quarta-feira, novembro 02, 2005

UM ENVELOPE POR TRÊS MIL REAIS

UM ENVELOPE POR TRÊS MIL REAIS

AUTOR: JOÃO UMBERTO NASSIF


Salin Farid estava caminhando pela cidade, quando encontrou com seu conterrâneo Ibrahim Mansur.
- Mansur! Vamos tomar cafézinho!
- Vamos Farid! Eu pago o café para você.
Ambos entraram no Café Central, um local onde circulam as cobras criadas da cidade, as línguas ferinas, os boateiros, também onde se têm informações mais precisas e rápidas do que na internet. Um burburinho toma conta do local. O café não é lá grande coisa. É feito em um bule enorme, que permanece o tempo todo em uma chapa de ferro aquecida.
- Farid, eu fiquei sabendo que você foi visitar a família lá no Líbano!
- Sim, Mansur, eu fui para ver mamãe. Aproveitei para visitar os parentes.
- Alguma novidade Farid?
- Apenas uma dançarina egípcia que anda enlouquecendo os homens com a dança do ventre!
- Você levou sua mamãe para ver espetáculo Farid?
- Mansur, você está louco da cabeça? Sabe que mamãe freqüenta apenas a Igreja. Aquela santa só sabe rezar! Olhe só aqui o que ela me fez trazer, 100 envelopes pré-selados, para que eu não tenha nenhuma desculpa, e sempre escreva para ela!

Aproximando-se do pacote com os envelopes, Mansur fica admirando a beleza do selo, com o tradicional cedro do Líbano estampado, borda dourada, uma maravilha de selo postal, seus olhos ficam úmidos, um clima de nostalgia acompanha o último gole de café.

- Mansur, eu vou indo até o banco, mas como você é meu irmão, quero dar-lhe um presente. Tome um desses envelopes. Escreve para a sua mamãe também!
- Farid, minha mamãe morreu já faz 10 anos!
- Não tem problema! Deixa cartinha no tumulo! Já está selada até o Líbano!

Assim Farid e Mansur despediram-se. Mansur caminhava, pensando em qual seria o melhor destino para aquele envelope que tinha na mão. Não tinha andado cinco minutos quando encontrou o Vitório Romano. Como sempre, muito falante, gesticulando muito, revoltado com a falta de apoio que os agricultores recebiam, Vitório era o típico sitiante. Amava a terra, admirava a força da natureza, e gabava-se de ser amigos de políticos influentes. Tinha na sala da sua casa fotografias tiradas ao lado de políticos em vésperas de eleições. Dizia a todos: - Tá vendo deputado tal? É amigão meu! E fulano que é prefeito? Só faz obras aqui na região depois de falar comigo! Assim prosseguia na sua preleção. Pensando em uma futura necessidade, quem ouvia não duvidava, mas também não acreditava muito naquelas amizades de fotografias.
Seu Mansur! Foi bom encontrar o senhor, que é um homem viajado. Preciso mandar uma carta para o Presidente da República! Ele precisa saber que ali no Ribeirão Tijuco Preto a pinguela (pinguela: apenas um tronco de árvore, sobre as águas) tá quase caindo. O Seu Leôncio, tomou uns goles no bar do Pedrão, foi atravessar a pinguela e quase caiu! Já pensou na tragédia se esse homem cai no Ribeirão? Ele tem quase 78 anos e não sabe nadar!
-Calma seu Vitório! Olha a coronária! O senhor pode ter um enfarte! O senhor chegou na hora certinha! Encontrei com um primo meu que é funcionário da embaixada do Líbano. Ele disse que quando eu precisar alguma coisa do Presidente da República é só mandar uma carta que é com selo da mala diplomática.

-Seu Mansur, homem de Deus, onde vou achar essa mala?

-É um envelope com selo oficial do Líbano. É de governo para governo. Coisa oficial. Está escrito no selo!

Vitório apesar das poucas letras, ainda assim conseguia ler alguma coisa, mas aquilo tava difícil. Um monte de risquinhos. Ele nunca tinha visto nada igual! Deve ser coisa de governo mesmo!
-Seu Mansur, o senhor sabe que sou líder comunitário do Bairro da Conceição, se eu não trocar aquela pinguela por uma ponte, perco prestigio. Se eu colocar uma carta para o Presidente da Republica nesse seu envelope diplomático o senhor garante que ele vai ler?
-Ele faz isso toda noite antes de dormir! Fica lendo envelope diplomático!
-Quanto o senhor quer desse envelope seu Mansur?

-Trezentos reais. É o valor oficial do correio! Só estou cobrando o selo!

Vitório coçou a barba rala, pensou na oportunidade, e fez a oferta:
-Seu Mansur, eu tenho um potrinho novo, que vale isso.

- Eu não tenho o que fazer com um potrinho. Mas para atender o líder da comunidade da Conceição eu aceito

Uma hora depois, caminhava Mansur puxando por uma corda um potrinho, quando passou por ele, o Coronel Ferreira, maior fazendeiro da região. Parou a caminhonete de luxo. Perguntou:
- Bom dia ! Tá vendendo o potro Seu Mansur?

- Bom dia Coronel Ferreira! Na verdade estou levando o
Quincas, esse é o nome dele, para treinar. É um autêntico campeão!

Seu Mansur, gostei do animal! Vou dá-lo para meu neto que faz
aniversário hoje. Aqui têm 3 mil reais.

- Infelizmente não posso aceitar esse negócio, não é honesto coronel.
-
Coronel Teixeira ficou vermelho, quase avança sobre Mansur, mas resolve perguntar porque o negócio não é honesto.
- É que o Quincas só entende árabe, para entender português precisa de uns seis meses de aulas.

- O senhor está contratado! A partir de hoje é o professor de português do Quincas. Quem sabe mais tarde poderá ensinar inglês também!


TODO E QUALQUER NOME OU REFERÊNCIA É APENAS UMA COINCIDENCIA, SENDO O TEXTO IMAGINAÇÃO DO AUTOR.

O MENINO E O PINHEIRINHO

AUTOR: JOÃO UMBERTO NASSIF

O MENINO E O PINHEIRINHO



A viagem de navio foi um terror. As carnes salgadas, defumadas, uma das poucas fontes de proteínas disponível naquele navio davam muita sede, a água era racionada, o calor sufocante. Doenças, choro de saudades, medo do desconhecido. Os únicos momentos em que traziam algum alívio era quando rezavam ou cantavam, parecia que a oração e a música ajudavam a diminuir o sofrimento. Alberto Domenico fora contratado para trabalhar como colono numa fazenda de café, no interior de São Paulo. Embarcou com sua mulher e seis filhos em Gênova em setembro de 1888 no navio Colombo comandado pelo capitão Antonio Mangini. Nesse tempo o café era o ouro, a riqueza do país. As antigas senzalas passaram por mudanças transformando-se em pequenas casas. Foram construídas casas uma ao lado da outra. Formando as colônias. Ali o colono tinha um pequeno pomar, um chiqueiro. Marino era o seu segundo filho. Logo cedo estava ajudando na lavoura do café. De todos os filhos era o que mais se identificava com a lavoura do café. Observava os tanques em que os grãos eram levados depois da colheita, terreiros para secagem. Com muito suor e trabalho, a família Domenico comprou com suas parcas economias um pequeno pedaço de terra. Marino, com seus quatorze anos de idade, era o mais animado de todos! Alberto Domenico tinha orgulho dos seus filhos, mas sabia que Marino seria o que despontaria! Maria Domenico tratava todos os filhos com muito amor, mas também achava que Marino era o mais inclinado para os negócios. O café era transportado por tropas de mulas, do local de produção até o porto de Santos, onde era exportado. As ferrovias trouxeram mão-de-obra e também resolveu o problema de transporte. Em pouco tempo foram comprando terras, e plantando café. A família Domenico ganhava projeção. Marino, passou a freqüentar a Faculdade de Direito, na capital da província. Vinha passar as férias na fazenda. Em uma dessas ocasiões trouxe uma muda de um pinheirinho, (Nome Cientifico: Limnophila sessiliflora). Com muito carinho, plantou no alto da colina a mudinha. De tempos em tempos, ao voltar á fazenda, passava horas olhando a imensidão do cafezal e admirando o pinheirinho. Leonardo Lancilotto, veio também no navio Colombo, fizera progresso na lavoura do café, tinha adquirido as terras vizinhas aos Domenico. Uma das suas filhas, Mariana, tinha a beleza de uma princesa, olhos azuis, cabelos dourados, sempre sorrindo, conquistava qualquer criatura. Crescera junto com seu primo Pasquale, pareciam irmãos, se bem que ele tinha planos de um dia desposa-la. Pasquale com seu olhar malicioso percebeu que Mariana andava olhando de forma mais atenta para Marino. Isso o irritava profundamente! Tinha que fazer algo para tirar o eterno sorriso que Marino exibia! Em uma tarde, vendo Marino cuidando do pinheiro, agora já mais crescido, Pasquale elaborou um plano. Na calada da noite, com um arco de pua (ferramenta manual destinada a fazer furos na madeira), Pasquale perfurou o caule do pinheiro e colocou NaCl, Cloreto de Sódio, no orifício, disfarçando com um pouco de serragem o local da sabotagem. Marino, com o passar dos dias foi observando o pinheiro com aparência anormal. As pontas dos galhos estavam amareladas. Por acaso viu a região do caule onde estava colocado o NaCl. Imediatamente limpou o local, retirou todo o sal ali depositado, enxaguando bem, aplicou glifosato e triclopir no caule do pinheirinho.
Duas semanas depois, percebeu que sua intervenção foi correta. Um ano depois, tinha terminado seus estudos, estava agora dedicado a comercialização do café fino de altíssima qualidade, exportado para os mais exigentes mercados do mundo. Em pouco tempo Marino tornou-se o elemento de sucesso da Fazenda dos Domenico, Tinham atingido a marca de 10 milhões de pés de café plantados. Circulava pela Europa, particularmente em Londres, onde acompanhava o pregão da bolsa do café, agora já com o título de Comendador Marino. Mandara plantar mais dois mil pinheiros em volta do pinheiro original.
Em uma das suas constantes viagens á Londres, Marino percebeu no aeroporto de Heathrow, uma dor de cabeça súbita, semelhante a uma "paulada”, sem causa aparente, seguida de vômitos, sonolência, perda de memória, confusão mental. Imediatamente foi socorrido no Royal Free Hospital de Londres. O diagnóstico foi o conhecido popularmente como "derrame cerebral", o Acidente Vascular Cerebral (designado pela sigla AVC pelos médicos). Em função do seu poder de influência política e financeira, foi assistido pelo corpo clínico com os mais modernos recursos. Após algumas semanas, foi mandado de volta para o Brasil, sem movimentos nos membros, tinha perdido também a capacidade de falar. Foi contratada uma equipe de enfermeiras que se revezavam, assistindo-o 24 horas por dia. Da sua cadeira de rodas ficava horas observando o pinheiral, e particularmente o maior pinheiro de todos, aquele que ele salvara da fúria vingativa de Pasquale. Aquela região aonde estava a fazenda seria cortada por uma estrada. Uma faixa de terras deveria ser desapropriada para abrir a estrada. O pinheiro que Marino plantara deveria ser transferido ou cortado. Os técnicos desaconselhavam a transferência. Uma manhã de sol, as máquinas roncaram, e foram colocando um a um todos pinheiros abaixo. Inclusive o pinheiro que Marino tinha plantado quando criança.As lágrimas escorriam por aquele rosto mudo ao ver seu pinheiro ir sendo tombado. Uma fábrica de urnas funerárias comprou a madeira. Daquele dia em diante Marino foi se definhando, até que seis meses depois, foi encontrado morto em sua cama. O seu prestígio movimentou a todos, inclusive autoridades de outras cidades. Seu velório foi acompanhado por uma multidão. Ninguém, porém observou, que ao ser fechado seu caixão, na tampa tinha uma marca, uma cicatriz na madeira. Alguém tinha furado aquela madeira, quando ela era ainda nova. A marca tinha permanecido. Ali estava em forma de caixão o pinheirinho que um dia ele tinha plantado e salvado do vandalismo de Pasquale. O pinheiro era o seu último abrigo. O menino e o pinheirinho tinham completado o ciclo da vida.

TODA E QUALQUER SEMELHANÇA COM FATOS OU NOMES AQUI MENCIONADOS É MERA COINCIDÊNCIA.

sábado, outubro 29, 2005

FOTOS DO NASSIF

Foto tirada por João Umberto Nassif em 29/10/2005, na Avenida Raposo Tavares- Piracicaba

FOTO DO NASSIF


Foto tirada por João Umberto Nassif em 29/10/2005, na Avenida São Paulo, Piracicaba, SP

CONTOS E CRÔNICAS de João Umberto Nassif

PÓ PA TAPA TAIO
(Nome dado á sulfa em pó usado em curativos feitos em cortes, machucados).
Autor: João Umberto Nassif
José Bento Gomes da Silva, o Zé Bentinho, é um caboclinho espigado, se bem que um pouco intojado, sempre de botina rangedeira, bigodinho aparado, canivete com cabo de osso, afiado no capricho. Chegado num dedo de prosa, o inseparável cigarrinho de palha de milho. Tinha o hábito de iniciar qualquer frase dizendo “Pois é...” Qualquer assunto e Zé Bentinho já dava sua opinião: “Pois é... se tivesse escutado... “ Quando perguntavam de um assunto que não gostava de falar ele simplesmente respondia “Pois é...”e encerrava a conversa. Ultimamente ele andava meio calado, diziam que ele tinha medo da Arma do Padre Aranha. Outros diziam que era coisa de arma penada. A verdade é que Zé Bentinho andava estúrdio. Andava com o olhar estanhado. Parecia ter voltado no tempo da grande tragédia: o dia em que Clarinha Coelho fugiu com o Salim Granjeiro. Nem um cão sarnento merecia aquele desaforo! A vila toda sabia que Zé Bentinho tinha uma inclinação pela Clarinha. Dona Clotilde, sua ex-futura sogra fazia gosto de ver Zé Bentinho casado com sua filha, que parecia uma napéva. Ela até achou natural o granjeiro levar a galinha chata! No começo fez escândalo, depois disse pro marido: Tamo livre! - Tomara que ele num devorva ela! Salim Granjeiro parecia um homem de futuro. Veio do estrangeiro, falava engraçado, era educado, trazia cortes de tecidos, armarinhos, e trocava por ovos, frangos, galinhas caipiras, que eram levados vivos em uma gaiola em baixo do carrinho de tração animal. Ele apareceu no sítio de repente, dizendo de maneira enrolada que tinha as melhores novidades de Paris! E quem sabia o que era Paris? Conheciam a Vila Rio Pequeno, Cruz Pintada, Riacho da Onça, e alguns tinham conhecimento da cidade grande, iam quando estavam morrendo, era para se tratar no hospital e voltar na ambulância que o Dito Cintura, prefeito da cidade vizinha mandava buscar em troca de voto pra deputado. Só passeavam de carro quando tava com doença ruim, ou quando batia as botas! Só o defunto ia de carro, o resto ia de a pé mesmo! Ás vezes a chimbica tava sem bateria, e tinham que empurrar com o caixão dentro. A molecada ficava longe, tinha medo que a noite viesse o Lobizóme se empurrassem o carro do defunto. Só quem tinha bentinho podia enterrar o morto. Zé Bentinho era por oficio, coveiro. Por vocação tocava tuba na bandinha. Acompanhava a procissão, era homem de fé.
A cada dia que se passava, percebiam Zé Bentinho mais taciturno. Só não deixava de ir tocar tuba junto com a orgulhosa e briosa Banda Oficial Municipal. Os músicos usavam uma farda de dá inveja. Era azul escura, cheia de botões brilhantes, fios dourados e dragonas douradas, além do quepe com distintivo em metal esmaltado. Coisa linda de se ver! As valsas, os dobrados, encantavam a platéia. O maestro era o Chocolate, um mulato alto que balançava o corpo acompanhando os compassos da música. E coitado de quem desafinasse! Chocolate virava onça! Ele exigia que todos chegassem pelo menos uma hora antes de iniciar apresentação, dizia que era para afinar e esquentar os instrumentos. Além de produzir o melhor doce caseiro do Brasil, como gostavam de dizer, o outro orgulho da cidade era a Banda Oficial Municipal.
A Botica Especialista era a farmácia da cidade. Ponto de encontro obrigatório para quem quisesse saber em primeira mão as novidades. Praxedes Barros formou-se em farmácia. Tinha uma mão suave na hora de espetar a agulha das injeções. Manipulava fórmulas, fazia os curativos, receitava, orientava, e quando o caso era grave encaminhava para o Dr. Alvim, o único médico da redondeza, já um pouco cego, e dizem que depois que enviuvou e casou-se com a sua empregada Esther, a preocupação do doutor era cercar a moça de mimos e atenções. As más línguas diziam até que ela passara a ser o galo da casa!
No domingo cedo, a Botica Especialista fervendo de gente, comentando os resultados do time de futebol da cidade que ganhou do seu rival Esporte Diamante, da cidade vizinha.
-Ali não tem jogador! Só tem pé-de-chumbo! Assim cada um dava a sua opinião no acalorado debate. De repente, todos se calaram, viram Zé Bentinho passando, embora usando a farda da Banda, mostrava a tristeza no olhar. Todos sabiam que era a paixão pela Clarinha que tinha fugido com o Salim Granjeiro. Olhando com pena do coitado, Praxedes comentou: - Infelizmente não existe pó pa tapa taio do coração. (Pena que não exista remédio para as dores do amor). Zé Bentinho seguiu em direção da praça para mais uma apresentação especial. Caminhava pensando na sua Clarinha.


Lobizóme - Duende representado por um grande cão preto
Pó Pa Tapa Taio (Sulfa em pó)
Esturdio - Esquisito. Fora do comum.
Taio: corte, machucado.
Espigado: Rapaz de corpo direito. Desenvolto.
Intojado : Cheio de si.
Arma do padre Aranha: Celebre assombração que perseguia os tropeiros.
Arma-penada: Duende. Assombramento. Espírito que paira sem destino.
Atiçar - Açular. Instigar.
Estanhados (olhos) - Fixos.
Napéva - Galinha chata.
Bentinho - Medalha com imagem benzida pelo padre romano.

quinta-feira, outubro 27, 2005

SÓ DÓI QUANDO PENSO...

"O QUE OCORRER COM A TERRA, RECAIRÁ SOBRE OS FILHOS DA TERRA...."

No ano de 1854, o presidente dos Estados Unidos fez a proposta de comprar boa parte das terras de uma tribo indígena, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra área. O texto da resposta do Chefe Seatle é considerado um dos mais belos pronunciamento em defesa do meio ambiente. O escritor Matt Ridley é uma rara voz que contesta a autoria, afirmando que o texto foi escrito em 1971, pelo também norte-americano Ted Parry, para a rede de TV ABC. A dúvida não tira a força da mensagem, que vale ser lida e divulgada.


Carta do Cacique Seattle ao presidente dos EUA, em 1853
"Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, como é possível comprá-los?
Cada pedaço desta terra é sagrado para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra na floresta densa, clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das árvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.
Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra, pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs: o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos sulcos úmidos nas campinas, o calor do corpo do potro, e o homem - todos pertencem à mesma família.
Portanto, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Esta terra é sagrada para nós.
Essa água brilhante que escorre nos riachos e rios não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se de que ela é sagrada, e devem ensinar às suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida do meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais.
Os rios são nossos irmãos, saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimenta nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos, e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão.
Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção de terra, para ele tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu, como coisas que possam ser compradas saqueadas, vendidas como carneiros ou enfeites coloridos. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto.
Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.
Não há um lugar quieto nas cidades do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o desabrochar de folhas na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não compreendo. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa, à noite?
Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio vento, limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Parece que o homem branco não sente o arque respira. Como um homem agonizante há vários dias, é insensível ao mau cheiro. Mas se vendermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro inspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados.
Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo qualquer outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planície, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecer vivos.
O que é o homem sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma grande solidão de espírito. Poio que ocorre com os animais breve acontece com o homem. Há uma ligação em tudo.
Vocês devem ensinar às suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem às suas crianças o que ensinamos às nossas, que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.
Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo.
O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo. Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos - e o homem branco poderá vir a descobrir um dia; nosso Deus é o mesmo Deus. Vocês podem pensar que O possuem, como desejam possuir nossa terra; mas não é possível. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e feri-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as outras tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos.
Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente. Iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre a terra e sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos bravios sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnados do cheiro de muitos homens e a visão dos morros obstruída por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência."
Traduzido por Irina O . Bunning e divulgado pelo Projeto Vida

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