sábado, março 31, 2012

ANTONIO FILOGENIO DE PAULA JÚNIOR

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 31 de março de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: ENTREVISTADO: ANTONIO FILOGENIO DE PAULA JÚNIOR



Antonio Filogenio de Paula Júnior é paulistano, há pouco mais de duas décadas mora em Piracicaba, nascido em 23 de setembro de 1970, filho único de Antonio Filogenio de Paula e Etelvina Lucas de Paula. Seu pai era metalúrgico e sua mãe de prendas domésticas. Morou no Bairro do Limão, depois a família mudou-se para Guarulhos, onde Antonio estudou na Escola Estadual Homero Rubens de Sá.
Em que ano você mudou-se para Piracicaba?
Foi por volta de 1989, a minha mãe é piracicabana, eu já conhecia a cidade há bastante tempo. Nós visitávamos nossos parentes sempre que podíamos na realidade a minha mãe nasceu em Saltinho, que hoje é um município, e na época pertencia ao município de Piracicaba. Os nossos parentes moraram sempre nos bairros Jaraguá, Paulista, região onde hoje eu moro.
Você sentia alguma diferença cultural entre a Grande São Paulo e Piracicaba?
Eu cresci com ambas as formações, meus pais casaram com uma idade considerada acima da média, quando eu nasci ele tinha 51 anos, e a minha mãe 42. Embora morasse em São Paulo cresci com muitas informações próprias do interior. Meu pai viveu muito em cidades do interior, ele foi tropeiro na sua juventude. Recebi muita projeção da cultura caipira. Quando vinha à Piracicaba não me sentia chocado, pelo contrário, sentia-me muito próximo disso tudo. Uma realidade que convivi ao ouvir histórias.
Não é muito comum uma mulher com 42 anos ter o seu primeiro filho.
Minha mãe não pensava em se casar, durante muito tempo ela trabalhou como empregada doméstica. Assim como meu pai também. Ele havia tido outra família, da qual os filhos não sobreviveram, depois de muito tempo é que conheceu a minha mãe.
Ambos eu acho que não tinha nenhuma expectativa de encontrar alguém. Casaram-se e foram bastante felizes, meu pai é vivo ainda, minha mãe faleceu em 1991.
Como eles se conheceram?
Foi e São Paulo, através do patrão da minha mãe que também era patrão do meu pai. Conhecendo os dois achou que seria importante apresentá-los. No primeiro momento não tiverem o mínimo interesse. Houve o encantamento e deu certo.
Quando você mudou-se para Piracicaba com seus pais em que bairro passou a morar?
Moramos até hoje no bairro Jaraguá, meu pai com 92 anos mora conosco, sou casado com Alexandra Cristina Aguiar de Paula e temos um filho de 10 anos, Cauê Aguiar de Paula.
Logo que voce chegou à Piracicaba começou a trabalhar aonde?
Trabalhei no Semae, apareceu um concurso público, peguei, fiz e fui ser leiturista de hidrômetros, aquele que tira a leitura da conta de água, por um anos aproximadamente fiz esse trabalho.
Você teve algum fato envolvendo cachorro?
Faz parte da vida do carteiro e do leiturista o contato com cães. No bairro Piracicairim levei a mordida de um cachorro, um pastor alemão me mordeu na perna, naquele dia eu estava entregando os boletos para o pessoal pagar, acho que o cachorro não aprovou a conta do consumo de água do seu proprietário. Nas ruas se vê muita coisa curiosa, conhecemos muitas pessoas, contatos que foram muito válidos para usar futuramente na minha vida. Cada bairro tem a sua peculiaridade, na Rua do Porto, não podíamos chegar muito cedo, as pessoas estavam inda dormindo por causa da vida noturna. Tínhamos que chegar as 10h30, 11h, horário em que as pessoas estavam acordando. Sai do Semae e fui trabalhar por conta própria, fiz um pouco de tudo, tive uma fábrica de blocos de cimento, voltei-me para o comércio. Principalmente voltei-me para os estudos, por muito tempo como autodidata. Sempre gostei muito dessa vida de pesquisas, fui curioso, principalmente com assuntos relacionados à história, filosofia, sociologia, teologia. Sempre fui curioso pelo comportamento humano. Nesse período trabalhei de forma informal, tive minhas dificuldades, até mesmo profissional, como adequar esse meu gosto particular com o meu gosto pelo trabalho. Em 1996 prestei novamente concurso público na prefeitura. Entrei na Secretária da Educação, trabalhei como Agente Escolar de Saúde. Existem crianças que em decorrência de alimentação inadequada, famílias desestruturadas, têm isso tudo refletido em problemas de saúde.
A questão da saúde passa antes pela educação ineficiente?
Educação é uma questão muito ampla, temos vários modelos de educação que passamos, herdamos, é uma discussão delicada que requer uma atenção especial. Tenho entendido que pelo menos na esfera da municipalidade tem-se tentado desenvolver métodos de educação que consigam atender essa demanda e dar uma expectativa mais concreta para essa pessoa. Isso esbarra em diversas problemáticas, principalmente a social. Educação está muito restrita ao universo da escola, praticamente estamos perdendo as funções dos papéis, as famílias está praticamente desestruturada. A escola tenta suprir algumas carências, que não se sabe se ela irá conseguir fazer. No entanto a escola não deve apegar-se a esse discurso e deixar de fazer a parte dela que é a parte formativa, trazer conteúdo, formar outras bases para que a criança possa ter seu desenvolvimento saudável. Dentro disso temos muito de uma utopia, de uma esperança, de uma expectativa que muitas vezes não está tão próxima da realidade como gostaríamos. Penso que há boas intenções nesse sentido, e na medida do possível têm conseguido em parte sanar ou minimizar algumas dessas problemáticas. Está muito longe de ser resolvido.
Hoje a sua formação qual é?
Tenho formação como teólogo, que é o fruto de um período em que me liguei a um seminário franciscano, dos capuchinhos. Dei continuidade no Curso de Teologia para Leigos, do Frei Augusto Giroto. Essa minha atração pela religiosidade vem da minha mãe, que era uma pessoa extremamente espiritualizada. Sempre me tocou muito esse papel do sagrado na vida da gente. Assim como uma busco de entendimento do porque de uma religião. Como se manifesta, as diferentes religiões. Como entender essa presença do divino na história dos homens. Em suas mais diferentes culturas. Venho de uma família católica, no primeiro momento aproximei-me da Igreja Católica Apostólica Romana. Isso foi se ampliando para poder entender o cristianismo em outras esferas. Não só o protestantismo, as mais recentes correntes evangélicas, mas também o cristianismo ortodoxo. Acabei me aproximando de uma comunidade copta. Ainda em São Paulo, que tem uma igreja no bairro do Jabaquara, talvez a única igreja copta da América do Sul. É uma comunidade pequena no Egito, uns dez por cento da população, e fora do Egito também é uma comunidade pequena. Tive contato com os gregos Antioquinos. Tudo para conhecer, e confesso que a espiritualidade ortodoxa também me contagiou em grande parte. Sempre achei muito bonita a mística cristã ortodoxa. Do lado católico sempre fui leitor de Teilhard de Chardin, Thomas Merton, autores que sempre me chamaram bastante a atenção, assim como Santa Teresinha de Lisieux, São Thomaz de Aquino, Santo Agostinho, esses dois últimos são os eixos basilares da teologia católica, me apropriei de um contato mais próximo com eles muito mais pela filosofia do que pela teologia. Em outro momento foi o entendimento do monoteísmo, mais clássico, de tradição cristã, judaica e islâmica. Aproximei-me muito do Islã para estudo, conhecimento. Há um aspecto interessante, quando vemos esses atos todos de terrorismo, fundamentalismo, isso assusta. É muito na contramão do que é o espírito do muçulmano, daquele que procura seguir o Alcorão, trazê-lo para a contemporaneidade. O Alcorão tem que ser lido com todo seu contexto. Isso o próprio Alcorão diz. Maomé dizia isso. Quando você pega uma leitura extremamente fundamentalista é um perigo. O fundamentalismo tende a recortar o que interessa para ele naquele momento. É bastante ideológico, no sentido de manipular as pessoas por trechinhos. Embora a própria palavra fundamentalismo seja bem antiga, ela foi retomada no século XX não dentro do Islã, mas dentro das igrejas protestantes dos Estados Unidos, por teólogos da Universidade de Princeton. Por volta de 1915 eles começam a pregar uma volta aos fundamentos basilares da fé cristã. Voltar-se a bíblia em uma leitura muito singela e muito crua, míope. Ler o texto na integra, era aquilo ali. Sem contexto, perspectiva histórica, análise sociológica, antropológica e mesmo teológica se perde radicalmente nesse conjunto.
Você fez curso superior em que área?
Sou formado em Filosofia, em Batatais, em escola dos Claretianos. Fiz com eles Pós-Graduação em Filosofia e e em ensino de filosofia. Voltei-me para a área de educação. Na Universidade Metodista faço mestrado em educação. Leciono no Centro Universitário Claretiano, no Curso de Filosofia. A missão básica do claretiano é o envio da palavra. A palavra de Deus na qual eles entendem pela bíblia.

 
Você transita entre os claretianos e os metodistas.
John Wesley era muito preocupado com a educação, em trazer a bíblia para ser refletida, trabalhada em um conjunto formativo, em que o indivíduo aprendesse outras coisas. Foi pouco compreendido no início na Inglaterra e praticamente o metodismo se desenvolveu muito nos Estados Unidos. Os claretianos não deixam de ter uma perspectiva semelhante. O que difere é na origem. Os diálogos entre os protestantes e católicos hoje são bastante frutíferos. A igreja católica tinha uma teologia mais tradicional, oriunda ainda da contra-reforma. Os protestantes tinham a teologia da reforma, que já aprendia a lidar com os textos de Max Weber. O protestantismo no espírito capitalista, com outras regras de mercado, de sociedade, de organização social. Nisso a igreja católica demorou um pouquinho mais. A grande diferença se dá ai. O olhar para a realidade social, o papel da pessoa nesse contexto. O papel da igreja. Acho que os protestantes tiveram um desenrolar um pouco diferente nesse sentido. Não se pode dizer se melhor ou pior, apenas que são diferentes. Isso deu outros contornos para os países protestantes.
Em qual departamento você trabalha hoje na Prefeitura Municipal?
Desde 1999 trabalho mais ligado a Secretaria de Ação Cultural, e de 2006 para cá em ima interface entre Secretaria Cultural e Secretaria Municipal de Educação. Em 1999 vim convidado pelo prefeito Humberto de Campos e pela secratária Cida Abe, para assumir um centro que a prefeitura mantém até hoje, um Centro de Documentação, Cultura e Política Negra. É um espaço reivindicado pelo Movimento Negro de Piracicaba, que após muitos anos em 1991 criou forma. Entendendo na época que o negro não tinha as mesmas oportunidades, condições, o movimento negro local reivindicou esse espaço. Um espaço que viabilizasse o dialogo entre a comunidade negra e o poder público. Ter uma voz. Fundado por pessoas extremamente importantes que fazem parte dos quadros políticos, acadêmicos, intelectuais da cidade. Na fundação entre muitos tivemos Marise Monteiro, Noedy Monteiro, Reverendo Santana, Antonio Messias Galdino, José Maria, que foi presidente da Câmara Municipal, seu atual presidente João Manoel dos Santos. Tinha muita gente, ligadas as mais diversas áreas. Dr.Preto, o médico André Ferreira dos Santos dá nome ao Centro de Documentação.
No Brasil ainda existe preconceito racial?
Preconceito existe, ainda é uma marca cultural. Existem preconceitos dos mais variados tipos. Não é só em relação ao negro. Durante muito tempo no Brasil se imaginou que não tivéssemos preconceitos, que vivíamos em uma democracia racial, isso foi construído ideologicamente até para que não se percebesse isso. Já não é mais tabu se discutir isso. O preconceito existe, e a partir do momento em que assumimos que ele existe fica muito mais fácil lidar com ele. Entendemos que avançamos bastante. Tivemos o preconceito explicito, depois passamos por uma fase em que ele não era tão evidente. Era manifestado indiretamente. Na oportunidade de emprego, no acesso a um melhor salário, no acesso a educação. Havia um cerceamento, hoje isso é discutido. O racismo é crime.
O presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama influenciou a política racial no Brasil?
Obama representa para os Estados Unidos e para o movimento negro uma vitória. Nos Estados Unidos o preconceito racial é bem mais declarado e rígido. Lá ter um presidente negro historicamente é como nós termos um presidente operário. Recorrendo uma frase da famosa semana de 1922, “é como pegar um tabu e transformá-lo em um ícone”. Houve uma supervalorização achando que seria um salvador de pátria. O americano vem de uma cultura que até muito pouco tempo ele tinha a seguinte visão: “ele e os outros”, o Best of the Beast. Seja negro, latino, ele guarda um pouco desse espírito. O Obama não deixa de ser fruto de tudo isso.
Está havendo mudanças no conceito de família?
Estamos tendo conceitos de família oriundos da modernidade. Estamos vendo famílias se estruturando de modos que fogem a moral tradicional cristã, que faz parte da formação do mundo ocidental. Hoje vemos famílias com dois pais, duas mães. As que não tem a figura do pai. Dos filhos criados pelos avós. Hoje isso se dá em todas as camadas, seja pelo aspecto social, intelectual, cultural, economico, politico. Mas são mudanças. Elas estão ocorrendo, temos que lidar com elas.
Não temos como avaliar essas mudanças?
Ainda não. Estamos no meio do conflito, do jogo todo. Em alguns momentos temos que nos abstrair um pouco e olhar essse momento. Jean-Paul Sartre olhava para essas realidades, para esses fenomenos, estamos no meio do jogo, ele está sendo jogado. Estamos no meio de um quadro social, político e economico que nos impele a um posicionamento, a própria falta de posicionamento já é um posicionamento. Não dá para se omitir, de falar sobre determinadas coisas. Algumas são fáceis, evidentes, por exemplo, todos nós hoje vamos defender o meio ambiente. No entanto há outras que não temos a maturidade suficiente para nos posicionarmos com tanta certeza. É o desafio da liberdade. Para Sartre liberdade não é algo prazeiroso, implica em responsabilidade. Embora ética e moral venham de uma mesma matriz, com o tempo convencionou-se a pensar que a moral é a prática da ética. Em alguns momentos chegamos a pensar que a ética é universal e a moral é particular, se dá no sujeito. A ética é o conceito que buscamos para universalizar circunstâncias da própria sociedade. O homem sempre busca a ética. Não dá para falar que o homem não tenha ética, o que existe é um desvio do que seja a ética. O conceito amplo quando cai na situação particular, de sujeito humano, a coisa começa a pegar um pouco. Hoje o discurso ético ficou banalizado. Como posso imaginar um lugar comum onde eu vivo bem e o outro não? A construção disso que se dá na esfera politica, economica, cultural, social. E ai entra o conjunto valor ativo do homem, a sua moral, que está dentro de um conjunto de cultura também. Podemos distorcer isso por ideologias, interesses, todos nós somos frutos de perspectivas construídas lá traz, ideológicamente, mas que ajudaram a explicar o mundo em vários momentos da história e que hoje não dá mais conta dessa diversidade toda que o mundo é. Hoje temos que reconhecer o outro, com sua cultura, com sua moral própria que pode chocar com a minha perspectiva moral. Trazemos os valores da Revolução Francesa até hoje, será que são os mesmos valores das comunidades africanas, indigenas, lá dos confins da Ásia.









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