PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado 07 de Julho de 2012
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
ENTREVISTADO: RAFAEL GOBETH
Rafael Gobeth poderia ter seu sobrenome escrito com inúmeras variações, Gobet, Gobett, Gobetti ( muito comum no bairro rural de Santana). Todos que carregam esses sobrenomes são parentes entre si, seus antepassados embarcaram no mesmo período em Hamburgo, na Alemanha com destino ao Brasil. François bisavô paterno de Rafael saiu da Suíça em 1854 com sua esposa e duas filhas: Melanie e Jolie juntamente com outros suíços franceses que se estabeleceram em Piracicaba e região. Seu neto José Gobeth e Maria de Lourdes Gobeth, ela descendente da família Goldschmidt casaram-se e tiveram os filhos: Roberto, José Eduardo, Lineu Marcos, Raul e Rafael gêmeos e Fábio Fernando. Rafael e Raul nasceram a 27 de janeiro de 1949.
Qual era a atividade principal do seu pai?
Era empresário, teve uma serraria na Avenida Dr. João Conceição esquina com a Rua Dr. Fernando de Souza Costa, atrás da Estação da Paulista. Local ocupado atualmente por prédios e residências. Meu pai era muito novo ainda quando se tornou arrimo de família, cuidou de seus irmãos e mãe. Juntamente com Francisco Pelegrino, mais conhecido como Chico Carretel, que tinha mudado de São Paulo para Piracicaba e com Romeu Gerds adquiriram essa serraria. Meus tios Salésio e Urbano também foram sócios. Os cinco sócios eram os maiores fornecedores de carretel para linha de costura do Estado de São Paulo. Fabricavam formas de madeira para fabricação de sapatos. Meu pai era um bom financista e administrador, o Chico Carretel tinha muita habilidade com a madeira.
Como foi o início dessa fábrica?
Meu avô deixou como herança uma chácara no final da Rua XV de Novembro, adiante do SEMAE, o sitio que pertencia ao meu avô e deu origem a essa chácara tinha 42 alqueires. Iniciava próximo ao Cemitério da Saudade e entendia-se além do atual Hospital Unimed. Esse bairro por um tempo foi conhecido como Bairro dos Franceses. Eram vizinhos das propriedades, sítios também, das famílias Bacchi, Razera, Schimidt. Para iniciar a serraria meu pai teve que hipotecar suas terras. O empreendimento obteve sucesso, a serraria forneceu muita madeira para construções da Escola de Agronomia Luiz de Queiroz, da Catedral de Piracicaba. A madeira vinha de trem, em taboas ou em toras. Eles compravam matas da região de Piracicaba, essas vinham em toras. O Chico Carretel deixou a sociedade e estabeleceu-se na Avenida Dr. Paulo de Moraes esquina coma Rua José Pinto de Almeida, onde funciona o Toninho Lubrificantes. Lembro-me que em 1956 meu pai foi Festeiro do Divino, na nossa casa havia uma grande movimentação de pessoas, abateram 2.000 frangos. A procissão desceu a Rua Governador Pedro de Toledo até a Catedral, havia o encontro de barcos, uma procissão subia a Rua Moraes Barros até a Catedral.
Até que idade você morou na Avenida Independência?
Até completar 23 anos. De lá fomos para a Rua XV de Novembro, a casa existe até hoje, onde reside meu irmão Raul.
Seus estudos foram feitos em que escolas?
O primário eu estudei no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que era ao lado da Igreja dos Frades, nos anos de 1956 a 1959. Minha primeira professora foi Zuleica Wagner Campos Martins, tive aulas com Dona Edna, Dona Paulina e Seu Pedro Negri, pai do Pedrinho Negri. Vi construir o prédio existente na esquina da Rua São Francisco de Assis com Rua Alferes José Caetano. Eu era integrante da Cruzada Eucarística. Na Rua Alferes José Caetano esquina com a Rua Joaquim André era um terreno vazio. Meus pais eram muito católicos, a cidade era católica. Meu pai começou a construção da Igreja Santa Catarina, na propriedade que foi do meu avô, meu tio Marcelino Perecim, casado com a irmã do meu pai, Tia (Nica) Antonia foi quem doou o terreno minhas duas avós se chamavam Catarina, uma delas era Catarina Schimidt. Em Piracicaba havia duas escolas famosas onde era lecionado o quinto ano primário, fiz na Dona Amália, que ficava na Rua Riachuelo entre a Rua Boa Morte e Rua Governador e Pedro de Toledo, a casa existe até hoje. Em 1960 entrei no Colégio Dom Bosco onde tinha um campo oficial de futebol, nesse campo eles faziam dois meio campos, com trave e tudo. Existia um campinho de futebol onde hoje está o ginásio de esportes. Mais acima tinha duas quadras de futebol de salão, em uma delas havia cestos para jogar basquete. E tinha uma área externa, onde nos reuníamos quando íamos desfilar fora do colégio, em frente havia o Bar do Seu Santo. O diretor do Dom Bosco era Padre Mario Quilici, conselheiro era o Padre Geroto, Padre Modesto também foi diretor. Lembro-me do Padre Astério, Padre Geraldo, Padre Tabir, Padre Miranda. Padre Paulo, Padre Luiz. O Padre Tabir jogava futebol com os alunos, jogava muito bem. Eu jogava mais como ponta esquerda e armador, sou canhoteiro. Meu irmão gêmeo estudava de manhã e eu estudava à tarde. Ele começou a usar óculos aos sete anos eu aos 12.
Como gêmeos vocês viveram algumas confusões divertidas?
Diversas, principalmente na adolescência. Eu penteio o cabelo da esquerda para a direita e o Raul da direita para a esquerda, estávamos no auge da semelhança. Isso foi em janeiro de 1968, portanto nós tínhamos 19 anos. Fui fazer um curso internacional de música em Curitiba, durou um mês e uma semana, o governador Paulo Pimentel nos cumprimentou. O Raul tinha ficado em Piracicaba. Quando voltei cheguei às 10 horas da manhã em casa, perguntei à minha mãe: “Cadê o Raul?” Ela me respondeu: “Ele deve estar no centro.”. Fui até o centro, entrei na Galeria Lúcia Cristina, no fundo havia um espelho enorme, fui chegando gritando “- Oh, Raul! Eita”. Era o meu reflexo no espelho! Quando percebi o que estava fazendo comecei a rir tanto da situação que estava criando para mim mesmo. Quem me viu deve ter imaginado que eu estava ficando louco. Eu tinha me confundido com meu irmão através da minha imagem refletida no espelho. Acabei encontrando meu irmão no centro. Quando éramos pequenos, a primeira vez em que fomos tocar em público foi na Sociedade Italiana, a Escola de Música não existia ainda com aquele espaço físico. Começamos a estudar música em 1960, o Maestro Ernest Mahle era nosso vizinho. Minha tia Cecilia Gobeth morava conosco, ela nos incentivava muito a estudar música, aparecia nos jornais noticias de cursos que eram oferecidos ela nos mostrava. Dos seis irmãos cinco foram estudar música. Só o mais velho que não quis ir. O José Eduardo tocava violino, o Irineu fagote, o Raul violoncelo, eu flauta transversal e o Fábio oboé. Fomos fazer uma audição pública da escola. O Maestro Mahle estava coordenando. Eu tinha de 12 para 13 anos. Havia uma disputa de qual família tinha mais filhos na Escola de Música, a Gobeth ou a Zagatto. A cena mais engraçada foi que eu entrei e toquei flauta transversal, o Raul entrou e tocou violoncelo, o público ficou admirado: “- Nossa ele toca dois instrumentos!”. Ai houve a apresentação do Quinteto Gobeth, foi quando a platéia murmurou: “- São iguaiszinhos!”.
Qual era a reação dos seus pais com o fato de ter cinco filhos executando música clássica?
Meu pai gostava muito, era uma pessoa carismática, que venceu na vida com muita dificuldade. Ele faleceu em 3 de janeiro de 1964. Queria que todos estudassem, dava muito valor para a escola. Ele sempre nos apoiou, minha tia Cecília também gostava muito. Dos cinco, músicos profissionais só ficaram o Raul e eu. Com 15 anos comecei a dar aulas de flauta.
Após completar o ginásio no Colégio Dom Bosco onde você foi estudar?
Fiz um ano de científico no Sud Mennucci, saí e fui estudar contabilidade na Escola Cristóvão Colombo, a Escola do Zanin, onde me formei como contador. Em 1971 fui para São Paulo para estudar administração na Escola Getúlio Vargas. O Raul acabou permanecendo em Piracicaba após freqüentar por um período de tempo o curso de química no Mackenzie.
Você morava onde em São Paulo?
No inicio foi em uma pensão na Rua Manoel da Nóbrega, quase esquina com a Avenida Paulista. Dali eu mudei para a Aclimação, na Rua José Getúlio, de lá mudei para uma travessa da Rua 12 de outubro, na Lapa. Trabalhei na Credicard, que era Citicard, do Citibank funcionava na Rua Sete de Abril, no Edifício dos Diários Associados. Em seguida fui trabalhar na Faço, que fabricava britadores, trabalhei na Mooca, na Avenida Presidente Wilson. Era uma empresa de suecos que passou para a Allis-Chalmers empresa americana. Conversei com a minha família, decidi fazer o CPV Curso de Preparação para Vestibulares, ficava na Avenida da Consolação, em frente ao Cemitério da Consolação. Fiz esse cursinho e passei. Na Getúlio Vargas fiz muitos amigos como Eduardo Naufal, Johnny Saad, Paulinho Kopenhagen, Olavo Setubal Júnior, eles me chamavam de “Piracicaba”. Fui trabalhar na Nestlé, na época a matriz ficava na Avenida da Consolação, trabalhava na contabilidade, fazia correções de lançamentos. Nessa época estava afastado da música. Eu tinha 24 anos. Nesse meio tempo minha ex-professora Grace Lorraine Andersen Bush indicou meu nome para o Teatro Municipal de São Paulo. O diretor me contratou, onde toquei com os maiores regentes do Brasil e da América do Sul, como Eleazar de Carvalho, Isaac Karabtchevsky, e muitos outros nomes famosos. Fiz cachê em muitas orquestras. (No jargão dos musicistas fazer cachê é tocar como convidado em outra orquestra recebendo um pagamento pelo seu trabalho). Toquei em minha vida com mais de 70 regentes.
Quantos filhos você tem?
Sou casado com Yara Regina Roberti Gobeth fonoaudióloga, acupunturista, temos três filhos: Gabriel, Cecília e Pedro. Tranquei a matrícula no sétimo semestre na GV. Meu primeiro filho tinha nascido. Em 1978 voltei para Piracicaba, com a minha esposa e meu filho. Fiquei dando aulas na Escola de Musica de Piracicaba. Na ocasião havia perspectivas para outros empreendimentos. Conseguimos dar uma boa formação aos nossos filhos, todos são formados pela USP com especializações em suas áreas de trabalho. Toquei muita música, mas a minha carreira é mais expressiva como professor. Desde 1965 dou aulas, com dois breves períodos de interrupção. Afirmam que tenho muita criatividade para dar aula. Sei que tenho essa facilidade para ensinar música.
Com a saída do Maestro Ernest Mahle da Escola de Música de Piracicaba, as perspectivas futuras dependem da instituição que a assumiu?
Vejo a necessidade de maior apoio por parte do poder público, através de projetos culturais desenvolvidos pela União, pelo Estado e pelo Município. É uma tarefa árdua e com perspectivas pouco alentadoras administrar uma instituição desse porte sem um comprometimento dos poderes constituídos. Temos como exemplos os resultados colhidos pelos recursos investidos pelo Estado em Tatuí.
Qual é a importância da Escola de Música de Piracicaba para a cidade?
É muito grande, levou o nome de Piracicaba ao Brasil inteiro, a ponto de eu estar no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e em outros estados e me perguntarem se eu conhecia a famosa Escola de Música de Piracicaba. Isso sem falar que levou o nome da nossa cidade para as mais diversas partes do mundo. Ela chegou a estar entre os 10 símbolos de Piracicaba. A importância do Maestro Ernest Mahle foi muito grande, enquanto esteve a frente da direção artística era a imagem viva da escola. Vinham muitos professores de São Paulo, Rio de Janeiro, que hoje já não vem mais. É um investimento alto, cujos recursos o Maestro Ernest Mahle conseguia obter. Grandes nomes do cenário musical passaram por Piracicaba. O órgão de tubo da EMP está entre os três melhores do Brasil. Piano de cauda Steinway deve ter uns sete ou oito. Há um acervo muito importante de partituras. A EMP tem um acervo que só é menor do que o da USP e o do Conservatório Nacional do Rio de Janeiro. O Maestro Ernest Mahle é uma pessoa muito importante para Piracicaba, só que ainda não foi devidamente reconhecido.
O que você sente ao executar uma peça musical?
Cada dia tenho um sentimento.
Dizem que o músico desenvolve uma forma de raciocinar própria.
Afirma-se que o lado do cérebro é o mesmo utilizado pela matemática. Dificilmente você irá encontrar um músico que seja ruim em matemática. A música não é palpável, é imaginária. Ela é sentida. A matemática é abstrata.
Você se comunica com a natureza através da música?
Muito! Muito! As artes são entrelaçadas. O que se usa de cores nas artes plásticas se usa nas notas musicais.
O brasileiro tem musicalidade?
Os próprios maestros cotam o brasileiro como grandes músicos, o maestro Zubin Mehta é um dos que afirmam isso. Nomes renomados têm vindo para o Brasil. O Brasil hoje exporta músicos muito bons. Muitos músicos saídos da Era Mahle estão hoje na Europa e Estados Unidos. Podemos citar alguns nomes: Paulo Arantes, Washington Barella, João Paulo Casarotti, Daniel Duarte.
Quando o aluno forma-se na EMP qual título ele pode receber?
No curso oficial ele forma-se como Técnico em Música, a semelhança de outros cursos técnicos, como por exemplo, Técnico em Contabilidade. É uma profissão.
Por que o brasileiro não consome música clássica?
Agora o Brasil está começando agora a olhar mais para a música clássica. Quantos brasileiros consomem pintura? São poucos. Isso porque a nossa cultura é incipiente.
Quando uma comunidade carente e assistida executa música clássica sai um produto de excelente qualidade.
Eles gostam muito. Só que para eles o acesso é difícil.
Existe uma barreira?
A música erudita é elitizada. De 30 anos para cá são realizados grandes concertos em praças públicas, como no Parque Ibirapuera em São Paulo. Faz muito sucesso.
O que significa música sertaneja universitária?
Sertaneja universitária é uma denominação criada por algum marqueteiro. Não existe isso. É como afirmar que exista Música Barroca Cabocla! A denominação sertaneja universitária é uma criação do mercado para vender seu produto, tentar elitizar algo extremamente popular. O objetivo é despertar o interesse do universitário, criar um glamour junto à classe que tem poder aquisitivo para consumir.
O mesmo pode ser feito com a música clássica?
Aos poucos a música clássica vem ganhando mais espaço. A questão é que a música erudita custa muito mais caro. Para formar um músico clássico demoram-se muitos anos. Para formar um sertanejo em dois meses ele estará com um repertório. Dá para formar uma dupla sertaneja por quarteirão. É uma música que se canta de terça, paralela sempre ou de sexta paralela, é só ter um ouvido um pouco musical e uma voz firme que a pessoa já pode cantar. Sou capaz de formar uma boa dupla por quadra.
Como Alessandro Pinezzi tornou-se um ícone piracicabano?
Alessandro Pinezzi é um grande violonista, é um músico por excelência, um fenômeno que respeito muito. Igual a ele no Brasil só existe Yamandu Costa, tinha o Rafael Rabelo, já falecido. O Pinezzi é um músico completo, toca erudito, popular, já tocou na Rússia, Estados Unidos, foi aplaudido no mundo todo. È um público que conhece profundamente música. Fábio Zanon é um violonista de música clássica. Yamandu Costa, Alessandro Pinezzi são músicos que já nascem prontos, uma benção de Deus.
Há pessoas que investem grandes quantias equipando seu veículo com possantes alto falantes. Essa pessoa pode ser um músico em potencial?
Pode ser. O que existe na verdade é que todo mundo gosta de um público, quer um palco, quer brilhar, a modéstia é graxa que ainda não foi lustrada. Todo mundo tem um “tcham” de artista! Esses veículos disputam entre si qual tem maior potencia de som, no meu ponto de vista é uma falta de educação e de cultura. Geralmente a aparelhagem de som custa mais do que o próprio carro. São pessoas simples que buscam uma forma de projeção pessoal. Por isso que o poder público tem que participar na formação de músicos, fica muito caro formar um músico, comprar instrumentos, contratar um professor qualificado. Isso ocorre hoje na favela de Heliópolis, em São Paulo. Tem quatro piracicabanos ensinando lá.
Uma boa orquestra rende dividendos políticos?
Tentaram acabar com a orquestra de Campinas, há uns 20 anos, quase lincharam o vereador que fez a proposta. A orquestra já tinha conquistado seu público, faz parte do coração da cidade.
Você tocou em óperas?
Toquei em São Paulo, entre elas “Navio Fantasma”, “Macbeth” de William Shakespeare, Turandot, de Giacomo Puccini. Fiz 6 óperas como instrumentista, uma delas de quatro horas de duração. Parsifal de Richard Wagner são 12 horas de duração. Em Manaus foi realizada a obra completa. Essas óperas são muito pesadas para o músico, tem que estar o tempo todo ligado, ópera é muito difícil de se fazer. Tem muitos recitativos, o msico tem que acompanhar no momento exato. Quando vem as árias, que é o solo, torna-se fácil acompanhar. Estudei ópera por dois anos com Niza de Castro Tank.
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