sábado, janeiro 16, 2010

JANDYRA SILVEIRA RAMOS
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 16 de janeiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADA: JANDYRA SILVEIRA RAMOS
Bisneta de Prudente de Moraes, a sua avó Maria Amélia casou-se com seu avô João Batista da Silveira Mello. A Professora Jandyra casou-se com o Professor Algemiro Coelho Ramos. Muitas gerações de piracicabanos devem a ambos não só o aprendizado formal de música, português, latim. Formaram um casal que sempre honrou e dignificou o nome de seus antepassados ilustres. Que educou antes de tudo, com o exemplo.
A senhora nasceu onde?
Nasci em Brotas no dia 12 de fevereiro de 1932. Meu avô materno tinha uma fazenda de café no Alto da Serra. Meu pai Silvio Silveira Mello tomava conta dessa fazenda. O pai dele João Batista da Silveira Mello que tinha o cognome carinhoso de Lalau foi um dos primeiros médicos de Piracicaba, ele foi casado com a filha mais velha de Prudente de Moraes, Maria Amélia. Era o genro para quem ele escrevia. Foi ele quem tomou as providencias necessárias para realizar a mudança de Prudente de Moraes quando este terminou seu mandato como presidente da república. Meu avô João Batista Silveira Mello foi um dos primeiros médicos da Estrada de Ferro Sorocabana. Lembro-me da família Martins comentar que ele foi médico deles. Minha mãe era da família Camargo Simões, seu nome é Jandyra Simões Silveira Mello. Os Simões de Brotas abriram fazendas, era sertão, viam-se onças.
Seus pais tiveram quantos filhos?
O João. A Maria Amélia, conhecida por Lia, era muito bonita. Não havia colegial em Piracicaba, ela fez um pouco em Limeira, um pouco no Colégio Piracicabano, e quando abriu no Sud Mennucci só tinha ela de mulher, a classe era de 33 alunos. Eram todos muitos amigos. Ela conheceu seu marido, Hélio Candido de Souza Dias, da família Souza Dias de São Paulo. Ele foi um dos maiores agrônomos que conheci. Eles tiveram nove filhos. Depois vinha o Silvinho, eu, Josette, e a Maria da Glória. É interessante observar que a Josette era muito amiga de Monteiro Lobato, ainda moça ela já escrevia. Monteiro Lobato quando escreveu Os Doze Trabalhos De Hercules, estava na Argentina, de lá ele mandou para ela os fascículos. Antigamente as frutas de Piracicaba eram maravilhosas, e a minha mãe mandou para Monteiro Lobato uma caixa de mangas Bourbon. Ele escreveu uma carta interessante dizendo que ele sempre pensou que a Bahia fosse a rainha das mangas, mas que ele descobriu que Piracicaba era a rainha das mangas!
A senhora conheceu Monteiro Lobato?
Conheci! Foi em uma visita em que a minha irmã Lia foi fazer a ele. A única coisa, que me lembro de ele ter dito foi quando ele me olhou e disse: “–Você é pernilonga quem nem o seu avô!”. Ele e a esposa dele gostavam muito da minha irmã Josette. Quando ele faleceu, sua esposa mandou de presente para a minha irmã Josette uma tesourinha que ele utilizava para abrir suas correspondências.
O Dr. João Batista da Silveira Mello morava aonde em Piracicaba?
Ele morou na Rua Treze de Maio, entre as ruas Santo Antonio e Alferes José Caetano, em frente aonde foi posteriormente o consultório do médico Dr.Tito. O meu pai tinha um grave problema de visão, e mesmo assim ele tomava conta da contabilidade da fazenda, com grande competência. Essa sua deficiência visual o impediu de prosseguir nos estudos. Seus irmãos prosseguiram nos estudos, um deles, João Batista também, foi juiz, o Otávio da Silveira Mello tomava conta do Jardim Botânico.
A senhora teve uma tia que foi prefeita em Limeira?
A minha tia, também neta de Prudente de Moraes, Maria Thereza Silveira Mello de Barros Camargo foi prefeita em Limeira, foi uma das primeiras deputadas.
A mãe da senhora, Dona Jandira Simões Silveira Mello estudou onde?
A família dela era muito grande, minha avó teve muitos filhos e a minha mãe era a mais velha. Com o tempo minha mãe entendia o francês ela lia francês, em espanhol. Ela lia para o meu pai que tinha sua visão deficiente. Eles leram todos os clássicos portugueses. O mais engraçado era quando eles iam ao cinema, com o tempo minha mãe passou a ter uma pequena deficiência auditiva. Ambos iam até o cinema, sentavam-se bem á frente da tela para não incomodar as pessoas que ali estavam. Era um horror para quem se sentava perto deles, porque minha mãe ia lendo as legendas para o meu pai. Quem se sentava sempre por perto era Erotides de Campos e sua esposa. Uma das lembranças que guardo da minha mãe era ela mexendo as panelas com um livro na outra mão: lendo! Ela lia o tempo todo! Discutia qualquer assunto. A família do meu pai era muito ligada a leitura. Ela tinha um tio-avô, o Tio Nhô-Nhô, ele era irmão da Carolina Ferraz Barbosa, esposa do Coronel Barbosa, que deu origem ao nome do Clube Coronel Barbosa. Nós morávamos na Rua Prudente de Moraes, na direção da cadeia, e o Tio Nhô-Nhô morava em uma casa que existe ainda na esquina da Rua Prudente de Moraes com a Rua Tiradentes. No tempo da Segunda Guerra Mundial ele descia até a nossa casa para ouvir o Reporte Esso. Já velhinho, ele entrava, e dizia: “Ó de casa!”. A criançada respondia: “Entra Tio Nhô-Nhô!”. Começava o Repórter Esso tínhamos que fazer silêncio. O apresentador entrava no ar e dizia aos ouvintes: “-Boa Tarde!”, Tio Nhô-Nhô respondia: “-Boa Tarde!”. Ele era lúcido. Todo dia ele ia a nossa casa para a minha mãe ler as Notas e Informações do Jornal O Estado de São Paulo. Ele estava tão acostumado, que para ele só a minha mãe é que sabia ler essas notas e informações! Ela lia bem, entendia o que estava lendo. Em casa, o castigo era quando a minha mãe viajava para acudir um parente doente, alguém era escalado para ler as Notas e Informações do Jornal Estado de São Paulo.
A senhora estudou o primário onde?
Fiz o primário aqui no Prudente, que funcionava onde é hoje o Museu Pedagógico Prudente de Moraes. Antigamente o ginásio era no Sud Menucci, a relação dos alunos que passavam ficavam expostas no Jornal de Piracicaba. Quando entrei na sala de aula a primeira coisa que o Professor Benedito Dutra fez foi fazer a chamada dos alunos, quando chegou o meu nome ele me disse: “- Dona Simões! Vamos ver se não derruba a peteca!”. Por causa dos meus tios que eram muito bons.
E piano, onde a senhora fez seus estudos?
Próximo da minha formatura foi incluído o curso de música no currículo escolar. Os conservatórios só existiam no Rio de Janeiro, em São Paulo e Campinas. Miguel Zigggiate ele vinha para Piracicaba procurando levar alunos para o conservatório. Eu, Cidinha Mahle, que estudava com Dona Dulce Rodrigues de Almeida, ela tinha uma formação excelente como pianista. Eu estudei com Dona Maria Wagner, uma senhora austríaca que tinha vindo ao Brasil para dar aulas á filha de um fazendeira de café
Quantos filhos os pais da senhora tiveram?
Éramos seis. Tínhamos um irmão que faleceu em Jacareí. O mais velho, João Batista Silveira Mello, é vivo ainda, mora em Curitiba, ele era conhecido como João Fazendinha. Ele tem filhos maravilhosos.
Ainda na fazenda a senhora teve aulas de canto?
A Dona Dirce Rodrigues nos ensinava a cantar, na época eu deveria ter de cinco a seis anos de idade. Quando viemos morar em Piracicaba ela tornou-se nossa amiga. Ela era muito amiga. da minha irmã Josette. Essa minha irmã foi pioneira no ensino de musica para bebês a partir dos 10 meses. No ano passado a Universidade Federal de São Carlos implantou esse curso de música.
A senhora tem algum parentesco com o Sr. Rubens Silveira Mello?
Eles são parentes do meu pai. Meu pai conhecia bem Dona Diva, irmão do Silas e do Celso Silveira Mello.
A senhora tem quantos filhos?
A mais velha é a Esther, médica, professora de genética, trabalha com pesquisa na USP. Ela tocava vilino e depois tocou viola na orquestra do Maestro Ernst Mahle. Por três vezes ele foi á Bahia para completar a orquestra da Universidade da Bahia. Depois dela nasceu a Ruth, já falecida. Em seguida a Rachel que é engenheira química, ela trabalhou por treze anos na Gessy Lever. Hoje ela está na Itália com o marido. Conseguimos formar os quatro filhos, dois na USP e dois na Unicamp. O Caio fez direito na São Francisco em São Paulo. Hoje ele é um dos diretores mais novos da Assembléia Legislativa. Ele gosta muito de escrever. Ao conhecer as músicas de Germano Mathias, gostou muito. Descobriu que Germano estava vivo. Ele conseguiu fazer com que o Germano voltasse á mídia, tendo inclusive escrito um livro sobre ele.
A senhora toca instrumento de teclado?
Por 30 anos toquei na Igreja Bom Jesus.
A senhora lecionou em Paraguaçu Paulista?
Lecionei e na a casa onde eu morava pertencia a um alfaiate, Sr. Adolfo Grilli. Para ele eu era a filha mais velha.
A senhora tinha algum grau de parentesco como interventor Fernando Costa?
A esposa dele era prima do meu pai.
Houve um período em que o gado, cabra era tratado com carrapaticida?
Existiam em Piracicaba os banheiros carrapaticidas. Havia um lá adiante da Metalúrgica Dedini e outro na Paulista. A cada vinte dias o gado tinha passar por aquele banho. Era composto por corredores, onde cada pessoa que tivesse gado, cabra levava seus animais para passar por esse corredor. O serviço que o meu pai desenvolveu na escrituração dessas atividades serviu como modelo para a Água Branca, São Paulo.
A senhora lecionou em Londrina?
Quando eu me formei embora estivesse com os devidos registros, não tinha a idade obrigatória para prestar concursos, quer era de 21 anos. Meu irmão trabalhava no Paraná, e eu fui ajudar a minha cunhada a preparar uma festa de formatura. Era obrigatório ter registro para lecionar, o que no caso eu tinha. Com isso dei aulas no colégio particular, do estado.
Qual condução a senhora usou para ir á Londrina?
Fui de avião. Meu tio veio para cá e eu fui com ele. A comunicação entre Londrina e Piracicaba era quase inexistente, o telefone levava horas para poder completar uma ligação. A viagem de trem era constantemente interrompida por queda de barreira. Quando chegava á Sorocaba era um alívio. Em Londrina dei aulas de piano no conservatório de lá.
A senhora chegou à idade de poder prestar concurso, para onde foi designada?
Os concursos eram como provas de mestrado. Havia uma prova de erudição. Uma prova em que a pessoa cantava Lá-rá-rá-rá e você tinha que fazer as notas musicais correspondentes. Depois tinha uma prova com o tempo de 40 minutos, sobre um tema sorteado 24 horas antes. Uma aula dada em escola do Estado, sorteada também 24 horas antes. Na Alta Sorocabana era o local mais próximo da minha irmã. Eu saía de São Paulo ás 4 horas da tarde e chegava a Santo Anastácio no dia seguinte ás 7 horas da manhã. De presidente Prudente vim para Palmital, que é pertinho de Assis. De Palmital eu fui Paraguaçu.
Quando foi que a senhora conheceu o seu marido Professor Algemiro Coelho Ramos?
Ele lecionava latim em Paraguaçu. Ele morava com seus parentes em uma casa que ficava em frente onde eu morava. Então eu ia e voltava com, nós éramos muito amigos, ele tinha as namoradas dele. Depois ele foi para São Paulo. O pai do Algemiro era de família tradicional de Itapetininga, daqueles tradicionais coronéis, uma figura imponente, tinha muita semelhança com Washington Luiz. Na época de Getulio Vargas ele foi preso, pensaram que estavam prendendo Washington Luiz! E ele com maior orgulho! Aos 7 anos de idade a mãe de Algemiro teve morte súbita. Ele foi morar com uma tia em Itu. As Irmãs de São José perceberam que o Algemiro gostava muito de estudar, a madre o aconselhou a entrar para o Seminário em Pirapora dos Padres Premonstratenses. Só que ele não tinha a vocação sacerdotal. Quando teve que passar para o Seminário Maior em São Paulo, ele estava desapontado, conversou com os padres, que o apoiaram na sua decisão. A sua tia foi informada da sua decisão, e como ela tinha mudado para São Paulo ele foi morar com ela. Prestou exame para a Faculdade de Filosofia, entrou, e arrumou emprego em um banco. Quando ele concluiu a faculdade conseguiu uma substituição grande para dar aula de latim em Paraguaçu.
Onde foi o casamento da senhora com o Professor Algemiro?
Foi na Igreja São Judas Tadeu, em São Paulo, no dia 10 de janeiro de 1962. Foi um casamento muito simples.
Ele era uma pessoa muito franca?
Era de uma grandeza, muito preocupado com os outros. Tinha muitas pessoas que o adoravam.
Em que ano ele faleceu?
Foi dia 4 de maio de 1995. Quanta gente ele ajudou, quantas apresentações por carta ele fez! Quantas bolsas ele conseguiu no CLQ, com o Turcão, com Wilson Saito. Em Paraguaçu o Banco do Brasil estava construindo uma agencia, a moçada animou-se, lá não havia muitas oportunidades de trabalho. Pediram ao Algemiro que os preparasse para o concurso do Banco do Brasil. Todo dia ás 6 horas da manhã estava abrindo a escola, deu as aulas pra eles. Passaram todos! Uma vez Algemiro e eu fomos passear em Paraguaçu, passamos pela porta do Banco do Brasil, quando um dos funcionários nos viu, saíram todos de dentro do banco. Aqui em Piracicaba ele era procurado por pessoas das mais diversas faixas etárias para conversar com ele quando tinham problemas.

Comentários:
Fui aluno de Dona Jandira e do prof Algemiro, no ginásio Dr. Jorge Coury. A eles tenho imenso respeito e saudades dos professores de qualidade, que ajudaram a formar toda uma geração com caráter e hombridade. Esta entrevista trouxe-me muitas recordações. Parabéns, Nassif.
Um abraço de Luiz Ricardo Bastos
# postado por Luiz Ricardo Menezes : 12:11 PM
LAZARO ANTONIO DE ALMEIDA
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 09 de janeiro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.tribunatp.com.br/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: LAZARO ANTONIO DE ALMEIDA
Lázaro Antonio de Almeida nasceu em Porto Feliz, no dia 03 de maio de 1944, é o filho mais velho dos oito filhos de João Augusto de Almeida e Irene Barreiros de Almeida. Logo após o seu nascimento, a sua família transferiu-se para a cidade de Assis. Trabalhou como ferroviário, chegando a Chefe da Agencia de Piracicaba do IBGE, onde se aposentou. Ele lembra-se dos tempos da Sorocabana, onde a cada mudança de administração do alto escalão mudavam-se as diretrizes da empresa, muitas vezes ocasionando perdas incalculáveis. Se não havia uma remuneração satisfatória, havia a dedicação integral dos funcionários efetivos. Trabalhava-se com amor. Motivado por busca de melhores condições, prestou concurso e entrou no IBGE. Assumiu a chefia em Piracicaba, onde desenvolveu seu trabalho sendo até questionado por facções que queriam superestimar a população da cidade buscando benefício pessoal. Desde 1992 ele está aposentado, Lázaro tem uma visão cristalina da realidade brasileira.
O senhor estudou em Assis?
Comecei a estudar em Assis, no Grupo Escolar Lucas Thomaz Menk. Pelo período de um ano estudei em Porto Feliz, no Grupo Escolar Coronel Esmédio, onde fui aluno da professora Lígia. No período em que realizei meus estudos de ginásio e colégio em Assis, fui aluno do Curso de Formação em Transportes, CFT, ministrado pela Estrada de Ferro Sorocabana. Estudava durante o dia na Sorocabana e a noite na escola estadual. No curso do CFT as aulas eram dadas alternando-se um dia era aula prática outro dia aula teórica. Como em Assis havia oficinas da Estrada de Ferro Sorocabana, havia duas modalidades de cursos, um que era voltado para quem iria trabalhar nas oficinas e outro voltado para quem iria trabalhar nas estações. Eu fiz o curso para exercer as atividades nas estações. Além do curso de telegrafista, conferente, formação de composição de trens.
As composições que saiam de Assis eram de trens de cargas, passageiros?
Tinha de tudo. Trem só de carga, só de passageiros, de passageiros e cargas. Existiam quatro divisões na Sorocabana. A Quarta Divisão era sediada em Assis. Ali se controlava os trens dos trechos que iam de Ourinhos até Presidente Epitácio. O ramal Dourados não chegou a concluir o seu projeto na integra, que seria de ir até Dourados.
A linha de trem que passava por Assis saía de onde?
A chamada linha-tronco saía da Estação Julio Prestes em São Paulo e ia até Presidente Epitácio. Piracicaba era um ramal da Sorocabana, que tinha seu ponto final em São Pedro.
Aproximadamente, quanto tempo levava a viagem de São Paulo á Assis?
O trem de passageiro levava onze horas, se não me falha a memória, de Assis á São Paulo o percurso ferroviário era de 580 quilômetros, a velocidade média era de 50 quilômetros por hora. O trem de carga levava mais tempo.
O ramal da Sorocabana que passava por Piracicaba era mais lento?
Era outra situação, a viagem era mais demorada. A linha de São Paulo á Presidente Epitácio tinha um trecho entre São Paulo até Sorocaba onde o trem corria muito, a linha era dupla, não havia parada para aguardar a chegada da composição que vinha no sentido contrário.
Quando o senhor passou a trabalhar na Sorocabana ainda existiam as famosas Maria Fumaça?
Tinha uma ou outra que era utilizada para manobras em pátio. Em Assis não havia o virador de locomotiva, para virar a máquina era utilizado o conhecido sistema chamado triangulo.
A eletrificação da linha chegou a funcionar em Assis?
Eu saí da Sorocabana em 1973, se não me engano a eletrificação da linha até Assis chegou em 1970. Hoje o sistema eletrificado está totalmente desativado. A linha permanece funcionando até hoje.
O senhor tem saudade dessa época?
Eu entrei na Sorocabana quando ainda era menino, fiquei bastante tempo, e só sai porque as condições oferecidas pela Sorocabana não permitiam que eu permanecesse, o salário era baixo. O trabalho em si deixava-nos orgulhosos, todos que trabalhavam lá ganhavam pouco, mas exerciam suas funções com amor pelo serviço.
O uso de farda era para alguns cargos?
O maquinista, o chefe de trem, o chefe da estação, eles tinham um fardamento. Os demais funcionários usavam roupas comuns.
O senhor foi telegrafista, quais foram os equipamentos que chegou a usar?
Na escola aprendemos o alfabeto Morse, onde as letras e números são transformados em código utilizando as grafias de traço e ponto. O telegrafo era uma caixa de madeira com uma campainha em cima e duas pequenas tábuas onde batíamos o código. Outro aparelho era só com o toque. Mudava a sonoridade, a aplicação, embora o código fosse o mesmo.
Havia um apelido para o telegrafista que não operava com muita agilidade?
Era denominado em tom de brincadeira como pica-fumo. Uma referencia ao habito comum na época de picar fumo de corda. Nós tínhamos que receber, decodificar e escrever manualmente a mensagem.
O senhor trabalhou em estações pequenas?
Trabalhei em Presidente Epitácio, Álvares Machado, onde eu fazia praticamente todo tipo de trabalho referente á estação. Quem trabalhava á noite atendia o telegrafo, fazia o recebimento de despacho de trens, vendia bilhete de passagens, recebia os trens que chegavam.
Como eram formadas as composições de passageiros?
De Presidente Epitácio o trem não saia completo, ao longo do percurso ia agregando mais carros á composição. De lá saia uma locomotiva, o primeiro carro que era o de bagagem, depois vinha o carro de segunda classe, o carro restaurante e depois o carro de primeira classe, no meio do caminho eram agregados os carros dormitórios, que eram os últimos da composição.
Como era um carro dormitório?
Era divido em cabines, e cada cabine tinha dois leitos, um em cima do outro. Havia em cada uma delas o vaso sanitário, era isolado, porque poderia ocorrer de viajar com pessoas que não eram conhecidas. Normalmente quem viajava nesse tipo de carro eram pessoas com poder aquisitivo mais alto, pelo próprio preço da passagem.
Dormia-se com a roupa que estava no corpo?
Casso o passageiro desejasse poderia trocar de roupa no banheiro, na própria cabine, se estivesse com pessoa que possibilitasse tal liberdade.
Se quisesse viajar de pijama poderia?
Com certeza sim! É interessante observar que no caso das cabines não havia o que era comum nas primeiras e segundas classes, aonde de trecho em trecho vinha o chefe do trem, acordar o passageiro para conferir a passagem. Cada vagão de cabines tinha um responsável, que sabia onde cada passageiro iria descer, chamava-se camareiro. Ele batia na porta avisando o passageiro que o seu destino de viagem estava próximo.
Quantos funcionários geralmente compunham um trem de passageiros?
Havia o maquinista, o auxiliar do maquinista também chamado de foguista, por ter sido no tempo do trem á vapor a pessoa que alimentava a maquina. Viajavam ainda o chefe de trem, o ajudante de chefe de trem, se tivesse cabines havia o camareiro. Quem picotava o bilhete da passagem era o chefe de trem ou seu auxiliar. No caso do carro restaurante era explorado por terceiros. Como os bares das estações também eram explorados por particulares. No carro restaurante havia o cozinheiro, o garçom. Havia um balcão para lanches ou para tomar algum refrigerante. Nas mesas eram servidas as refeições. Em determinadas épocas do ano, poderia ocorrer da pessoa não conseguir passagem para viajar, por causa da grande procura. O excedente ia de ônibus. Havia um trem com características de trem de carga, onde havia um carro de passageiros, os demais eram vagões de cargas. A sigla desse trem era BG. Passageiro que não tinha muita presa ia nele. No trem superluxo havia o carro chamado Pullman de um lado havia uma poltrona e do outro havia duas poltronas, reclinava ficando um semi-leito. Todo trem superluxo tinha ar condicionado.
Por quanto tempo o senhor permaneceu trabalhando na Estrada de Ferro Sorocabana?
Eu comecei a trabalhar mesmo, quando conclui a escola, em 1963 e permaneci até 1973. Foram 10 anos. Quando estava na fase de transformação para a FEPASA eu sai.
O motivo alegado para desativar o transporte ferroviário era o fato de ser deficitário?
Deficitário como quase todas as estatais no Brasil. A Sorocabana tinha uma revista mensal aonde vinha o balancete, era considerada como décimo segundo estado do Brasil em termos de arrecadação. A administração mudava conforme a mudança de governo. Cada governo eleito nomeava o presidente, a diretoria como cargos de sua confiança. Tive a oportunidade de ser chamado em São Paulo, onde conversei com um diretor e pude constatar seu total desconhecimento e despreparo para a função que exercia. O pessoal que ocupava a chefia de estação, de divisão, era efetivo, os cargos não eram de natureza política.
O senhor desligou-se da Sorocabana e foi trabalhar onde?
A baixa remuneração feita pela Sorocabana me levou a prestar um concurso no qual passei, e fui trabalhar no IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Fui nomeado para trabalhar em Ourinhos onde permaneci por um ano. Em 1973 fui para Assis, onde permaneci até o inicio de 1976. Na época me ofereceram a chefia do IBGE em Piracicaba, e assim vim para cá, onde assumi o cargo de Chefe da Agencia de Piracicaba.
Onde se localizava IBGE na época?
Funcionava na Rua Moraes Barros, ao lado de onde era a garagem da CPFL.
Quantos funcionários trabalhavam lá?
Existiam 11 funcionários.
Qual é a função básica do IBGE?
É fazer levantamento de todas as estatísticas possíveis. É comum associar o nome IBGE com estatística populacional. As pesquisas são em diversos campos: industrial, agrícola, estatísticas realizadas em cartórios, prisões.
A sede do IBGE fica aonde?
Fica no Rio de Janeiro.
O senhor permaneceu quanto tempo no IBGE?
Aposentei-me em 1992. Quando cheguei em Piracicaba , havia um censo qüinqüenal, que era o econômico e o agrícola, e estava em pleno andamento. Fiz o censo demográfico em 1980, depois em 1985 o censo agrícola e econômico e o censo demográfico de 1990.
Qual são as principais finalidades de um censo?
O censo é desde a época de Jesus Cristo. Quando ele nasceu, José e Maria iam prestar informações para o recenseamento. No Brasil começou por volta de 1910. É importante para conhecer a realidade de um país. Tem que haver estatística, embora nem todos reconheçam essa importância, na época tínhamos muitas dificuldades em obter informações. Tínhamos uma retaguarda legal que se a pessoa se negasse a prestar informações ela poderia ser intimada a fornecer os dados exigidos. Hoje a pessoa ao ser recenseada se negar a prestar informações ninguém pode obrigá-la a fazer.
As informações mais distorcidas são as de natureza econômica?
Isso sempre existiu, mesmo quando havia na época a garantia de sigilo total. A estatística no Brasil é relegada a um segundo plano. Quando houve a transição de governo, em que o Sarney assumiu a presidência, o censo demográfico de 1980 foi feito em 1981. Porque na fase de transição, percebendo que havia recursos alocados para o censo, os mesmos foram utilizados para outras finalidades. Com isso perdeu-se a série histórica de 10 anos. Até então, todo censo demográfico tinha sido feito com o ano terminado em zero.
De 1973 até os dias atuais o Brasil praticamente duplicou sua população. Isso é positivo?
Eu acho que o crescimento demográfico em certas regiões é necessário.
O senhor é formado pela UNIMEP?
Sou formado em Ciências Contábeis.
Tecnicamente a emancipação de pequenas localidades é um fator positivo?
Depende da cidade. Tem lugar, como por exemplo, Hortolândia e Sumaré. Hortolândia é maior do que Sumaré, no entanto era distrito de Sumaré. Nesse caso é justificável a emancipação. No Brasil há casos em que se cria um município, e o que se arrecada é insuficiente para pagar o salário do próprio prefeito! Há sinais de que vem uma nova onda de criação de novos municípios. Existem certas situações onde são claros os níveis de dificuldades para que o IBGE faça uma pesquisa. Em grandes centros, onde há regiões de alto índice de violência, é impraticável a realização de pesquisa! Quem se arrisca a entrar nesses locais? Não se trata de preconceito e sim de realidade. O Estado não sabe como atuar em situações dessas.
O fato do IBGE estar sediado no Rio de Janeiro e o centro do poder estar em Brasília podem afetar em alguma coisa?
Acredito que não. Atrapalharia mais se a sede localiza-se em Brasília!
Das diversas classes sociais e econômicas existentes qual é a mais propícia a dar informações corretas?
Acho que encontramos maiores facilidades com as classes menos elevadas. A informação é mais pura, mais real. A classe média e a alta trabalham as informações. Acho que falta uma conscientização por parte dessas pessoas, quando se apura o censo não aparece o nome de ninguém.

Comentários:
Li a entrevista, a qual revelou o universo dos ferroviários, cujo o entrevistado, o Senhor Lazaro foi ótimo memoralista, pois relatou ricos contextos históricos,de uma era sobre as rodas de ferro.
Ademir Pfiffer - Historiador - Jaraguá do Sul - SC
# postado por ValeItapocu : 8:45 AM












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