sábado, março 02, 2019

LUIS ALBERTO AGUIAR GODOY


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de março de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/                     
http://www.teleresponde.com.br/ 


ENTREVISTADO: LUIS ALBERTO AGUIAR GODOY
Luís Alberto Aguiar Godoy nos recebe em seu apartamento, no Lar dos Velhinhos de Piracicaba. É um morador que chegou há pouco tempo. Seu quarto tem uma cama de solteiro, um guarda roupas e uma mesinha ao lado da cama. É confortável, porém sem nenhum adereço, como quadros, imagens, fotografias. Luís Alberto dispensou o que lhe é supérfluo. Psicólogo, professor de línguas, foi funcionário público municipal, sempre teve grande apreço pela pintura. Pintou inúmeras telas. Hoje não guarda nenhuma em seu quarto. Encontro em Luís um homem simpático, de bom humor, que sorri, jamais se lamentou no tempo em que conversamos. Luís é cego, ou diríamos de forma politicamente correta: portador de total deficiência visual. Portador do glaucoma, uma doença ocular que altera o nervo óptico e leva a um dano irreversível das fibras nervosas, doença causada pela pressão ocular ou alteração do fluxo sanguíneo do nervo óptico. Luís calmamente conduz seu ouvinte a uma reflexão profunda sobre as maravilhas do corpo humano, da natureza. Suas palavras saem de forma natural, mas calam profundamente. Sua garra em descobrir a sua nova realidade, com otimismo, torna-se uma grande lição. Ao sabor do bate-papo, diz: “Deixei de ver o mundo exterior para conhecer o meu mundo interior, tem sido muito importante em minha vida.” Luís Alberto Aguiar Godoy casou-se, tem um filho: Douglas Robert.
Em que dia o senhor nasceu?
Nasci no dia 17 de maio de 1951 aqui mesmo em Piracicaba, meus pai moravam na rua Luiz de Queiroz, próximo ao Rio Piracicaba. Meu pai é Antonio Di Santi Godoy e minha mãe Maria José de Aguiar Godoy. Tiveram seis filhos: Celina, Celso, Ademir, Aristides, Luís e José Sérgio.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu pai era enfermeiro. Minha mãe era do lar.
O curso primário o senhor estudou em qual escola?
Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, minha primeira professora foi Da. Maria Ângela, Seu José Piedade, Inês e Gleisi Morini. Fui estudar o Curso Técnico Agrícola no Colégio Agrícola Dr. José Coury em Rio das Pedras. Depois fiz o curso Técnico em Eletrônica e Telecomunicações no COTIP Colégio Técnico de Piracicaba. Depois fiz a Faculdade de Psicologia, na Unimep. É um estudo que está no sangue! Depois estudei Inglês, Espanhol, Italiano. Trabalhei por 30 anos na Escola Fisk, em Piracicaba e diversas cidades da região. Abrimos várias escolas, eu acompanhei o andamento, eu estava sempre em atividade. O idioma que predominava era o inglês. Inicialmente a Fisk ficava na rua Rangel Pestana, 940. Depois transferimos para rua Benjamin Constant, entre a rua Treze de Maio e a Rua Voluntários de Piracicaba.
Nesses 30 anos lecionando, o senhor conheceu muita gente!
Conheci! Parei de lecionar assim que comecei a dar sinais de perda visão. Dei aulas no Centro Cívico, na Prefeitura. Trabalhei muito tempo na Prefeitura Municipal de Piracicaba como agente de zoonose. Nessas andanças começaram os sintomas da cegueira. Dei por muitos anos aulas de inglês para a Guarda-Civil, Bombeiros, Polícia Civil, Polícia Militar.
Como se deu o processo de perda de visão?
Foi um processo aos poucos, houve uma evolução da catarata, procurei diversos especialistas, como a Dra. Keila em Campinas, na Unicamp, estive em Ribeirão Preto, em Sorocaba no BOS Banco de Olhos de Sorocaba, Um bom tempo em São Paulo no Instituto Suel Abujamra, tive um bom acompanhamento, infelizmente o glaucoma é muito alto e tornou-se impossível a intervenção cirúrgica.
Não tem nenhuma relação com diabetes?
Graças a Deus eu não tenho esse problema! (Risos)
Cuidar da saúde, realizando exames preventivos com regularidade é uma medida que principalmente os homens, devem tomar?
Com certeza! Eu tive câncer de próstata, felizmente era um tumor benigno, fiz a cirurgia e fiquei curado.
AVISTAR é uma entidade sem fins lucrativos, que visa promover condições favoráveis ao pleno desenvolvimento das pessoas com deficiência visual, o senhor já a conhece?
Devo começar a frequentar em abril próximo. São muito simpáticos, gostei muito deles. Lá sei que vou poder experimentar todos os recursos disponíveis. Eles tem recursos e muito apoio. Fornecem muitos cursos, posso ter a felicidade de ganhar um cão guia. (Luís emociona-se), sempre fui muito ativo, não parava, o pessoal dizia: “Você parece que tem formiga no pé!”.
Há quanto tempo o senhor perdeu a visão?
Perdi a visão há doze anos.
O seu mundo transforma-se totalmente?
Com certeza! O mundo está todo dentro de mim. Não estou isolado, estou sempre em contato com o mundo. Sou quieto. Dentro de mim tenho a percepção, só faltou a visão, tenho muita percepção, no tato, a audição é hipersensível, isso as vezes até me atrapalha. Escuto muita coisa.
Isso significa que o senhor já adaptou-se nesse período?
Não é muito fácil receber um diagnóstico dessa natureza, a cautela faz-se necessária. Quando recebi a notícia tive que repensar a minha vida. Parar. Refletir. Analisar.
O fato de ser psicólogo o ajudou?
Essa condição me levou a fazer uma autoanálise profunda. Cada momento, cada dia, estou me analisando. O por que dos porquês? Por que isso? Porque sim, porque não. Sem uma busca do fato, mas sim da razão que provocou o fato.
Obviamente que o senhor gostaria de desfrutar das belezas que o mundo nos dá, mas também tem a compensação, que é a reflexão profunda do seu conteúdo interno?
Em meu íntimo, sinto pena de algumas pessoas, que embora tenham visão perfeita, são ofuscados pelo poder, pela ambição, enxergam menos do que eu.
Quando jovem o senhor frequentava cinema, clube?
Frequentava de tudo! Era sócio do Clube Cristóvão Colombo, ia nas baladas, nos bailes, nas brincadeiras dançantes, eu morava na rua Riachuelo, próximo ao SESC situado a quatro ou cinco quarteirões de casa. Eu não saia do SESC.
Na rua Ipiranga morava um senhor que tinha uma perna de pau, conheceu?
O Zé Pirata! Morava em frente de casa! Ele era locutor na rodoviária de Piracicaba, anunciava as partidas de ônibus. Eu tinha bastante amizade com ele. Ele ganhou uma perna mecânica, mas não se adaptou. Ficou com a perna de pau mesmo, até falecer. Na rua do Rosário, onde termina a rua D.Pedro II tinha a piscina do Colégio Piracicabano, navia uma escadaria enorme, ia até a piscina, nadei muitas vezes lá. Na rua do Rosário há uma igreja, ali funcionava o Dispensário dos Pobres, eu ia assistir missas nessa igreja. Nessa época eu participava do movimento jovem, nos reuníamos na Igreja dos Frades, eu tinha um grupo de oração no Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, na rua Boa Morte.
Algumas pessoas passam por situações que modificam a sua vida, acidentes com sequelas, são pessoas que lutam com muita garra. O senhor como se posiciona perante a vida?

Nunca pensei, aconteceu isso, acabou a minha vida. Pelo contrário, dentro de mim fica agitado, movimentado. Tive muita atividade, tenho muita coisa dentro da minha cabeça. A perda da minha visão não significa que a vida morreu para mim. Pelo contrário, eu adquiri muita coisa, e pretendo fazer muita coisa. Eu fui pintor de quadros, participava de Salão de Belas Artes, tenho um no Museu Prudente de Moraes. Minha pintura é acadêmica. Pintava a óleo, aquarela, nanquim, bico de pena. Meu forte era pintura a óleo. Frequentei escola de pintura, mas o meu mestre foi Alberto Thomazi, aprendi muita coisa com ele. Ele morava vizinho de casa, eu não saia da casa dele. Aprendi a fazer escultura barroca, santos barrocos, tudo esculpido em madeira. Tive obras premiadas em Piracicaba. Participei de várias exposições em cidades vizinhas. A pintura me expandiu bastante. Eu gostava muito de pintura.

Quais sentimentos a pintura e a escultura trazem ao senhor?
Transmitia muita calma, por exemplo, ia para Tietê, escolhia um lugar, sentava um cavalete, procurava ver a natureza, tentar transmitir para a tela o que via e sentia.
O senhor dirigia automóvel, motocicleta?
Cheguei a fazer o curso de moto na Honda Moto Way, meu primeiro automóvel foi um Fusca vermelho.
O senhor acompanha os noticiários?
Gosto muito das reportagens!
Qual é a sua opinião sobre o mundo atual?
O mundo está indomável! A humanidade está muito materialista, demais. A ambição é demais. Ela cresce na cabeça da pessoa, a pessoa se transforma completamente, perde todo sentimento, o querer ter o poder na mão!
Com a sua experiência, seria útil se cada pessoa parasse diariamente, por dez minutos, fechasse os olhos, e olhasse em seu próprio interior?
É o que eu faço! Não digo 24 horas, mas um bom tempo em que fico aqui. Sento-me e fico meditando. Se as pessoas fechassem os olhos todos os dias, por 10 minutos e fizessem uma auto crítica, este mundo seria muito diferente. Nesses 10 minutos interiorizar-se e aos poucos ir soltando-se, liberando coisas que está em seu interior. Nem você mesmo sabe o que está dentro de você! São muito poucos os que conhecem a si próprio! Chega depois aquele ponto em que a pessoa diz a si mesma: “Ah! Se eu fizesse isso! Ah! Se eu fizesse aquilo! Ah! Se eu deixasse isso! Ah! Se eu deixasse aquilo!”. Se assim que você levantar ou deitar, por 10 minutos fechar o olho e não pensar em nada, irá se libertar de tudo e de todos! Irá sentir uma paz de espírito tão grande!
O senhor acredita em Deus?
Com certeza! Se não fosse Ele eu não estaria aqui! E Ele não estaria fazendo tantas maravilhas comigo ainda! Sempre há uma esperança.
O senhor reza?
Antes de você chegar eu estava meditando, que é uma forma de oração, a oração convencional cristã eu faço ao me levantar e ao deitar. Quando termino de orar, minha cabeça fica agitando, memorizando, agradecendo, procurando que Ele me esclareça as coisas que estão ao meu redor, dar entendimento para discernir o “sim” do “não”, o certo do errado, é difícil, mas a gente tenta! O mundo é tão maravilhoso, tão gratificante! Mesmo para um cego há tantas coisas maravilhosas nesse mundo! Quem enxerga bem não enxerga tanta coisa como um cego enxerga!
O senhor costuma sonhar?
Quem não sonha? Também quando durmo sonho bastante! Vejo as imagem bem nítidas! Vejo imagens muito coloridas!
Quem escolhe suas roupas para usar durante o dia?
Sou muito independente, a cuidadora só me conduz quando necessário. Mas os cuidados de higiene, minha barba, eu mesmo faço.
Àquelas pessoas que acham que só elas tem problemas, qual é o seu conselho?
Independentemente da posição social que a pessoa ocupa, acredito que ela deve ter momentos de autocritica, autocontrole, autoanálise. Parar, pensar, analisar por que dos porquês. Tentar, tentar, é difícil, aos poucos ir se enquadrando dentro dos seus limites.
Pessoas que ocupam altos cargos, tem poder aquisitivo muito alto, em muitos casos vivem uma vida de aparências?
A maior parte sim. É interessante que essas pessoas façam uma reflexão enquanto ainda podem mudar. A doença não escolhe momento ou lugar. Independentemente do tipo da doença.
Do que o senhor gosta de Piracicaba?
Sempre gostei de Piracicaba. Nasci e me criei aqui. Saia na Escola de Samba Zoom-Zoom. Eu, meus irmãos, em casa era a concentração do nosso grupo. Sou da época das escuderias: Zoom-Zoom, Equypelanca, Equype-Chato, Equiperalta. Havia uma competição acirrada entre as escuderias. A Rádio Difusora fazia as célebres gincanas. Embaixo do Clube Coronel Barbosa tinha a lanchonete da moda:  Karamba`s. Depois veio o Daytona, na esquina da rua São José com a Praça da Catedral, onde há um banco hoje. Tinha a réplica de um carro de corrida, em tamanho natural, ficava em um nicho inclinado. Andei muito de bonde, até para ir para a escola. Geralmente ia no estribo do bonde, descia com o bonde andando.
Com quantos anos você começou a trabalhar?
Com treze anos comecei a trabalhar no Restaurante Mirante, era cumim (auxiliar de garçom), ia levar cafezinho, refrigerante, limpava a mesa, arrumava a mesa. Eram três proprietários: Argeu Pires Neto, Olindo Rondino, morava em Campinas, o irmão dele, Júlio Rondino, que morava em São Paulo, foram donos do Restaurante Mirante. Saí de lá depois que fiz o Tiro de Guerra. Nesse período o restaurante foi vendido para Antonio Benitez, Oswaldo Fernandes, que era goleiro do XV de Piracicaba, Henrique Cardoso, proprietário da Bobinas Mopar. Conheci os filhos do Benitez: Ariovaldo Benitez, o Vado, Antonio Carlos,  Augustinho Benitez,  o Gustinho.
Você lembra-se de alguma pessoa famosa que foi atendida por você?
Quem estava sempre lá era o ex-ministro da agricultura, Dr. Hugo de Almeida Leme, inclusive, lá ele teve o seu primeiro infarto. O Restaurante Mirante era um cartão de visitas da cidade, situado à beira do Rio Piracicaba recebeu inúmeras personalidades. O peixe pintado, feito na brasa, foi uma das marcas registradas de Piracicaba. O que eu ganhava de caixinha! Vinha com os bolsos cheios, minha mãe esquentava o ferro de passar roupa e passava nas notas. Minha mãe abriu uma poupança para mim no Banco Moreira Salles, que mais tarde passou a ser o Unibanco. Foi lá no Mirante que nasceu a minha vontade em cursar línguas, atendia muitos visitantes de outros países. Conheci uma senhora americana, Eva Wilson. Ela me orientava. Fiz um quadro do Pavilhão Central da Esalq refletindo naquele lago. Dei à ela.

SHEILA CONCEIÇÃO TRICÂNICO


PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado, 23 de fevereiro de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 

ENTREVISTADA: SHEILA CONCEIÇÃO TRICÂNICO

Sheila Conceição Tricânico nasceu a 23 de outubro de 1947, no Bairro Alto, Piracicaba. Filha de José Antonio Tricânico e Argemira Belluco Tricânico que tiveram os filhos: Madalena, João, Sheila e Marina.
Você estudou inicialmente em qual escola?
O curso primário estudei no Grupo Escolar Dr. Prudente de Moraes. Morava a duas quadras e meia da escola! Em seguida fui estudar no Instituto de Educação "Sud Mennucci", onde fiz o ginásio e o colegial.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu pai trabalhou a vida inteira na Prefeitura Municipal de Piracicaba como agrimensor, habilitado para medir, dividir ou demarcar terras ou propriedades. Meu irmão João era também topografo na Prefeitura.
Os seus avós vieram da Itália?
Os 4 avós vieram da Itália! Da Calábria! A minha avó materna não veio da Calábria. Meus avós paternos eram João Tricânico e Maria Madalena Tricânico. Avós maternos eram Lucia Tavernari e Ernesto Belluco.
Você reside na Vila Rezende há quantos anos?
A casa em que estamos foi construída há 50 anos. A obra foi feita por um grupo de funcionários que se cotizaram, alguns trabalhavam na Prefeitura, Companhia Paulista de Força e Luz, Banco do Brasil, além de mais alguns funcionários de outas empresas. Construíram uma série de casas dando origem ao bairro Cidade Azul. A empresa que construiu era de Rio Claro, quem deu o nome foi Diocleciano Villar só que agora pertence ao Jardim Monumento, embora na documentação conste como Cidade Azul. Quando me casei sai desta casa, só voltei muitos anos depois. O Hospital dos Fornecedores de Cana HFC já existia, só que era ainda pequeno. Aqui nada era asfaltado.
Após concluir seus estudos no Instituto Sud Mennucci você foi trabalhar?
Com 21 anos fui trabalhar como propagandista de laboratório farmacêutico! Fui a primeira propagandista de laboratório da região! Era o Laboratório Pinheiro Guimarães, hoje não existe mais. Era um laboratório que também fabricava o soro antiofídico. Eu visitava todas as cidades: Piracicaba, Limeira, Rio Claro, Americana, fui para Pirassununga, entre os 120 propagandistas do laboratório no Brasil, eu era a melhor. Era quem ganhava mais prêmios. Eu não vendia, só visitava os médicos, tinha um vendedor que atendia as farmácias nos locais onde eu trabalhava, era dos vendedores o que mais ganhava prêmios. Todas as vezes que tinha reuniões em Campinas ou São Paulo, eu era a loirinha de Campinas que sobressaia. Eles queriam saber porque o meu vendedor vendia! Eu era super encabulada! Eu entrava nos consultórios médicos, visitava todos os consultórios de Piracicaba, isso por volta de 1971. Eu entrava no consultório, a minha roupa era muito bonita, chamava muito a atenção.
O que tinha de tão especial a sua roupa?
Eu me vestia como uma aeromoça!
Você comprou aqui em Piracicaba mesmo?
Foi feito por um alfaiate. Era um terninho azul Royal, blusa branca de golinha, gravata vermelha de crochê, meia de nylon, sapato social e uma bolsa muito bonita. Era tudo feito com materiais da melhor qualidade, o laboratório pagava tudo.  Tanto que o primeiro dia em que eu estava na Praça José Bonifácio o fotógrafo Cícero Corrêa dos Santos, quis registrar a “aeromoça” que estava causando furor no centro da cidade. Algo incomum a cidade ter uma aeromoça!
Você locomovia-se como?
A única coisa que eu não quis foi carro. Usava taxi, em Rio Claro andava de charrete. Quando eu chegava no consultório os colegas representantes falavam: “Atenção! Atenção! Vai partir o voo 734 pela Varig! Embarque portão 5!” Entravamos na sala do médico todos os representantes dos laboratórios que estavam presentes, a rigor, como mulher eu deveria ser atendida primeiro, eu não falava nada, porque no meio de 10 a 15 homens, o que eu iria falar? Eu tinha 21 a 22 anos! Só que os remédios que eu representava eram bons.
Qual era o remédio que fazia mais sucesso?
Era a Leiba ! Melhora o funcionamento intestinal, dificultando o desenvolvimento de flora bacteriana patogênica. Eptosse. Taquicurim que era um anestésico para intervenções cirúrgicas rápidas. Eu descrevia as propriedades dos produtos, mas o médico percebia que eu estava encabulada dizia: “Filha! Pode deixar, eu sei tudo!”. E receitava tudo mesmo! Quando eles lançaram Eptosse, esgotou na praça. Os médicos ficaram loucos da vida. Liguei para o laboratório e disse: “-Como vocês mandam fazer uma propaganda depois não tem o produto para entregar?”. A resposta foi: “- Nós queríamos testar a capacidade das propagandistas!”. Tinha propagandista na Argentina e eu era melhor do que o propagandista da Argentina também!

Aconteciam fatos curiosos?        

Aconteciam! Um dia eu estava em Rio Claro, bati em alguma coisa, a minha bolsa abriu. Caiu toda a minha Leiba no chão, quebrou tudo. Eu fiquei desesperada, o médico não sabia o que fazer, nem a secretária, a enfermeira. Fiquei arrasada, vim embora, pensei nem vou mais trabalhar, agora vão me mandar embora. Disse ao médico: “-Agora vão me mandar embora doutor! Como vou fazer após um vexame desses?”. Eu era nova, o Nelson, marido da minha irmã Madalena, era propagandista também, e ele que tinha dito que o laboratório estava precisando de propagandista do sexo feminino. O vexame seria maior ainda. Eu adorei ser propagandista. Após essa situação o laboratório vendeu muito Leiba. Outra vez estava em um restaurante, em Rio Claro também, pedi um filé mignon, não era comum eu comer carne. Veio o prato, quando coloquei um pedaço na boca percebi que a carne estava estragada, com vergonha de voltar o pedaço ao prato, engoli. Pensei: Não vou comer mais, chamei a menina e disse-lhe: “Olha bem, essa carne não está boa!” Nunca desmaiei na minha vida, cheguei no consultório médico, desmaiei! Fecharam o restaurante! O médico ficou louco da vida! Foi um episódio que repercutiu na cidade! A propagandista do Laboratório Pinheiro...e seguia a história sendo contada! Tenho um paladar aguçado, consigo detectar detalhes do alimento. Assim como tenho um olfato muito apurado. Sinto o aroma de longe.
Como você conheceu Diocleciano Goursand Hermida Villar, mais conhecido como Villar?
Eu era propagandista, fui ao Banco do Brasil pagar uma conta para o meu irmão, nos conhecemos e estabelecemos uma amizade. Como propagandista não era permitido namora, não podia tomar taxi com outro propagandista, se eu começasse a namorar teria que sair do laboratório. Quando decidimos casar tive que sair do laboratório, não permitiam mulher casada.
Quanto tempo foi a sua permanência no laboratório?
Foram três anos.
Como era o Villar?
Em 1965, o Sindicato dos Bancários de Piracicaba e Região foi assumido por Diocleciano Villar, funcionário do Banco do Brasil, que comandou a entidade até 1967. O Villar foi considerado pelos próprios companheiros de sindicato, como honesto ao extremo. Faziam até brincadeiras a respeito da sua postura e conduta de pessoa honestíssima. Jamais usou veículo que não fosse o dele, pagava as suas refeições do próprio bolso. Quando viajávamos para o Sindicato dos Bancários de Piracicaba íamos com o nosso carro. Ele foi candidato a vereador pelo MDB, junto com João Hermann Neto. Ai que começamos a trabalhar na campanha do João Hermann Netto. Quando fui trabalhar com o Dr. Mário Monteiro Terra em “O Diário”, era para vender uma página do jornal, eu vendi quatro! Isso foi por volta de 1980. Casei em 1974. Mudamos 13 vezes: para São Paulo, Caraguatatuba, por ele ser presidente foi tomar conta da Colônia de Férias de Caraguatatuba, existia um problema sério lá. O Sindicato dos Bancários de Piracicaba era ligado a Federação dos Bancários de São Paulo. Foi quando ele conheceu o Lula.
Você conheceu o Lula?
Ele esteve em minha casa.
O que você achou dele?
Ele é um homem superinteligente, dialogava com todos os políticos, industriais, era articulado. Quando o Villar trouxe ele para Piracicaba, em 1979, o prefeito era o João Hermann Neto, por sinal o Villar estava estremecido em sua relação com João Hermann Neto, mas ele foi à reunião que aconteceu no então Cine Broadway. Quando o Villar convidou o Lula para vir à Piracicaba ele disse que não poderia vir porque a Marisa estava com um nenê com quarenta dias. O Villar disse: “Pode ir que lá tem uma excelente babá para cuidar do seu filho!”. Eu morava na Rua Benjamin Constant, em frente ao Tite e Atílio, isso quando casei, depois que fomos morar na Rua do Rosário, em uma casinha em frente a antiga sede do Sindicato dos Bancários. Ali que o Lula veio, e ali que foi feito o comitê do Lula, essa casa não existe mais. Quando o Lula chegou em casa, o recebi, já peguei o nenê, era o Lulinha, primeiro filho dele. Fizeram a reunião, na volta o Lula disse: “Eu queria ir para Águas de São Pedro, almoçar lá. Eles nunca tinham saído de São Bernardo do Campo. Almoçamos no Restaurante do Lago, para voltar, o nenê estava precisando ser trocado, paramos na chácara do Sérgio Caldaro, da Metalúrgica Santin,  o Lula chegou na chácara situada da barranca do rio uns 100 metros. Quando ele viu o emblema do Corinthians na cabeceira da cama, só tinha alusões ao Corinthians, ele disse: “Villar, tenho que ficar aqui! Não vou embora hoje, vamos dormir aqui!”. O Villar falou com o Sérgio, que mandou tudo, roupa de cama, até o cozinheiro, o Pedrassa! Fui dar banho no Lulinha, peguei a bacia que o cozinheiro temperava a carne, eu não sabia que aquela bacia era para ser usada com alimentos, para mim era uma bacia de uso normal. O Pedrassa teve que comprar outra bacia. Fiz bolinho de chuva, ficaram lá, adoraram o final de semana. Voltaram depois outra vez.
Como era a Marisa, esposa do Lula?
Era de uma simplicidade! Pé no chão. Humilde. O Sergio Caldaro era muito humilde, a Hilda esposa dele nos recebeu muito bem.
O Lula ainda estava no início da fama?
Depois que aconteceu um problema em São Paulo e ele deu uma entrevista na revista Veja, foi aí que ele começou a ter projeção maior. Surgiu o PT, em Piracicaba, eu e o Diocleciano estávamos na reunião em que foi fundado o PT. Se não me engano,  a sede do PT foi no Sindicato dos Bancários. Nessa reunião de fundação estava o José Machado, o reitor Elias Boaventura, e outros que não me recordo o nome no momento. Teve um congresso, se não me engano em Bauru, chegou um menino que tinha acabado de deixar a guarda-mirim, o Villar viu o potencial dele, é o Paiva!
O PT que vocês fundaram é o mesmo PT de hoje?
Não é o mesmo. Tanto que aqueles que fundaram o PT junto com o Villar saíram: Plínio de Arruda Sampaio, Hélio Bicudo. Ambos estiveram em minha casa. A ala da igreja. Eu acreditei no PT por essa ala. Dom Evaristo Arns, Arcebispo de São Paulo, estava envolvido com o PT.
A sua descrição mostra uma outra face do Lula, a seu ver ele foi envolvendo-se com pessoas não aconselháveis?
Infelizmente, imagino, que o Lula se encantou com o poder. E acreditou em pessoas em quem ele nunca poderia acreditar. Todos do PT eu recebia em casa, o Luiz Gushiken foi um deles. Eu adoro política, sai como candidata a vereadora. Infelizmente o PT de Piracicaba não me apoiou como eu esperava. A Esther Rocha me convidou para ser candidata e eu aceitei. Foi um tempo muito interessante. Saiamos: eu, o Villar, o José Borghesi, Ricardo Bortolai, Alceu Marozzi Righetto, éramos uns seis casais, que éramos do MDB.
Como surgiu a idéia de criar o PT em Piracicaba?

Foi o Lula com o Villar. Depois vieram outros adeptos. Dom Eduardo Koaik - 3º Bispo Diocesano hospedava o Eduardo Suplicy. A Igreja promoveu diversos encontros denominados Fé e Política. Com o passar do tempo, houve um crescimento desordenado do PT, e as coisas desandaram, a ponto do Villar deixar o partido antes de falecer. Nós ficamos casados por 30 anos. De 1974 a 2004.]

Quem é esse rapaz que entrou na sala?

Esse é o Paulinho! O Villar adorava ele. Por algum tempo ele morou com a Paula, a Branca, do basquete, juntamente com a mãe delas Dona Hilda. Esse menino estava preso no fórum, a minha irmã Madalena trabalhava no fórum, ela ficou com dó dele, já fazia dois dias que ele estava lá. A assistente social não conseguia nada com ele, a Madalena conseguiu. Ele tinha 12 anos. Eu fui busca-lo, quando cheguei em casa o Pecente e o Gelsio Diniz estavam lá. O Paulinho hoje está com 50 anos. Ele era da rua, morava no Ginásio de Esportes. Ele é surdo e mudo. Eu e o Villar ficamos tutores dele, ele iria para a Febem.
Vocês fizeram campanha política em Piracicaba?
Fizemos para o Lula, para o Villar, sempre com o nosso dinheiro. Pegávamos umas 50 radiografias, pintava Lula, colocava em um pauzinho de vassoura e ia para a praça. Nunca recebemos um tostão.
Quando você decidiu deixar o PT?
Há uns oito anos. Li uma entrevista com o Plínio de Arruda Sampaio na Veja, e tudo aquilo o Villar já tinha me dito. A mudança de tudo foi muito grande, a Marisa me contava da simplicidade da sua vida, quando era pequena, a mãe dela a levava para a roça, e como de costume, fazia-se um buraco, de tal forma que a criança ficava com parte do corpo dentro, e isso a protegia e dava para a mãe trabalhar sem tanta preocupação. Uma das coisas que me lembro, quando o Lula esteve na chácara do Sergio Caldaro, eles conversaram, o Sérgio desse: “Villar, esse homem ainda vai ser presidente do Brasil!”. A maioria dos industriais de Piracicaba apoiaram o Lula. Muitos políticos de expressão nacional dialogavam com o Lula e saiam encantados.
Qual é a impressão que João Herm,ann Neto deixou para você?
O Villar dizia que ele era a Medusa (Da mitologia grega, Medusa era uma deusa, quem quer que olhasse diretamente para ela era transformado em pedra.) Ou seja a pessoa não podia olhar diretamente para o João, ou se apaixonava por ele. Eu era relações públicas do Museu Prudente de Moraes, quando o Suplicy convidou a Gloria Silveira Mello para ir receber uma homenagem, fomos, ela e eu, ao chegarmos no congresso, o João Hermann em altos brados, festivo, disse: “Gente! Olha quem está aqui! Foi ela quem recebeu o Lula na primeira vez que ele esteve em Piracicaba!”. Ele fez uma festa para mim. João Hermann era muito inteligente. O Villar nos seus últimos anos de vida estava muito triste com os rumos que o PT estava tomando. Eu admirei muito o Lula, as vezes em que estive com ele, ele se mostrou um homem integro, honesto. O que aconteceu com ele me entristeceu muito.




Postagem em destaque

      TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS     TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS       TÉO AZEVEDO E THAIS DE ALMEIDA DIAS             ...