PROGRAMA PIRACICABA
HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado , 04 setembro de 2021
Entrevista:
Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
Entrevistada:
Carmelina de Toledo Pizza
Carmelina
de Toledo Pizza é Contadora de Histórias, sabe que os mitos de todos os povos
têm base comum na necessidade de explicar realidades sociais, cosmológicas e
espirituais.
Carmelina d
e Toledo Pizza ao nascer, recebeu o nome de Carmelina em homenagem a sua avó, que havia falecido há pouco tempo. Tem mais dois irmãos, a Branca e o Paulo (falecido).
Cursou a Faculdade de Ciências e
Letras na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Fez Psicopedagogia e
mestrado em Educação Comunitária no Centro Universitário Salesiano de São Paulo
(Unisal) em Americana. Pós graduou-se em Arte Terapia na Universidade Paulista
(Unip) e está cursando Educação Artística (EaD) nas Faculdades Claretianas, em
Rio Claro. Em 1999, abriu o Espaço para Arte de Contar Histórias, em
Piracicaba, onde ensina a arte de narrar aos profissionais da educação, da
saúde e de outras áreas. Em 2001, formou o grupo Na Cia. da Tia Carmelina. Lançou
os livros entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra
(2003); Caju, uma história de amor e 7 encontros, histórias e desenhos (2004);
Histórias que amigos contam (2005); Amor sempre... Sempre amor (2006); e Passa
balaio trançado de sonhos e conta uma história... 2ª Edição (2013).
Atualmente, presta trabalho voluntário n Santa Casa de Piracicaba.
A arte de contar histórias é milenar?
Nós
dizemos que quando o homem começou a falar, ele já passou a contar histórias!
Mesmo os homens das cavernas, quando acendiam aquela fogueira, narrava suas
caçadas, escreviam nas paredes, desenhavam, aquilo tudo era história.
Até os tempos atuais, histórias e lendas,
contadas geralmente a noite e que povoam a imaginação do ouvinte tornando-o
sensível ao menor ruído?
Quando
eu era menina, tinha uma mulher que morava perto da minha casa, eu morava na
Rua da Glória esquina com a Rua Da. Jane Conceição, no bairro da Paulista. Eu
tinha seis anos de idade, foi quando vim morar em Piracicaba. Essa mulher
contava essas histórias assustadoras, de assombração, mula-sem-caça e outras do
gênero. Ela sentava-se ao lado de um fogão a lenha, pegava um pedaço de madeira
em brasa e fazia movimentos muito rápidos no ar. Quando saíamos da casa dela estávamos todos
apavorados! Eu morria de medo! Encostavam a minha cama junto a cama da minha
irmã! Só que na noite do dia seguinte se essa senhora estivesse disponível para
contar histórias, nós estaríamos lá de novo!
Essa sensação de curiosidade e medo não
achava perturbando o sono?
O
que acontecia as vezes, é que alguém dependurava uma peça de roupa, se ela se
movimentasse com o deslocamento de ar, eu ficava apavorada e dizia para minha
irmã: “ Tem assombração ai! ” Minha irmã acendia a luz e mostrava a sua blusa
dependura em um cabide na porta do guarda-roupas!
Qual é o nome dos seus pais?
Meu
pai é Júlio de Toledo Pizza e a minha mãe Honorina Fortini de Toledo, mineira
de Vargem Grande do Rio Pardo. Minha avó materna veio no navio, conheceu o meu
avô, quando chegara foram para Vargem Grande, namoraram, casavam, A minha mãe é
a segunda filha de onze filhos.
Qual era a atividade do profissional
do seu pai?
Meu
pai era topografo no Departamento de Estradas de Rodagem (DER) onde trabalhou
por 30 anos. Após aposentar-se, foi trabalhar com o então prefeito Luciano
Guidotti.Lembto-me como era incrível aquele homem, lembro-me de que um dia
papai eslava traçando uma das pontes, acho que era a Ponte do Caixão, ele
chegou em casa, com aquele papel imenso, colocou sobre a mesa de fórmica
Vermelha, eu que traçava para ele, a doença de Parkinson já dava, mostras de
que estava se manifestando.
O
Prefeito Luciano Guidotti dizia de forma veemente: “ Seu Júlio! Esta ponte tem
que sair aqui! ” Meu pai argumentava considerando aspectos técnico: “- Já medi
aqui, já fiz o levantamento técnico ali”, e ia apontando para a planta da ponte
e dos locais. Meu pai media aqui, ali, fazia todas soluções possíveis. Ao
final, a ponte saia exatamente aonde Luciano Guidotti havia previsto. Por uns
cinco anos meu pai trabalhou com Luciano Guidotti.
O fato de ver seu pai envolvido com
plantas, gráficos, influenciaram no seu interesse por desenho?
Tem
muito a ver! Desde menina eu gostava de desenhar. E gostava também de livros,
dizia que seria escritora. Eu deveria ter uns 10 anos de idade quando cheguei
em casa com um punhado de livros. Em casa tinha livros, as minhas tias, irmãs
de papai, eram professoras, diretora, tinham muitos livros. Minha irmã e eu
líamos. Um dia cheguei em casa com muitos livros. Papai disse-me: “Por que você
pegou todos esses livros? Aqui em casa tem tantos livros e você ainda pega mais
na biblioteca? ”.
Disse-lhe:
“ Pai, eu vou ser escritora! ”
Ele
disse-me: “Professora! ”
Respondi-lhe:
“ Está bom! ”
O curso primário você estudou em qual
escola?
Fiz
o primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que ficava no prédio ao lado da
Igreja dos Frades. Lembro-me de algumas professoras: Dona Conceição, Dona
Domitila, Da. Elza Maura Barbosa. A
seguir fiz a famosa Escola de Comércio Cristóvão Colombo, conhecida
popularmente como Escola do Zanin, localizada a Praça José Bonifácio. Ao lado da escola havia a bombonière do
Passarella. Lembro-me da bala Chita, ao lado situava-se o Cine Polyteama.
Você estudava a noite?
Estudei
dois anos na parte da manhã, como não tinha alunos, éramos puçás meninas, cerca
de 4 ou cinco meninas, passamos para o período noturno, os estudantes da noite
eram adultos, fomos muito bem recebidas, sempre fui muito brincalhona. Estudei
os dois ótimos anos a noite. Meu irmão teve que assinar uma documentação, comprometendo-se
a buscar-nos todas as noites após as aulas. Eu voltava com ele de bonde. Quando ele não ia, eu pegava o bonde e lá no
pontilhão da rua Benjamin Constant o meu pai estava me esperando. Era uma preocupação. O meu irmão gostava de
filme de bang-bang, a gente “matava” aula. A minha vida na escola foi muito
interessante!
Em
seguida fiz o magistério no “Instituto Educacional Piracicabano” e o curso de
Letras: Português Literatura no início da Universidade Metodista de Piracicaba
(UNIMEP) que na época ainda funcionava na Rua da Boa Morte, Sou da primeira
turma a formar-se em Letra. A minha vontade era fazer Artes Plásticas, mas por
influência do meu pai estudei Letras.
Aí você foi dar aulas?
Fui
dar aulas, comecei com os pequeninos, na Escola Infantil “A Cigarrinha, acho
que foi umas das primeiras escolas infantis da região, Dona Terezinha Kraide,
foi a pedagoga fa vida, era uma pessoa maravilhosa, aprendi muito com ela. Fui
dar aulas para o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.
Como era dar aulas para adultos?
Muito
interessante, principalmente naquela época: 1974,1075. Era um período de
transição política, os alunos, já adultos, eram pessoas maravilhosas!
Você era uma menina
se comparada a idade deles?
Eu tinha por volta de 20 a 23 anos e eles eram bem mais idosos. Eles
tinham muita dificuldade, as vezes tinha que pegar na mão do aluno e ensinar a
letra “a” a letra “b”
Por quanto tempo
você lecionou em sala de aula?
Dei aula por uns 15 anos aproximadamente.
Como você decidiu
parar de lecionar?
Foi dentro da sala de aula! Eu contava histórias, descobri que quando
acabava de contar uma história aquelas crianças estavam prontas para eu ensinar
o que eu quisesse. Pedi exoneração em 1992, e virei a Contadora de Histórias.
Você foi a
primeira contadora de hídricas a dedicar essa atividade como profissão?
Acredito que com ilustrações sim, mas tínhamos um grande número de
cantadores de cururu narravam histórias através de suas cantorias. Eram
celebres, reuniam multidões. A mãe do cururueiro Nhô Serra morava a uns 50
metros da minha casa. Ali eles cantavam cururu sábado à noite, domingo pela
manhã, e nós ficávamos jogando bola.
Você era meio
moleca?
Muito! Eu rodava pneu! Fazia o círculo e
jogava o pião de madeira! Bolinha de gude, carrinho de rolimã. Eu tinha mais ou
menos uns seis ou sete anos, era aniversário da minha priminha mamãe fez um
vestido de organdi suíço branco, no dia, do aniversário, ela me deu banho,
colocou o vestido, sapatinhos brancos, e mandou que ficasse sentada esperando os
demais da família ficassem prontos. Nisso passou um amigo e me convidou para
dar uma volta de carrinho de rolimã. Voltei com metade do vestido que era só
graxa. Minh irmã na bondade dela disse: -Vai com aquele vestido amarelinho”. Minha mãe ordenou: “´Não! Ela não sujou? Ela
vai assim na festa! ”.
Eu cheguei na festa. Juntava as laterais do vestido, para não aparecer a
graxa!
Mas eu tenho uma sorte, uma sorte! O Universo é fantástico comigo! A minha tia de São Paulo tinha a esse
aniversário, e trouxe de presente para mim a primeira calça rancheira que eu
tive! Vermelha! Era uma raridade! Trouxe também uma blusinha branca de bolinhas
vermelhejas! Fui até o andar superior, me troquei, quando desci àquela escada,
os olhares voltaram-se para mim. Eu me sentia uma princesa!
A minha mãe, claro estava me
achando linda, mas queria me torcer pelo papelão que eu havia feito com o
vestido de tecido suíço!
A minha infância não foi difícil, foi saudável.
A menina que existe hoje em mim sente saudade de muitas coisas. Era uma
época em que bens de consumo eram praticamente inexistentes, como por exemplo.
Era muito raro de se ver uma caixa de bombom. Não exocistia. Eram os pobres,
mas não miseráveis. Tínhamos uma alimentação saudável, farta, porém sem essa
profusão de preditos industrializados. Eu me lembro de que papai comprava uma
caixa de refrigerante quando ele recebia o pagamento. Vinha uma dúzia de
garrafas, sendo seis de gengibirra e seis de itubaina. Quando acabava só no
próximo mês é que tinha outra caixa. Era comum as famílias fazerem limonada ou
laranjada natural. Em casa tínhamos uma geladeira vermelha. A televisão chegou
quando eu tinha uns 15 a 16 anos.
Você como muitos
jovens da época assistia ao programa Jovem Guarda?
Claro! Gostava de ver Roberto Carlos, Martinha, Renato e Seus Blue Caps
e tantos outro qie marcaram época.
Carmelina exibe um ar de realização ao mostrar os livros publicados por
ela. Desde o primeiro, o qual ela classifica como muito simples, até obras realizadas
para ensinar e formar novos contadores de história. O livro voltado ao ensino
de Contadores de Histórias ensina as técnicas essenciais para um bom contador
de histórias. Os seus alunos que fizeram esse curso dão depoimentos dos
sucessos alcançados. A experiência de contar histórias em hospitais.
O atelier de Carmelina reserva uma surpresa a cada momento, quadros,
muitos pintados por ela, ilustradora e artista plástica com técnicas refinadas.
Sua devoção a São Francisco de Assis, tornou-a na possível recordista
piracicabana de imagens do Santo. Feitas em madeira, barro, bordadas, oriundas
das mais diversas partes do Brasil e até mesmo do exterior, Pessoas amigas
trazem como presente.
Dotada de um senso de humor muito positivo, poucas pessoas imaginam que
Carmelina, tão doce, risonha, é uma mulher forte que já enfrentou uma
mastectômica.
Carmelina conserva seu alto astral até mesmos nos momentos difíceis, ela
dá uma lição de vida. Seus livros, sua arte de ilustradora, são reflexos de uma
mulher forte. De um ser humano que espalha energia positiva.
Há alguns anos fez mastectómica. Não se deixou abater. Alguns anos
vivendo sozinha, algumas amigas insistiram para que ela entrasse em um site.
Fez amizade que com o tempo despertou a curiosidade de se conhecerem. O pretendente
em animada conversa pessoal, mostrava interessadíssimo em estabelecer um
relacionamento mais sério. Carmelina mencionou a mastectômica feita há anos. De
forma brusca, ele lembrou-se de que tinha um compromisso inadiável. Saiu como
um fuso.
Essa é a moleca, escritora, ilustradora e contadora de histórias, uma
mulher forte e bem resolvida, querida pelos seus amigos e rodeada por inúmeras
imagens de São Francisco com sua sinceridade desmontou completamente o seu
possível conquistador.
Segundo Carmelina, ela fez uma pesquisa junto as mulheres que tiveram
câncer e pouquíssimos homens tem a coragem de enfrentar uma situação dessas, o
impacto é maior quando elas ficam carecas.
Ao mesmo tempo em que é uma situação pesada, você conseguiu tornar o
assunto palatável em seu livro.
Hoje sua vida é intensamente
partilhada entre escrever, fazer arte com suas ilustrações e pinturas, contar histórias?
Hoje olho no espelho e vejo a minha história. Olho a tela branca do computador. O que escrever? A cabeça está carregada de sonhos da infância, de vida vivida, de tudo aquilo que passei e das pessoas que estavam a minha volta. E começo a escrever. Livros já saíram: “ Entrou por uma porta e saiu poi outra, quem quiser que conte outra. ”. “Caju, a minha história de amor. ” Todos os livros que escrevi, foram livros escritos depois de uma dor, uma dor profunda de perda de um amor. Uma dor que eu não queria sentir. Mas o livro saiu, e ele não foi aquele livro triste” Tem muito humor, muita alegria! Porque é isso que eu trago desde a minha infância, a minha criança, a minha alegria. O livro “Cor da Terra” a capa foi feita por mim, porque adoro desenhar.
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