para nós paulistas, o metrô foi algo impactante, qual foi a sua reação ao embarcar pela primeira vez?

A primeira vez em que entrei no metrô eu estava indo com meus pais ao Mappin, na loja da Rua São Bento. Naquela época ainda não estavam concluídas as obras da Estação Penha, o metrô ia até o Brás, onde o meu pai deixou o carro. Isso no tempo em que era muito usual as compras por crediário. Era 23:40 lembro-me do meu pai, minha mãe e eu correndo pela Rua São Bento para pegar a última viagem do metrô. Eu tinha de 6 a 7 anos nessa época. Eu estava carregando um caminhão tanque enorme que o meu pai havia comprado para mim. Nós corríamos até o metrô com sacolas. Entramos na Estação São Bento, o funcionário fechou a porta de acesso à estação. Foi a primeira vez em que andei de metrô. Foi emocionante!

Para as pessoas atualmente pode parecer um fato corriqueiro!

As relações, informações, atualmente estão muito rápidas. Para um garoto morador da periferia de São Paulo, aos 7 para 8 anos, andar pela primeira vez de metrô tudo era encantamento! Minha mãe também não tinha muita intimidade com o metrô, escada rolante, meu em função do seu trabalho as vezes pegava o metrô. Tudo aquilo era novidade! Estava com a decoração de Natal por ser época de Natal. O metrô sempre foi muito organizado, muito limpo. Era um outro mundo!

O ginásio você fez na EE Oswaldo Aranha?

Fiz no Colégio Estadual da Penha (Instituto de Educação Estadual Nossa Senhora da Penha, refrão do Hino do "Estadual da Penha": "Instituto de Educação, meu vergel de amor e saber, onde o meu coração aprende a cantar, a sorrir, a viver"....). Estudei no João XXIII, colégio particular, na Penha também. Aí fui estudar na Escola Estadual Esther Frankel Sampaio. Ali passei para o período da noite e fui trabalhar durante o dia.

Que idade você tinha?

De 16 para 17 anos, foi o meu primeiro emprego. Fui ser vendedor em uma loja de roupas na Rua Penha de França. Me desenvolvi rápido, os proprietários gostaram, fui ser gerente da loja do Shopping Penha, recém-inaugurado.

Você deve ter aprendido rapidamente a identificar o cliente à primeira vista?

Você identifica pela leitura corporal, identificar o cliente, o que ele quer comprar, tudo isso desenvolvi de forma intuitiva. Boa parte da minha formação vem dessa intuição. Me deslumbrar com a profissão e ir a frente. Tenho uma ligação e formação muito forte com o teatro.

Você ao olhar uma pessoa já consegue fazer uma leitura com um alto percentual de acerto?

(Risos). Não com tanta precisão! O teatro me ajudou a fazer uma leitura ao estado emocional dessa pessoa. Na loja trabalhei dos 17 até os meus 28 anos. Há um diferença de cliente de loja com a porta para a rua e loja de shopping. Na loja de rua a pessoa sente-se mais solta, a qualquer momento ela entra, ela não está passando na rua para comprar, no impulso ela entra. Quem vai ao shopping vai com a intenção de comprar. É um público mais diversificado. Em São Paulo trabalhei no centro, na Rua Líbero Badaró. Na época surgiu a Garbo, quem trabalhava na Garbo tinha status. Havia uma loja que trazia todas as novidades de Nova Iorque, ficava na Líbero Badaró.

Você conheceu o Policial Militar Luizinho que ficava na Rua Xavier de Toledo esquina com ao Viaduto do Chá?

Conheci! Ele tinha métodos educacionais de trânsito próprios, tanto para motoristas como para pedestres. Agia com muito bom humor, ganhava os aplausos das dezenas de pessoas que estavam ali esperando para atravessar.


                                                              GUARDA LUIZINHO


 Lembro-me de um vendedor que ficava na Rua Direita, vendendo calça Lee e calça Lewis, dizia: “Calça Lee, calça Lewis! Vai?”. Ele tinha uma potência de voz, que no fim da Rua Direita escutava, a rua inteira ouvia. Tinha os famosos vendedores de bilhete de loteria. As infrações eram cometidas sem a violência atual.
                                                          A ORIGEM DO JEANS


Trabalhei na Quilles, na Import-Sport, esta era uma loja que trabalhava com produtos para esportes radicais, mergulho, paraquedismo, ficava no Shopping Eldorado, foi a primeira loja a ter em seu interior uma parede de escalada. Toda quarta-feira essa parede era aberta para o público com dois instrutores. Em São Paulo não tinha nada nesse aspecto, foi a primeira que surgiu, eram três donos, jovens, fui convidado para ser gerente porque um dos donos comprou comigo na Quilles. Ele gostou muito do meu atendimento, disse-me: “Estou abrindo uma loja, quero que você venha ser meu gerente”. A novela “Guerra dos Sexos” com Fernanda Montenegro e Paulo Autran foi gravada no Shopping Eldorado, quando fui trabalhar lá lembrei-me da novela. Permaneci lá até 1995.

Como surgiu a sua decisão de mudar para Piracicaba?

Em 1997 mudei para Piracicaba. Os meus pais tinham mudado para Piracicaba, fui trabalhar em uma loja no Shopping Piracicaba, a Criart. Depois disso comecei a trabalhar com produção cultural.

Como surgiu essa mudança de foco?

Foi por conta da Unimep! A Unimep fazia parte do núcleo de cultura, isso por volta de 1999, 2000, a Unimep tinha um projeto interessante que era voltado para toda a sociedade. Passei a fazer parte dos grupos de teatro da Unimep. Inclusive do Grupo Andaime, do qual faço parte até hoje. Com essa aproximação do Núcleo de Cultura surgiram outras possibilidades, como por exemplo, fazer o projeto “Raízes” da Belgo-Arcelor, toda produção que vinha de Minas Gerais para cá, eu era o produtor local. Contratado por uma empresa de produção cultural de Minas, eu fazia toda a logística de produção para receber os artistas aqui na cidade de Piracicaba. Fiz isso por um bom período. Comecei a dar aulas de teatro em projetos sociais, Aqui trabalhei no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case), eu dava aula de teatro na periferia de Piracicaba. Trabalhamos com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)

Na periferia tem grandes artistas?

Os grandes artistas estão na periferia! Permaneço nessa área, e hoje sou professor do Grupo de Teatro Macunaíma, o grupo tem uma filial em Campinas há 10 anos, dou aula nessa filial de Campinas.

Com quantos anos uma pessoa pode participar de teatro?

Para iniciar a Escola Macunaíma oferece cursos a partir de seis a sete anos, conheço projetos de amigos que eles dão aulas de teatro com exercícios mais lúdicos, para crianças de três a quatro anos. Idade limite para adultos não existe.

O teatro é muito interessante no aspecto de desenvoltura em público?

Há um curso de teatro para não-atores. Destinado para empresários, médicos, palestrantes, você faz todo o curso regular de teatro, mas o objetivo não é o palco, é uma forma de você desenvolver-se. É um curso de custo bem acessível. As pessoas interessadas podem entrar em contato comigo ou com a própria escola. É só procurar por Escola Macunaíma Campinas. A Escola Macunaíma é a escola de teatro mais antiga do Brasil. Já está com 44 anos. Tenho alunos que são: juízes de direito, promotores, advogados, professoras, médicos, médicas, em Campinas e em São Paulo. Muitas vezes a pessoa já se sente realizada no âmbito profissional, mas tem algo que ficou para conquistar. Não é nem para uma formação, mas para o resgate de um sonho, de uma vontade que ficou estacionada.

Como essas pessoas reagem em palco?

É muito interessante! É tão deslumbrado com o fazer, são ótimos alunos, ótimos artistas, a proposta de se fazer e aprender, e jogar, a arte consegue te dar uma caminho fora de uma possível formalidade que tem que acontecer. A arte te dá a possibilidade para ir a um lugar que você não domina tanto. É algo que você não sabe o que vai dar, você não tem a certeza, qual vai ser o resultado. O teatro é aquilo, aquele momento. O público está ali. Só vai entender o que é ali. Não é uma obra que você vai pintar. Usar técnica para pintar. Não é algo que você irá compor e ouvir duas ou três vezes para tentar afinar mais um pouco. O teatro vai ser ensaio, mas a apresentação é única.

Pelo potencial artístico que existe em Piracicaba, não é baixo o número de apresentações teatrais?

É baixo! Isso envolve muitas coisas, desde políticas públicas direcionadas, são duas coisas: projetos, dos quais fiz parte também, e é muito bom. Você vai aos bairros da cidade, abre para os jovens a prática, mas você não tem uma continuidade. Das aulas que eu dei aqui na cidade, foram poucos que seguiram a careira de artista. Ou que praticam até hoje. O plantar a semente em Piracicaba é muito bom. O que está faltando é continuidade. Criar mecanismos para dar sustentação aos grupos. Temos o Sesi, Sesc, Teatro Municipal Losso Netto, são espaços físicos fantásticos, temos muitos grupos na periferia, como por exemplo a Casa do Hip Hop onde as pessoas praticam, o que está faltando é engrenar. É vontade pública. Avalio que seja muita coisa para se olhar e acaba passando desapercebida a semente que pode germinar. Sabemos que a primeira coisa que é cortada diante de uma crise financeira é o que supostamente seja não tão importante. Nós sabemos que quanto mais arte você dá, mais formação vamos ter. Infelizmente o número de apresentações diminuiu, o número de projetos para agregar pessoas da comunidade diminuiu, E assim vai. Esperamos que seja apenas uma fase. Fiz um trabalho com o Circo do Tubinho, o Zéca é o proprietário do circo, fizemos um trabalho em Piracicaba e agora fizemos no Teatro Municipal de São Paulo. Foram duas apresentações no Teatro Municipal de São Paulo, “Noite de Gala do Circo no Teatro”. Estávamos no “Floreia”, é um espaço de fomento a arte aqui em Piracicaba, criado por artistas que foram meus alunos, pedimos uma pizza, o entregador ao saber que era o pessoal que apresentou-se no teatro, disse: “Fui todos os dias assistir”. A arte popular tem o dom de encantar. O erudito é algo importantíssimo mas não vamos conseguir saltar o precipício que existe, tem que ser criada a ponte. A ponte é a arte popular, o Tubinho, esse rapaz que não perdeu uma apresentação. Temos projetos no extremo, aqueles que “salvam” os adolescentes de um caminho irregular, só que depois não tem uma continuidade. Hoje se um rapaz de 25, 27 anos quiser voltar a fazer teatro ele não terá um suporte financeiro. A meu ver tem que se viabilizar algo permanente, institucional. Aulas de matemática, física é tão importante quanto aulas de arte, música, dança.

Alguns radicalismos protagonizados em público, usando de forma errônea o nome da arte foram um desserviço?

Tudo que você oprime acaba explodindo, na explosão gera um tumulto. São possibilidades, você tem possibilidades de escolha. Vamos falar da ponte novamente, ela tem que ser feita pelo poder público, a ponte da cultura quem tem que fazer é o governo. É o Estado que tem que fazer isso. Viabilizar profissionais, remunerados, que possam ir, dar continuidade. Dessa continuidade surgir ou não a possibilidade da pessoa ser transformada pela arte. Eu acredito nisso! Como é feito na Alemanha, onde morei quase seis anos. Lá o governo entende que a arte é tão importante como as demais matérias que são ensinadas. Vai dar para a pessoa ter um entendimento maior sobre as coisas.

Você fala alemão?

O suficiente para me virar, quem fala é a minha esposa Maria do Carmo Trevisan. Quando mudei de São Paulo para Piracicaba, nos conhecemos e casamos. Ela é de São Pedro.

Porque empresários procuram curso de teatro?

Eles querem uma visão maior da realidade, executivos de multinacionais fecham uma sala para um curso de teatro para não atores. A multinacional sabe que além do conhecimento profissional tem a necessidade vital do conhecimento humano. Conhecimento das relações Só assim haverá progresso. Se não houver a humanização toda essa tecnologia será perdida. O vale está muito grande, se houvesse uma relação com a arte como aconteceu na Alemanha, na Inglaterra, não teríamos um vale tão grande, hoje temos extremos como provocações dizendo que aquilo é arte, criando repulsa de muitos pela arte, em uma generalização anormal, ao mesmo tempo em que você irá reconhecer que o cururu é uma arte nossa. E valorizar o cururu. Por mais que tentarmos fazer investimentos privados, o governo tem que criar essa possibilidade. É a história do ovo ou a galinha. O governo que não tem essa consciência ou a gente que não teve a consciência de seguir o governo? Continuamos sem consciência de que o governo não quer trabalhar isso. A provocação talvez venha com as conversas.

Não depende do povo dizer o que deseja?

Isso seria o ápice. Eu, como povo diria: “Quero cultura para todos!”. O problema é unir forças e ter entendimento para cobrar isso. Vi uma vez um cartaz da igreja católica com a pessoa só com a cabeça fora da lama, ela está tão atolada que não tem força para pedir ajuda. Encaro a arte dessa maneira, as vezes a pessoa está tão distante dessa arte que ela não consegue nem entender o que ela tem que pedir. A cultura popular é fortíssima. Você vê o que são as tradições culturais da cidade de Piracicaba. Temos um trabalho maravilhoso feito pelo jornalista Cecílio Elias Netto. Temos que continuar o que o Cecílio está provocando. Olhar o que é nosso. Olhar o humilde, o caipira, os valores.  Essa cultura é a principal, dessa cultura é que se vai para o erudito.

Quando você iniciou o seu trabalho com televisão?

Por conta do teatro na TV eu comecei criando um programa, com mais dois amigos, e o proprietário Jonas Murioca disse-nos, “-Gostei das suas ideias, se você obter patrocínio, negociamos”. Fui atrás, nisso o povo começou a ligar para a TV para saber o que era, o Jonas nos ligou, e disse; “Isso nunca aconteceu, das pessoas ligarem aqui para saber quem é você”. Ele me contratou, primeiro como apresentador, depois como diretor artístico da TV, após dois anos, surgiu a oportunidade de apresentar o programa. Houve uma lacuna, o Jonas Murioca disse: “Quero que você assuma”. Em 2009 começamos a apresentar o programa “Piracicaba Agora”


                                                   PIRACICABA AGORA

A que horas começa o programa “Piracicaba Agora”

Ao vivo com duas horas de duração, é apresentado todos os dias às 18 horas nos canais: 26.1 digital, 21 NET e 19 Vivo fibra ótica e no Facebook. O programa é sobre tudo que acontece em Piracicaba e região, desde notícias policiais, pedido de ajuda, reclamações, a questão comunitária é muito forte, tem buraco na rua que está dando problema, estou sem luz em frente de casa. O programa tem uns quadros que o povo gosta de participar, como por exemplo: “Que lugar é esse?” um telespectador tira foto de algum lugar da cidade, manda-nos, colocamos no ar e pedimos ao público para descobrir qual é o lugar.


                                                            PIRACICABA AGORA


Valorizamos muito a cidade. Todos os dias tem um convidado que é entrevistado. Reprisamos o programa nesse mesmo horário:18:00 horas aos sábados e domingos. E todos os dias temos reprise as 23:00 horas. Estamos 4 horas diárias na TV. A televisão funciona 24 horas. Temos uma produtora, eu, minha esposa e a Ana. Fazemos programas para empresas, alugamos espaço para produções, temos toda infraestrutura com equipamentos. Fazemos gravações externas institucionais de empresas da região. As vezes filmo aqui, recebo comentários da Itália: “Que cidade bonita!”. A internet veio para somar. O programa “Piracicaba Agora” é da cidade, para a cidade e com a cidade. As pessoas partilham conosco até fotos da alimentação que ela está fazendo no momento, foto do pôr do sol do quintal da casa dela. Foto do seu quintal com as roupas dependuradas. A família jantando. Isso tudo está indo para o mundo. É uma relação muito pessoal, direta.






Há um ditado que diz que a pessoa torna-se intima da família quando frequenta a cozinha da casa.

Verdade! Para chegar a entrar na cozinha tem que ter um tempo de amizade!

Você quer mandar alguma mensagem?

Acho que as pessoas deveriam fazer pela paixão e se apaixonarem por aquilo que elas fazem.

 

 

domingo, setembro 09, 2018

JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de setembro de 2018
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO:  JOÃO LÚCIO DE AZEVEDO

 

O Prof. Dr. João Lúcio de Azevedo nasceu a 31 de julho de 1937 em São Paulo, no bairro Jardim Paulista, na esquina da Avenida Nove de Julho com a Rua Estados Unidos, onde o seu pai tinha uma casa. São seus pais Manoel Victor de Azevedo e Ema Crivelentte de Azevedo. Tiveram seis filhos: Leda, Elmo, Valter, Manoel Victor, Luiz Carlos e João Lúcio.
É um endereço nobre!
Era o começo! A rua não era nem asfaltada! Essa casa existe até hoje, no local funciona um estabelecimento bancário. O local era um dos empreendimentos imobiliários da Companhia City. Com 4 a 5 anos mudei entre a Rua Conselheiro Zacarias e a Rua Honduras, no Jardim Paulista também, bem pertinho. Passava o bonde Jardim Paulista, subia a Rua Pamplona e eu ia até a Avenida Paulista.
Era bonde aberto ou fechado?
O que subia a Pamplona era aberto, lá em cima pegava o bonde “camarão”, vermelhinho, fechado. Eu ia até o Colégio São Luiz, na Avenida Paulista, onde estudei. Lá eu fiz o ensino médio e o preparo para o vestibular.
Dava para ir a pé da casa do senhor até o Colégio São Luiz?
Dava! Subia a Rua Pamplona, virava na Avenida Paulista, passava onde depois passou a ser o MASP, lá existia um belvedere (local de observação), ao que consta até hoje tem uns resquícios desse belvedere. A Avenida Paulista já era calçada. Existiam muitos casarões, mansões. A casa do Conde Matarazzo, quando eu ia de bonde para o Colégio São Luiz pegava-o lá em frente a mansão do Matarazzo. Era um bonde com o letreiro escrito “Angélica”, referência ao percurso pela Avenida Angélica.
O senhor chegou a entrar na Mansão Matarazzo?
Cheguei a entrar no vizinho, meu colega de Colégio São Luiz morava ao lado da Mansão Matarazzo. Dava para ver a propriedade do Matarazzo, era um monstro de casa! Era um patrimônio histórico! Tinha um muro baixinho onde eu sentava e ficava esperando o bonde, dali dava para ver a enormidade, a beleza da casa revestida em mármore de Carrara. Já tínhamos o Parque Trianon, uma sombra tropical no coração da Avenida Paulista, onde passava o bonde nos dois sentidos, em direção à Avenida Angélica e ao Paraíso, ali havia uma loja Sears, onde é um Shopping hoje. Na Brigadeiro Luiz Antônio Havia a Igreja Nossa |Senhora da Conceição. São Paulo era uma outra cidade. A década de 40 é um momento marcado por uma profunda mudança na cidade de São Paulo. Conforme dados do IBGE, sua população, em 1947, era duas vezes maior que a existente em 1937, ou seja, a população da cidade pulou de 1,3 milhão (1937) para 2,2 milhões 1947 em apenas 10 anos. Frequentei a loja Mappin na Praça Ramos de Azevedo.
Alguns colegas do Colégio São Luiz ainda reúnem-se?
De tempos em tempos fazemos uma reuniãozinha. Formei-me em 1957 no Colégio São Luiz.
O pai do senhor teve uma participação marcante na sociedade?
Meu pai foi jornalista, radialista na Rádio Excelsior, ele sempre foi muito católico, fazia um programa chamado “Hora do Pensamento Social Cristão”, trabalhava como jornalista no Correio Paulistano, depois tornou-se advogado do Banco do Brasil, na Avenida São João, bem no centro de São Paulo. Foi deputado por oito anos, foi Constituinte de 1946 a quarta assembleia reunida no país para elaboração do seu estatuto político fundamental, ele era do PDC Partido Democrata Cristão.
Na época a capital federal era no Rio de Janeiro.
Tinha que ir para o Rio de Janeiro. Eu fiquei uns tempos morando no Rio. Meu pai ia de trem. O Cruzeiro do Sul foi uma das composições que circularam entre o Rio e São Paulo. O percurso era: Estação Roosevelt (São Paulo) - Estação Dom Pedro II (Rio de Janeiro) - O Trem Azul ou Cruzeiro do Sul, como era oficialmente batizado, representava o que de mais moderno e confortável havia de disponível para a viagem entre as duas mais importantes cidades do País. Saia a noite de São Paulo e chegava de manhãzinha no Rio.
Ele viajava em cabine fechada?
Viajava em cabine, as vezes eu ia junto. Meu pai não gostava de ficar no Rio. Embora tivesse muitos amigos e parentes, então ele ficava na casa de parentes e depois aos fins de semana ele voltava. 
Ele não tinha residência funcional?
Naquele tempo não havia isso não!
Ele atuou politicamente quando o presidente da república era quem?
Ele pegou cinco anos do governo de Eurico Gaspar Dutra. Depois veio o Getúlio Vargas. Quando Getúlio faleceu meu pai era deputado. O segundo mandato do meu pai foi como deputado estadual, depois ele abandonou completamente a política. Em 1947. o local da sede do Poder Legislativo paulista era o antigo Palácio das Indústrias, na região central da capital paulista.
Em 1954 o senhor já era moço, foi o Quarto Centenário de São Paulo, o senhor chegou a ver a “Chuva de Prata”?
Cheguei a ver! No Trianon! Me lembro perfeitamente, foi lindo! Acho que ainda devo ter umas estrelinhas daquela época! Foi em janeiro de 1954,  quando o Parque Ibirapuera foi inaugurado. Era festa todo o dia. Bandas marciais, nacionais e americanas (fuzileiros navais). Música era tocada por todos os lados do parque. As marquises, lotadas de gente. Mário Zan tocado nos quatro cantos da cidade com seu "São Paulo Quatrocentão", que acabou se tornando o hino oficial do aniversário da cidade. Aviões da FAB lançavam ao ar pequenos triângulos de papel alumínio, que eram intensamente iluminados pelos poderosos holofotes do exército, localizados em pontos estratégicos. Era uma verdadeira chuva de prata. Em 1954, a Brigadeiro Luiz Antônio ainda era área residencial e muito,  elegante.
O senhor praticava esportes quando jovem?
Eu ia muito no Club Paulistano, aprendi a nadar lá!
Como a profissão de engenheiro agrônomo o atraiu?
Eu tinha um professor de biologia que era um alemão de nome Albrecht Tabor, ele dava aulas no Colégio Visconde de Porto Seguro e no Colégio São Luiz. Ele lecionava genética, era uma aula muito boa, eu sempre gostei de genética. Ele dizia: “Se vocês querem fazer genética, vão fazer em Piracicaba! Lá tem o professor Friedrich Gustav Brieger ele que sabe sobre genética! Prática de genética só lá em Piracicaba! Um curso bom, agronomia, uma escola fabulosa, situada no interior, melhor do que São Paulo para viver e tem o melhor professor de genética!”
O senhor conheceu o professor Brieger?
Trabalhei com o Brieger! Com a Maria Ruth Buzzato Alleoni. O Professor Brieger dava aulas práticas, enquanto os demais davam aulas teóricas.  Em 1957 vim para Piracicaba cursar a Esalq. Me formei em 1960.
O senhor veio a primeira vez para Piracicaba com qual veículo?
Vim com o carro do meu irmão, um Citroën, levava cinco a seis horas de viagem, de Campinas para cá era chão de terra, a rodovia com muitas curvas.
Piracicaba na época tinha uma população bem menor.
A área urbana da cidade estimo pouco mais de 50.000 habitantes. O diretor da Esalq era Hugo de Almeida Leme. Do Colégio São Luís três prestamos exames para entrar na Esalq: Paulo Penteado Meirelles, Guido Chierichetti e eu. Nós três fomos aprovados.
Como chamava-se a república em que o senhor passou a morar?
Era a Rancho Fundo ficava na Rua São João. Quando eu mudei era chamada ONU. Tinha descendestes de polonês, alemão, italiano, um venezuelano. O Centro Acadêmico era na Rua Prudente de Moraes entre a Rua Alferes José Caetano e a Praça José Bonifácio. Embaixo ficava “O Diário”, no prédio construído por Terêncio Galezzi. Não tínhamos muito o que fazer em termos de lazer, a noite ia para o CALQ –Centro Acadêmico Luiz de Queiroz.
A Esalq  era ensino em tempo integral?
Tempo integral! O professor mais famoso na época era Orlando Carneiro, ele vinha da Escola Politécnica de São Paulo pra dar aulas. Era bravíssimo! Tive aula com o professor Salgadinho, conheci Jairo Ribeiro de Mattos.
O bonde para a agronomia tinha um segundo vagão rebocado?
Quando era meio dia e meia, uma hora da tarde, ia começar o curso aqui, vinha o bonde com o carro reboque. Naquele tempo ninguém tinha carro, nem os professores. Quando passava um carro sabia que era do Professor Malavolta, do Professor Pimentel.
Naquela época já tinha toda essa infraestrutura que existe hoje?
Melhorou muito! Dava para dar aula das oito às onze horas, depois começava a uma hora da tarde e ia até quatro ou cinco horas da tarde. A noite não tinha nada. Mais tarde colocaram um curso noturno também.
Vocês almoçavam na escola?
Eu almoçava na república. O bonde nos períodos que antecediam ou terminavam as aulas iam ou vinham lotados.
O senhor praticava algum esporte?
Eu nadava no Clube de Campo de Piracicaba, tenho algumas medalhas.
O senhor tem filhos?
Casei-me com Maria Alice.Tenho dois filhos: João Lúcio Filho e Sílvia. Meu irmão Valter é padre em Manaus.
Aqui na Esalq o senhor fez o curso regular, chegou a ser monitor?
Fui! O Professor Brieger que inventou na época. Eu era aluno mais do professor Gurgel. O Brieger não falava muito bem o português, o Professor José Theófilo do Amaral  Gurgel traduzia. O Brieger tinha “pavio curto”! Salim Simão foi meu professor. O Brieger criou um Instituto de Genética, ele era muito ligado a Fundação Rockefeller que define sua missão como sendo a de promover, no exterior, o estímulo à saúde pública, o ensino, a pesquisa e a filantropia. Com isso o Brieger trouxe muitos recursos para a Esalq. Juscelino Kubitschek de Oliveira era o Presidente da República, incentivou muito a área da genética. O Brieger tinha dificuldade em entender a burocracia brasileira.
Logo que o senhor iniciou seu trabalho com genética quantas pessoas trabalhavam na área?
Aqui em Piracicaba umas quinze pessoas. Para a época era muita gente.
Após formar-se, ser monitor, quais foram os cargos seguintes que o senhor exerceu?
Fui professor assistente, doutorado, livre docência e titular. Portanto hoje sou Professor Doutor Titular da Cadeira de Genética. E aposentado! Quando terminei o doutorado o Professor Brieger disse-me: “Na próxima vez vai para a Inglaterra, não vai para os Estados Unidos, eles massificam muito, quando retornar não é um indivíduo, é uma massa, lá irá fazer parte de um grupo, excelente, fantástico. Você será usado como uma mão de obra qualificada. Vai para a Inglaterra que lá são indivíduos, você não trabalha em grupo ainda.Irá aprender mais. Irá voltar, não aprenda sobre as coisas que tem lá, aprenda para saber o que é genética, e venha fazer aqui alguma coisa que interesse para o Brasil. Você irá trabalhar com uma genética que não existe no Brasil, a genética de microrganismos.”
O senhor ficou em qual universidade na Inglaterra?
Fiquei na Universidade de Sheffield, no norte da Inglaterra. Muito boa na parte de engenharia, na parte de biologia é pequenininha. Me especializei em microbiologia. O Brieger que me disse: “Você vai fazer genética humana, a geração leva 20 anos, genética estuda transmissão de características de pai para filho, genética de milho leva um ano, de inseto irá levar um mês, de microrganismos a bactéria irá levar 20 minutos.”. “Isso não existe no Brasil”, ele me disse. A microbiologia estuda também a transmissão de micro características de fungo para fungo. Bactéria para bactéria. Alga para alga. Tem muito fungo que é importante porque causa doenças. Em plantas, em animais, tem muita bactéria que causa doença humana: Escherichia coli, doenças sexualmente transmissíveis. Naquela época o Brieger dizia: “Tem médico que não sabe direito porque está receitando antibiótico!”. Ele dava porque está matando a bactéria, mas não sabia porquê. O Brieger trouxe o inglês Joseph Alan Roper, esse inglês ficou uns dois meses no Brasil. Ele orientou umas quatro ou cinco pessoas. O Roper me escolheu e a uma moça chamada Nelly Neder. Fiquei três anos e meio na Inglaterra. Depois voltei para fazer um pós-doutorado em Nottingham e depois em Manchester. Ai já foi coisa de um ano, seis meses. Fui ver os Beatles na Inglaterra, quando eles não eram nem famosos ainda. Não consegui entrar no show, mas vi eles chegando! Eu morava em Sheffield que fica a uns 50 quilômetros de Liverpool. Eles foram dar um show em Sheffield no Cine Abey Dale. Fui com uns amigos, chegamos lá, estava aquela molecada de 16,17 anos, não conseguiam entrar no cinema, tudo cheio, naquele tempo eu tinha um pouco de barba, e não era comum ter barba! Foi uma época em que o mundo estava mudando, em plena guerra do Vietnam, a minissaia surgindo.  Depois fui para a Califórnia, e em Salt Lake City a capital e a cidade mais populosa do estado norte-americano do Utah. Lá conheci as instalações dos mórmons. É uma cidade tão limpa que parece que escovam a cidade o dia todo!
Piracicaba era conservadora?
Sempre foi! Eu era sócio do Clube Coronel Barbosa, frequentava os bailes.
Era a elite da elite!
Era, não era. Frequentava também o Clube Cristóvão Colombo. Os veteranos do meu tempo iam assistir ópera onde é o Teatro São José. Vieram cantores de óperas famosos para se apresentarem no Teatro São José.
O senhor ficou em mais outro país?
Fiquei uns dois meses no Japão. A Sociedade Japonesa de Progresso da Ciência que me convidou. Teve um tempo que fiquei como Diretor da Esalq, de 1991 a 1995. O Professor Akihiko Ando insistiu no convite para ir ao Japão.
O senhor chegou a morar na tradicional casa do Diretor da Esalq?
Eu desisti de morar naquela casa! Quem morou lá anterior a minha gestão foi Humberto de Campos. Antigamente era a Congregação da Esalq que escolhia os diretores, a minha foi a primeira eleição por votação de professores, estudantes, funcionários. 
Sendo o agronegócio um ponto forte do Brasil, qual é o papel da Esalq?
A profissão de engenheiro agrônomo é diversificada. Você pode encontrar agrônomo que é grande economista. Tem biólogo, eu sou mais biólogo do que agrônomo. Tive muito contato com os médicos Luiz Faria Pinheiro, Plinio Alves de Moraes este último foi direto da FOP Faculdade de Odontologia de Piracicaba.  Eles se interessavam muito por microbiologia, queriam saber como funcionavam as coisas.
O senhor lecionou fora de Piracicaba?
Passei quatro anos em Brasília como professor da universidade.
Quantos livros o senhor tem publicado?
Tenho uns vinte.
O senhor tem condecorações?
Tenho duas comendas, uma foi entregue pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso e outra recebi, embora estivesse na Inglaterra, foi entregue pelo Presidente Lula. Tenho uma passagem muito curiosa. Quando Luiz de Queiroz mudou-se para São Paulo, foi residir perto da Avenida Paulista. Meu pai também morava lá perto. Meu pai tinha seis filhos, e o Luiz de Queiroz não tinha filho. O Luiz de Queiroz faleceu moço, A Dona Ermelinda, esposa de Luiz de Queiroz, guardou o enxoval para criança, só que a criança não nasceu, meu pai estava com seis filhos, tempos difíceis, Dona Ermelinda nos conhecia, ela tinha ficado viúva, ofereceu o enxoval de criança. Eu usei o enxoval que seria para o filho de Luiz de Queiroz!

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