domingo, março 03, 2019

GUILHERME GRANADIER


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 08 de dezembro de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: GUILHERME GRANADIER

Um dos hábitos costumeiros, tão logo aumentou o número de usuários de telefone, era o de telefonar para o então “empório” ou “armazém” mais próximo de casa. A mulher geralmente com grande prole, fazia o pedido das suas necessidades mais urgentes para realizar a alimentação do dia. Normalmente era algum complemento que faltava: fermento, tomate, sal, margarina, e outras pequenas coisas. Geralmente um garoto de bicicleta fazia a entrega, cada cliente tinha a sua forma de pagar: uns pagavam quando recebiam o salário, outros pagavam na hora da entrega. Esse habito ainda permanece, principalmente nas cidades do interior. Só que foi repaginado: o pedido pode ser feito por telefone ou mensagem eletrônica, a entrega é feita com veículos automotores, levam mais produtos a uma distância maior. Na era dos grandes supermercados, esse é um nicho interessante para ser estudado. Como velhos hábitos, permanecem, mudam de roupagem   Nesse tipo de relação o contato entre fornecedor e cliente é baseado principalmente na confiança mutua. O cliente sabe que irá receber em casa um produto com qualidade e de uma forma tão prática como pedir uma pizza! O perfil matriarcal, em muitos casos mudou. A numerosa família deu lugar a um número menor de filhos. Em contrapartida, muitas mulheres trabalham em algumas atividades externa:  são profissionais liberais, dentistas, médicas, advogadas, administradoras, ocupam cargos importantes. Quem fica em casa é a tão valiosa “secretária” nome carinhoso dado às prestadoras de trabalho doméstico. Elas de certa forma assumiram a função de “dona-de-casa”. Há também as pessoas que tem dificuldade de locomoção, por alguma razão, ou volume de compras é pesado. Ou até mesmo pela praticidade dessa prestação de serviço. Enfim esses locais atendem com muito zelo os seus clientes, sabem que o cliente tem que ser conquistado pela gentileza, sinceridade, preço justo. Cria-se uma relação de amizade. E de fidelidade. 
Em Piracicaba, os Irmão Granadier, acreditaram nessa ideia. Isso há algumas décadas. O patriarca, Guilherme Granadier, do alto dos seus 88 anos, os quais não aparenta, ainda circula com desenvoltura por entre bancas de frutas, conhecido e estimado pelos clientes, diariamente marca sua presença. Torcedor do São Caetano Futebol Clube, da cidade de São Caetano do Sul, e como não poderia deixar de ser. torce também pelo XV de Novembro de Piracicaba. Foi esportista, praticava esporte durante uma hora e meia: meia hora de corrida, meia hora de educação física e meia hora de futebol de salão, no Ginásio do São Caetano. Guilherme Granadier é natural de Santo Antonio de Posse, onde nasceu a 21 de novembro de 1930. Quem nasce em Santo Antônio de Posse é. Possense. São seus pais: João Granadier e Maria Covolo. Tiveram oito filhos: Antonio, Luis, Augusto, Francisco, José, Guilherme, Geraldo e Maria Aparecida.
A família trabalhava em que área?
Naquela época trabalhávamos como meeiros na fazenda de Mário Venâncio. Plantava principalmente café. Era tudo estrada de terra, Para tomar o trem tinha que ir até a estação usando charrete, cavalo. Deixava os animais na Estação de Santo Antonio de Posse e ia geralmente até Jaguariúna, na época uma cidade pequena.
Como foi a infância do senhor?
Foi boa, até que quando eu tinha treze anos a minha mãe faleceu. Meu pai ficou extremamente abalado, sendo que dois meses depois ele faleceu. Ele tinha sido operado da hérnia em Campinas, era uma época em que os médicos de uma forma geral, não explicavam aos pacientes os procedimentos a serem tomados no pós operatório, com os detalhes necessários. Aliado a isso, a família, possivelmente para poupá-lo em sua enfermidade, não o comunicou do falecimento da sua esposa. Meu pai era imigrante alemão, nasceu em Berlim, um homem de físico avantajado. Naquele tempo, quando falecia alguém da família usava-se roupa preta. Quando ele chegou em casa ficou sabendo da morte da minha mãe. Apesar de ser um homem muito forte, o choque foi muito grande. Ele perguntou à um dos meus irmãos o que tinha acontecido. Meu irmão respondeu: “-Morreu a mãe!”. Foi como se alguém o apunhalasse. Meu tio, João Malavase, residente em Perus, veio buscar o meu pai, mas não adiantou nada. Nós estávamos muito bem, tínhamos fartura, todos da família trabalhavam, tínhamos de tudo, criação, plantações, paiol cheio.
O senhor tinha um cavalo seu?
Era uma égua, a Favorita! Meio marrom, brava.
O que a família fez?
Meu pai estava em Perus, decidimos vender o que tínhamos e fomos embora para Perus também! O meu irmão mais velho tinha 20 anos de idade. Eu tinha 10 anos. Era uma “escadinha”, cada um com uma idade próxima do outro. Imagine, essa turma chegando, em uma localidade onde o emprego era difícil. Todos solteiros. Trabalhávamos na roça. Eu fui trabalhar com esse meu tio em uma plantação de eucalipto, principalmente matar formigas. Naquele tempo era comum o uso de Formicida Tatu (Cianureto e mata em poucos segundos só pelo odor). Assim foi, até 18 a 20 anos, não sabia o que era pegar um dinheirinho na minha mão. Com 15 anos ou mais não sabia o que era por um sapato no pé. Andava descalço, despois passei a usar a Alpargatas Roda, fui servente de pedreiro, carregava sacaria.
Como o senhor foi parar em São Caetano do Sul?
Dois dos meus irmãos casaram, fui morar com um deles. Fui morar na Rua Anacleto Campanella, Vila Jordanopolis próximo ao Estádio Anacleto Campanella, cujo nome anterior foi Estádio Municipal Lauro Gomes de Almeida, com capacidade para 16,744 pessoas. Foi inaugurado em 2 de janeiro de 1955 sendo que a partida inaugural foi São Bento 1 x 0 XV de Piracicaba. Sofreu várias remodelações sendo a última em 2008.
E o Clube Atlético Juventus?
Era um dos melhores clubes de São Paulo! Jogava bocha no Estádio do Corinthians. No Palmeiras as canchas de bocha eram embaixo da arquibancadas. No São Paulo Futebol Clube as canchas de bocha eram no lugar mais alto do terreno. Eu sou palmeirense! Conheci Ademir da Guia, jogava bonito, não dava botinada, era uma beleza! Vi Pelé, Coutinho, Durval, o Pepe que tinha um canhão no pé!  Oberdan Cattani foi goleiro do Palmeiras, com uma mão só ele pegava bola. O Fábio Crippa, goleiro do Palmeiras, jogava bocha comigo, eu falava: “Fábio, se eu tivesse uma mão igual a sua, dava aquele retorno de bater a bola na prancha e voltar a bola, na puxada, se eu tivesse uma mão igual a sua rachava aquela prancha!” Ele dava risada!
Ali o senhor viu uma cidade grande e as chances de progredir?
Quando comecei a trabalhar em empresa é que passei a ver uns troquinhos. Fui trabalhar na Cerâmica São Caetano. O presidente da Cerâmica São Caetano era Roberto Simonsen. Foi pioneira no Brasil na área de revestimentos e de refratários, Os  ladrilhos levavam 36 horas para serem queimados. Foram colocados uns fornos italianos, em forma de túnel, onde passaram a queimar em duas horas e meia. A Cerâmica era uma potência, tinha três turnos. Eu trabalhei na prensa.
Já havia refeitório da empresa?
Tínhamos que levar a comida de casa. Foi a primeira empresa em que entrei foi no ano de 1950. Depois abriu a fábrica de pilhas Eveready que inventou a primeira pilha em miniatura no final de 1950. Pedi a demissão na Cerâmica São Caetano e entreio na fábrica de pilhas. Naquele tempo havia oferta de empregos, e o serviço com aquele pó preto (entre outros elementos o carvão) . Nessa empresa trabalhei oito anos. Fazia hora extra. Após oito anos eles dispensavam o funcionário, indenizavam.  Eu ainda era solteiro. Casei com 27 anos de idade com Francisca Aurélia Pagan Granadier, tivemos trê4s filhos: Marcelo, Heraldo e Rosemeire. Na Eveready já tinha o restaurante da empresa, eles forneciam o almoço. Com o dinheiro da indexação, peguei um dinheirinho e comprei o terreno ao lado do Clube São Caetano. Era só mato! Era so campo, não tinha casa nenhuma, não tinha luz, água encanada, Tinha ônibus circular que chegava até lá. Casei, paguei aluguel um ano só, construí uma casinha no terreno que havia comprado, tijolos levantados com barro mesmo, nesse período trabalhei em diversas empresas: Firestone de Santo André, até entrar na Genaral Motors. Isso no tempo em ela fazia eletrodomésticos, geladeiras Frigidaire, havia a montagem de veículos, as longarinas, estampagens de latarias eram feitas todas lá. É uma empresa muito grande. Já fabricavam Chevette, Caravan, Opala de duas portas era um dos preferidos.
O senhor conheceu o Lula?
Nas greves ele sempre estava junto conosco! Ficava junto de nós. Meu filho Heraldo trabalhou próximo dele quando ele cortou o dedo. O Lula fazia um discurso que arrebanhava os trabalhadores. Conheci o Vicentinho, todos os sindicalistas vinha para fazer piquete na porta da fábrica. Em 1982 eu me aposentei. Trabalhei mais três anos aposentado. Em 1985 foi a última greve que saiu lá.  Na penúltima greve fizeram uma greve e eu fiquei preso dentro da General Motors por uma semana!
E o que o pessoal fazia lá dentro nesse tempo todo?
Quem estava lá dentro e não podia sair ficava revoltado! , em 1985, eu já estava aposentado, Na última greve, fiquei em casa!
O que o senhor foi fazer?
Eu já estava aposentado, passei a frequentar os clubes, ia disputar boche, disputava o Campeonato Sul Americano. Tenho uma caixa de medalhas: Campão, Vice-Campeão, Terceiro, Segundo Lugar. Troféus.
Jogava a ponto?
Jogava a ponto e no tiro (de bota como é chamado em alguns lugares) Frequentei todos os Clubes do ABC, jogamos contra muitos clubes famosos: Pinheiros, Círculo Militar. Defendi o São José, o São Caetano Esporte Clube, disputei pela General |Motors também.
Quando foi a decisão do senhor sair de São Caetano e vir morar em Piracicaba?
Foi quando os meus filhos montaram o Varejão Paraty. Há 24 anos. Meus filhos vieram trabalhar em um varejão na Rua Marechal Deodoro com a Avenida São João, de propriedade de João Dorigatti. Ali realizaram um serviço muito bem feito, deram um grande impulso aquele varejão. Pegou uma freguesia tremenda. Antes o Marcelo fazia feira na rua em São Caetano, como eu era aposentado, trabalhava com ele. É triste! Na rua, tem dia que chove. O Marcelo chegou a conclusão de que aquilo não tinha futuro, foi quando ele e o irmão vieram para Piracicaba. O João Dorigatti faleceu. O Marcelo e o Heraldo permaneceram em Piracicaba, encontraram um barracão para alugar, tinha sido um depósito de batatas. Eu só me divertindo lá nos clubes do ABC, de São Paulo. Jogava bocha, fazia ginástica. Frequentava excelentes clubes. Tinha um círculo de amigos muito unido. O Heraldo me disse que estavam com a intenção de montar um varejão, se eu podia dar uma mão. Acabou o meu divertimento!  Arrumei uma sacola, com algumas roupas e vim para Piracicaba. Cheguei aqui a tarde, ao olhar pela porta da frente, deu vontade de voltar. Meus filhos foram comprar uma cama de solteiro para mim, dormíamos os três aqui dentro do barracão. Era mês de julho, um frio tremendo. A primeira coisa foi fazer a faxina. Fizemos o possível, em 15 dias inauguramos. Contratamos um carro para anunciar a inauguração. A freguesia que eles tinham no varejão em que trabalharam, veio para cá. Naquele tempo trabalhávamos apenas com frutas, verduras e legumes.
Foi tudo com muita luta!
Foi sim! Muita luta! Ganhamos nesses anos todos uma tradição, a maior parte dos nossos clientes tornaram-se nossos amigos. Assim como nossos fornecedores. Apesar de ser um ambiente descontraído, a educação e o respeito existe entre clientes, funcionários e proprietários. Há uma dedicação muito grande de todos para atender da melhor forma possível.
O senhor acha que fez uma boa troca vinde de São Caetano para Piracicaba?
Eu acho que fiz uma boa troca! Me sinto feliz em saber que eles estão encaminhados. Aqui tem muita área de lazer, mata, o Rio Piracicaba é a riqueza da cidade, o parque da Esalq é o lugar onde vou caminhar. Eu achava que nunca mais iria sair de São Caetano.
E o senhor está tendo tempo para jogar bocha?
A forma como jogam aqui é diferente da foma como o boche é jogado lá!
E malha, o senhor jogava?
Lá eu jogava, dava para quebra o galho! No snooker eu também ia bem. Quando me convidavam para jogar, sempre fui modesto, dizia que nem sabia pegar no taco, no final da partida ficavam bravos! Viam que eu jogava bem! Gosto de jogar um truco! Só não gosto de nenhum jogo que envolva dinheiro. Quando envolve dinheiro dá muita confusão, disso eu não gosto.



MANUEL EDUDUARDO DE ALBERNAZ E CHIHAYA NISHIOKA DE ALBERNAZ

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 12 de janeiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADOS:MANUEL EDUDUARDO DE ALBERNAZ E                      CHIHAYA NISHIOKA DE ALBERNAZ

O casal Manuel Eduardo de Albernaz e Chihaya Nishioka de Albernaz por mais de duas
décadas moram no Canadá. No período de férias, geralmente ao final de cada ano, eles
viajam até o Brasil, onde residem parentes e amigos. Fazem nesta edição, um breve
relato da experiência em morar em um país onde o clima frio predomina. É o segundo
maior país do mundo em área total, país bilíngue e multicultural, tendo o inglês e
o francês como línguas oficiais. O censo canadense de 2016 registrou uma população
total de pouco mais de 35 milhões de habitantes.
Manuel Eduardo de Albernaz nasceu a primeiro de abril, em Capão Bonito, filho de
João Marcondes e Elsa Stipp, a sua mãe é de Piracicaba e seu pai de Capão Bonito, tem
uma irmã: Nilza. Manuel e Chihaya são pais de um filho: Eduardo.
Qual era atividade do pai do senhor?
Na época ele era proprietário de um açougue, minha mãe é professora. Iniciei meus
estudos em Piracicaba, no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, depois fui estudar no
Colégio Jorge Coury, fiz o curso técnico na Escola Industrial, na Unimep fiz o curso
Técnico em Transmissão e Distribuição de Energia. Sou da primeira turma, inclusive
quando começamos o curso não era reconhecido pelo MEC. Foi reconhecido na metade
do primeiro ano. Fiz a faculdade de Engenharia Elétrica-Eletrônica em São José dos
Campos, na Universidade do Vale do Paraíba.
Inicialmente o senhor trabalhou em qual empresa?
Trabalhei em Piracicaba, na Telepira, depois fui trabalhar com transformadores na
Superkavea S/A, um dos donos era Humberto Capellari, depois fui para a Dedini na
área de projetos. Desliguei-me da Dedini, fui para São José dos Campos, trabalhar na
EMBRAER. Foi na época do fundador da EMBRAER, o engenheiro Coronel Oziris
Silva. Eu trabalhava na parte de projetos, ele fazia a inspeção em todos os setores, então
o conheci.
Como o senhor vê a fusão da Boeing com a EMBRAER?
Como estou um pouco desligado da área aqui no Brasil, não acompanhei muito. Mas
vejo isso como uma oportunidade para a EMBRAER entrar em um mercado em que ela
ainda não está. As duas empresas se complementarão. A Boeing não tem aeronaves do
porte dos que são feitos pela EMBRAER, e em contrapartida a EMBRAER entrará em
um mercado que a Boeing trabalha. Na minha opinião vai ser um casamento de sucesso.
As aeronaves da EMBRAER são seguras, confortáveis, gosto muito dos aviões da
EMBRAER, no Canadá usamos muito em voos pequenos. As companhias americanas
utilizam bastante os aviões da EMBRAER.
Quanto tempo o senhor permaneceu na EMBRAER?
Foi de 1982 a 1987, cinco anos. Saí da EMBRAER e fui para a ABC que era uma
empresa que estava fazendo equipamentos para a EMBRAER, junto com a Itália.
Fomos morar na Itália, em Legnano, cidade próxima a Milão. A empresa ficava em
Nerviano. Na Itália permaneci por um ano. Fomos para aprender a fazer os
equipamentos e depois montar a fábrica aqui no Brasil. Éramos um grupo de
engenheiros e técnicos que fomos para lá, eu era responsável por 5 ou 6 equipamentos
na época. Voltamos, montamos a fábrica, colocamos os equipamentos em produção,
entregamos, fizemos manutenção, garantia dos equipamentos. Fui convidado para voltar
para a EMBRAER, onde permanecer até ser convidado pela Bombardier que é um
grupo de empresas do Canadá, sediada em Montreal, Quebec.
Na Bombardier o senhor trabalha em que setor?
Trabalho na área de projetos. Hoje já não me encontro mais na Bombardier. Quando fui
para lá fui para trabalhar na Divisão Militar da Bombardier. Fazia a manutenção de
aeronaves militares. Em 2003 a Bombardier decidiu separar as divisões militar e
comercial. Foi ai que uma empresa americana comprou a parte militar. É onde estou
hoje, a empresa é americana, mas ela tem braços no Canadá.
Após 21 anos morando no Canadá, como o senhor o define?
Uma rápida definição: é frio! Só que tudo funciona, é um país justo.
O povo canadense, como é o seu temperamento?
São receptivos, acredito que seja a mesma reação que existe no Brasil com relação a
imigrantes, só que isso é uma postura que não pode ser generalizada, dizer: “-O país é
assim!”, cada região tem uma postura própria. Eles não tem a postura mais descontraída
do brasileiro, nesse aspecto são como americanos ou europeus. Na Itália o
comportamento é semelhante ao do Brasil, são muito espontâneos. O brasileiro tem um
contato físico maior, lá o contato físico resume-se em um aperto de mão.
No Brasil, marcamos as 7 horas para chegar as 7:30, se você chegar as 7 está fora do
horário. Lá não! Há toda uma formalidade. O convite de aniversário vem com o horário de início
e do fim da festa. Tudo é feito rigorosamente dentro daquele horário. Um aniversário de
criança é feito para criança, o adulto não comparece. Leva a criança até a porta e vai
buscar depois. O adulto não fica tomando cervejinha! É aniversário de criança! No
convite está explicito que hora começa e qual hora termina. Os pais não levam antes e
nem vão buscar após o horário estabelecido.
Chihaya Nishioka de Albernaz a senhora é natural de Piracicaba?
Não, eu nasci no Japão, são meus pais Issamo Nishioka Myuki Nishioca que tiveram
quatro filhos. Vim para o Brasil com oito anos, fiquei seis meses em Santópolis do
Aguapeí, região de Tupã, vindo depois morar em Piracicaba onde permaneci de 1958
até 1983. O meu pai como imigrante recente, onde tinha trabalho ia, com isso moramos
em vários lugares. Estudei o primário em diversas escolas da área rural. Moramos no
Bairro dos Marains, Itaperu, Nova Suíça, Bairro do Rolador. Meu pai plantava legumes
e nos últimos dois ou três anos plantávamos pêssego.
O pêssego cultivado deu bons resultados?
As pessoas que comeram o pêssego que plantávamos, quando as encontro dizem que
nunca comeram um pêssego tão gostoso como o que cultivamos.
A senhora prosseguiu seus estudos?
Continuei morando na roça, fiz o curso de madureza (depois chamado supletivo) do
ginásio, fiz no Curso Ativo, situado no andar superior do prédio onde ficava a Lojas
Arapuã, na Rua Governador Pedro de Toledo. O colegial estudei no Instituto
Piracicabano, ainda trabalhando na roça, eu ia do Piracicabano até o Bairro do Rolador,
a pé, a noite. Do Piracicamirim até o nosso sítio tinha a distância de 2.800 metros. Isso
foi medido pela Telesp na época. As vezes para vir, o meu pai me trazia até o ponto de
ônibus na rotatória do Piracicamirim. Vínhamos de carroça, não tínhamos carro. Eu
trabalhava o dia inteiro na roça e perdia a hora da aula. Trabalhei na roça por 20 anos!
Na enxada mesmo! Quando morávamos no Bairro Nova Suiça, vinhamos para
Piracicaba com duas carroças, meu pai em uma e eu em outra, isso as duas horas da
manhã, descíamos a Rua Governador Pedro de Toledo até o mercadão. Eu era uma das
únicas mulheres presentes de madrugada no mercado. Tive e estou tendo uma vida rica.
Vejo a criançada de hoje, com 15, 17 anos, passam o dia dormindo! Não sei se é a
educação, no Japão fui até o terceiro ano na escola, e nas férias, quem não precisava
ajudar os pais as sete horas da manhã estava na escola, fazendo ginástica. Todos os dias!
Meu pai quis instalar um telefone porque ele gostava de contato com gente.
Minha amiga Branca Cecilia Vicentim telefonou-me e disse-me “Chihaya, vamos
estudar em Tatuí?”. Meu pai e a minha mãe ouviram a nossa conversa, perguntaram:
“Você quer ir?” Respondi-lhes que gostaria. Fiz a Faculdade de Filosofia na área de
Educação Artística, Estudei com a Mércia Angeleli, íamos de ônibus.
Chihaya e Manuel vocês se conheceram em Piracicaba?
Foi quando estávamos estudando inglês na Escola Fisk. Na época a Chihaya trabalhava
na CICOBRA, depois trabalhou na Dedini. Logo depois eu, Manuel, passei a trabalhar
na Dedini. Tínhamos amigos em comum, saiamos todos juntos. Íamos ao Restaurante
Flamboyant. Cine Polyteama. Bailes do Clube Coronel Barbosa, onde a elite
piracicabana frequentava. Uma curiosidade, diz a Senhora Chihaya: “Fiz a última
viagem do bonde da agronomia até o centro. Ali encerrou-se o serviço de bonde em
Piracicaba”. Ela diz: “Adoro Piracicaba.”
Manuel, a qualidade de vida no Canadá é superior a do Brasil?
O Canadá oferece uma série de vantagens com relação ao Brasil: segurança é uma delas.
Fomos obrigados a ir a uma instituição bancária aqui no Brasil, um assunto
relativamente simples, consumiu um tempo enorme. Uma burocracia que não existe lá.
Pode-se dizer que no Canadá tudo funciona de forma sincronizada. Chihaya diz:
“Sempre digo que gostaria de ter a vida que tenho no Canadá, aqui no Brasil!”.
O Canadá não é um pais de densidade populacional muito grande?
Não, não é. É um país muito extenso com população pequena.
Comenta-se muito aqui no Brasil sobre os shoppings subterrâneos existentes no
Canadá. São verdadeiras cidades. Não no Canadá todo. Nós moramos em Halifax, na província
da Nova Escócia, lá não existe isso. Predomina o idioma inglês, mas o francês também
é utilizado. Antes moramos em Quebec, uma das dez províncias do Canadá, em
Montreal que é a maior cidade d a província, existe uma cidade subterrânea. Tem
prédios que tem acesso a essa parte de baixo, a pessoa não sai na rua, já desce do
elevador na cidade subterrânea. Tem supermercado, farmácia, escola, tudo que você
precisar. Só não tem veículos.
Vocês praticam algum esporte?
No inverno praticamos patinação, mas em superfície totalmente horizontal, não é o
esqui que desce montanhas! O curling é um dos principais esportes praticados no
Canadá. Apelidado de xadrez no gelo é praticado desde o século XVI. É um jogo
formado por duas equipes, com quatro jogadores em cada equipe. O objetivo é empurrar
blocos de granito sobre uma pista de gelo e colocá-los o mais próximo possível de uma
marca predeterminada. Esse esporte já joguei, é gostoso, sendo engenheiro, vejo que
aquilo nada mais é do que a aplicação da física. Há uma técnica muito refinada para
direcionar o bloco, há uma pessoa com uma vassourinha na frente, a função é aquecer o
gelo, formar uma película de água e deslizar mais rápido.
Há um hábito de acharmos que o Brasil está extremamente defasado com relação a
muitos países. O senhor concorda?
Não diria isso. Pegamos o exemplo da EMBRAER. Porque a Boeing veio atrás da
EMBRAER? Os trens de pouso de aviões fabricados pela EMBRAER não são só
utilizados pela EMBRAER. São utilizados lá fora também. O Brasil tem tecnologia.
Tem gente muito boa trabalhando. O Brasil não fica atrás de países lá fora não! Talvez
falte interesse do governo, de incentivos, tudo isso custa. Tem que haver treinamento, A
EMBRAER treina seus funcionários muito bem. A quantidade de engenheiros com
Master, com Doutorado, é muito grande. Notícias do Brasil lá fora são raras. Falam do
carnaval como uma festa folclórica, nunca vi ser tratado de forma pejorativa. As vezes
passam notícias sobre tiroteio em favelas, mas são notícias de cunho informativo. Aqui
no Brasil, a pessoa que está passando a notícia ela explora todos os detalhes, muitas
vezes dá sua opinião pessoal. O objetivo é chamar a atenção para o fato e ganhar
audiência com o mesmo. Lá quando dão a notícia limitam-se a dizer o que aconteceu. É
uma notícia objetiva. Informação.
O senhor estranhou muito a televisão do Brasil, nesses dias em que está aqui?
Não assisto televisão. Não consigo. Sinto muito dizer, mas a nossa televisão no Brasil é
de um nível de programas abaixo da crítica. Não vejo sentido o apresentador, repórter,
fazer o carnaval que faz.
Infelizmente a cultura de grande parcela da população, admite esse tipo de postura.
Exato! Mesmo porque, até mesmo no Canadá, pela minha falta de tempo recebo
informações pela internet, praticamente não assisto televisão.
A senhora também não assiste a televisão canadense?
Assisto muito pouco. Não tenho tempo. Fiz trabalho voluntário para um organismo que
ajudava os imigrantes.
Como foi a relação que vocês tiveram dom os dois principais idiomas do Canadá?
Quando fomos para lá, fomos na região francesa, morávamos no norte de Montreal.
Tem inclusive pessoas que não falam inglês. E não admitem falar em inglês. A Chihaya
aprendeu francês primeiro, eu já sabia o inglês, minha entrevista aqui no Brasil, antes de
ser contratado foi em inglês, depois foi por telefone por duas vezes. O processo foi
longo e cansativo. Meu inglês foi aprimorado com a vivência no Canadá. O meu
trabalho apesar de ser em empresa francesa era todo em inglês, a documentação é
inglesa. Tive que aprender o francês também, pelo uso com as pessoas do trabalho,
algumas não falavam inglês. Escreviam, mas não falavam. E também fora da empresa,
tudo que se fazia era em francês.
A assistência médica no Canadá é boa?
É boa, sem dúvida nenhuma. Tem dois sistemas: do governo e tem um adicional que é
pela empresa. O sistema do governo é muito bom. O sistema de emergência funciona
com excelência. Se o atendimento não for por motivos graves, há uma pequena espera
para ser atendido.
Como é a alimentação?
Chihaya responde: “Eu diria que é um pouco pobre se comparada à que temos no
Brasil”. Lá não se planta nada por causa do frio, ou é cultivado em estufa, ou é
importado. É decepcionante, as frutas não tem sabor. São colhidas verdes, para dar
tempo de chegarem lá.
Como é o transporte ferroviário?
O transporte de trem não é muito utilizado, como na Europa por exemplo. O trem de
Halifax a Montreal leva 22 horas de viagem, de avião leva 1:30 horas! De carro são 12
horas.
O senhor é de ascendência espanhola, e a Espanha tem tradição em ter bons vinhos.
Os do Canadá são tão bons?
O Canadá tem bons vinhos, ficam atrás dos espanhóis, italianos. O que existe são
empresas pequenas que fazem vinho. Assim como a grande maioria das cervejas são
artesanais. E são boas. Onde nós moramos, hoje é uma tendência irlandesa, uma cerveja
forte.
A alimentação tem a batata como base?
Comem bastante batata. Há um grande problema lá: a picanha não existe! O boi existe,
mas a picanha não. O corte da carne não contempla a picanha. Agora estão surgindo
alguns brasileiros que estão introduzindo a picanha no mercado.
O churrasco é de hambúrguer ainda?
É de hambúrguer e feito na churrasqueira a gás ou elétrica!
Há restaurantes com comida típica brasileira?
Na região aonde estamos não tem nenhum, existe em Montreal, Toronto provavelmente
deve ter mais restaurantes brasileiros. Toronto é mais multicultural do que outros
lugares.
Há em uma cidade do Canadá uma torre com um restaurante que faz um giro de 360
graus?
Em Toronto tem o Canada’s National Tower. Restaurante Giratório 360.
Nos dias de neve o senhor dirige com correntes nos pneus?
A corrente não é permitida. Tem que trocar os pneus, existem os pneus de neve e os de
verão. Onde estamos hoje é permitido pneus com pinos de aço. Em Quebec não é
permitido isso, simplesmente o tipo da borracha dos pneus é que faz a diferença.
A mão de obra é cara?
É caríssima, temos que ser um faz-de-tudo. Só para dar o orçamento cobram 50 dólares.
A facilidade é que existem empresas que vendem todo o material e dão todas as
instruções. Não mexo na parte elétrica da casa porque a legislação exige que só faz isso
quem tem um registro do sindicato. Se alguém que não tiver esse registro mexer, e
ocorrer alguma coisa o seguro não paga. Posso trocar uma lâmpada, mas não posso
instalar, puxar um fio. Se tiver um incêndio, que foi causado por aquele pedaço, o
seguro não paga e vou ter problemas com a polícia.
Existem favelas? 
Tem. Mas vamos dizer que são favelas de alto nível. Existe muita
casa móvel, a pessoa aluga o terreno, traz a casa e põe ali. Outra opção é a pessoa
comprar um trailer usado, põe no terreno e mora lá.
Qual é a velocidade máxima permitida no Canadá?
No máximo 110 quilômetros por hora. No Canadá é adotado o sistema em quilômetros,
não em milhas.
Qual é a diferença de horário do Brasil para o Canadá?
Depende da região do Canadá. Onde nós estamos a diferença é de uma hora no horário
normal. Horário de verão e horário de inverno distancia. Tem época em que ficamos
com duas horas de diferença e outras em que ficamos igual. Lá também tem horário de
verão. Lá justifica o horário de verão, nove horas da noite tem sol ainda!

VICTOR FERREIRA VITOLO PARTE I


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 15 de dezembro de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: VICTOR FERREIRA VITOLO

Victor Ferreira Vitolo nasceu a 1 de dezembro de 1930, na cidade de Olímpia, é filho de Alberto Vitolo e Maria Francisca Vitolo que tiveram nove filhos e uma filha por adoção Clóvis, Nicolina, Maria, Alberto, Victor, Rosalina, Diná, Belmira, Georgina e a filha adotiva Virginia. A profissão do seu pai hoje é denominada de Oficial de Justiça, na época era chamada de Meirinho. Sua mãe cuidava do lar. Foi matriculado em uma escola em Olímpia, tinha 8 anos e poucos messes, naquela época a idade para fazer a matricula era em torno de nove anos. Aqui cabe uma observação muito marcante. Convidado por outros colegas da mesma faixa etária foram “gazetear”, e assim fizeram por diversos dias. A professora muito zelosa, tratou de informar-se o porquê Victor estava faltando tanto. Um desses dias, ao voltar para casa, sua mãe com atitude severa indagou: “Victor, meu filho, você foi à aula? Tem ido todos esses dias?”. Prontamente ele respondeu: “Lógico! Aonde poderia ir...?” Levou uma boa “sova” de rebenque! Depois disso nunca mais faltou às aulas, nem mesmo quando passou a frequentar a  Escola Anita Costa. Em Olímpia não tínha um ginásio estadual, existia um ginásio particular, era o Colégio Reis Neves, estudou lá. Sua primeira professora foi Dona Oscarlina Breda. Um professor marcante foi João Simões Neto. Naquela época os professores eram severos, tinham uma autoridade que parece ter desaparecido, eram pessoas muito consideradas dentro da sociedade.
A sua permanência em Olímpia foi até que idade?
Permaneci até completar 24 anos. Comecei a trabalhar como auxiliar quando completei doze anos em dezembro, fui ajudar no cartório, fazer pequenos serviços, fui substituir por uns dias o Artur, que ia entrar de férias. Varria, abrias as portas do cartório, levava processos para o promotor, ia buscar processos na casa do juiz, na parte da manhã, a tarde eu levava os processos para o fórum. Lá só tinha uma vara, o juiz fazia tudo.  Um dos juízes que trabalhou lá foi Acácio Rebouças que nasceu em Ribeirão Preto em 1909, e formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em 1931. Ingressou na Magistratura em 1935, como juiz substituto. Ao longo da carreira na primeira instância, também trabalhou em Olímpia. No ano de 1956, assumiu o cargo de juiz do Tribunal de Alçada e, em 1960, foi promovido ao cargo de desembargador. Foi vice-presidente e presidente do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo foi corregedor-geral da Justiça, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Faleceu em 2003.Trabalhei com os juízes Francisco Negrisolo, José Manoel Arruda e outro cujos nomes não me lembro.
Essa proximidade com o juiz dava-lhe um destaque entre seus amigos da mesma idade?
Eu percebia sim, mas não tinha vaidade nenhuma. Após terminar o grupo escolar passei a estudar a noite, trabalhava durante o dia e estudava a noite. Até os doze anos tive uma infância comum, de brincar na rua. Olímpia naquela época era pequena, só as ruas centrais eram calçadas com macadame. Não havia água nem esgoto, usávamos poço e fossa séptica. Minha mãe fazia farinha de mandioca, biju, eram feitas no tacho. Fazia polvilho também. Nós a ajudávamos nas horas vagas. Ela teve um problema de saúde, e o local recomendado para ela ficar era São José dos Campos. Minha mãe ficou praticamente dois anos no hospital para tuberculose. Ela sarou, viveu até os oitenta anos.  Nós ficamos sob os cuidados da minha irmã mais velha e da Virginia. Meu pai chegava à tarde, fazia um sopão, foi um período de grandes dificuldades para sobrevivermos. Naquele tempo não é como hoje que para ter um filho logo que a mulher engravida ela passa a ter uma assistência do Município, do Estado e da União. A meu ver o nascimento de uma criança deve ser preparado com muita conscientização da responsabilidade que representa.
Como foi a sua evolução no cartório?
Aprendi a escrever a máquina escondido do meu patrão, ele não deixava mexer na máquina. Eu chegava no cartório as sete horas, o Oficial Maior comprou um livrinho de datilografia e disse-me: “-Você vem de manhã, antes do expediente, a máquina era uma Remington, assim aprendi a datilografar. Quando o escrevente que trabalhava no fórum foi para São Paulo surgiu uma oportunidade, lá era acumulado: Civil, Criminal, Menores, Júri, Corregedoria Permanente, Eleitoral, Tabelionato. Era tudo acumulado em um cartório só. Com isso tive a oportunidade de ter um conhecimento muito grande na área. O Cartório de Registro de Imóveis era separado, trabalhei um ano e meio depois lá. Naquela época os titulares dos cartórios, pegavam o cartório em um concurso. O meu patrão Olímpio Campos, comprou o cartório, naquele tempo podia comprar um cartório. Depois é que veio o período em que se adquiria um cartório através de concursos. Teve um período em que o cartório era vitalício, hoje voltou a ser. Extrajudicial. Os cartórios judiciais são do fórum. Tínhamos que acumular todos os anexos, e muitos anexos eram praticamente gratuitos. O governo com os cartórios só obtém arrecadação, sem nenhuma contrapartida, sequer um lápis. Além de recolher os emolumentos, o cartório era obrigado a carregar serviços fins, tinha que ter bons funcionários, para renderem no serviço e o cartório ter algum ganho no tabelionato: escritura, procuração, autenticação e reconhecimento de firma. Naquela época não existia autenticação. Era muito raro o uso da autenticação.
O seu cargo era qual?
Era fiel. Praticava atos mas não podia assinar nada. Escritura, procuração, não podia fazer sem ser habilitado como escrevente. Tinha um escrevente que era muito bom, ele mudou-se para São Paulo. O Seu Olímpio, dono do cartório, ficou preocupado. Como iria fazer? Não havia gente para substitui-lo. O Oficia-Maior, o Rochinha, que tinha me mandado aprender a escrever a máquina escondido, aprendi a teclar sem olhar no teclado, precisava ser bom datilógrafo Tornando-se escrevente e indo para o serviço do fórum, sendo o escrivão que fica ao lado do juiz, tem que ser bom datilógrafo e rápido. O juiz não vai ficar esperando. Sei que naquela situação, o Rochinha disse ao Seu Olímpio: “-Temos o Vitinho aí!”. Seu Olímpio retrucou: “-Ele não sabe nem datilografar, como é que vamos fazer?” O Rochinha sugeriu que fizesse uma prova para que eu mostrasse o que sabia fazer. Seu Olímpio disse: “–Depois que fechar o cartório vamos fazer!”.
A tarde, cartório fechado, Seu Olímpio disse-me: “- Sente aí! Copie isso aqui”. Eu já tinha praticado a rapidez, datilografei.  Ele então disse-me: “Agora vou fazer um ditado!” Fez o ditado, virou para o lado e disse: “-Rochinha, ele está bom mesmo! Ele vai para o fórum, para fazer audiências com o juiz”. Passei a escrevente, e continuei estudando a noite. Após o colegial fiz o técnico em contabilidade. Tudo na Escola Reis Neves. No penúltimo ano de contabilidade eu tive uma proposta de uma pessoa que era escrivão em São Roque ele era de Olímpia, tinha feito o concurso e pegou o cartório em São Roque. A uma certa altura ele precisou de escrevente, fez uma proposta para mim, a minha intenção já era de ir para São Paulo. Eu queria ficar perto dos concursos de cartório. Estava muito interessado na carreira. Pedi a exoneração do cartório onde trabalhava e fui transferido para o Segundo Tabelionato de São Roque.
O senhor era funcionário do cartório, não era do Estado?
Nunca fui funcionário do Estado. Até algum tempo éramos considerados funcionários públicos, há até decisão do Supremo Tribunal Federal. Depois a lei mudou. Os titulares dos cartórios são permissionários. Só que é uma carreira ainda, tem que fazer o concurso. Fui para São Roque, passei a trabalhar no cartório, só que não existia Escola de Contabilidade na cidade. Tive que fazer o último ano de contabilidade na OSE - Organização Sorocabana de Ensino, de Sorocaba. Eu trabalhava até as cinco e meia, ia para o Hotel São Roque, onde morava, jantava, e pegava o ônibus da Viação Cometa que passava em frente. O que eu senti muito nessa mudança foi o frio. Tive que mandar fazer roupa de inverno. Foi um ano difícil, tive que me adptar a um estilo de ensino mais rigoroso, com persistência e fé eu conclui. Quando ele convidou-me para ir para São Roque, deu a entender que sua intenção era de permanecer por algum tempo e depois iria me arrendar o cartório, disse que não andava bem de saúde. Com o passar do tempo, percebi que ele não tocava mais no assunto. Ele ia me nomear Oficial Maior, nomeou a mulher dele. Fiquei quieto.  Estava desgostoso, assim mesmo fiquei de 1954 a 1956, até que apareceu uma vaga no Décimo Tabelionato de Notas, ficava na Rua Boa Vista, no prédio da Associação Comercial de São Paulo.  Fiquei no Setor de Procurações. Ali eu tive a oportunidade de estar sempre no Tribunal para ver a possibilidade de ter algum concurso para cartório no interior. Permaneci lá até 1961. Eu assinava o Diário Oficial em meu nome, eu que pagava a assinatura. Eu sabia que se você fosse titular de um cartório e sofresse desmembramento de território as leis anteriores davam o direito a quem perdesse território: seria removido para um cartório bem melhor. Em 1956 eu casei com uma moça de São Roque. Ela ingressou no magistério em Piedade. Tivemos duas filhas: Cintia Maria e Márcia Regina. A minha esposa removeu-se para São Paulo, para o bairro Capela do Socorro. Morávcamos na Rua Coronel Oscar Porto, no bairro Paraiso. O bonde saia da Praça João Mendes (centro) e ia até a ponte da Capela do Socorro. Arrumei um sobradinho, as duas meninas eram pequeninhas. Eu ia trabalhar de bonde. Era rapidinho. Trabalhei ali até ser promovido como titular ou Oficial do Registro Civil  (Proprietário) para um cartório em Paranapuã, na Comarca de Jales. Fui tomar  posse em setembro, Minha senhora ficou em São Paulo. Só em dezembro é que ela poderia escolher o local para lecionar. Dentro do Décimo Cartório de São Paulo trabalhavam quatro ou cinco colegas da mesma origem, inclusive o Rochinha. Lá só faziamos escritura, procuração, autenticação e reconhecimento de firma. Éramos mais ou menos 15 escreventes. Fora os auxiliares e datilógrafos. Era grande, um dos bons catórios naquela ocasião. Tinhamos depois cartórios que chegaram a ter 60 escreventes! Era o Sétimo Tabelionato de São Paulo. Em 1961 fui para Paranapuã, perante o juiz tomei posse.
Como se dá a posse do cartório?
É feita perante o juiz, o promotor e o escrivão permanente da comarca. É elaborado o termo de posse.
E a corregedoria do cartório como funciona?
Durante todo o período em que trabalhei na minha vida, havia a Corregedoria Geral, Corregedoria do Juiz da Comarca , lá no Itaim-Paulista tinha o Juiz Corregedor que era em SãoMiguel Paulista. Os juízes eram obrigados a fazer uma Correição Geral em todos os cartórios da comarca, sede distrito e distritos também.
O que é Correição Geral?
Naquele tempo usava-se selo. O juiz ia acompanhado de um fiscal do Estado, o juiz e o promotor, pegam um livro de escritura e verificam os atos. Uma das falhas comuns era a falta de assinatura de testemunhas, era comum naquela ´epoca sempre ter duas pessoas ligadas ao cartório que se prestavam como testemunhas, muitas vezes deixava para assinar depois, por estar ocupado no momento, não era má fé, era simplesmente para agilizar o processo. Testamento não, só o tabelião podia lavrar o testamento público, cinco testemunhas têm que estar presentes durante a leitura, tem que qualificar e endereçar todos. Testemunha por testemunha. Na hora que você vai ler para o testador pode fazer um ato interno, não precisa ser exposto. As testemunhas tem que estar  presentes. O tabelião lê, pergunta se é aquilo mesmo que ele está testando.(CONTINUA).


VICTOR FERREIRA VITOLO (CONTINUAÇÃO)


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 22 de dezembro de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: VICTOR FERREIRA VITOLO (CONTINUAÇÃO)
Victor Ferreira Vitolo nasceu a 1 de dezembro de 1930, na cidade de Olímpia, é filho de Alberto Vitolo e Maria Francisca Vitolo. Do alto dos seus 88 anos, pode ser encontrado pela manhã, em sua caminhada matinal, com passos firmes, raciocínio rápido, descontraído, carrega consigo a experiência de muitas dificuldades vencidas, graças a um objetivo estabelecido e perseguido com incessante persistência. Casado em segundas núpcias com a Dra. Claudete Restani.  A narrativa da sua trajetória envolve décadas, fatos como a perda dos pais precocemente, já com 12 anos iniciou sua vida como auxiliar de cartório. Um faz-de-tudo. Fora das vistas do patrão, aprendeu e praticou datilografia. A máquina de escrever Remington era quase uma entidade intocável. Com a cumplicidade do seu chefe, o Rochinha, Victor como um predestinado estava dando os primeiros passos para uma carreira de sucesso. Tornou-se grande conhecedor das lides cartoriais. Recebeu um convite irrecusável, que logo percebeu que queriam de fato o seu conhecimento, sem a contrapartida que o atraiu. Removeu-se para o Décimo Cartório de São Paulo, onde trabalhou como escrevente. Em 1961 foi para Paranapuã, onde perante o juiz tomou posse como Oficial do Registro Civil  (Proprietário).  Bacharel em Direito formado em Itu, teve como professor de Direito Constitucional o atual Preseidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia.
O senhor chegou a realizar testamentos?
Só fiz um como serventuário público, de um colega do sub-distrito de Itaquera. Naquela época era o juiz que tinha que assinar o termo de abertura de todos os livros do cartório. Hoje o próprio titular autentica as folhas do livro. Quando era procurado para realizar um documento de testamento, em benefício da pessoa e dos envolvidos, eu aconselhava que a pessoa fizesse a doação com reserva de usofruto.
A sua família em dezembro de 1961 mudou-se para Paranapuã?
Exatamente! Eu sempre tive muita fé, e em todos os lugara para onde fui sempre encontrei um amigo. Amigos na vida, encontramos poucos. No período em que fiquei sózinho em Paranapuã, hospedei-me em uma pensão da família Salmazi, originária de Olímpia. Fui verificar o cartório, tinha um escrevente respondendo pelo cartório até ser provido. De imediato verifiquei que havia muitas falhas técnicas, Fui até o forum e requeri para o juiz fazer uma correição no cartório. Eu iria assumir, o cartório ficaria sob a minha responsabilidade. O juiz marcou a data, a pessoa que trabalhava lá não gostou muito, O juiz chegou, verificou que tinha muita coisa com rascunho, ou cópia com papel carbono, não havia sido transcrito no livro. O juiz determinou que eu fizesse todos os atos. Outra falha encontrada foi que não tinha sido recolhido o valor dos selos de impostos e taxas. O juiz disse-me: “- O senhor adquiriu os ativos e passivos. Aos poucos vai colocando tudo em dia”. Não aplicou penalidade nenhuma. Paranapã tinha uma característica: Trabalhávamos só na safra! Nascia uma criança, ou tinha um casamento, a pessoa vinha e dizia: “-Seu Victor, nasceu a criança, preciso do registro”. Eu fazia, e marcava em uma caderneta! Igual a caderneta que os armazéns usavam. Eu marcava e depois ele me pagavam na safra! Cheguei a fazer até escritura, a pessoa precisava da escritura para fazer financiamento bancário. Minha senhora lecionava no Grupo Escolar da cidade, eu comecei também a ser professor sustituto. Inclusive fui professor do segundo ano escolar da minha filha mais velha, a Cintia. No final do ano ela não passou, repetiu. Reprovei a minha filha! Ao lado da escola havia uma padaria que tinha um gerador de energia para movimentar as máquinas de fazer pão, fornecer luzes e demais aplicações. Fui lá e perguntei se o dono da padaria poderia fornecer energia. Ele forneceu. Coloquei uma bomba de água no poço, uma caixa d`água, nós tomávamos banho no chuveiro conhecido popularmente como “enforcado”. É um chuveiro com um depósito de água, o depósito é cheio e através de uma carretilha erguido acima da cabeça do banhista. Era uma região muito quente, mas caso desejasse poderia colocar uma parte de água aquecida. Com o depósito no seu lugar, era só abrir a torneirinha. Funcionava perfeitamente! Estamos falando de 1962, 1963!
Falar que não havia energia elétrica naquela região do Estado de São Paulo, nessa época parece uma coisa muito estranha. 
Aqui cabe uma observação, Paranapuã era um distrito pertencente a outro município, Dolcinópolis, onde havia energia elétrica. Usei um pouco dos meus conhecimentos para transformar Paranapuã em municipio. A arrecadação do nosso distrito era maior do que a arrecadação de Dolcinópolis. Eles recebiam a verba e não aplicavam nada em Paranapuã. Comecei a trabalhar para criar o municipio de Paranapuã. E chegamos lá, em dezembro de 1963 tinhamos criado o municipio! Só que veio a Revolução em março de 1964, tinha que ser realizada a eleição para primeiro prefeito, primeiro vereador. Com a Revolução foram suspensas todas as eleições.
O municipio já havia sido criado, mas não tinha autonomia?
A época das eleições chegaram, mas ainda dependíamos politicamente de Dolcinópolis. Um povoado chamado Mesópolis, foi elevado a Distrito. Eu perdi território, lá iria abrir um cartório. Em Paranapuã ficamos esperando as decisões políticas para realizar as eleições na cidade. Um grupo me indicou para ser prefeito de Dolcinópolis, Outro grupo indicou outro candidato. Na convenção eu ganhei. Fui candidato a prefeito. Lançaram um candidato de Mesópolis, Fomos à rádio, fizemos comícios, carreatas, estava uma beleza! Uns dias antes das eleições, escreveram nas paredes de Paranapuã: “Somos assim: a enxada contra a caneta.” Isso em uma região puramente rural. Outra frase: “ Cuidado com a caneta”. Outra frase: “Ele é um forasteiro.” Eu tinha muito conhecimento em Jales, lá era a sede da Comarca, conhecia todos os advogados, inclusive eles me levavam serviço. Captei serviço na cidade de Jales, onde havia dois outros tabelionatos, até o Oficial da Comarca quando tinha algum serviço complicado mandava para nosso cartório. Eu fazia muitos contratos de arrendamentos, tinha um moço, cujo pai havia conseguido uma área de 1600 alqueires (cada alqueire mede 24,200 metros quadrados), ele deveria lotear áquela área e implantar uma reforma agrária. Flávio era o nome do filho, ele foi me procurar no cartório, ele e o pai moravam em São Paulo. Conversamos por um bom tempo, até que ele me perguntou: “-Você tem onde morar?” Disse-lhe: “-Estou procurando!” Na fazenda havia uma casa modesta, que ele havia cedido para as professoras morarem lá. Fomos até a casa, ele disse: “A partir de dezembro o Seu Victor vai mudar para cá com a família”. Ele disse ter sido muito bom eu ter ido para Paranapuã, o escrivão anterior não era dedicado. O pai dele loteou os 1.600 alqueires, em lotes de 10, 20, 30 até 50 alqueires. E vendeu como reforma agrária. Ele fez a cidade com lotes de 10X25 metros, a corretagem ele passou para mim, comecei a ganhar um dinheirinho. A casa que ele cedeu para que eu morasse, disse que quando eu pudesse pagar ele falaria quanto era, ele nunca disse o valor!
Você tem algum hobby?           
Era trabalhar! Mas em 1980, nessa época eu morava em Indaiatuba, em uma ocasião, com uns colegas, fomos pescar no Rio Coxim, em Mato Grosso do Sul. Estávamos subindo o rio, com uma filmadora eu estava registrando a nossa aventura. Um barco passou por nós, provocando um forte movimento de água. Para ter uma visão melhor, eu estava sentado em uma cadeira de praia...sem ser fixada. Fui lançado na água. Com roupa jeans, mangas protetoras, botina, afundei, só que sempre tive a instrução para não perder a calma, sabendo nadar, “boeei” a uns 200 ou 300 metros do barco. Procurei nadar no sentido do barranco mais próximo. O barqueiro virou a direção do barco, me alcançou e fui recolhido, todo molhado. Os companheiros queriam encerrar a pescaria ali, eu fui firme, agradeci a gentileza e disse: “ Vamos continuar a pescaria!” Continuamos, passamos um dia normal, com uma boa coleta de peixes!
Em Paranapuã quanto tempo o senhor permaneceu?
Fiquei de 1961 até janeiro de 1967. Eu era o preparador eleitoral de Paranapuã, aumentei o eleitorado. Muitas pessoas ainda mantinham ao titulo eleitoral com a cidade de origem, não tinham feito a transferência. Em menos de um ano fomos autorizados a fazer a eleição em Paranapuã. Fiz uma viagem para São Paulo, para acertar os detalhes da eleição no Tribunal, fui com José Ribeiro, amigo da política, Viajamos pela Estrada de Ferro Araraquara, fomos jantar no trem, conversamos, até que ele disse “-Vamos conversar de homem para homem. Na eleição agora você vai ser candidato?”  Disse-lhe: “- Se me escolherem novamente serei candidato”. Foi quando ele disse-me: “ Eu vou ser candidato!”. Disse-lhe: “Nesse caso não serei candidato”. Ele sugeriu, eu aceitei a ser candidato a vereador. Ganhamos a eleição. Fui eleito com a maioria de votos, por consequência tornei-me o Presidente da Câmara. Instalamos a Câmara Municipal de Paranapuã. Naaquela época vereador não tinha salário, não ganhava nada. Só tinha despesas do próprio bolso. Pedi ao meu Oficial Maior do Cartório para ser meu secretário na Câmara. Também não ganhava nada. Faziamos duas ou três reuniões por mês. A noite, no salão iluminado com gerador a diesel. Fui presidente da Câmara de 21 de março de 1965 a 21 de março de 1966. As coisas começaram a funcionar normalmente, até que começaram a desandar. O prefeito nomeou o cunhado dele como tesoureiro da prefeitura, o que é proibido por lei, nomear parentes até terceiro grau. Eu o alertei. De nada adiantou. Disse-lhe: “ Toda compra acima de “X” só pode ser feita por concorrência pública”. Uns dez ou quinze dias depois ele apareceu com uma caminhonete novinha. Após assumir o “puder” como diz um famoso politico, ele tornou-se outra pessoa. Virou um bicho. Era tudo estrada de terra, precisávamos de uma motoniveladora. Vim na Caterpillar de Campinas. Ficava em noventa e dois milhões na moeda da época. Seria paga através de crédito consignado do fundo de participação dos municipios. A caminhoenete ele devolveu! Eu disse a ele:  “ Eu não aprovo isso!”.  Dois meses depois ele passou no cartório e me pegou no fusquinha dele, estavamos na estrada de Jales, chão de terra. Ele parou, e disse-me: “ Aquele projeto que eu mandei para a Câmara eu quero que você aprove até amanhã!”. Era para pagar uma motoniveladora usada que ele tinha comprado. Ela estava no posto do Nenê, no centro de Jales. No dia seguinte fui ver a motoniveladora. Custou sessenta e dois milhões. Os pneus estavam três arriados, no chão. Tinham pintado com uma tinta que parecia de parede. Voltrei para Paranapuã, peguei mais dois vereadores e levei para ver a motoniveladora. A documentação estava rasurada, era um veículo com mais de doze anos, tinham alterado a data. Uma falsificação grosseira. Na Câmara expus tudo o que constatei. Resultado da votação: ¨X” a favor dele, inclusive um vereador era irmão dele.
O que o senhor fez?
Disse-lhe: “ Está aprovado! Só que vou denunciar!” Fiz um ofício e mandei para o Presidente da República Humberto de Alencar Castello Branco. Disse isso publicamente, e o prefeito estava ali fora do prédio. De fora ele gritou: “Se você me denunciar ou denunciou, uma das mulheres, minha ou sua vai chorar viuvez”. O povo todo ficava alvoroçado, estava pegando fogo na política do lugarejo. Eu não tinha intenção nenhuma de matar uma pessoa, não nasci para isso. Os dois policiais militares de Paranapuã Altervir e Wanderlei frequentavam o cartório, ali todos se conheciam. Eles disseram-me: “O José Ribeiro anda dizendo que se for cassado é melhor você se prevenir, porque ele anda armado”. Comecei a trabalhar no cartório com o revólver em cima da mesa. Um dia encontrei-me com Roberto Rollemberg, era deputado federal, ele convidou-me para sentarmos e conversarmos. Então disse-me: “Sou seu amigo, tenha cuidado com o Zé Ribeiro, ele disse-me que se receber um IPM (Inquérito Policial Militar) ele te mata”. Um dia fui ao Fórum levar um documento para o Juiz Dr. Joaquim Ribeiro do Val. Ele disse-me “-Está um buchicho que o Zé Ribeiro está muito bravo com você”. Expliquei ao Dr. Joaquim toda a história, as bravatas do Zé Ribeiro que dizia: “-Eu sou o prefeito, eu é que mando!”. “O meu papel como vereador é a de fiscalizar os atos do prefeito. Assim como a Assembleia Legislativa fiscaliza o Governo do Estado, o Congresso fiscaliza o Governo Federal”
Qual foi a sua atitude?
Diante das circunstâncias, o mais razoável seria usar a inteligência a meu favor. Poderia destruir a minha vida se agisse por impulso. Em dezembro, peguei meu Volkswagen e passei por muitas cidades, disse à minha mulher: “Você vai escolher onde quer morar!”. Ela escolheu Indaiatuba. Ela passou a lecionar em um grupo escolar de Indaiatuba. Pedi para o Oficial Maior ficar cuidando do cartório. Sai de Paranapuã com a minha família e a mudança, sem avisar ninguém. Quando o povo descobriu que eu tinha ido embora queriam ir me buscar, foram dissuadidos pelo Edmundo, o Oficial Maior. Eu tinha sido secretário da Associação de Escreventes e Fiéis em São Paulo, arrumei uma casa em Indaiatuba que pertencia a um amigo dessa época. Os vizinhos ajudaram a descarregar a mudança! Tirei licença da Câmara de Paranapuã, naquele tempo os cartórios abriam aos sábados, entrei no Primeiro Cartório de Notas e Registro de Imóveis, perguntei quem era o serventuário, era o Seu Lita, o nome dele era Luiz Teixeira de Camargo, ele perguntou-me o que eu sabia fazer de cartório. Disse-lhe que sabia fazer tudo. Ele disse que estavam precisando de alguém para fazer serviços de fórum. Na segunda-feira comecei a trabalhar como auxiliar, enquanto não me exonerasse de Paranapuã não poderia ser nomeado em Indaiatuba. Ele tinha um filho, José Luiz Teixeira de Camargo. o Zé Lito, era o oficial maior. O Edmundo vinha todo mês, prestava contas. Renunciei ao cargo de vereador, pedi demissão do cartório e fui nomeado escrevente em Indaiatuba.
Como estava a situação política em Paranapuã?
Em Indaiatuba recebi um comunicado para participar de um IPM em Dolcinópolis. Fui para lá, só que antes pernoitei em Jales. Lá tinha muitos amigos, disseram que as coisas estavam feias lá em Paranapuã. Fui até Dolcinópolis, um tenente-coronel e um escrivão me receberam, perguntaram-me se eu tinha feito a representação, disse que sim, confirmei. Peguei meu carrinho e vim embora. Gostava de viajar a noite.
Que fim levou o IPM?
Não sei, porque o José Ferreira faleceu em um acidente com a caminhonete da prefeitura dirigida por um funcionário. O vice-prefeito assumiu.
E em Indaiatuba?
O Seu Lita era titular do Cartório de Registro Civil e Anexos. Indaiatuba passou a ser Comarca ele teve o direito de escolher o cartório que ele quizesse: Primeiro, Registro de Imóveis, Anexos, Tabelionato, ele não quiz o Registro Civil. O Rochinha foi nomeado para o Registro Civil, eu continuei despachando com o juiz, fiz juri. Os criminosos presos em flagrante negavam com total convicção. Negar o mal feito é regra geral. Talvez se a confissão abrandasse a pena alguns confessariam. O Rochinha foi aposentado compulsóriamente. Aí entrei no concurso. Eu já tinha sido convidado a ser candidato a prefeito de Indaiatuba. Era muito bem relacionado com o povo. Não aceitei por aconselhamento familiar. Eu desejava ir para São Paulo. Descobri que havia um distrito de São Paulo chamado Itaim-Paulista. O Tribunal não abria o concurso porque o local estava subordinado ao Cartório de São Miguel Paulista. Fui falar com o presidente da Assembléia Lagislativa Luis Carlos Santos. Expliquei todos os detalhes, era um local com mais de 100.000 habitantes, sem cartório. Fui até o Palácio dos Bandeirantes, dali a uma semana saiu o decrete para instalar o Cartório de Itaim-Paulista e responder cumulativamente pelo Cartório de Indaiatuba. Um outro amigo, João Genésio de Almeida, escrevente do Sexto Tabelião de São Paulo, viu o decreto me nomeando, fui para São Paulo, em seguida fomos para Itaim-Paulista, procurar um salão para instalar o cartório. Achamos um que estava para alugar, o proprietário tinha construido para ele colococar um cartório! Quando soube, ficou pasmo, acabou alugando. Fui até a Corregedoria, me deram posse. O João Genésio deu-me a chave da sua caminhonete para trazer metade dos móveis que eu tinha em Indaiatuba. E funcionários? Como eu iria arrumar pessoas aptas? Escrevente você não arruma num estalar de dedos. Conversei com duas funcionárias do meu cartório, aluguei um apartamento para as duas, e trouxe também o José Messias Bertolino, que era um menino que começou a trabalhar comigo aos catorze anos. Uma moça que passou lá, viu que tinha sido instalado um cartório , contratei ela também. Ela trabalhava no Cartório de São Miguel Paulista, trouxe mais duas funcionárias. A primeira vez que fui visitar o Cartório de São Miguel Paulista o Oficial (proprietário) do cartório achou que era um velhinho caquético, pelo número de pontos que eu tinha acumulado em minha carreira! Pedi afastamento de Indaiatuba, deixei o Oficial Maior. Fui exonerado do cartório de Itaim Paulista e nomearam uma pessoa de Itaquaquecetuba. Fui falar com o juiz, expliquei o fato. Os advogados foram até a rádio, fizeram um manifesto, em meio dia conseguiram seiscentas assinaturas a meu favor. Mandaram uma cópia para o juiz também. O juiz perguntou quanto eu gastei até o momento, com aluguéis de dois apartamentos, um para mim e outro para funcionárias, do prédio, enfim minhas despesas. Calculei em 90.000 reais. O juiz mandou chamar o cartorário recém empossado. Apresentou-nos um ao outro, Disse-lhe: “O senhor Victor gastou para instalar o cartório, trazer funcionários, fora os aborrecimentos. O senhor tem que depositar 90.000 reais para exercer o cargo de interino”. “Ele respondeu: “Eu não tenho nem 9.000 reais doutor, me arrumaram isso aí!”. O juiz perguntou: “Então o senhor não vai tomar posse?”. Ele disse: “De jeito nenhum!” Após algumas providências o juiz me nomeou. Continuei lá, comecei a fazer propaganda do cartório. Paguei para um carro com alto-falante, anunciar o cartório. Conseguimos, o Messias trouxe a sua família. Nisso abriu o concurso para assumir o cartório. Eu entrei, tinha a melhor pontuação, busquei cartas de referências de juízes, desembargadores. Fui nomeado. Fiquei por oito anos quando completei 50 anos de serviço em cartório pedi a aposentadoria, isso foi em dezembro de 1992. Deu mais porque no período em eu trabalhava não tinha férias, licença-prêmio, não sai de licença. Fui Comissário de Menores em Olímpia e São Roque. 
Na comemoração dos 105 anos de nosso Lar dos Velhinhos, denominado Primeira |Cidade Geriátrica do Brasil, o ilustre presidente Dr. Jairo Ribeiro de Mattos pediu a todos os moradores e beneméritos a colaborarem na edição 1906-2011, o que fizemos conforme consta nas páginas 83 e 84 o artigo “A Procura”.


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