sexta-feira, julho 20, 2012

RONAN BATISTA BORGES

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 21 de julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/

ENTREVISTADO:RONAN BATISTA BORGES
Do alto de seus quase 87 anos de vida Ronan Batista Borges comanda a administração da Pousada Nossa Senhora Aparecida em Águas de São Pedro. Extremamente ativo, vai às compras dos insumos necessários, está sempre atento ao mínimo detalhe. Seus hóspedes tornam-se seus amigos. Poucos imaginam sua trajetória de vida, a batalha que travou para conquistar seu lugar ao sol. Muitas pedras usadas para fazer a segunda pista do Aeroporto de Congonhas em São Paulo, foram transportadas por ele com seu caminhão, o fornecedor era o lendário Vicente Matheus que ficou muito conhecido como presidente do Corinthians. No então terreno em frente ao Aeroporto de Congonhas havia uma criação de suínos brancos. Não existia a Avenida 23 de Maio. Como taxista Ronan rodava 300 quilômetros por dia dentro de São Paulo, alimentava-se com sanduíches, ou às vezes ia comer no Gato Que Ri, um restaurante que saciou a fome de muita gente com comida boa e barata, hoje é um restaurante com clientela mais sofisticada. Ronan recorda-se do tempo em que existiam bondes em São Paulo. A malha viária da cidade era em boa parte chão de terra. Ronan Batista Borges nasceu a 24 de agosto de 1925 em Alterosa, foi registrado em Alfenas onde existia cartório. São seus pais João Olímpio e Ana Vitória dos Santos que tiveram 15 filhos. Seu sobrenome Borges foi herdado do seu avô paterno. Ronan casou-se com Julieta Alves Borges.

Qual era a atividade profissional do pai do senhor?

Ele era sitiante, procurava morar na cidade para que os filhos tivessem a oportunidade de estudar. Ele negociava creme de leite, despachava para a cidade de Casa Branca. Até 13 anos trabalhei na agricultura, estudei no Instituto Nossa Senhora Aparecida, de Campo do Meio e na Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas.
 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas
 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

 Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas

                                     Escola Estadual Coronel José Bento, em Alfenas.




Em Alfenas o senhor trabalhou?

Trabalhei no Clube XV de Alfenas, tinha 17 anos, lá permaneci por uns dois anos. Ao sair de lá montei um pequeno comércio em Monte Belo. Não satisfeito em 1945 decidi ir para São Paulo, hospedei-me na casa de uma prima na Penha, peguei o bonde na Rua Cantareira e desci na Penha, dirigi-me até a Rua Senador Godoi. Comecei a trabalhar na Nitroquímica Brasileira em São Miguel Paulista, era um serviço de muito risco para a saúde, trabalhava na produção, com sulfato de alumínio .Tinha que tomar muito leite para evitar intoxicação. Sai daquele emprego e fui trabalhar na Casa Casoy situada na Rua Barão de Duprat, onde costurava maletas escolares para uso infantil, lá mesmo aprendi a costurar com máquina indústrial. Em seguida com 21 para 22 anos trabalhei na Alves Azevedo Importadora e Exportadora, onde permaneci até casar com quase 23 anos. O forte da empresa era a Manteiga Viaduto, Àgua Prata e bebidas estrangeiras.

Como o senhor conheceu a sua futura esposa?

Eu a conheci em Minas Gerais, a família dela era conhecida da nossa família, fui passear em Minas, passamos a conversar, namorar e dentro de seis meses nos casamos. Aluguei uma casa no bairro da Penha em São Paulo onde fomos morar após casarmos. Por um período permaneci trabalhando na Alves Azevedo. Saí de lá e montei um bar em São Miguel Paulista. Após uns quatro anos com o bar resolvi mudar para Mato Grosso, na divisa próximo a Dracena. Por um ano e meio tive umaa pensão. Morei em Dracena, vim para São Paulo, voltei para Minas Gerais e acabei voltando para a Penha em São Paulo. Em Minas eu tinha um onibus Chevrolet fabricado em 1946 depois troquei por um outro ônibus Chevrolet 1950, conhecido como “Boca de Sapo”, fazia a linha de Areado para Alfenas, fazia uma viagem por dia, a distância era de uns quarenta quilometros entre uma cidade e outra, passava pelos sítios em estrada rural. Vendi o ônibus e vim para São Paulo onde comprei um caminhão Dodge 1951 transportava pédra da pedreira de propriedade de Vicente Matheus para a cidade de São Paulo. Transportei paralelepipedo para calçar a Rua do Grito, levei pedra britada para a segunda pista do Aeroporto de Congonhas, ainda não existia a Avenida 23 de Maio, para chegar lá era tudo estrada de terra. Saia de Guaianazes, passava pela Vila Formosa, tinha cerca de arame no Cemitério da Vila Formosa, passava pela Vila Carrão, Água Rasa, saia na Avenida do Estado perto do Ipiranga. Em frente ao Aeroporto de Congonhas, ao lado de onde hoje é a Avenida 23 de Maio havia um criame de porcos brancos, grandes. Fiquei com o caminhão uns três anos, vendi e fui trabalhar com um pequeno armazém na Penha. Como a renda era pequena, fui trabalhar como taxista.Quando cheguei em São Paulo tinha apenas dois viadutos: O Santa Ifigênia e o Viaduto do Chá. Depois fizeram o Viaduto do Gasômetro no Largo da Concórdia, antes existia uma porteira para barrar o trânsito e deixar o trem passar. Depois começou a ter viadutos. 
                         Elevado Presidente Costa e Silva, conhecido popularmente como "Minhocão".

 Paulo Maluf fez o Minhocão que é uma via elevada sobre a passando sobre a Rua Amaral Gurgel, a Avenida São João e a sua continuação a Avenida General Olímpio da Silveira. Na década de 50 a Rua da Consolação era estreita, com muitas casas, pouco comércio e algumas pensões no trajeto. Vi fazer a Avenida Rio Branco, plantarem as árvores. Eu trabalhava na Alves Azevedo que ficava na Rua Aurora, 60.
Localizado no número 100 da Rua Aurora passou a existir o Bar do Leo, famoso pelo seu chope, tinha um café muito bom, um dos atendentes era o Alarico.
                                          Caminhão Dodge 1951

Qual foi o seu primeiro carro, usado para trabalhar como taxista?

Comecei com um Chevrolet 1947 preto,

depois passei para um DKW “saia e blusa”, era assim chamado por ser verde claro com branco no teto,



trabalhei com Volks, com Corcel I, meu ponto de taxi era na Penha. Chegava a trabalhar até 16 horas por dia.

Quais as lembranças que o senhor guarda do DKW?

Por ser motor dois tempos as vezes era meio ruim de faze-lo funcionar. A porta dianteira abria no sentido contrario, era a chamada “porta assassina”. Era um bom carro. O Corcel I foi um carro muito bom, eu comprei um novo, zero quilometro.

Como era suas refeições?

Comia lanches, as vezes ia na Rua do Arouche, no Gato Que Ri, naquele tempo era muito frequentado por motoristas, era um lugar para matar a fome.

A classe dos motoristas de taxi era bem vista na época?

Não era não. Se fosse a uma oficina consertar o carro os mecanicos não gostavam muito, as vezes a pessoa não tinha dinheiro para pagar o conserto. Eu fui diferente ( Seu Ronan sorri satisfeito).

O senhor transportou pessoas famosas?

Devo ter transportado, eu não as conhecia. Eder Jofre pegou meu taxi, desceu na Rua Frei Caneca, ele estava com um menino, acho que tinha chegado do exterior, assim que ele desceu o próximo passageiro disse-me: “- O Eder Jofre veio no seu carro!” Disse-lhe: “Não sei.” Ao que ele afirmou: “É o Eder Jofre sim!”. As vezes pegava turistas estrangeiros, eles tinham o endereço de destino escrito, mostravam e eu os levava. Eu já morava em Águas de São Pedro quando fui para a Europa com a minha esposa. Ela ficou em Portugal, eu segui até Milão, de San Remo fui à Paris de trem, em seguida fui à Bruxelas. Fui sem guia, sem falar a lingua desses países. Em Bruxelas fiquei no seminário dos premonstratenses. O Cônego Márcio faleceu em nossa casa, nós cuidávamos dele, e eu disse-lhe que iria até Bruxelas, como de fato fui.

Como taxista o sehor foi sempre muito discreto.

Eu procurava fazer o meu trabalho, não conversava se o passageiro não se manifestasse, não ligava o rádio com passageiro dentro do carro, sempre procurei me comportar como civilizado. Teve um outro caso marcante, peqguei uma passageira na rodoviária, e levei ao Jardim Europa, na Rua Dinamarca,160. A passageira desceu, ela era de Ourinhos, prossegui no meu trabalho, apanhei um passageiro para o Tucuruvi, quando ele entrou disse-me: “ Tem uma mala aqui!”. Disse-lhe que era da minha irmã, guardei a mala no porta-malas do carro após o pasageiro descer. Voltei para a Rua Diamarca, não conseguia achar a rua, girei muito fiquei preocupado em ficar rondando o bairro a noite, a qualquer momento poderia ser abordado pela polícia se alguém achasse estranho. Fui embora. No dia seguinte a minha preocupação era procurar a dona da mala. Fui até a farmácia do Seu Nestor, disse-lhe que precisava telefonar com alguém na residência situada na Rua Dinamarca,160. Procuramos na lista telefônica, achamos e telefonamos. Falei pelo telefone com o dono da casa, Seu Brito. Ele era da Rádio Record. Ele disse-me que a mulher dona da mala estava hospitalizada, tinha passado mal por perder a mala onde estavam seus documentos e bastante dinheiro. Era uma maleta de cromo alemão. Levei a mala, ele ficou muito contente, queria que eu fosse contar a história na Rádio Record. Agradeci o convite mas disse-lhe que não achava conveniente. Perguntou-me se tinha filhos na escola, respondi-lhe que tinha três. Ele então deu-me 15 unidades monetárias (cruzeiros ou moeda da época), era um valor significativo para comprar material escolar para as crianças. Vivi momentos maravilhosos. Levei o escrivão do catório para o Silvio Santos assinar uns documentos. Ele não ria tanto como na televisão, mas é uma pessoa especial.

O senhor torce por algum time de futebol?

Torço para o São Paulo. Em 1946 fui assistir um jogo no Estádio Pacaembu, era novo, cobravam quinhentos réis na acústica e um mil réis na lateral, foi lá que vi Leonidas jogar.

Quantos filhos o senhor e sua esposa tiveram?

Tivemos nove filhos: José Roberto e Maria da Glória são gemeos, nasceram dia 10 de janeiro de 1950, nasceram aos sete meses de gestação, tanto eu como minha espôsa não tinhamos experiência, íamos ainda comprar o enxoval, com o auxilio da parteira nasceu o menino e 25 minutos depois nasceu uma menina. Nós não sabíamos que iriam nascer dois filhos, achavamos que era apenas uma criança. Naquela época os recursos eram escassos. Os dois estão vivos, com 62 anos, ele nasceu com um quilo e trezentos gramas e ela com um quilo e duzentos gramas, foram para a maternidade Leonor Mendes de Barros, no Belenzinho, era nova essa maternidade.
                                    Hospital e Maternidade Leonor Mendes de Barros
 Dona Leonor nos deu muito apoio, foi quem solicitou uma estufa emprestada com a Cruz Azul. Conheci Dona Leonor assim como o Governador Adhemar de Barros. Depois nasceu a nossa filha Ana Lúcia, Edna Aparecida, Luiz Carlos (já falecido), Paulo Cesar, Fátima, Ronan de Alencar, e o Júlio Cesar. Tenho 23 netos e 8 bisnetos.

Quando o senhor chegou, havia algum plano de mudar-se para Águas de São Pedro?

Não tinha planos para nos estabelecermos aqui, foi por acaso. Viemos no dia 2 de novembro de 1972, eu, minha esposa e duas irmãs. Minha espôsa sofria muitas dores reumáticas, indicaram o médico Dr. Arlindo Genarri como especialista da doença. Ele recomendou que deveria vir para Águas de São Pedro, fazer um tratamento aqui que ficaria bem. Foi o que nós fizemos, de fato minha esposa sentiu-se melhor e queria ficar aqui. Tinha uma pensão à venda, minha irmã Francisca dos Reis estava junto, disse-me: “- Pode arrendar a pensão que eu trabalho para que sua esposa faça o tratamento”. Por cinco anos fui arrendatário. Em 1977 adquirimos a pensão. Passou a ser a Pousada Nossa Senhora Aparecida. Atualmente comporta 60 hóspedes.

Quanto tempo faz que a esposa do senhor faleceu?

Faz seis anos, um mês e um dia. Guardo a saudade e o respeito, lutamos juntos. Hoje administro a pousada, vejo se tem que fazer alguma manutenção, faço as compras. Pela idade e saúde que tenho só posso agradecer a Deus.

O filho do senhor é prefeito em Águas de São Pedro, como é ser pai de um prefeito?

É uma responsabilidade que você nem imagina. É bom, fico contente em ver que ele chegou a esse ponto. Os pais se preocupam se a administração é boa ou não. Me preocupo até em estacionar um carro na rua, não posso “queimar” a faixa senão irão dizer: “É pai do prefeito pode fazer isso”. Não pode. Tem as coisas maravilhosas, fui com o meu filho Paulo até o Palácio dos Bandeirantes, o governador Geraldo Alckmin disse-me: “Filho como esse é orgulho para o pai.” Os pais tem amor igual por todos os filhos, as vezes um não faz o que o pai deseja, talvez não o satisfaça muito, mas o amor a gente tem.

Como o senhor se sentiu em sair de uma cidade enorme como São Paulo e vir morar em uma cidade pacata?

Em Águas de São Pedro o povo procura viver em harmonia e tratar bem o turista. Naquele tempo era mais pacata ainda. Só tinha um médico na cidade, Dr. Ângelo Nogueira Vila. Mudei de cidade, mas mantive o ritmo de trabalho que levava em São Paulo, cheguei até a trabalhar como servente de pedreiro na construção da minha casa.

A cadeia tem algum preso?

Não existe, se alguém for preso é levado para a cidade de São Pedro.

Na opinião do senhor hoje o povo está melhor?

Está melhor, por exemplo, pelo número de veículos existentes são poucos acidentes que acontecem. O próprio veículo evoluiu muito, antes tinha carro que ficava sem freio, pneu que estourava com facilidade. O povo está entendendo como é que tem que ser.

O ser humano em suas relações de amizades mudou?

Mudou. O povo não tem tempo para conversar, se conhecerem.

Do que o senhor sente saudades?

Saudades de quando era criança, a vida de andar a cavalo, tinha um cavalo pampa vermelho e branco. Mamãe fazia gemada de ovo caipira, punha vinho Adriano Ramos Pinto que papai comprava de caixa e gostava de dar uma garrafa para as mulheres que tinham tido nenê. Dizia: “-Tome um calicezinho todo dia!”. Papai comprava caixa de bacalhau, era baratinho. Tenho saudades da reunião dos irmãos na casa dos meus pais que também se mudaram para São Paulo.

















































































domingo, julho 15, 2012

Pe. GIOVANNI MURAZZO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 14 de julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
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ENTREVISTADO: Pe. GIOVANNI MURAZZO
Nascido a oito de julho de 1936, na Itália, em Palata, Padre Gionanni Murazzo è um dos cinco filhos de Giuseppe e Filomena Murazzo: Tereza que faleceu aos catorze anos de peritonite, Michele (Miguel), Alberto, Giovanni, Tereza (nome dado em homenagem a primeira filha). Carismático, escritor com mais de uma dezena de livros publicados, em português e italiano, comunicativo, culto, estudioso e pesquisador, um missionário espalhando sementes de fé e esperança. No Brasil conviveu com D. Helder Câmara, D. Luciano Mendes, D. Paulo Evaristo Arns. Foi ordenado sacerdote pelo cardeal africano Rugambwa, primeiro cardeal negro da história. Exerceu seu sacerdócio por dez anos em uma região inóspita, a Ilha da Sardenha. Veio como missionário para o Brasil onde trabalhou no Rio de Janeiro, São Paulo. Em 1987 retornou á Itália onde permaneceu até 1995, ano em que veio para Curitiba e Guarapuava. Transferido para São Paulo, foi por sete anos, Superior Provincial dos Missionários Xaverianos. Em 19 de junho de 2011 foi nomeado Pároco da Paróquia Imaculado Coração de Maria, da Paulicéia. Sua mais recente obra “Cruzes no Caminho” é um bálsamo para os dias atuais onde Padre Giovanni reuniu relatos de experiências muito fortes e positivas, vividas por fiéis que o conheceram.

Como se deu a descoberta do senhor pela vocação sacerdotal?

Naquela época a maioria da população trabalhava nos campos, permaneci com meus pais até 14 anos, quando fui para o seminário. A minha vocação está ligada a um padre xaveriano, Padre Alexandro Pataconi era um missionário muito alegre, divertido, ele veio de Ancona a Termoli, umas três horas de viagem, veio para ajudar o nosso pároco na Semana Santa, se hospedou na casa da minha professora do primário, Gemma Fioritti, que tinha um irmão capuchinho. Essa professora foi para mim uma segunda mãe, depois que o padre Pataconi foi embora ela fez animação vocacional, falando dos padres xaverianos, das missões na China, sobre a necessidade de outros missionários. Ela perguntou quem queria ser padre, quatro ou cinco garotos levantaram a mão. Ela então explicou que para ser padre tinha que ter boa saúde, estudar, ser religioso, rezar bastante. Eu fui um daqueles que levantaram a mão. A professora entrou em contato com a minha mãe, passou a relação dos documentos necessários. Minha mãe e eu fomos pedir uma carta de apresentação ao Padre Rafaelli Di Alessandro, um ex-salesiano, que tinha sido capelão militar e era nosso pároco. Em 1950 entrei em Ancona, que era a casa dos xaverianos mais próxima a minha cidade. Lá encontrei o reitor Padre Mário Veronezzi, ele tinha sido geômetra antes de ser xaveriano. Quando chegamos ao seminário, éramos três, frutos da animação missionária da professora. Padre Mário nos disse: “Mário, Vicenzo e Giovanino, assim como trem que os trouxe tem dois trilhos aqui também temos duas grandes obrigações: oração e estudo”. No ano seguinte ele foi ser missionário em Bangladesh, em 1973 foi morto durante a guerrilha, quando levava no colo um rapaz ferido. É considerado um mártir. Fiz os cursos normais de ginásio. Em Ancona fiquei só um ano, os outros anos foi em Bergamo, terra do Papa João XXIII. O noviciado foi próximo a Ravenna, onde São Guido Maria Conforti tinha sido arcebispo. Após o noviciado por um ano fiz estágio educativo, três anos de filosofia em Désio, próximo a Milão. Os últimos cinco anos eu estudei em Parma, onde fui ordenado a 13 de outubro de 1963. Se Deus quiser no ano que vem irei celebrar o jubileu de ouro, 50 anos de ordenação sacerdotal missionária.

Quem o nomeou padre?
                                                               Cardeal Rugambwa

Foi o Cardeal Rugambwa, primeiro cardeal da África, nomeado aos 44 anos pelo Papa João XXIII. Ele era alto, magro, muito negro. Foi uma benção, o nosso superior geral era de Bergamo, ele acompanhava os bispos da África, da Ásia, onde tínhamos missões e convidou o Cardeal Rugambwa.

Para onde o senhor foi designado após tornar-se padre?

Eu queria ir para o Japão, o meu superior disse-me para ir provisoriamente para a Sardenha. Esse provisoriamente durou 10 anos!

Como era a Sardenha naquela época?

Era uma época em que houve muitos seqüestros na Itália, as vítimas eram levadas para uma região de difícil acesso, existente na Sardenha. Nem os romanos conseguiram conquistar o povo daquela região. Era um lugar muito selvagem. A natureza influencia sobre nós, mas o nosso coração é que dá um sentido à natureza. Se tivermos paz interior somos capazes de ver a vontade de Deus na criação das pedras. Nas décadas 60 e 70, quando inclusive houve o seqüestro de Aldo Moro, a Sardenha ocupou o noticiário. Dois terços da Sardenha são formados por pedras, é um povo muito pobre. O único recurso é o pastoreio de ovelhas, um pouco de turismo, é uma ilha com praias. Toda a Sardenha tinha um milhão e meio de habitantes, a Sicilia, com o mesmo tamanho tinha de cinco a seis milhões.

Em que local da Sardenha o senhor viveu?

No centro da Sardenha, na província de Nuoro, na cidadezinha de Macomer. Cheguei no Brasil em 1974, voltei para a Itália em 1980, de três em três anos, quando volto para a Itália vou até a Sardenha, porque lá fiz muitos amigos. Os sardos têm no início desconfiança da pessoa estranha, é um temperamento histórico, os invasores vinham pelo mar para se apossarem da ilha. Após conhecerem a pessoa é firmada uma amizade verdadeira. Quando cheguei ao Brasil o superior regional Carlos Coruzzi me perguntou se eu me dei bem com a Sardenha, quando lhe disse que sim, ele disse-me: “Coragem! Irá se encontrar bem no Brasil! A Sardenha é como o noviciado para começar a vida religiosa aqui no Brasil.”Há em comum a religiosidade popular, lá ainda continuam a dizer “Se Deus quizer”, “Vai com Deus”, “Deus te abençoe” e também no Brasil o relacionamento de amizade é muito forte.

Quem decidiu que o senhor deveria vir para o Brasil?

Após 10 anos na Sardenha fiz o ano sabático, de aggiornamento, é um ano só de estudos, atualização, não se tem compromisso com seminário, paróquia. Fiz esse ano em Roma, no Ateneu dos Salesianos. Tive como coordenador do nosso curso o Padre Carlos Geanolla, especialista na pastoral juvenil, No segundo semestre Padre Geanolla disse-nos “ Vocês missionários são gente da galera, gente da prisão. Se queixam que a imprenssa publica tantas coisas ruins, e vocês missionários que vão para outro lugar, para outro povo, culturas diferentes, não escrevem nada, com a desculpa de que não sabem escrever, ninguém pede que sejam grandes escritores”. Para mim essa provocação foi como uma chicotada. Naquela época era muito forte a consciencia de que o missionário deixou a sua pátria não somente em nome da congregação, mas em nome da igreja da sua localidade. Incorporei essa idéia, e a cada cinco ou seis meses mandava uma carta ponte. O livro “Pequena Ponte” escrevi recolhendo todas as cartas que escrevia para os amigos, da Sardenha, da Itália. Continuo escrevendo essas cartas a cada três ou quatros meses, conto as coisas mais significativas. Ao chegar em Piracicaba, a primeira experência que contei-lhes é que aqui tem uma catequista, Josefina, que é catequista por cincoenta anos. Temos três pedreiros que trabalham para a manutenção das nossas capelas, um deles, o Wilson, me disse: “Padre Giovanni, não vejo a hora de me aposentar no ano que vem para me dedicar completamente a evangelização”. Eles está fazendo a caminhada do SINE Sistema Integral da Nova Evangelização, que o nosso bispo recomenda, missão permanente. São pequenas faíscas que procuro, para não perder a motivação que nos deu Padre Geanolla. Quando fiz a despedida na minha paróquia em 1974, ao sair da igreja fui procurado por uma senhora bem idosa, ele disse-me: “Padre Giovanni eu não escuto bem, parece que vai como missionário ao Brasil?” Disse-lhe- “Sim, Alfonsina, vou lá onde está o Padre Silvestre”. Ela tinha um filho padre que estava no Brasil. Ela então pegou as minhas mãs e disse-me: “Não faça como o Padre Silvestre, que não me escreve!”. Duas lágrimas caíram do seu rosto. Disse-lhe que faria também a parte do Padre Silvestre. Depois cobrei de mim mesmo, seja pela motivação racional de Dom Geanolla, seja pela emocional daquela mãe. O primeiro batismo que fiz foi em 13 de novembro de 1963, do neto dela, em minha paróquia, e se chama Alfonso. Quando fui ordenado éramos em 32, cinco foram ordenados nos Estados Unidos, porque fizeram teologia naquele país. Em Parma éramos 27, todos ordenados pelo Cardeal Rugambwa. Depois cada um ia celebrar sua primeira missa em suas paróquias de origem. Cheguei em Palata dia 2 a noite , era um sábado, dia 3 celebrei a primeira missa e a tarde fiz meus dois primeiros batizados, Alfonso e Gianluigi.

Em que dia o senhor veio para o Brasil?



O famoso Augustus desatracando do Armazém de Bagagens do


                              Porto de Santos, no ano de sua viagem inaugural - 1952. Foto: José

Dias Herrera.

Cheguei no Brasil no dia primeiro de outubro de 1974, viajando pelo navio Augustus, deve ter sido a ultima viagem do transatlantico. Saímos de Genova em setembro, após dois ou três dias de greve, era normal ter greve, após 12 dias chegamos ao Rio de Janeiro, onde permanecemos por seis horas, eu e o Padre Renato Gotti, fomos visitar duas irmãs que fizeram o curso conosco, em Verona, e já fazia uns cinco ou seis meses que estavam no Rio de Janeiro. Saímos do porto e ao atravessar a Avenida Brasil, o farol abriu, estava atravessando a avenida, um taxi avançou na minha direção, tive tempo de saltar, mas o meu relógio espatifou no meu pulso. Era o dia do Anjo da Guarda, 2 de outubro.

Qual foi a sua primeira impressão ao chegar no Brasil?

O Cristo do Corcovado (Padre Giovanni emociana-se muito). A acolhida do povo. Voltamos ao navio, chegamos em Santos, veio me buscar o Padre Carlos Corrucci, que era o provincial na época. Estava lá também o tio do Padre Renato Gotti, que era presidente de uma conferência de vicentinos, ele era da família Trainna. Em São Paulo tinha um bolo com a bandeira da Itália e do Brasil, escrito “Seja Bem Vindo Padre Giovanni” Fui buscar no meu baú uma garrafa de Vernaccia, um vinho da Sardenha. O Padre Domenico Costella, foi por muitos anos professor da PUC, hoje está em Curitiba, onde dá aula de filosofia na Universidade dos Vicentinos. Fiquei três meses em São Paulo para aprender a língua, morava na Vila Mariana, a nossa casa está próxima a Estação Ana Rosa do metrô, que fica depois da Estação Paraíso. Quando alguém me pergutava: “Onde mora em São Paulo?” repondia: “Além do Paraíso”. Padre Renato e eu íamos às aulas em uma escola que ficava na Rua Manoel de Nobrega. Entravamos no ônbus super lotado, na hora de sair eu não sabia dizer: “-Dá licença!”. Era sempre um desafio descer no ponto certo. O fato de aprender outra líbgua deu-me a impressão de ter outra alma, é uma experiência fantástica, como entrar em outro mundo. O meu primeiro destino foi Centenário do Sul. Diocese de Londrina. O Padre Renato deveria ir para Francisco Beltrão, Ele disse ao provincial que sofria muito com o frio e que gostaria de ir para Londrina. O provincial perguntou-me se eu aceitava. Respondi que sim, para favorever ao Padre Renato não teria nenhum problema. Fiquei por seis meses em uma paróquia que tinha 18 comunidades na Diocese de Francisco Beltrão e Parmas, próximo a Pato Branco. Havia lá outro padre, dois padres xaverianos foram transferidos, antes de mim, tinha chegado o Padre Stanislau Pirolla .O bispo que nos acolheu foi Dom Agostinho Sartori, capuchinho. Ele disse ao povo com sua voz que parecia um trovão: “-Povo de Deus. Cuide bem desses dois padres, porque uma comunidade paroquial sem padre é um corpo sem cabeça”. Ele nos chamava de Padre Lau e Padre João. Após seis meses, vieram os padres Carlos Corrucci , o vice-provincial Padre Roberto Beduschi. Fui transferido, chorei como uma criança que perdeu a mãe.

O senhor foi transferido para onde?

Fui para Centenário, e ia para Lupianópolis às quartas-feiras, sádados e domingos. O povo era muito acolhedor, comecei a divulgar nosso jornal “Cosmos”, primeiro jornal missionário do Brasil, era impresso em São Paulo, divulgado junto aos adolescentes. Após seis meses em uma assembléia, o provincial disse: “- No Rio de Janeiro existe o Diretor da Infância Missionária, um padre holandes, ele está pedindo um padre xaveriano que vá ajudá-lo como secretário, na contabilidade. “-Vocês acham que devemos aceitar esse convite?” Todos reponderam “-Sim!”. E quem devemos mandar? “-Padre Murazzo! Padre Murazzo!”. Por aclamação fiz as malas mais uma vez. Esse padre, Paulo, era colega de escola de Lefevre. Ele não sabia uma palavra de italiano e eu não sabia uma palavra de holandês. Nos comunicávamos em português. Fiquei um ano e meio no Bairro de Santa Tereza, aos pés do Corcovado, foi um período abençoado. Estavamos situados entre as mansões e a Favela dos Prazeres. No meu livro “Ide e Evangelizai”, contei algumas experiências desse período. Quando cheguei ao Rio de Janeiro, uma das irmãs paulinas foi encarregada de coordenar a Coleção Evangelização de Conversão. A irmã e diretoria de um colégio, Isabel Fontes Leal Ferreira me pediu que escrevese lguma coisa das missões. Em três volumes contei experiências que propiciam reflexões.

Após um ano e meio no Rio de Janeiro o senhor foi transferido para São Paulo?

Fiquei mais de um ano com as pontifícias obras missionárias, foi quando tive contato com Dom Evaristo Arns, divulgamos o jornal Cosmos. Isso foi em 1976, 1977.

Foi um período político bastante agitado?

Sim, Dom Evaristo era um ponto de referência. De 1978 a 1984 por seis anos fiquei em Londrina, foi na época da contestação, eu era reitor do Seminário Nossa Senhora de Fátima de Londrina. Nessa época escrevi o livro “Cêntuplo” Os seminaristas tinham uma ideologia muito acentuada. Tínhamos os cursos de segundo grau e filosofia, inclusive com vocações adultas, pessoas que entravam já com 25 anos ou mais. Foi nesse período que explodiu a revolução na diocese de Campo Mourão, onde tínhamos três paróquias e dois padres no seminário. O bispo era Dom Eliseu Resende. Em 1981 os dois primeiros padres xaverianos que vieram para a paróquia da Paulicéia eram o Padre Zézinho e Padre Zézão, este espanhol. Vim para São Paulo a pedido de Dom Paulo Evaristo Arns. Fui evangelizar em Itaquera, Guaianazes e toda aquela região. Depois de seis anos meio em Londrina fui para a Diocese de Ourinhos, para Piraju, na época era Diocese de Botucatu. Foram três anos muito abençoados. Em Piraju, em 1987, quando o Papa João Paulo II esteve em Buenos Aires mandamos quatro jovens para representar o Brasil Na época eu fazia um programa na rádio, juntamente com os jovens era um programa voltado á juventude. Foi quando nasceu um livro com a experiência daquela época.

O senhor voltou à Itália?

Estava em Piraju quando fui chamado de volta à Itália, para mim foi a morte, como se estivesse indo para o exílio. A Direção Geral ficou sabendo do sofrimento por que tinha passado em Londrina. Faz parte da rotina, um xaveriano após 5, 10, 15 anos em missão em outros países, ser chamado de volta para a Itália. Para se reciclar e dar uma consciência missionária, formar missionários. Fui a Désio e lá fiz parte da equipe que tinha esse trabalho. Foram oito anos abençoados, lá estava o Cardeal Martini, era uma diocese que conseguia cativar os jovens através da bíblia. Em 1995 voltei ao Brasil, fui destinado para Curitiba onde Dom Pedro Fedalto pediu que animasse as vocações. Por três anos fiquei morando no seminário no bairro Vista Alegre das Mercês. Era uma capela dos frades capuchinhos que se tornou paróquia, fiquei a disposição da diocese. Fazíamos encontros missionários. No livro “Cêntuplo” tem vários testemunhos de pessoas de Curitiba.

Quantos livros o senhor já escreveu?

Deve ser uma dezena. Escrevi na Coleção Evangelização de Conversão: “Amar é ir ao Encontro”, “A Amizade Tudo Pode e Tudo Alcança”, “ Ide e Evangelizai”, “Alegria e Admiração”, também traduzido para o italiano. “A Amizade, Segredo de Felicidade” está ainda sem tradução do italiano para o português. Há ainda o livro “O Cêntuplo”, “A Ponte da Amizade”, “A Reciprocidade, Coração da Amizade”. Em duas línguas “Os Jovens e a Civilização do Amor”, escrito com Claudinei Polizel. Dia 28 de julho na Livraria Nobel estará sendo lançado o livro mais recente: “Cruzes no Caminho”. Um livro que ajuda a refletir e meditar para melhorar a nós mesmos e o relacionamento com os outros.

Como o senhor chegou a Piracicaba?

Em 11 de janeiro de 2011 terminei o segundo mandato de provincial em São Paulo. O pároco daqui foi eleito provincial, disse-me: “–Agora você fica em meu lugar”. Nós xaverianos fomos feitos para animação missionária. Eu queria fazer o mesmo trabalho que já tinha feito em Curitiba, no Rio de Janeiro, São Paulo. Ele pediu novamente que ficasse nesta paróquia, aceitei e no dia 18 de fevereiro de 2011 o bispo Dom Fernando me apresentou ao povo. Atualmente sou pároco de 20 comunidades, para serem cuidadas por três padres: eu. Padre Humberto e Padre Lucas. 








































                                                           






domingo, julho 08, 2012

RAFAEL GOBETH

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADO: RAFAEL GOBETH
Rafael Gobeth poderia ter seu sobrenome escrito com inúmeras variações, Gobet, Gobett, Gobetti ( muito comum no bairro rural de Santana). Todos que carregam esses sobrenomes são parentes entre si, seus antepassados embarcaram no mesmo período em Hamburgo, na Alemanha com destino ao Brasil. François bisavô paterno de Rafael saiu da Suíça em 1854 com sua esposa e duas filhas: Melanie e Jolie juntamente com outros suíços franceses que se estabeleceram em Piracicaba e região. Seu neto José Gobeth e Maria de Lourdes Gobeth, ela descendente da família Goldschmidt casaram-se e tiveram os filhos: Roberto, José Eduardo, Lineu Marcos, Raul e Rafael gêmeos e Fábio Fernando. Rafael e Raul nasceram a 27 de janeiro de 1949.

Qual era a atividade principal do seu pai?

Era empresário, teve uma serraria na Avenida Dr. João Conceição esquina com a Rua Dr. Fernando de Souza Costa, atrás da Estação da Paulista. Local ocupado atualmente por prédios e residências. Meu pai era muito novo ainda quando se tornou arrimo de família, cuidou de seus irmãos e mãe. Juntamente com Francisco Pelegrino, mais conhecido como Chico Carretel, que tinha mudado de São Paulo para Piracicaba e com Romeu Gerds adquiriram essa serraria. Meus tios Salésio e Urbano também foram sócios. Os cinco sócios eram os maiores fornecedores de carretel para linha de costura do Estado de São Paulo. Fabricavam formas de madeira para fabricação de sapatos. Meu pai era um bom financista e administrador, o Chico Carretel tinha muita habilidade com a madeira.

Como foi o início dessa fábrica?

Meu avô deixou como herança uma chácara no final da Rua XV de Novembro, adiante do SEMAE, o sitio que pertencia ao meu avô e deu origem a essa chácara tinha 42 alqueires. Iniciava próximo ao Cemitério da Saudade e entendia-se além do atual Hospital Unimed. Esse bairro por um tempo foi conhecido como Bairro dos Franceses. Eram vizinhos das propriedades, sítios também, das famílias Bacchi, Razera, Schimidt. Para iniciar a serraria meu pai teve que hipotecar suas terras. O empreendimento obteve sucesso, a serraria forneceu muita madeira para construções da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, da Catedral de Piracicaba. A madeira vinha de trem, em taboas ou em toras. Eles compravam matas da região de Piracicaba, essas vinham em toras. O Chico Carretel deixou a sociedade e estabeleceu-se na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina coma Rua José Pinto de Almeida, onde funciona o Toninho Lubrificantes. Lembro-me que em 1956 meu pai foi Festeiro do Divino, na nossa casa havia uma grande movimentação de pessoas, abateram 2.000 frangos. A procissão desceu a Rua Governador Pedro de Toledo até a Catedral, havia o encontro de barcos, uma procissão subia a Rua Moraes Barros até a Catedral.

Até que idade você morou na Avenida Independência?

Até completar 23 anos. De lá fomos para a Rua XV de Novembro, a casa existe até hoje, onde reside meu irmão Raul.

Seus estudos foram feitos em que escolas?

O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que era ao lado da Igreja dos Frades, nos anos de 1956 a 1959. Minha primeira professora foi Zuleica Wagner Campos Martins, tive aulas com Dona Edna, Dona Paulina e Seu Pedro Negri, pai do Pedrinho Negri. Vi construir o prédio existente na esquina da Rua São Francisco de Assis com Rua Alferes José Caetano. Eu era integrante da Cruzada Eucarística. Na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Joaquim André era um terreno vazio. Meus pais eram muito católicos, a cidade era católica. Meu pai começou a construção da Igreja Santa Catarina, na propriedade que foi do meu avô, meu tio Marcelino Perecim, casado com a irmã do meu pai, Tia (Nica) Antonia foi quem doou o terreno minhas duas avós se chamavam Catarina, uma delas era Catarina Schimidt. Em Piracicaba havia duas escolas famosas onde era lecionado o quinto ano primário, fiz na Dona Amália, que ficava na Rua Riachuelo entre a Rua Boa Morte e Rua Governador e Pedro de Toledo, a casa existe até hoje. Em 1960 entrei no Colégio Dom Bosco onde tinha um campo oficial de futebol, nesse campo eles faziam dois meio campos, com trave e tudo. Existia um campinho de futebol onde hoje está o ginásio de esportes. Mais acima tinha duas quadras de futebol de salão, em uma delas havia cestos para jogar basquete. E tinha uma área externa, onde nos reuníamos quando íamos desfilar fora do colégio, em frente havia o Bar do Seu Santo. O diretor do Dom Bosco era Padre Mario Quilici, conselheiro era o Padre Geroto, Padre Modesto também foi diretor. Lembro-me do Padre Astério, Padre Geraldo, Padre Tabir, Padre Miranda. Padre Paulo, Padre Luiz. O Padre Tabir jogava futebol com os alunos, jogava muito bem. Eu jogava mais como ponta esquerda e armador, sou canhoteiro. Meu irmão gêmeo estudava de manhã e eu estudava à tarde. Ele começou a usar óculos aos sete anos eu aos 12.

Como gêmeos vocês viveram algumas confusões divertidas?

Diversas, principalmente na adolescência. Eu penteio o cabelo da esquerda para a direita e o Raul da direita para a esquerda, estávamos no auge da semelhança. Isso foi em janeiro de 1968, portanto nós tínhamos 19 anos. Fui fazer um curso internacional de música em Curitiba, durou um mês e uma semana, o governador Paulo Pimentel nos cumprimentou. O Raul tinha ficado em Piracicaba. Quando voltei cheguei às 10 horas da manhã em casa, perguntei à minha mãe: “Cadê o Raul?” Ela me respondeu: “Ele deve estar no centro.”. Fui até o centro, entrei na Galeria Lúcia Cristina, no fundo havia um espelho enorme, fui chegando gritando “- Oh, Raul! Eita”. Era o meu reflexo no espelho! Quando percebi o que estava fazendo comecei a rir tanto da situação que estava criando para mim mesmo. Quem me viu deve ter imaginado que eu estava ficando louco. Eu tinha me confundido com meu irmão através da minha imagem refletida no espelho. Acabei encontrando meu irmão no centro. Quando éramos pequenos, a primeira vez em que fomos tocar em público foi na Sociedade Italiana, a Escola de Música não existia ainda com aquele espaço físico. Começamos a estudar música em 1960, o Maestro Ernest Mahle era nosso vizinho. Minha tia Cecilia Gobeth morava conosco, ela nos incentivava muito a estudar música, aparecia nos jornais noticias de cursos que eram oferecidos ela nos mostrava. Dos seis irmãos cinco foram estudar música. Só o mais velho que não quis ir. O José Eduardo tocava violino, o Irineu fagote, o Raul violoncelo, eu flauta transversal e o Fábio oboé. Fomos fazer uma audição pública da escola. O Maestro Mahle estava coordenando. Eu tinha de 12 para 13 anos. Havia uma disputa de qual família tinha mais filhos na Escola de Música, a Gobeth ou a Zagatto. A cena mais engraçada foi que eu entrei e toquei flauta transversal, o Raul entrou e tocou violoncelo, o público ficou admirado: “- Nossa ele toca dois instrumentos!”. Ai houve a apresentação do Quinteto Gobeth, foi quando a platéia murmurou: “- São iguaiszinhos!”.
Qual era a reação dos seus pais com o fato de ter cinco filhos executando música clássica?

Meu pai gostava muito, era uma pessoa carismática, que venceu na vida com muita dificuldade. Ele faleceu em 3 de janeiro de 1964. Queria que todos estudassem, dava muito valor para a escola. Ele sempre nos apoiou, minha tia Cecília também gostava muito. Dos cinco, músicos profissionais só ficaram o Raul e eu. Com 15 anos comecei a dar aulas de flauta.

Após completar o ginásio no Colégio Dom Bosco onde você foi estudar?

Fiz um ano de científico no Sud Mennucci, saí e fui estudar contabilidade na Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin, onde me formei como contador. Em 1971 fui para São Paulo para estudar administração na Escola Getúlio Vargas. O Raul acabou permanecendo em Piracicaba após freqüentar por um período de tempo o curso de química no Mackenzie.

Você morava onde em São Paulo?

No inicio foi em uma pensão na Rua Manoel da Nóbrega, quase esquina com a Avenida Paulista. Dali eu mudei para a Aclimação, na Rua José Getúlio, de lá mudei para uma travessa da Rua 12 de outubro, na Lapa. Trabalhei na Credicard, que era Citicard, do Citibank funcionava na Rua Sete de Abril, no Edifício dos Diários Associados. Em seguida fui trabalhar na Faço, que fabricava britadores, trabalhei na Mooca, na Avenida Presidente Wilson. Era uma empresa de suecos que passou para a Allis-Chalmers empresa americana. Conversei com a minha família, decidi fazer o CPV Curso de Preparação para Vestibulares, ficava na Avenida da Consolação, em frente ao Cemitério da Consolação. Fiz esse cursinho e passei. Na Getúlio Vargas fiz muitos amigos como Eduardo Naufal, Johnny Saad, Paulinho Kopenhagen, Olavo Setubal Júnior, eles me chamavam de “Piracicaba”. Fui trabalhar na Nestlé, na época a matriz ficava na Avenida da Consolação, trabalhava na contabilidade, fazia correções de lançamentos. Nessa época estava afastado da música. Eu tinha 24 anos. Nesse meio tempo minha ex-professora Grace Lorraine Andersen Bush indicou meu nome para o Teatro Municipal de São Paulo. O diretor me contratou, onde toquei com os maiores regentes do Brasil e da América do Sul, como Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky, e muitos outros nomes famosos. Fiz cachê em muitas orquestras. (No jargão dos musicistas fazer cachê é tocar como convidado em outra orquestra recebendo um pagamento pelo seu trabalho). Toquei em minha vida com mais de 70 regentes.

Quantos filhos você tem?

Sou casado com Yara Regina Roberti Gobeth fonoaudióloga, acupunturista, temos três filhos: Gabriel, Cecília e Pedro. Tranquei a matrícula no sétimo semestre na GV. Meu primeiro filho tinha nascido. Em 1978 voltei para Piracicaba, com a minha esposa e meu filho. Fiquei dando aulas na Escola de Musica de Piracicaba. Na ocasião havia perspectivas para outros empreendimentos. Conseguimos dar uma boa formação aos nossos filhos, todos são formados pela USP com especializações em suas áreas de trabalho. Toquei muita música, mas a minha carreira é mais expressiva como professor. Desde 1965 dou aulas, com dois breves períodos de interrupção. Afirmam que tenho muita criatividade para dar aula. Sei que tenho essa facilidade para ensinar música.

Com a saída do Maestro Ernest Mahle da Escola de Música de Piracicaba, as perspectivas futuras dependem da instituição que a assumiu?

Vejo a necessidade de maior apoio por parte do poder público, através de projetos culturais desenvolvidos pela União, pelo Estado e pelo Município. É uma tarefa árdua e com perspectivas pouco alentadoras administrar uma instituição desse porte sem um comprometimento dos poderes constituídos. Temos como exemplos os resultados colhidos pelos recursos investidos pelo Estado em Tatuí.

Qual é a importância da Escola de Música de Piracicaba para a cidade?

É muito grande, levou o nome de Piracicaba ao Brasil inteiro, a ponto de eu estar no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em outros estados e me perguntarem se eu conhecia a famosa Escola de Música de Piracicaba. Isso sem falar que levou o nome da nossa cidade para as mais diversas partes do mundo. Ela chegou a estar entre os 10 símbolos de Piracicaba. A importância do Maestro Ernest Mahle foi muito grande, enquanto esteve a frente da direção artística era a imagem viva da escola. Vinham muitos professores de São Paulo, Rio de Janeiro, que hoje já não vem mais. É um investimento alto, cujos recursos o Maestro Ernest Mahle conseguia obter. Grandes nomes do cenário musical passaram por Piracicaba. O órgão de tubo da EMP está entre os três melhores do Brasil. Piano de cauda Steinway deve ter uns sete ou oito. Há um acervo muito importante de partituras. A EMP tem um acervo que só é menor do que o da USP e o do Conservatório Nacional do Rio de Janeiro. O Maestro Ernest Mahle é uma pessoa muito importante para Piracicaba, só que ainda não foi devidamente reconhecido.

O que você sente ao executar uma peça musical?

Cada dia tenho um sentimento.

Dizem que o músico desenvolve uma forma de raciocinar própria.

Afirma-se que o lado do cérebro é o mesmo utilizado pela matemática. Dificilmente você irá encontrar um músico que seja ruim em matemática. A música não é palpável, é imaginária. Ela é sentida. A matemática é abstrata.

Você se comunica com a natureza através da música?

Muito! Muito! As artes são entrelaçadas. O que se usa de cores nas artes plásticas se usa nas notas musicais.

O brasileiro tem musicalidade?

Os próprios maestros cotam o brasileiro como grandes músicos, o maestro Zubin Mehta é um dos que afirmam isso. Nomes renomados têm vindo para o Brasil. O Brasil hoje exporta músicos muito bons. Muitos músicos saídos da Era Mahle estão hoje na Europa e Estados Unidos. Podemos citar alguns nomes: Paulo Arantes, Washington Barella, João Paulo Casarotti, Daniel Duarte.

Quando o aluno forma-se na EMP qual título ele pode receber?

No curso oficial ele forma-se como Técnico em Música, a semelhança de outros cursos técnicos, como por exemplo, Técnico em Contabilidade. É uma profissão.

Por que o brasileiro não consome música clássica?

Agora o Brasil está começando agora a olhar mais para a música clássica. Quantos brasileiros consomem pintura? São poucos. Isso porque a nossa cultura é incipiente.

Quando uma comunidade carente e assistida executa música clássica sai um produto de excelente qualidade.

Eles gostam muito. Só que para eles o acesso é difícil.

Existe uma barreira?

A música erudita é elitizada. De 30 anos para cá são realizados grandes concertos em praças públicas, como no Parque Ibirapuera em São Paulo. Faz muito sucesso.

O que significa música sertaneja universitária?

Sertaneja universitária é uma denominação criada por algum marqueteiro. Não existe isso. É como afirmar que exista Música Barroca Cabocla! A denominação sertaneja universitária é uma criação do mercado para vender seu produto, tentar elitizar algo extremamente popular. O objetivo é despertar o interesse do universitário, criar um glamour junto à classe que tem poder aquisitivo para consumir.

O mesmo pode ser feito com a música clássica?

Aos poucos a música clássica vem ganhando mais espaço. A questão é que a música erudita custa muito mais caro. Para formar um músico clássico demoram-se muitos anos. Para formar um sertanejo em dois meses ele estará com um repertório. Dá para formar uma dupla sertaneja por quarteirão. É uma música que se canta de terça, paralela sempre ou de sexta paralela, é só ter um ouvido um pouco musical e uma voz firme que a pessoa já pode cantar. Sou capaz de formar uma boa dupla por quadra.

Como Alessandro Pinezzi tornou-se um ícone piracicabano?

Alessandro Pinezzi é um grande violonista, é um músico por excelência, um fenômeno que respeito muito. Igual a ele no Brasil só existe Yamandu Costa, tinha o Rafael Rabelo, já falecido. O Pinezzi é um músico completo, toca erudito, popular, já tocou na Rússia, Estados Unidos, foi aplaudido no mundo todo. È um público que conhece profundamente música. Fábio Zanon é um violonista de música clássica. Yamandu Costa, Alessandro Pinezzi são músicos que já nascem prontos, uma benção de Deus.

Há pessoas que investem grandes quantias equipando seu veículo com possantes alto falantes. Essa pessoa pode ser um músico em potencial?

Pode ser. O que existe na verdade é que todo mundo gosta de um público, quer um palco, quer brilhar, a modéstia é graxa que ainda não foi lustrada. Todo mundo tem um “tcham” de artista! Esses veículos disputam entre si qual tem maior potencia de som, no meu ponto de vista é uma falta de educação e de cultura. Geralmente a aparelhagem de som custa mais do que o próprio carro. São pessoas simples que buscam uma forma de projeção pessoal. Por isso que o poder público tem que participar na formação de músicos, fica muito caro formar um músico, comprar instrumentos, contratar um professor qualificado. Isso ocorre hoje na favela de Heliópolis, em São Paulo. Tem quatro piracicabanos ensinando lá.

Uma boa orquestra rende dividendos políticos?

Tentaram acabar com a orquestra de Campinas, há uns 20 anos, quase lincharam o vereador que fez a proposta. A orquestra já tinha conquistado seu público, faz parte do coração da cidade.

Você tocou em óperas?

Toquei em São Paulo, entre elas “Navio Fantasma”, “Macbeth” de William Shakespeare, Turandot, de Giacomo Puccini. Fiz 6 óperas como instrumentista, uma delas de quatro horas de duração. Parsifal de Richard Wagner são 12 horas de duração. Em Manaus foi realizada a obra completa. Essas óperas são muito pesadas para o músico, tem que estar o tempo todo ligado, ópera é muito difícil de se fazer. Tem muitos recitativos, o msico tem que acompanhar no momento exato. Quando vem as árias, que é o solo, torna-se fácil acompanhar. Estudei ópera por dois anos com Niza de Castro Tank.






domingo, julho 01, 2012

JUSTINO (NEGO) ORIANI

JOÃO UMBERTO NASSIF

Jornalista e Radialista

joaonassif@gmail.com

Sábado 30 de junho de 2012 Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana

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ENTREVISTADO: JUSTINO (NEGO) ORIANI
Justino conhecido como Nego Oriani foi um grande industrial do setor calçadista. Com muita força de vontade aprendeu a fazer calçados, inovou, investiu, passou por inúmeras dificuldades, vivenciou as peculiaridades que envolvem a fabricação de um calçado. Homem de muita fé dedica-se a uma tradição religiosa que é a de dar o pouso ao Divino Espírito Santo. A instalação da antiga fábrica de calçados dá lugar a uma função considerada sagrada, que é abrigar os Irmãos do Divino por uma semana, no final da mesma ocorre uma verdadeira festa, o transito é interditado naquele quarteirão, montado um palco, é rezado o terço, cumprida as promessas com a passagem dos Irmãos do Divino sobre os penitentes, cerca de 30 a 40 pessoas deitam-se no leito da rua e cobertos por um lençol branco recebem as graças que a sua fé concebe. Após a celebração do sagrado vem a festa, com comida fornecida a vontade para todos os presentes, centenas de pessoas comemoram e são servidas com pratos tradicionais distribuídos gratuitamente na festa. Em diversas partes do prédio são vistas pinturas, imagens e até mesmo um pequeno oratório lembrando o Divino Espírito Santo. Justino nasceu a 12 de dezembro de 1930 no bairro rural Monte Branco, é um dos oito filhos do casal Benedito Oriani e Joana Grizzotto Oriani: Maria, Alice, Elídio, Antonio, Helena, Angelina, Justino e Rita. Desde muito pequeno Justino já ajudava nas tarefas diárias da Fazenda Serra Bonita, propriedade da família Oriani, trabalhou na roça até 20 anos, estudou até o quarto ano primário, ainda menino era responsável por ir a cavalo buscar a professora que descia do ônibus no bairro rural Água Bonita, por meia hora, cada um em seu cavalo dirigiam-se à escola na fazenda onde a professora ficava hospedada durante a semana, lecionando para as crianças das 40 famílias residentes na propriedade. A professora vinha na segunda feira e voltava para Piracicaba no sábado.

Como o senhor começou a trabalhar com calçados?

Meu irmão Antonio aprendeu a trabalhar como sapateiro, foi morar no Arraial São Bento, em um bairro rural chamado Peruca onde montou uma oficina de conserto de sapatos, eu tinha 20 anos quando fui aprender com ele o ofício de sapateiro. Por dois anos trabalhei para aprender a fazer consertos e fabricar sapatão que eram pregados com pregos (cravo) de madeira. Fazíamos alguns sapatos sob encomenda e sandálias simples para senhoras. Era um tempo em que muitos andavam descalços, adultos e principalmente crianças.

Após aprender o ofício o senhor mudou-se para a cidade de Piracicaba?

Vim morar no bairro da Paulista, na Rua Fernando de Souza Costa, número 2827. Quando mudamos a região era em grande parte coberta por plantação de algodão. Foi um período de grandes dificuldades, meu irmão Elídio comprou essa casinha e meus pais passaram a mora nela, Antonio Scarpari era proprietário de uma pequena casa nas imediações, na esquina de Rua Conselheiro Costa Pinto, montei ali uma oficina de conserto de sapatos. Sempre fui muito trabalhador e econômico, após dois anos com a permissão do meu pai fiz um rancho em sua propriedade e passei a trabalhar naquele local. Na Fazenda Costa Pinto morava um ramo da família Oriani, fui convidado para ir assistir o casamento de José Oriani foi quando conheci minha futura esposa, Cezira Brieda Oriani. Quando casei tinha 25 anos, por três anos depois de casado permaneci morando na casa do meu pai. Tivemos seis filhos: Valdir, Eliana, Therezinha, Heloisa, Vlade e Cláudia.

Continuando a trabalhar com sapatos?

Como eu não tinha tanto conhecimento na fabricação de sapatos, deixava todo material pronto e a noite funcionários de outras empresas vinham trabalhar para mim. Assim aprendi. Comprei uma faixa de terra vizinha e montei uma pequena fábrica de sapatos. O couro eu adquiria do curtume de Mário Maniero.

Qual era a preferência da moda masculina na época?

Sapatos de bico fino. Passei a comprar em São Paulo couro para fazer sapatos de cromo alemão, com isso meus calçados passaram a ganhar fama. Embarcava no trem da Companhia Paulista, ia até a região da Rua Rangel Pestana, onde havia fornecedores de material do setor calçadista. Trazia a peça de couro e aqui cortava, no inicio só fazia sapatos sob encomenda. Tinha duas máquinas de costura própria de sapateiro, mais conhecida como “máquina esquerda”. Eu trabalhava das cinco horas da manhã até as 22 horas. Trabalhei muito. Com o tempo ganhei o suficiente para adquirir um terreno na Rua Jorge Pacheco e Chaves, onde construí e montei a minha indústria de sapatos, com fabricação em série.
                                                            SALTO CARRAPETA

Qual é o número de sapato masculino mais procurado?

O número 39/40. Fiz sapatos masculinos com duas cores, branco e preto, branco e marrom, fabricava o famoso sapato de salto carrapeta, que é um salto de sapato bem mais alto do que o normal, masculino. Eu tinha um modelista, o José, ele pesquisava as tendências da moda através de revistas, publicações especializadas em calçados. Através de um pantógrafo reproduzia inúmeras peças a partir de um modelo. O couro era cortado a mão, havia uma prensa hidráulica que cortava a sola dos sapatos. A fábrica era grande, mas o máximo que eu produzia era 100 pares de sapatos por dia. Com o tempo fui comprando máquinas, importei três máquinas italianas, Tinha uma esteira onde entrava a matéria prima e no final o sapato estava pronto. Na época a maioria dos funcionários eram mulheres e adolescentes, era permitido o trabalho dos mesmos, ensinei o ofício a mais de 400 meninos. Os sapatos feitos naquela época eram para serem usados até onde fosse possível, diferente de hoje onde muitos usam o calçado e logo trocam por outro mais moderno. Hoje não se conserta mais sapato, na época faziam meia sola, sola inteira, trocavam o salto gasto. Em Piracicaba a maior fábrica era a minha, depois vinha a fábrica do Bachega, cheguei a ter 42 máquinas industriais. Eu tinha um viajante (vendedor) no Paraná que vendia muito, com isso forneci muito sapato para aquele estado. Em Piracicaba vendi muito para um grande comerciante do setor, Alberto Torossian. Em Piracicaba chegamos a ter uma dezena de fábrica de calçados. A fabricação de calçados é uma atividade muito sensível a tendências da moda, onerosa em função de impostos, e passa por uma concorrência muito forte no setor internacional. Um dia desses por curiosidade contei o número de peças que são usadas para compor um pé de um tênis, são 25 peças. O tênis tomou o espaço do sapato tradicional, estimo que 90% da população usam tênis. Eu acho que um sapato de bico fino é muito elegante.

Havia variedades de couro?

O couro do novilho era o de melhor qualidade. A fêmea tem tendência a barriga crescer, conforme o corte que o profissional faz no couro pode ocorrer de em um par de sapatos do mesmo lote de couro, ter um pé maior do que o outro, um dos pés tem o couro mais esticado com o uso pela origem do couro ou forma como foi cortado. Já fiz sapato com couro de crocodilo.

O que é pelica?

É o couro de cabra. Fiz muitas botinas de pelica. Eu tinha um funcionário que só fabricava botas, sanfonadas, de cano alto. Minha fábrica era completa.




O senhor é uma pessoa muito religiosa?
A minha família já era muito religiosa. Fui coroinha, mariano, saía da Serra Bonita ás quatro horas da manhã para vir assistir a missa na Igreja Sagrado Coração de Jesus ( Igreja dos Frades), vinha a cavalo. Deixava o cavalo em frente à igreja no espaço hoje ocupado por uma praça. Meu avô conhecia homeopatia, com o uso de ervas curava muitas doenças, minha mãe aprendeu com ele e eu a ajudava. Era uma época em que havia poucos médicos, estradas de terra, e meios de transportes difíceis. A maior parte das doenças tem origem emocional, muitas vezes a cura se dá através de auto-sugestão no simples fato da pessoa tomar um medicamento natural. A mente domina o corpo. Se pensar de forma positiva tudo será positivo. Quando alguém trata bem outra pessoa ela recebe tratamento semelhante, isso a beneficia. O mesmo ocorre quando o indivíduo trata mal alguém, ele estará trazendo malefícios para si mesmo.

Como começou a devoção do senhor para com o Divino Espírito Santo?

Faz quarenta anos que começou, fui assistir a uma Festa do Divino em Anhembi, gostei. Um amigo, Pedro Godoi, me ajudou a fazer a festa, no início muito simples. No dia 4 de julho, quarta feira, a Irmandade do Divino chega aqui onde foi a minha fábrica, de 30 a 40 irmãos pousam aqui. Permanecem até dia 10 de julho, terça feira. Às 5 horas da manhã se levantam saem em peregrinação e voltam ás 22 horas, passam o dia todo rezando. No dia 8 de julho é realizada a festa. Fecho o quarteirão para o trânsito, ás 17h30min horas os irmãos vão para o início do quarteirão, nós caminhamos em direção a eles, quem vai pagar promessa ou pedir alguma graça, deita-se no chão envolto em um lençol branco, ficam deitados 1 metro distante um do outro, são 50, 80 pessoas que se deitam. As pessoas que se deitam trazem o seu próprio lençol. Ficam com as costas apoiadas no chão, mãos e pés descruzados. Isso facilita quando o Irmão do Divino for pular sobre a pessoa. Conhecemos muitos casos de graças alcançadas. Minha esposa e eu voltamos ao palco, os Irmãos do Divino vem em direção ao palco, benzendo os corpos dos que estão deitados. Oram e benzem. No palco entoam musicas sacras, rezam o terço, após o terço as mesas e comidas estão prontas com capacidade para 100 pessoas. A comida, pratos, panelas, são todas benzidas. Ai já começa a musica profana sertaneja. Os irmãos, minha família e demais pessoas entram jantam e saem. Em seguida entram mais 100 pessoas, e assim prossegue noite adentro. No ano passado servimos 700 quilos de comida, estimamos em 1.500 o número de pessoas que estiveram presentes. A comida é composta por arroz, feijão gordo, carne com batata, macarronada e sopa de mandioca, conhecida como vaca atolada. Para beber é servida apenas água.

Como a igreja católica vê essa manifestação de fé popular?

Acredito que existe uma interpretação pessoal de cada religioso. Há os que aprovam e há os que não vêm com muita simpatia. Os Irmãos do Divino agem com muita seriedade, passam um mês andando e rezando.

O senhor é um dos colaboradores na construção da Igreja São José?

Sou do tempo que ali não existia nada além de um pasto. Reunimos umas 10 pessoas e iniciamos a construção, na época eu tinha um Ford 1929 e uma perua. Poucos tinham condução. Fazíamos reuniões na casa do Abel Pereira. Vitório Fornazier também participou muito da construção da igreja. Fazíamos festas para arrecadar dinheiro, chegamos a preparar 250 frangos.

O senhor gosta de música?

Gosto de baile freqüento sábado e domingo o Saudosista, vou aos bailes da “Estação Idoso José Nassif”, da terceira idade.



























































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