sexta-feira, dezembro 14, 2012

CECÍLIO ELIAS NETTO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 15 de dezembro de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados na Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/



ENTREVISTADO: CECÍLIO ELIAS NETTO


Adorado por muitos e questionado por alguns, ninguém fica indiferente aos brilhantes textos de Cecílio Elias Neto, advogado, bacharel em filosofia, escritor, jornalista e historiador na acepção da palavra. Cecílio vivenciou a história de Piracicaba por décadas. Em muitas ocasiões conviveu com os personagens centrais da história recente da nossa cidade, sendo ele algumas vezes o próprio protagonista. Seus pais Tuffi Elias e Amélia Abrahão Elias, piracicabanos, filhos de sírios-libaneses, com ascendentes gregos e turcos, tiveram nove filhos sendo que dois faleceram antes do nascimento de Cecílio Elias Netto em Piracicaba a 24 de junho de 1940.
Em que local da cidade o senhor nasceu?
Costumo dizer que nasci bem no umbigo de Piracicaba, na esquina da catedral, ali onde mais tarde por alguns anos funcionou a lanchonete Daytona. A edificação foi demolida e hoje no local se abriga o Banco Santander Nessa esquina meu pai tinha o Café Imperial. Meu tio Elias Cecílio era dentista formado pela antiga Faculdade de Odontologia e Farmácia de Piracicaba. Meu pai já estava cursando essa faculdade, enquanto estudava trabalhava como marceneiro e carpinteiro, nessa atividade ele perdeu um dedo em uma serra, com isso o futuro dentista encerrou seus estudos e passou a ser comerciante, foi proprietário do Café Imperial durante a guerra, até 1945. Depois eles se mudaram para a Rua São José, quase em frente ao Cine Broadway, onde ele criou a Tufiniquim. Ali também se iniciou uma tragédia que abateu sobre a nossa família, foi quando a minha irmãzinha, Carolina, de apenas dois anos, faleceu atropelada por um caminhão. Meu pai tinha ido até a prefeitura que ficava na esquina da Rua Alferes José Caetano com a Rua São José, ninguém percebeu que a pequena Carolina, muito apegada a ele o seguiu, ao atravessar a rua o caminhão a atropelou. Com a gritaria toda, meu pai correu para ver o que estava acontecendo e viu sua filha embaixo do caminhão. Foi um fato que mudou o curso da vida da nossa família. Nessa época eu tinha seis anos. Meus pais ficaram acamados de quatro a seis meses, em profunda depressão. Minha irmã Marlene tinha 16 anos, começou a lecionar piano, devemos a ela a nossa manutenção. Jorge Maluf, pai da Ivone Maluf, tinha um armazém em frente ao Broadway, ele necessitava de caixas de papelão, garrafas vazias. Para ajudar a minha irmã, eu com apenas seis anos, batia de porta em porta, junto aos vizinhos, recolhendo esse material e levava ao Jorge Maluf. Com 10 anos fui trabalhar como recepcionista do consultório médico do meu primo Alarico Coury.
Porque alguns o chamavam de Toninho?
Quando nasci a alegria da família foi muito grande. Fui batizado no mesmo dia, um domingo, deram-me o nome de Antonio João Pedro. Até hoje consta no batistério da igreja católica, assim como consta Cecílio Elias Netto, que já adulto mandei acrescentar, esse sempre foi o meu nome no registro civil. Descobri que me chamava Cecílio quando tinha 10 anos. Iniciei meus estudos no Externato São José, foi lá que conheci um grande amigo, Jayme Antonio Cardoso, hoje morando em Curitiba. Quando entrei no curso primário já estava praticamente alfabetizado, meus pais e irmãos gostavam muito de ler. Minha turma foi a última masculina do Externato São José. Foi quando veio o Colégio Dom Bosco, as meninas foram para o Colégio Assunção, os meninos para o Dom Bosco. O último semestre conclui no Moraes Barros.
Lembra-se da sua primeira professora?
Lembro-me, foi Romilda Casali, por quem eu tinha grande admiração. Ela morava perto de casa, eu apanhava flor para levar até a sua mesa. Quando lancei um livro, apareceu uma moça dando-me uma maçã e dizendo: “Minha mãe mandou-me entregar essa maçã, ela disse que o senhor irá lembra-se dela”. Na hora me lembrei: ”- Dona Romilda!”. Todos os dias ela me dava uma maçã, tinha conhecimento de que a minha família passava por dificuldades até para se alimentar. Voltávamos juntos do externato, fazíamos o mesmo caminho, Ela deveria ter uns dezoito anos. No Colégio Dom Bosco conclui o ginásio e o científico. Sempre tive prazer em estudar. Talvez para ajudar a minha família, alguns professores me indicavam ás mães dos meus coleguinhas, para que eu os acompanhasse nas tarefas de casa. Aos doze anos comecei a fazer reforço de aulas para os meus colegas. Aos dezesseis anos já dava aulas particulares. Meu grande sonho era de ser diplomata para ser escritor.
Quando se deu o ingresso no jornal?

Desde criança tive paixão por escrever. Recordo-me que com sete ou oito anos ia ao Cine São José, levava um caderninho, sentava na primeira fila de cadeiras, anotava as rimas dos filmes musicais. Anotava: “Coração rimando com paixão, querida-vida.” O professor Leandro Guerrini me ajudava muito na biblioteca indicando livros. Minha paixão era escrever. Aos quinze anos escrevi meu primeiro livro, “Estela Estrela”, tenho o original até hoje. Naquela época o jornalismo era a grande escola literária. Ao ser aceito em um jornal era como ganhar um prêmio. Meus professores começaram a mandar meus artigos e composições de escola para os jornais. Com 13 a 14 anos já tinha publicações minhas em jornal. Uma vez João Chiarini me levou até o Dr. Losso, dizendo: “Esse menino quer trabalhar em jornal, o pai dele não quer.”
Porque seu pai não queria que seguisse a carreira de jornalismo?
Ele achava que era coisa de boêmio, era uma profissão estigmatizada. Meus pais tinham o sonho de que eu fizesse o curso de medicina. Entrei no Jornal de Piracicaba como “ouvinte”, na verdade era falante, lia os textos para o revisor que era Samuel Pfromm Netto; Comecei no jornalismo como auxiliar de revisão no Jornal de Piracicaba. “O Diário” realizou um concurso tendo como tema seu aniversário. Resolvi participar. Gostava de escrever de madrugada, no último dia timidamente entreguei meu trabalho. Sempre fui tímido. Recebi um telefonema, tinha sido vencedor do concurso. Eufórico, fiquei sabendo que Leandro Guerrini, Guilherme Vitti e eu tínhamos sido os vencedores. Dr. Losso era um dos juízes, quando fui receber a premiação ele disse aos meus pais: “Por justiça o prêmio era dele, mas não podíamos deixar de premiar os ilustres Leandro e Guilherme”.fiquei entre lisonjeado e indignado. Aquilo me animou muito, fui falar com o Sebastião Ferraz, de “O Diário”: “-Quero começar, posso vir aqui? O Ferraz chamou Izidoro Polacow que além de trabalhar no Banco do Brasil era redator-chefe de “O Diário”. Ele usava gravatinha borboleta, tinha uma figura imponente. Era muito competente. O Ferraz disse-lhe: “Esse menino quer aprender jornalismo, está em suas mãos”. Fui conduzido até uma mesa onde estavam diversos jornais como a Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Diário de São Paulo, Folha da Manhã, Diário da Noite. Aquela altura me sentia um David Nasser. O Polacow traz uma tesoura dizendo: “- Agora você lê os jornais e recorte a notícia que achar interessante. ”Disse-me ainda: “ Quem não sabe ler jornal não sabe fazer jornal”. Fiquei louco da vida, tinha me tornado “recorter”!
Existiam alguns temas preferenciais?
Eu tinha curiosidade por tudo: futebol, esporte, política. Getúlio Vargas tinha falecido. Comecei a me interessar por política naquela época, em 1954. O Polacow selecionava as notícias que eu recortava. Fiz isso por uma semana. A seguir me colocaram como ouvinte do Osvaldo de Andrade, o maior revisor que conheci. Após algum tempo me passaram para a seção de polícia, eu ia até o plantão policial, o delegado era Dr. Zenon. Na verdade ia buscar o B.O. e entregava ao redator. Um dia o Ferraz me pediu para escrever um artigo em comemoração ao aniversário de Edson Rontani. Embora já tivesse artigos publicados, esse foi o primeiro a pedido do diretor do jornal. Passei a redigir artigos. Houve um escândalo em Piracicaba, envolvendo menores com pessoas influentes. Escrevi um artigo, contei o fato sem citar nomes, o título eu me inspirei em Shakespeare: “Tempestade em Uma Noite de Verão”. Foi um grande escândalo na cidade, todo o mundo sabia, mas ninguém falava. Animei-me e escrevi outro, esse passou pela mão do Ferraz antes de ser publicado. Ele então me disse: “- Quando você quiser escrever o que bem entender tenha o seu próprio jornal, aqui quem manda sou eu”. Isso tinha acontecido com David Nasser, ele foi reclamar com Chateaubriand que tinha sido censurado e recebeu a mesma resposta. Ali comecei a aprender que a censura começa dentro do jornal. Coloquei como objetivo ter meu próprio jornal. Nessa época eu namorava a Mariana, mãe dos meus filhos. A irmã dela. A Odila, era casada com Wilson Guidotti, filho do Luciano Guidotti. Com os comendadores da cidade, Luciano inventou a criação de um jornal. “A Folha de Piracicaba”. Eles me convidaram para ir para “A Folha” ajudar a montar a equipe, viria um diretor novo. Diziam como se fosse um jornal com o que havia de extraordinário, moderno. Eu estava muito comprometido com “O Diário” e muito comprometido com o Ferraz, que se tornou um grande amigo. Eu era o filho que o Ferraz não teve. Eu disse ao Ferraz: “Vou me casar, estou noivo, fui convidado para ir para “A Folha”, vou dizer à família da moça que não vou trabalhar no jornal ligado a eles?”.
O salário em “O Diário” era compensador?
Ganhava mixaria. Trabalhei por dois anos em “O Diário” sem ganhar nada. Era um favor que os jornais faziam em deixar alguém entrar na redação. Como se fosse o Liceu de Artes e Ofícios. Você ia aprender uma profissão. Não havia a profissão de jornalista. Todo o mundo tinha outra atividade. Eu dava aulas particulares, criei um cursinho.
Como foi seu ingresso na faculdade?
Permaneci por um ano em São Paulo fazendo cursinho, no “Cursinho Nove de Julho” para prestar vestibular em medicina. Não freqüentava muito as aulas, minha paixão era a literatura, eu não saia da biblioteca, ficava no “Estadão” onde via Thales de Andrade, conversava com pessoas que eram amigos do meu pai. Nessa época comecei a escrever meu primeiro romance: “Um Eunuco para Ester” Pensava que não tinha sentido estudar medicina. Nesse período comecei a estudar línguas. Vim à Piracicaba de onde saí para prestar vestibular de medicina. Sai de casa, meus pais rezando o terço, pedindo em meu favor. Na viagem de Piracicaba à São Paulo, comecei a sentir uma angústia, onde é a Bosch, em Campinas, havia um posto de gasolina o ônibus fazia uma parada. Decidi fazer o curso de direito. Tirei a mala do ônibus, esperei uma carona, fui direto para a Faculdade de Direito da PUC. Os exames já estavam marcados, o prazo para inscrição já tinha sido encerrados. Naquele tempo cada faculdade fazia o seu vestibular. O vestibular seria no dia seguinte. Acomodei-me como pude em uma pensão. Fiz o vestibular, com provas escritas e orais. A Ivone Matiazzo era uma amiga da família que estava fazendo também o vestibular. Eu pedi que não contasse â minha família que estava prestando vestibular para o curso de direito. Em determinado dia, estava prestando exame oral de latim, vi a Ivone pela janela, desesperada, fazendo sinais com a mão. Sai exausto do exame oral, a Ivone me deu a notícia: “Seu pai e sua mãe estão ai na porta!”. Meu pai tinha ido fazer um exame médico em Campinas, encontrou-se com meu tio, pai de João Hermann Netto. O meu tio tinha me visto entrar na faculdade, eu não o vi. O meu nome na família era Toninho. Ao ver meu pai ele disse-lhe: “ Então o Toninho está fazendo direito aqui, que bom !” . Meu pai disse-lhe: “Não! Ele está em São Paulo fazendo vestibular para medicina!”.Na hora em que sai da sala e vi os dois, vi que meu pai estava branco, lívido. Ele disse-me: “Prefiro um filho sapateiro a um filho advogado!” Disse-lhe que a partir daquele dia iria dispensar a ajuda financeira que recebia dele. E fiz o curso. Ele já tinha tentado me boicotar em jornalismo, tinha pedido ao Ferraz para me dizer que eu não tinha vocação. Em 1959 entrei na PUC em Campinas, viajava todos os dias.
A formatura foi em Campinas?

A minha turma foi expulsa da PUC por causa do “Partidão”. Fui filiado ao Partido Comunista, o Monsenhor Salim, nos chamou e disse: “- Os senhores estão convidados a se retirarem da universidade”. Estava cursando o quarto ano. Não havia transferências de faculdades na época, conseguimos em São José dos Campos e Bauru. Optei por Bauru. ”O Diário” queria que eu voltasse, remunerando-me mais. Foi quando em 1961 surgiu “A Folha”. Falei com o Ferraz, que na sua previsão achava que “A Folha” não daria certo, mas como envolvia família ele disse-me que poderia voltar ao “O Diário” quando quisesse. Fui para “A Folha”. Vi que não havia organização, as máquinas adquiridas eram impróprias para um jornal. O diretor era de Leme, nunca tinha dirigido um jornal. Para se ter uma idéia as páginas eram impressas uma a uma. “O Diário” já era rotoplana. O Luciano queria o título em vermelho. Tinham que primeiro imprimir em vermelho o título, deixava secar, limpava a máquina. Começava a imprimir as quatro horas da tarde e terminava as sete horas da manhã. O diretor, Valdemar Arruda, foi mandado embora. O Luiz Tomazzi, grande jornalista de Piracicaba, que trabalhou na Folha de São Paulo, no jornal Ultima Hora, era um consultor dos comendadores proprietários de “A Folha”: Humberto D`Abronzzo, Romano, Luciano Guidotti, João Guidotti, Ometto, eram 33 acionistas. Era para ter sido o melhor jornal, só que os equipamentos adquiridos eram ineficientes.
Qual era o objetivo desse grupo em ter um jornal?
O Dr. Losso e o Ferraz romperam com o Luciano, no último ano do mandato dele, isso em 1955, o Luciano tinha indicado o Aldrovandi para ser seu sucessor. O Aldrovandi era metodista, Dom Ernesto não admitia que Piracicaba tivesse um prefeito protestante. Começou uma guerra na cidade, foi quando Salgot candidatou-se com apoio da igreja, do Dr. Losso e de “O Diário”. O Aldrovandi renunciou. O Luciano achou que o empresariado deveria montar um jornal. Contrataram o Valdemar Arruda que foi infeliz na aquisição dos equipamentos. Eles pagariam o necessário para ter o melhor equipamento possível. Eu tinha 20 anos, fiquei cuidando da redação a espera do novo diretor. Telefonaram-me chamando para ir até a agencia do Guidotti, ao chegar deparei com todos os proprietários de “A Folha”. O Thomazzi disse-me que iria apresentar o novo diretor. Era eu. Ele disse-me que me havia indicado por me achar preparado para dirigir o jornal. Aceitei. “A Folha” situava-se na Rua Regente Feijó esquina com a Rua Benjamin Constant. Eu, em um partido comunista e dirigindo o jornal dos comendadores. Fiquei com “A Folha” até 1967, acabei me tornando proprietário dela. Ela estava deficitária, fizeram-me a proposta para que eu assumisse o prejuízo ou os lucros. Montei uma equipe escolhida por mim, fizemos um tremendo trabalho, em seis meses conseguimos levantar a empresa. “A Folha” chegou a tirar 3.500 exemplares, naquela época era uma tiragem muito significativa. O Gustavo Alvim escreveu um livro sobre “A Folha”, ela foi o jornal mais revolucionário de Piracicaba, de 1961 a 1967. Fui processado pela Lei de Segurança Nacional. Era o único jornal de oposição. Ganhei do Dr. Cera como presente de casamento, 100 ações da Folha. Quando a coisa começou a ferver o D`Abronzo deu-me as suas ações de presente. O Luciano, antes de tomar posse quis me dar suas ações, eu não aceitei. Disse ao Wilson, que não podia aceitar. Se o seu pai quisesse me dar um litro de whisky ou uma gravata eu aceitaria. Se eu aceitasse as ações do prefeito eleito, Luciano Guidotti, eu estaria comprometido. Eu não tenho nenhuma vocação para administração. Quem entrou em crise foi “O Diário”, eu nunca perdi o vinculo com o Ferraz. Fechei a Folha, as máquinas estavam sucateadas. Com Sebastião Ferraz, Lazaro Pinto Sampaio e Domingos Aldrovandi adquirimos as ações dos antigos proprietários de “O Diário”. Eu cuidaria da redação, o Ferraz da administração, o Lázaro da parte financeira e o Aldrovandi era nosso relações públicas, ele era deputado. Fizemos uma revolução em “O Diário”. Após dois ou três meses só se falava em “O Diário”. Fizemos uma reforma gráfica completa. Regionalizamos, não era mais “O Diário de Piracicaba”, mas sim “O Diário”. Levei minha equipe de redatores, uma equipe muito boa, o Geraldo Nunes estava lá. Um sábado fui chamado pelo Ferraz para ir ao “O Diário”, ao chegar, encontrei-o de chapéu de palha, sapato de camurça, todo esportivo. Entrei, ele estava com uma chave na mão. Disse-me: “Toma, é a minha chave”. Perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ele estava saindo da cidade, arrebatado por uma paixão alucinada. Jogou tudo para o ar. Todo o esquema montado para a empresa foi desmontado. A administração passou para mim que não entendo nada a respeito. Diante da confusão formada o Lázaro decidiu desligar-se do jornal. Ficamos eu e o Aldrovandi. Passei a cuidar da redação, da parte financeira, comercial e administrativa. Isso foi em 1970. Fomos vencendo, Decidi comprar o off-set, o primeiro do Estado de São Paulo. Fomos os primeiros a comprar e o segundo a instalar, Bauru comprou a vista, instalaram umas duas semanas antes do que nós. Nenhum dos grandes jornais tinha off-set. Lembro-me que estava com financiamento de 150 mil dólares, o Delfin Neto entrou e fez a maxidesvalorização, dormi devendo 150 mil dólares acordei devendo 300 mil dólares. Passava o pente no cabelo, caia cabelo. Lutamos muito e fomos conseguindo vencer. Meu pai adoeceu, se afastou da sua empresa, assumi as pendências da Comercial Tuffi Elias. Fui agüentando até que veio a minha prisão. Os processos não paravam. Tinha tido diversas detenções. A minha primeira condenação foi de um ano e nove meses, a segunda foi de seis ou sete meses.
Essas prisões eram fundamentas em que?

Na Lei de Imprensa. Fiquei com prisão domiciliar. Na cadeia fiquei em Campinas, no exército.
Sua postura de independência jornalística teve um custo muito alto?

Foi sempre muito alto e a vida toda. Tem uma frase de Millor Fernandes que diz: “Jornal é oposição, o resto é balcão de anúncios”. Se você não for um crítico do poder para que serve o jornal?
O episódio do “Mar de Lama” foi difícil para “O Diário”?
O Luciano Guidotti era meu padrinho de casamento, tinha laços familiares com eles, tive que fazer oposição a eles. O João Hermann era meu primo. O “Mar de Lama” tem um detalhe que muitos não se lembram, não fui eu que fiz. Entrei para o jornalismo pensando em ser escritor, em 1979 tive uma crise pessoal muito séria. Tirei umas férias, fui com a Mariana para o Rio de Janeiro, assisti a uma peça que escolhi aleatoriamente, chamava-se Layout. Na metade da peça me deu um ataque, pensei: “-Desgraçados, quem deu autorização para vocês contarem a minha vida?” Era a minha vida que estava ali na peça, a pessoa se autodestruindo. Ele fazia publicidade, mas não fazia o que queria que era escrever, ele estava se matando. Junto com a minha mulher tomei a decisão: “Vou voltar, vender “O Diário” e começar vida nova. Fiz isso e fui embora para São Paulo. Doei “O Diário” à pessoas que trabalhavam comigo, sem contudo formalizar, ele continuava em meu nome. As pessoas que assumiram “O Diário” juntamente com o Dr. Losso fizeram o “O Mar de Lama”.
No seu conceito a pessoa deve seguir a vocação embora tenha que trabalhar em outra atividade para suprir suas necessidades?

Depende da força da vocação e da necessidade. Questiono muito o aspecto da necessidade. É muito mais fácil viver do que sobreviver. Para sobreviver você tem que ter o carro do ano, o último modelo de celular, tem que ter isso, mais aquilo. Fazer parte desse clube, daquele outro. Ganhar dinheiro sem parar e gastar sem parar. Hoje a minha necessidade é de sossego, paz, ficar lendo. Todo mundo tem necessidades, depende de estabelecer uma escala. O que realmente tem importância e o que não tem. Eu queria ser escritor.
Como foi o episódio da faixa em frente a Comercial Tuffi Elias?

O Diário” estava em uma campanha contra a poluição de faixas existentes no centro da cidade. Liquidação disso, daquilo. Meu pai tinha a sua loja, eu disse-lhe: “ Pai, por favor, tire essa faixa, estou fazendo essa campanha, vai ficar chato, daqui a pouco terei que publicar”. Ele dava risada. Um dia peguei o Henrique Spavieri,e disse-lhe: “- Vai lá em frente a Comercial Tuffi Elias, tire uma foto da faixa, vamos publicar na primeira página. Poluição visual”
Qual foi a reação do seu pai?
Disse: “- Meu filho é macho!”.
E a sua busca por novas tecnologias de impressão e mídia como surgiram?
“O Diário” foi pioneiro na tecnologia de impressão em off-set. Atualmente tenho o jornal eletrônico “ A Província”, que está no ar a uns seis ou sete anos. Ninguém acreditava nesse meio de comunicação. O jornal impresso tem que se reciclar completamente. Hoje notícia em jornal não tem mais sentido. Se morrer o presidente da república agora o jornal irá dar a notícia amanhã? A televisão já está atrasada.
Como o senhor vê o futuro do jornal tradicional?

É difícil prever alguma coisa, no meu entender, o jornal só sobrevive se for investigativo, jornal de opinião, ou jornal que tenha grandes nomes de orientação pública, interprete, traduza os fatos. Quem esta fazendo esse jornalismo e está indo muito bem é a Carta Capital. Piauí é uma novidade, uma mostra do futuro. As grandes revistas no mundo todo estão passando para meios eletrônicos.
Faz sentido uma revista viver de notícias de escândalos?

Não suporto uma postura dessas. Não sei quem é pior, se o público que lê ou quem a publica.
As novas gerações informam-se de uma nova forma?

Não lêem jornais, revistas, querem informações rápidas. Os livros eletrônicos é o futuro. Olho a minha biblioteca e penso: “Coitada!”. A Enciclopédia Britânica é via meio eletrônico.
Sua convivência com as mais diversas ferramentas de comunicação permite dizer que o romantismo nessa área acabou?

Entra o lado emotivo, saudoso. Acho que esse é realmente o admirável mundo novo. Estamos vivendo momento de poeira no ar, ela não abaixou ainda. Muita coisa terá que ser regulamentada. Mas é irreversível. O primeiro livro escrevi em uma máquina de escrever, com um enorme pacote, tomei o ônibus, fui á São Paulo, entreguei para a editora, após um mês estava revisado, ela mandou-me pelo correio, fiz uma nova revisão, levei novamente à São Paulo. Foram de 4 a 5 meses para ser editado. Hoje mando um livro meu em seis segundos para a editora. Nunca tivemos a oportunidade de termos tantas informações como agora. Mas que informação? Um fato real, foi quando pediram a um garoto para fazer a biografia de Beethoven. Ele acessou a internet, e respondeu: “É o cachorro famoso...”. Se você não tem conhecimento a tecnologia não serve para nada. As universidades estão preparando a ciência de acordo com quem financia. O cientista não tem liberdade para fazer o que quer, necessita do financiador, Financiam o que interessa ao mercado. As escolas estão preparando mão-de-obra. Não estão preparando cidadão. Não estão formando. Não deveriam mais falar em educação, deveriam falar “ensino formal”. Educação é outra coisa. Universidade para todos não é correto, é para quem tem talento. Para quem tem vocação. Tenho cinco filhos, três fizeram universidade, dois não quiseram fazer, têm talento para outra coisa. Universidade não é só graduação, é pesquisa, extensão.
O que é necessário para ser um bom jornalista?

Tem que ter vocação, não adianta ter talento. Você pode ter um grande talento, ser espetacular, mas se não tiver vocação, não vai. Vocação exige de você tudo, como a medicina.
Quantos livros o senhor publicou até hoje?
Vinte. Tenho mais uns cinco prontos para publicar. O Dicionário Caipiracicabano conforme disse um amigo, dei um tiro em um mosquito e acertei um elefante. Foi escrito sem qualquer pretensão. Era complementação da Província, já está indo para a sexta edição. Foram vendidos mais de 40.000 exemplares. Ainda vendo 100 a 110 exemplares por mês só na Livraria Nobel. Não costumo reler o que escrevi, tenho dois livros que considero obras primas: “Isto é Meu Corpo” e “Miserere Mei, Amor”.














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