PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de março de 2019.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 02 de março de 2019.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: LUIS ALBERTO AGUIAR GODOY
Luís
Alberto Aguiar Godoy nos recebe em seu apartamento, no Lar dos Velhinhos de
Piracicaba. É um morador que chegou há pouco tempo. Seu quarto tem uma cama de
solteiro, um guarda roupas e uma mesinha ao lado da cama. É confortável, porém
sem nenhum adereço, como quadros, imagens, fotografias. Luís Alberto dispensou
o que lhe é supérfluo. Psicólogo, professor de línguas, foi funcionário público
municipal, sempre teve grande apreço pela pintura. Pintou inúmeras telas. Hoje
não guarda nenhuma em seu quarto. Encontro em Luís um homem simpático, de bom
humor, que sorri, jamais se lamentou no tempo em que conversamos. Luís é cego,
ou diríamos de forma politicamente correta: portador de total deficiência visual.
Portador do glaucoma, uma doença ocular que altera o nervo óptico e leva a um
dano irreversível das fibras nervosas, doença causada pela pressão ocular ou
alteração do fluxo sanguíneo do nervo óptico. Luís calmamente conduz seu
ouvinte a uma reflexão profunda sobre as maravilhas do corpo humano, da
natureza. Suas palavras saem de forma natural, mas calam profundamente. Sua
garra em descobrir a sua nova realidade, com otimismo, torna-se uma grande
lição. Ao sabor do bate-papo, diz: “Deixei de ver o mundo exterior para
conhecer o meu mundo interior, tem sido muito importante em minha vida.” Luís
Alberto Aguiar Godoy casou-se, tem um filho: Douglas Robert.
Em que dia o senhor nasceu?
Nasci
no dia 17 de maio de 1951 aqui mesmo em Piracicaba, meus pai moravam na rua
Luiz de Queiroz, próximo ao Rio Piracicaba. Meu pai é Antonio Di Santi Godoy e
minha mãe Maria José de Aguiar Godoy. Tiveram seis filhos: Celina, Celso,
Ademir, Aristides, Luís e José Sérgio.
Qual era a profissão do seu pai?
Meu
pai era enfermeiro. Minha mãe era do lar.
O curso primário o senhor estudou em qual
escola?
Estudei no Grupo Escolar Moraes Barros, minha primeira
professora foi Da. Maria Ângela, Seu José Piedade, Inês e Gleisi Morini. Fui
estudar o Curso Técnico Agrícola no Colégio Agrícola Dr. José Coury em Rio das Pedras. Depois
fiz o curso Técnico em Eletrônica e
Telecomunicações no COTIP
Colégio Técnico de Piracicaba. Depois fiz a Faculdade de Psicologia, na Unimep.
É um estudo que está no sangue! Depois estudei Inglês, Espanhol, Italiano.
Trabalhei por 30 anos na Escola Fisk, em
Piracicaba e diversas cidades da região. Abrimos várias escolas, eu acompanhei
o andamento, eu estava sempre em atividade. O idioma que predominava era o
inglês. Inicialmente a Fisk ficava na rua Rangel Pestana, 940. Depois
transferimos para rua Benjamin Constant, entre a rua Treze de Maio e a Rua
Voluntários de Piracicaba.
Nesses 30 anos lecionando, o senhor conheceu muita
gente!
Conheci! Parei de lecionar assim que comecei a dar sinais
de perda visão. Dei aulas no Centro Cívico, na Prefeitura. Trabalhei muito
tempo na Prefeitura Municipal de Piracicaba como agente de zoonose. Nessas
andanças começaram os sintomas da cegueira. Dei por muitos anos aulas de inglês
para a Guarda-Civil, Bombeiros, Polícia Civil, Polícia Militar.
Como se deu o processo de perda de visão?
Foi um processo aos poucos, houve uma evolução da
catarata, procurei diversos especialistas, como a Dra. Keila em Campinas, na
Unicamp, estive em Ribeirão Preto, em Sorocaba no BOS Banco de Olhos de Sorocaba, Um bom tempo em São Paulo
no Instituto Suel Abujamra,
tive um bom acompanhamento, infelizmente o glaucoma é muito alto e tornou-se
impossível a intervenção cirúrgica.
Não tem nenhuma
relação com diabetes?
Graças a Deus eu não
tenho esse problema! (Risos)
Cuidar da saúde,
realizando exames preventivos com regularidade é uma medida que principalmente
os homens, devem tomar?
Com certeza! Eu tive câncer de
próstata, felizmente era um tumor benigno, fiz a cirurgia e fiquei curado.
A AVISTAR é uma entidade
sem fins lucrativos, que visa promover condições favoráveis ao pleno
desenvolvimento das pessoas com deficiência visual, o senhor já a conhece?
Devo começar a frequentar em abril próximo. São muito
simpáticos, gostei muito deles. Lá sei que vou poder experimentar todos os
recursos disponíveis. Eles tem recursos e muito apoio. Fornecem muitos cursos,
posso ter a felicidade de ganhar um cão guia. (Luís emociona-se), sempre fui
muito ativo, não parava, o pessoal dizia: “Você parece que tem formiga no pé!”.
Há quanto tempo o senhor
perdeu a visão?
Perdi
a visão há doze anos.
O seu mundo transforma-se totalmente?
Com
certeza! O mundo está todo dentro de mim. Não estou isolado, estou sempre em
contato com o mundo. Sou quieto. Dentro de mim tenho a percepção, só faltou a
visão, tenho muita percepção, no tato, a audição é hipersensível, isso as vezes
até me atrapalha. Escuto muita coisa.
Isso significa que o senhor já adaptou-se
nesse período?
Não
é muito fácil receber um diagnóstico dessa natureza, a cautela faz-se necessária.
Quando recebi a notícia tive que repensar a minha vida. Parar. Refletir.
Analisar.
O fato de ser psicólogo o ajudou?
Essa
condição me levou a fazer uma autoanálise profunda. Cada momento, cada dia,
estou me analisando. O por que dos porquês? Por que isso? Porque sim, porque
não. Sem uma busca do fato, mas sim da razão que provocou o fato.
Obviamente que o senhor gostaria de desfrutar
das belezas que o mundo nos dá, mas também tem a compensação, que é a reflexão
profunda do seu conteúdo interno?
Em
meu íntimo, sinto pena de algumas pessoas, que embora tenham visão perfeita,
são ofuscados pelo poder, pela ambição, enxergam menos do que eu.
Quando jovem o senhor frequentava cinema,
clube?
Frequentava
de tudo! Era sócio do Clube Cristóvão Colombo, ia nas baladas, nos bailes, nas
brincadeiras dançantes, eu morava na rua Riachuelo, próximo ao SESC situado a
quatro ou cinco quarteirões de casa. Eu não saia do SESC.
Na rua Ipiranga morava um senhor que tinha
uma perna de pau, conheceu?
O
Zé Pirata! Morava em frente de casa! Ele era locutor na rodoviária de
Piracicaba, anunciava as partidas de ônibus. Eu tinha bastante amizade com ele.
Ele ganhou uma perna mecânica, mas não se adaptou. Ficou com a perna de pau
mesmo, até falecer. Na rua do Rosário, onde termina a rua D.Pedro II tinha a
piscina do Colégio Piracicabano, navia uma escadaria enorme, ia até a piscina,
nadei muitas vezes lá. Na rua do Rosário há uma igreja, ali funcionava o
Dispensário dos Pobres, eu ia assistir missas nessa igreja. Nessa época eu
participava do movimento jovem, nos reuníamos na Igreja dos Frades, eu tinha um
grupo de oração no Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, na rua Boa Morte.
Algumas pessoas passam por situações que
modificam a sua vida, acidentes com sequelas, são pessoas que lutam com muita
garra. O senhor como se posiciona perante a vida?
Nunca pensei, aconteceu isso, acabou a minha
vida. Pelo contrário, dentro de mim fica agitado, movimentado. Tive muita
atividade, tenho muita coisa dentro da minha cabeça. A perda da minha visão não
significa que a vida morreu para mim. Pelo contrário, eu adquiri muita coisa, e
pretendo fazer muita coisa. Eu fui pintor de quadros, participava de Salão de
Belas Artes, tenho um no Museu Prudente de Moraes. Minha pintura é acadêmica.
Pintava a óleo, aquarela, nanquim, bico de pena. Meu forte era pintura a óleo. Frequentei
escola de pintura, mas o meu mestre foi Alberto Thomazi,
aprendi muita coisa com ele. Ele morava vizinho de casa, eu não saia da casa
dele. Aprendi a fazer escultura barroca, santos barrocos, tudo esculpido em
madeira. Tive obras premiadas em Piracicaba. Participei de várias exposições em
cidades vizinhas. A pintura me expandiu bastante. Eu gostava muito de pintura.
Quais sentimentos a pintura e a escultura trazem ao senhor?
Transmitia muita calma, por exemplo, ia para Tietê, escolhia
um lugar, sentava um cavalete, procurava ver a natureza, tentar transmitir para
a tela o que via e sentia.
O senhor dirigia automóvel, motocicleta?
Cheguei a fazer o curso de moto na Honda Moto Way, meu
primeiro automóvel foi um Fusca vermelho.
O senhor acompanha os
noticiários?
Gosto muito das reportagens!
Qual é a sua opinião
sobre o mundo atual?
O mundo está indomável! A humanidade está muito
materialista, demais. A ambição é demais. Ela cresce na cabeça da pessoa, a
pessoa se transforma completamente, perde todo sentimento, o querer ter o poder
na mão!
Com a sua experiência,
seria útil se cada pessoa parasse diariamente, por dez minutos, fechasse os
olhos, e olhasse em seu próprio interior?
É o que eu faço! Não digo 24 horas, mas um bom tempo em
que fico aqui. Sento-me e fico meditando. Se as pessoas fechassem os olhos
todos os dias, por 10 minutos e fizessem uma auto crítica, este mundo seria
muito diferente. Nesses 10 minutos interiorizar-se e aos poucos ir soltando-se,
liberando coisas que está em seu interior. Nem você mesmo sabe o que está
dentro de você! São muito poucos os que conhecem a si próprio! Chega depois
aquele ponto em que a pessoa diz a si mesma: “Ah! Se eu fizesse isso! Ah! Se eu
fizesse aquilo! Ah! Se eu deixasse isso! Ah! Se eu deixasse aquilo!”. Se assim
que você levantar ou deitar, por 10 minutos fechar o olho e não pensar em nada,
irá se libertar de tudo e de todos! Irá sentir uma paz de espírito tão grande!
O senhor acredita em
Deus?
Com certeza! Se não fosse Ele eu não estaria aqui! E Ele
não estaria fazendo tantas maravilhas comigo ainda! Sempre há uma esperança.
O senhor reza?
Antes de você chegar eu estava meditando, que é uma forma
de oração, a oração convencional cristã eu faço ao me levantar e ao deitar.
Quando termino de orar, minha cabeça fica agitando, memorizando, agradecendo,
procurando que Ele me esclareça as coisas que estão ao meu redor, dar
entendimento para discernir o “sim” do “não”, o certo do errado, é difícil, mas
a gente tenta! O mundo é tão maravilhoso, tão gratificante! Mesmo para um cego
há tantas coisas maravilhosas nesse mundo! Quem enxerga bem não enxerga tanta
coisa como um cego enxerga!
O senhor costuma sonhar?
Quem não sonha? Também quando durmo sonho bastante! Vejo
as imagem bem nítidas! Vejo imagens muito coloridas!
Quem escolhe suas roupas
para usar durante o dia?
Sou muito independente, a cuidadora só me conduz quando
necessário. Mas os cuidados de higiene, minha barba, eu mesmo faço.
Àquelas pessoas que
acham que só elas tem problemas, qual é o seu conselho?
Independentemente da posição social que a pessoa ocupa, acredito
que ela deve ter momentos de autocritica, autocontrole, autoanálise. Parar,
pensar, analisar por que dos porquês. Tentar, tentar, é difícil, aos poucos ir
se enquadrando dentro dos seus limites.
Pessoas que ocupam altos
cargos, tem poder aquisitivo muito alto, em muitos casos vivem uma vida de
aparências?
A maior parte sim. É interessante que essas pessoas façam
uma reflexão enquanto ainda podem mudar. A doença não escolhe momento ou lugar.
Independentemente do tipo da doença.
Do que o senhor gosta de
Piracicaba?
Sempre gostei de Piracicaba. Nasci e me criei aqui. Saia
na Escola de Samba Zoom-Zoom. Eu, meus irmãos, em casa era a concentração do
nosso grupo. Sou da época das escuderias: Zoom-Zoom, Equypelanca, Equype-Chato,
Equiperalta. Havia uma competição acirrada entre as escuderias. A Rádio
Difusora fazia as célebres gincanas. Embaixo do Clube Coronel Barbosa tinha a
lanchonete da moda: Karamba`s. Depois
veio o Daytona, na esquina da rua São José com a Praça da Catedral, onde há um
banco hoje. Tinha a réplica de um carro de corrida, em tamanho natural, ficava
em um nicho inclinado. Andei muito de bonde, até para ir para a escola.
Geralmente ia no estribo do bonde, descia com o bonde andando.
Com quantos anos você
começou a trabalhar?
Com treze anos comecei a trabalhar no Restaurante
Mirante, era cumim (auxiliar de garçom), ia levar cafezinho, refrigerante,
limpava a mesa, arrumava a mesa. Eram três proprietários: Argeu Pires Neto,
Olindo Rondino, morava em Campinas, o irmão dele, Júlio Rondino, que morava em
São Paulo, foram donos do Restaurante Mirante. Saí de lá depois que fiz o Tiro
de Guerra. Nesse período o restaurante foi vendido para Antonio Benitez,
Oswaldo Fernandes, que era goleiro do XV de Piracicaba, Henrique Cardoso,
proprietário da Bobinas Mopar. Conheci os filhos do Benitez: Ariovaldo Benitez,
o Vado, Antonio Carlos, Augustinho Benitez, o
Gustinho.
Você lembra-se de alguma
pessoa famosa que foi atendida por você?
Quem estava sempre lá era o ex-ministro da agricultura,
Dr. Hugo de Almeida Leme, inclusive, lá ele teve o seu primeiro infarto. O
Restaurante Mirante era um cartão de visitas da cidade, situado à beira do Rio
Piracicaba recebeu inúmeras personalidades. O peixe pintado, feito na brasa,
foi uma das marcas registradas de Piracicaba. O que eu ganhava de caixinha!
Vinha com os bolsos cheios, minha mãe esquentava o ferro de passar roupa e
passava nas notas. Minha mãe abriu uma poupança para mim no Banco Moreira
Salles, que mais tarde passou a ser o Unibanco. Foi lá no Mirante que nasceu a
minha vontade em cursar línguas, atendia muitos visitantes de outros países. Conheci
uma senhora americana, Eva Wilson. Ela me orientava. Fiz um quadro do Pavilhão
Central da Esalq refletindo naquele lago. Dei à ela.
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