domingo, julho 22, 2018

URBANO ROQUE ZOTELLI


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de abril de 2018.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/





ENTREVISTADO:  URBANO ROQUE ZOTELLI







Urbano Roque Zotelli nasceu em Piracicaba a 7 de dezembro de 1944. Neto de tiroleses formou-se na Escola Cristóvão Colombo, a “Escola do Zanin”, trabalhou em três empresas de destaque em Piracicaba, ocupando cargos de confiança. Prestou concurso para trabalhar no Banco do Estado de São Paulo, o Banespa. Naquela época quem trabalhava no Banespa e no Banco do Brasil era tido como funcionário com um excelente emprego. Fez o concurso com 20 anos, demorou dois anos para ser chamado. Após muitos anos de trabalho, já aposentado, prestes a ingressar em um emprego, uma tragédia abateu-se sobre sua família. Após algum tempo, equilibrou-se, reagiu e foi em busca de conhecimentos novos. 




 
 
A capacidade de superação do homem ainda está para ser dimensionada. Urbano Zotelli dá um pouco da dimensão dessa capacidade incalculável. Urbano Roque Zotelli nasceu no bairro rural de Santana, uma comunidade de tiroleses, Seu avô paterno, Basílio Zotelli e sua avó Emma Nardelli Zotelli, ele nasceu na Província de Trento, que na época  pertencia à Áustria, o passaporte do seu avô é do Império Austro-Húngaro.  Hoje essa região pertence à Itália. O seu avô e  sua avó vieram no mesmo navio, onde se conheceram, Se casaram no Brasil. O seu avô paterno foi morar na Fazenda Glória, hoje pertencente ao município de Charqueada. Aos quinze anos de idade seu pai mudou-se para o bairro rural vizinho, Santana. Em frente a igreja tem a venda, conhecida como “Venda do Tio Chico” (Francisco Vitti), mais tarde conhecida como “Venda do Noi”.  Tio Chico era casado com a irmã do seu pai. Lá seu pai conheceu a sua mãe. O seu avô materno era imigrante espanhol: Domingos Ferrero.
Não é pouco comum um espanhol em um bairro formado por tiroleses?
De fato é uma curiosidade! Anteriormente ele tinha uma sapataria, na região de Engenheiro Coelho, lá ele fazia sapatos, botinas, sapatão, bota, ele vendia muito bem, minha mãe contava que ele ia de trem comprar couro em Campinas. Na época ele tinha um Ford 1929, o chamado “Ford Bigode”. Eram poucos que tinham acesso a automóvel. Depois ele teve uma sapataria em Santana. Eu nasci em uma casa em frente a venda, onde funciona o Circolo Trentino Di Piracicaba, todos nós temos a cidadania italiana. Votei no Senador Fausto Longo as duas vezes. Ele sempre foi eleito. Meus pais se casaram e tiveram oito filhos: Luisa, Zélia, Edith, Urbano, Maria da Glória, Flávio, Natanael e Cecília.
O senhor permaneceu morando em Santana?
Eu era muito novo ainda quando o meu pai foi trabalhar como funcionário do Estado no Dispensário de Tuberculose, situado na Rua José Pinto de Almeida, quase esquina com a Rua XV de Novembro. Dr. Sérgio Caruso era o pneumologista chefe. Meu pai iniciou em uma função simples, com o passar do tempo foi sendo promovido até ser o responsável em tirar Raio-X dos pulmões. Era um local voltado só para o tratamento de tuberculose. Na época era um problema sério que acometia parte da população.
O trabalho do seu pai oferecia alguns riscos para a saúde dele, na época?
Eu sabia que faziam o Raio-X dos pulmões, acredito que deviam fazer o tratamento também. O trabalho dele era fazer o Raio-X, mas isso significava contato com o doente, alem do risco como operador de Raio-X, periodicamente ele ia à São Paulo onde fazia um exame para uma avaliação da interferência do seu trabalho em sua saúde. Nesse aspecto o Estado era muito cuidadoso.
A família trabalhava também?
Na época adquirimos um barzinho na esquina da Rua Moraes Barros com a Rua Alfredo Guedes, bem atrás da Igreja Bom Jesus.
Como se chamava o bar?
Curiosamente, naquele bar reunia-se uma turma, fizeram de lá o ponto de encontro, com direito a um escudo na  parede, do “El Tigre” Isso foi na década de 50. (A origem do nome do time é muito interessante Na final do Campeonato Sul Americano no dia 29 de maio de 1919, o jogo em seu tempo regulamentar havia acabado com duas prorrogações sem gols. Na terceira prorrogação, aos 150 minutos de jogo, Arthur Friedenreich domina a bola no peito e arremata em direção ao gol, convertendo o lance em gol, a torcida lançou uma chuva de chapéus no gramado que o jogo teve que ser interrompido por vários minutos, quando o juiz apitou o final da partida a torcida enlouqueceu  e invadiu o campo agarrando Arthur, lançando-o para o ar. A polícia tentou tirar Friedenreich do meio da confusão, mas era inútil tentar. Os Uruguaios encantados com futebol outorgam-lhe um pergaminho que dizia, “Nós, os componentes da Seleção Uruguaia, conferimos ao Sr. Arthur Friedenreich o título de ‘El Tigre’, por ser o mais perfeito center foward (atacante) do Campeonato Sul Americano de 1919.”). A duras penas meus pais conseguiram criar os oito filhos. Meu pai era muito religioso, Dom Ernesto o primeiro bispo da Diocese de Piracicaba (1945) quando foi a Santana ficou hospedado na casa do meu pai. O meu pai assistia missa e comungava diariamente. Morando atrás da igreja então... Ele era Mariano, da Ordem Terceira, Tesoureiro dos Vicentinos. Na época tinham um quarteirão inteiro com casas para famílias carentes, eram administradas pelos vicentinos.
Em que escola o senhor estudou?
Eu tinha 5 anos quando meu pai veio para Piracicaba, com 7 anos comecei a freqüentar o Grupo Escolar Dr. Alfredo Cardoso. Ficava a duas quadras de casa, sempre fui sozinho, voltei sozinho, a pé.
A Rua Moraes Barros era movimentada?
Como hoje não! Todos os enterros subiam por ali. A Rua Moraes Barros era calçada. A Rua XV de Novembro, da Rua Alfredo Guedes em direção ao centro era calçada. Da Rua Alfredo Guedes até a Avenida Independência era terra. No sábado de aleluia eles faziam o “pau-de-sebo” na Rua XV de Novembro.
Os enterros subiam a Rua Moraes Barros?
È uma subida acentuada, iam a pé, os caixões eram carregados pelos acompanhantes que se revezavam. Os homens de paletó e gravata! A maioria das vezes o enterro parava na Igreja Bom Jesus, o Padre Martinho Salgot fazia as exéquias (cerimônias ou honras fúnebres. Eu era coroinha, quando o corpo chegava à igreja eu segurava a vasilha de água benta, o Padre Martinho conduzia o cerimonial, e benzia com àquela água.
O caixão era aberto ou fechado?
Fechado! Após realizada a cerimônia, o caixão era reconduzido até a Rua Moraes Barros e subia em direção ao Cemitério da Saudade. Era costume, ao passar, os comerciantes fechavam s portas em sinal de respeito. Conforme passava o cortejo, quem estava na porta, na calçada, tirava o chapéu.  Os tempos mudaram. Hoje é até relativamente comum encontrar pessoas de bermuda no velório. Outra característica que está tornando-se comum é a determinada hora, fechar o velório, a família, amigos, conhecidos, vão para casa dormir e voltam no dia seguinte pela manhã. É raro passar a noite “velando” o falecido.
Qual era a sua impressão como criança?Aquilo impressionava?
Não, eram outros tempos, não havia velório, o corpo era velado na própria casa de quem tinha falecido, tinha muitas pessoas que quando o corpo estava na sala da casa eles pediam para o Padre Martinho ir fazer uma prece. Eu fui junto algumas vezes, na qualidade de coroinha. Quando morávamos na Rua Benjamin Constant,entre a Rua D. Pedro II e D.Pedro I, hoje no local construíram um edifício. Antes do meu pai comprar o bar, ele trouxe o pai e a mãe que moravam na Fazenda Glória, Estavam muito doentes. Minha avó faleceu, no mesmo dia faleceu o meu avô. Os dois corpos foram velados na sala de casa.
Qual era a cor da batina do coroinha da Igreja Bom Jesus?
Era batina preta. Quando terminei o curso primário fui para o Seminário Diocesano, na Vila Rezende, seminário fundado por Dom Ernesto de Paula, exatamente ao lado da Igreja Matriz, bem na esquina. O prédio existe até hoje. Depois o seminário mudou-se para o Bairro Nova Suíça. Permaneci por três anos no seminário. O ensino era de um nível impensável tinha aula em período integral, além das disciplinas básicas de todos os colégios, aprendíamos inglês, francês, grego, latim. O grego era ensinado por um padre da ordem premostatense, da Igreja São Judas Tadeu. Era tudo voltado para o ensino, religião e muita disciplina. Era chamado Seminário Menor. Nas férias passávamos um período de tempo em casa e outro período no Seminário Nova Suiça, que naquela época estava em construção. Eram férias maravilhosas, Não havia energia elétrica, a noite contemplava aquele céu bonito. Tinha um riacho onde íamos nadar.  Hoje na Nova Suiça existe o Seminário Propedêutico, que é para o iniciante.
O que levou o senhor a deixar o seminário?
Questionamentos! Hoje acredito que achei a resposta. O foco é a Justiça de Deus. Deus é justo? Tanto que o Papa João Paulo II foi visitar na Alemanha o campo de concentração e perguntou: “-Onde estava Deus que permitiu isso?” Ele tocou em um ponto que era exatamente o meu questionamento: a Justiça de Deus. Eu não conseguia aceitar a explicação da Justiça de Deus da forma que era e é até hoje ensinada. Eu encontrei essa resposta no Espiritismo. Através da reencarnação acredito que tenha explicação para a Justiça de Deus. Tornei-me espírita, durante oito anos fui membro do Conselho Fiscal da União Espírita.
Após sair do seminário onde o senhor foi estudar?
Estudei no Colégio Dom Bosco, por um ano, depois fui estudar no Sud Mennucci a noite para poder trabalhar durante o dia.
Teve aula com o Professor Benedito de Andrade?
Tive! Meu ídolo! Ele era brilhante! Quando ele chegou para lecionar no Sud Mennucci houve uma sessão solene para apresentar o Dr. Benedito de Andrade. Era um ritual, uma importância. Os professores todos de terno e gravata. As professoras todas muito chique. Fui aluno de Arquimedes Dutra. Os alunos que fizeram o Curso Científico tiveram aula de química com o Professor Demóstenes. Lembro-me do Professor Otávio, de matemática, o Professor José Salles, o professor de português era nascido em Portugal. O Sud Mennucci era referência como escola. No Dom Bosco tivemos como diretor o Padre Pedro Baron, o Padre Bruno Ricco, nesse tempo teve um Congresso da Juventude Salesiana, no Rio de Janeiro o Padre Bruno me convidou para representar o colégio. Eu também era coroinha no Dom Bosco, usava batina vermelha.
Onde foi o seu emprego em Piracicaba?
Trabalhei com três empresários de renome em Piracicaba. O primeiro foi na Fábrica de Balas Atlante, do Hermínio Petrin que ficava onde é o Jaú Serv com entrada na Rua Governador Pedro de Toledo com saída na Rua Ipiranga. Hermínio Petrin era um benemérito, fundou uma creche que era administrada pela União Espírita, Na década de 60 ele e Humberto Capellari compraram um terreno na Rua do Trabalho, e criaram a Casa Transitória Dr. Cesário Mota Junior depois ele transformou em Hospital Espírita Dr. Cesário Mota Junior. O objetivo era cuidar de pessoas com problemas mentais. Depois transferiu para a Rodovia que liga Piracicaba a Águas de São Pedro. Hermínio Petrin para mim foi uma figura emblemática. Em seguida fui trabalhar com Lélio Ferrari, Ele transformou o Empório Brasil no primeiro supermercado do interior de São Paulo. Era muito dinâmico. Ele visitou um supermercado em São Paulo, viu um açougueiro que fazia a exposição das carnes, mas com muita arte, E trouxe para Piracicaba. Ele tinha a torrefação de café Ouro do Brasil, ali onde hoje é o Pão de Açúcar, no Bairro Alto. Quando era pagamento dos funcionários o contador me levava para ajudar, envelopávamos o pagamento.
E outro local em que o senhor trabalhou?
Foi em 1963, fui convocado para servir o Exercito em Brasília. Tempo do Jango.
O senhor chegou a conhecer Dona Maria Tereza, Primeira Dama?
É incrível como me perguntam sobre ela! Eu a vi várias vezes, junto com o Jango. Era uma mulher muito bonita. Naquela época Brasília tinha sido recém criada, não havia jovens para servir o Exército. Foram buscar recrutas no Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina principalmente, de Piracicaba em 1964 foram mais de 100 convocados. Passei um ano no BGP – Batalhão da Guarda Presidencial, Eram Sete Companhias.
Chegou a ficar na rampa do Planalto?
Todos os serviços do quartel são feitos pelos soldados, Perguntavam a função de cada um: mecânico de automóvel, não chamavam de encanador e sim bombeiro, e assim foram selecionando a mão de obra disponível. Perguntaram quem é datilógrafo? Levantei a mão. Fizeram os testes e me escolheram. A minha vida no quartel não foi de soldado, foi de burocrata. Datilografava documentos internos, escala de serviço, boletim  do dia, a minha vida lá foi de escriturário. Havia eventos, desfiles. Mas nunca fui da guarda do Palácio. Calculo que tinha 600  a 700 soldados, quartel recém construído,tudo novinho, chuveiro bom, água quente, colchão confortável.
O tempo que o senhor serviu o Jango permaneceu o tempo todo?
Permaneceu! Houve algum ruído entre alguns militares de baixa patente, mas logo passou. Ai movimentou-se os burocratas, lembro-me que fiquei na casa de um sargento que foi recolhido. Ele era um dos lideres desse movimento. A casa dele ficou vazia, nos ficávamos revezando para protegê-la. Eu dei baixa na hora certa, no fim de 1963, em 1964 as coisas foram bem diferentes.
Ai o senhor voltou à Piracicaba?
Voltei, fui trabalhar com o terceiro empresário de renome, Octamiro Garcia Nascimento. Ele tinha frigorífico, pertinho do Matadouro Municipal.  Chegava a ter abate de 200 bois em um dia. Era gigante. A carne ele enviava para o Rio de Janeiro, São Paulo e fornecia para Piracicaba. Era muito movimento, muito grande. Eu trabalhava no escritório. Lá eu trabalhei como caixa. Os açougues da cidade forneciam a chave do estabelecimento para os caminhões, de madrugada eles deixavam a carne no açougue. Tinha um funcionário que ficava recebendo dos açougueiros que iam prestar conta. Esse funcionário pegava todo aquele dinheiro e levava para o escritório. Era muito dinheiro. Tinha que conferir, fazer o “bate” como falávamos, depois arrumar no capricho, fui bancário, nunca vi tanto capricho como lá. Octamiro era muito dinâmico. Depois ele chegou a comprar um frigorífico em Presidente Prudente. Ele morava na esquina da Avenida Independência com a Rua Governador Pedro de Toledo, hoje tem uma loja no local. Quando ele viajava, pedia que eu fosse dormir na casa dele, para não ficar sozinha. Mesmo assim tinha um guarda noturno que ficava com um relógio, ele tinha que registrar no relógio o horário e o ponto onde estava. Foi um período bom.
(O depoimento do Sr. Urbano Roque Zotelli vai mais além, com um fato que anunciava ser uma grande tragédia, mas transformou sua vida. Comovente, sensível e estimulante. Na próxima semana conheceremos um pouco mais da vida desse piracicabano. )
Em que ano o senhor entrou no Banespa?
 Entrei em 1966 com 22 anos. Fui trabalhar na matriz do Banespa, ficava na Praça Antonio Prado, no começo da Avenida São João em São Paulo. Eu trabalhava no 14º andar, um amigo comprou um Fusca, fomos até a janela ver o carro estacionado lá embaixo. Em frente a matriz! Tinha essa facilidade! Naquele tempo começou a surgir uma novidade, que era o Telex. Até então o contato com as agências urbanas era por telefone, às vezes não completava a ligação, o sistema era precário. Lembro-me de que no período em que trabalhei nos Supermercados Brasil, logo cedinho pedia a ligação para São Paulo, quando vencia as quatro ou cinco horas que era o tempo de demora para fazer uma ligação de Piracicaba à São Paulo, o Lélio Ferrari perdia a paciência! Ficava muito bravo. Mas voltando ao Banespa, fizeram uma central de telex na matriz e as agências eram todas conectadas. Era uma inovação tão revolucionária que era utilizada no marketing do banco. Gravaram um comercial, eu recém-ingresso no Banespa apareci na propaganda do banco, digitando no telex. Fizeram mas só fui ver acidentalmente aqui em Piracicaba. Saiu na televisão. Trabalhei na matriz, depois em uma agência próxima uns 200 metros na Rua da Quitanda, depois fui trabalhar em uma agência situada no cruzamento da Avenida Ipiranga com Avenida São Luiz, nas proximidades do Edifício Itália, Edifício Copan.
O senhor trabalhou em banco num período em que eles eram visados por grupos ideológicos que “expropriavam” essas instituições.
Era ações pontuais, um número muito menor do que os assaltos a agências bancárias que ocorrem atualmente. Causavam grande furor na mídia.
Conheceu o Edifício Martinelli?
Conheci! Lá funcionava o Sindicato dos Bancários antes de ter a sede própria deles. Na cobertura às vezes o Sindicato fazia churrasco, com chope. Esse prédio quando foi construído foi o mais alto edifício de São Paulo. Depois por uns 20 anos o Banespa foi o mais alto. No Viaduto do Chá, onde é a Prefeitura Municipal de São Paulo, funcionou uma agência do Banespa. Foi construído pelo Matarazzo, ali era sua sede anteriormente. O antigo edifício Altino Arantes, conhecido como o prédio do Banespa, agora se chama Farol Santander. Está aberto para a visitação do público em geral. A entrada custa R$ 15,00 O espigão no Centro de São Paulo foi restaurado e virou centro de cultura, entretenimento e lazer. Além de uma pista de skate, o prédio tem um mirante e até um apartamento amplo de luxo que pode ser alugado por R$ 3.500 a diária. A bandeira do Estado de São Paulo segue no mastro no topo do prédio, que tem ainda um farol.
Nessa época em que região de São Paulo o senhor morava?
Quando comecei a trabalhar no Banespa morava em uma pensão no Bom Retiro. Quando ia para São Paulo pegava o ônibus ao lado da Igreja Catedral de Santo Antonio, o último ônibus saia as nove horas da noite, chegava em São Paulo mais de meia noite, na Duque de Caxias, onde ficava a rodoviária. Já era aquela rodoviária de teto em acrílico colorido. Eu saia a pé da rodoviária, atravessa o Jardim da Luz. Dois anos após entrar no Banespa eu me casei, fui o primeiro morador de um prédio situado na Avenida Prestes Maia, próximo ao Viaduto Santa Ifigênia, trabalhava de manhã na matriz, vinha almoçar em casa, em cinco minutos, depois voltava para fazer hora extraordinária. Depois trabalhei em Jundiaí, Campinas.
O senhor tem filhos?
Tenho três filhos: Douglas, Jefferson e Sheila.
Quantos anos o senhor ficou no Banespa?
Fiquei 25 anos, comecei como escriturário, Naquela época trabalhávamos no período do Natal, a noite.
A agência ficava aberta à noite?
Ficava até as dez horas da noite! Os comerciantes iam fazer o depósito das suas vendas. Acredito que esse horário funcionava em algumas cidades, em outras não. Com isso dormíamos tarde e acordávamos cedo. No Natal de 1985 eu trouxe a mulher e as crianças para Piracicaba, uma semana antes do Natal, e voltei para São Paulo. No dia 24 de dezembro encerramos o expediente na hora do almoço e eu vim para Piracicaba. Eu estava cansado, esgotado, dormi na direção e capotei o carro, acordei no hospital de Americana. O meu veículo era um Gol, eu estava sem cinto de segurança. Nem sei se o carro tinha cinto de segurança naquela época. Fiquei por dois anos afastado do Banco. Esse acidente deixou-me uma série de seqüelas que demorou muito para serem corrigidas. Fui socorrido por um rapaz, nem sei como ele me tirou de dentro do carro, naquele tempo não havia os recursos que temos hoje:Bombeiros, Samu. Foi difícil descobrir quem era esse moço, mas fiz questão de descobrir e levar-lhe um presente. Após dois anos fui trabalhar por dois anos na tesouraria regional de Campinas. Eu era chefe da tesouraria. Nessa época o Banespa fez um Plano de Demissão Voluntária- PDV, eu ia aposentar-me como sub-gerente da administração. Aposentei-me a primeiro de maio de 1992.
Nesse período o senhor deve ter vivenciado histórias memoráveis.
Muitas! O Brasil teve um período de inflação que girava em torno de 80% ao mês! Havia o open market em português, 'mercado aberto', refere-se ao mercado de títulos no qual atuam um banco central e os bancos comerciais de um país e no qual são comprados e vendidos os títulos da dívida pública; e o over-night (tradução: durante a noite). Quando o Brasil vivia com uma inflação gigantesca, as pessoas de posses e empresas de grande porte tinham acesso a aplicações financeiras que protegiam suas economias da desvalorização diária e desenfreada. Elas podiam participar do over-night emprestando para os bancos e recebendo no outro dia. O open market ficava em aberto, o cliente tinha que pedir o resgate. O over-night era resgate automático em 24 horas. Na agência em que eu trabalhava havia clientes de grande expressão, multinacionais, nem me lembro os nomes, tinham valores astronômicos. O sistema era precário, nem dá para imaginar como funcionaria hoje em dia. Eu era chefe da seção de pagamentos. As empresas ligavam: “-Quero aplicar no over!” Eram valores expressivos. Em seguida eu ligava para a Banespa Corretora e fazia a aplicação. As empresas não podiam ligar diretamente para a corretora porque tínhamos que confirmar se quem estava aplicando tinha aquele saldo. Minha vida era terrivelmente estressada. Isso sem contar que atendia clientes que já tinham passado por outros setores tendo eu que resolver o seu problema. Tinha muitas contas de Secretarias de Estado, todo mês tinham que fazer um fechamento e era tudo na minha seção. Até o meio-dia tinha over-night. E tinha casos no balcão que eram muito importantes, como por exemplo dessas secretarias. Muitas vezes acumulava, estava atendendo um caso complicado, tinha mais dois esperando. Mais os telefonemas pedindo para aplicar no over. Não sei como não fiquei louco! Até que chegou um dia que aconteceu o que eu temia. Passou um minuto do meio-dia, liguei para a corretora, Disse que tinha uma aplicação. A resposta foi: “- Sinto muito, mas já encerramos!”. O juro de um dia daquilo era uma fortuna! Fiquei apavorado, não sabia o que ia fazer, Pensei: “Quer saber? Vou almoçar!”. Voltei, pensei: “Vou conversar com o gerente!”. Não sei o que vai ser da minha vida, vou perder o emprego, não posso pagar esses juros é impossível” Voltei, sentei junto a mesa dele, fiquei esperando ele acabar de atender a ligação. Nisso tocou o outro telefone. Eu atendi, disse que o gerente Marcos estava ocupado. Era da Banespa Corretora, tinham aberto  uma margem de aplicação, não sei se alguém desistiu. Mas em tudo que você pensar há uma margem de tolerância. Fiz a aplicação! Até hoje o Marcos não sabe disso.
Como era organizado o atendimento?
Não havia senhas, ficava uma aglomeração diante do caixa.
Tinha muito cheque sem fundos?
Nossa ! Como tinha! Daí não entregávamos mais talão de cheques. Eram cheques avulsos. Eu acompanhava o XV de Novembro, fui em várias cidades, O Picolé jogou no XV de Novembro e no Palmeiras. Depois de jogador profissional ele foi delegado, por isso recebia no Banespa, perguntei: “-Você que é o Picolé”? Ele matreiramente, disse-me: “Oh! É você! Se eu soubesse não teria entrado nessa fila!” Ele nunca tinha me visto!
O cliente saia com o dinheiro no bolso?
Quem quisesse fazer uma transferência bancária fazia a “Ordem de Pagamento”. Datilografava, punha no malote, o favorecido se fosse correntista era creditado na conta ou então ficava aguardando procurar. Era um sistema muito precário. Trabalhei bastante no Banespa, sou muito grato ao banco.
O senhor aposentou-se no Banespa e continuou trabalhando?
Era o que eu imaginava fazer. Tinha passado em um concurso no fórum de Piracicaba. Um dos meus filhos, o Jefferson, praticava, mergulho, e em um desses mergulhos na Lagoa da Conceição, em Santa Catarina, ele acidentou-se e ficou tetraplégico Ele estava no último ano de medicina. O mundo caiu na minha cabeça! Ele ficou morando aqui em casa por uns três  anos.  Por uma incrível coincidência, a USP naquele ano adotou a inclusão de estudantes com deficiências na universidade. A Vereadora Cida Abe conseguiu uma entrevista com o reitor da USP, conseguiu junto ao reitor que o meu filho ficasse hospedado no Hospital  das Clínicas, lá ele fez  o último ano de medicina e a especialização de psiquiatria. Hoje ele é independente, trabalha em um hospital no Acre, tem seu consultório particular. O que era uma tragédia para mim hoje é um orgulho! Alan Diniz Souza é presidente da União das Sociedades Espíritas –USE, o meu filho freqüentou a Sociedade Espírita comigo. O Alan mais de uma vez citou o nome do meu filho como guerreiro. No Acre meu filho conheceu uma moça natural de Assis, São Paulo, casaram-se. Sou muito amigo do Nelson Spada, através dele, assíduo leitor de “A Tribuna Piracicabana”, além de colaborador, leio todas as entrevistas que o Jornalista João Umberto Nassif publica. Uma delas, foi com uma professora que mora no Acre, ela leciona em uma escola rural, gosta da natureza, diz que não há vida melhor do que lá. Em uma das falas ela diz: “Sou a única piracicabana aqui no Acre!” Pensei: Ah, não! Não é não...!”
O senhor tem algum hobby?
Não sou nenhum especialista em rosas, mas plantei uns pés no quintal, gosto de olhar a beleza delas, sentir o perfume. Tem uma chamada de “Príncipe Negro” que é negra. Gosto de ouvir musica clássica na NET. No tempo em que permaneci no Seminário tínhamos canto gregoriano, eu cantava no coral. No Domingo de Páscoa, a missa na Catedral era muito concorrida, festiva, Dom Ernesto de Paula era muito dedicado. O Coral do Seminário cantava na catedral cantos litúrgicos em latim, havia um momento em que o coral silenciava-se, o Antonio Carlos Copatto e eu fazíamos um dueto. Em um Domingo de Páscoa ele ficou afônico. Eu fiz um solo na Catedral! Era o Canto do Credo. ( Urbano passa a cantar, como estivesse na Catedral, sua memória traz o latim perfeito e afinado) No Seminário tive alguns colegas ilustres, o Angelo Angelini foi deputado e governador de Rondônia. Fui colega do Dr. Erotides Gil Bosshard. Secretário Municipal de Administração. Guardo boas lembranças do Seminário. Quando eu era coroinha, na época morava em uma casa logo atrás da Igreja Bom Jesus, na época o Grupo Escolar Alfredo Cardoso era atrás da Igreja Bom Jesus, na Rua Alfredo Guedes. Comecei a estudar no primeiro ano que o Grupo Escolar Alfredo Cardoso começou a funcionar no prédio novo, que é o atual. O Café Morro Grande ficava ao lado da Igreja Bom Jesus, Que saudade! Quando saia aquele cheiro do café sendo torrado! Nessa época em que eu era coroinha, só havia violino e órgão, eram musicas sacras e hinos religiosos. As pessoas ficavam mais concentradas. Dom Ernesto de Paula veio um dia até a igreja, houve uma cerimônia, a Adoração do Santíssimo. Quando terminou o bispo convidou os presentes para dirigirem-se ao Salão Paroquial. Lá ele leu a carta enviada pelo Papa, promovendo o padre Martinho para Monsenhor Martinho Salgot. Veja o cuidado do bispo, ele não fez isso na igreja. A minha infância foi no Largo Bom Jesus, meu pai aos domingos vendia ingresso na bilheteria do XV de Novembro, na época ainda no Estádio Roberto Gomes Pedrosa, conhecido como “Panela de Pressão”. Quando era jogo grande, ele ia de manhã e eu levava uma cestinha de almoço. Eu entrava e ficava. Desde muito pequeno assisti o jogo de grandes jogadores, Pelé com 17 anos, Palmeiras, Corinthians, o XV de Novembro de Piracicaba era um time de muita expressão. Lembro-me que o Santos veio jogar, terminou o jogo, eu fui entrando, quando percebi estava no vestiário do Santos. Nisso chegou o Gatão com seus dois filhos. Ele disse ao Pelé que queria apresentar-lhe seus filhos, com isso o Pelé também me cumprimentou. O Largo Bom Jesus era o reduto da criançada, jogava com bola de meia, subíamos na torre da igreja. Cheguei a tocar os sinos da igreja. As seis horas da tarde tocavam Ave Maria. Domingo as nove e meia da manhã, tocavam, tinha uma corda que descia, tinha três níveis, no coro, onde tocava Ave Maria, subindo mais um lance tinha a corda que tocava o sino mais em cima, no total eram seis cordas, tinha uma seqüência para tocar, eu não cheguei a tocar a Ave Maria, mas a minha irmã aprendeu a tocar as notas musicais. Um dos garotos que freqüentava o Largo Bom Jesus era o Coutinho (Antônio Wilson Vieira Honório) jogou no Santos, foi considerado o melhor parceiro de Pelé. Ele jogava no Palmeirinha, aos 17 anos foi jogar no Santos Futebol Clube. Naquele tempo sempre tinha o jogo  preliminar,  e o jgo principal que o povo cahamava de “Cascudo”. O Coutinho nem era para jogar, só que faltou um jogador, ele acabou substituindo, o Lula que era tecnico do Santos viu ele jogando. Levou-o pa4ra Santos.
O senhor é Bacharel em Direito?
Quando fiz esse curso eu estava vivendo aquele momento terrível do meu filho. Ele morava comigo. Fiz o vestibular no meio do ano na UNIMEP em Santa Barbara D` Oeste. Foi uma forma de me ocupar com atividades úteis, e também já tinha sido o sonho da minha vida. Eu era o vovô da turma. Mas me senti muito bem integrado. No vestibular eu tirei a nota 10 na redação. O coordenador do curso quis me conhecer. Foi uma boa experiência, eu recomendo!


 

 

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