quarta-feira, outubro 26, 2022


 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado , 04 setembro  de 2021

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

                                                                                              

 

Entrevistada: Carmelina de Toledo Pizza

 

Carmelina de Toledo Pizza é Contadora de Histórias, sabe que os mitos de todos os povos têm base comum na necessidade de explicar realidades sociais, cosmológicas e espirituais.

Carmelina d



e Toledo Pizza ao nascer, recebeu o nome de Carmelina em homenagem a sua avó, que havia falecido há pouco tempo. Tem mais dois irmãos, a Branca e o Paulo (falecido).

Cursou a Faculdade de Ciências e Letras na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Fez Psicopedagogia e mestrado em Educação Comunitária no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal) em Americana. Pós graduou-se em Arte Terapia na Universidade Paulista (Unip) e está cursando Educação Artística (EaD) nas Faculdades Claretianas, em Rio Claro. Em 1999, abriu o Espaço para Arte de Contar Histórias, em Piracicaba, onde ensina a arte de narrar aos profissionais da educação, da saúde e de outras áreas. Em 2001, formou o grupo Na Cia. da Tia Carmelina. Lançou os livros entrou por uma porta, saiu por outra, quem quiser que conte outra (2003); Caju, uma história de amor e 7 encontros, histórias e desenhos (2004); Histórias que amigos contam (2005); Amor sempre... Sempre amor (2006); e Passa balaio trançado de sonhos e conta uma história... 2ª Edição (2013).
Atualmente, presta trabalho voluntário n Santa Casa de Piracicaba.

A arte de contar histórias é milenar?

Nós dizemos que quando o homem começou a falar, ele já passou a contar histórias! Mesmo os homens das cavernas, quando acendiam aquela fogueira, narrava suas caçadas, escreviam nas paredes, desenhavam, aquilo tudo era história.

Até os tempos atuais, histórias e lendas, contadas geralmente a noite e que povoam a imaginação do ouvinte tornando-o sensível ao menor ruído?

Quando eu era menina, tinha uma mulher que morava perto da minha casa, eu morava na Rua da Glória esquina com a Rua Da. Jane Conceição, no bairro da Paulista. Eu tinha seis anos de idade, foi quando vim morar em Piracicaba. Essa mulher contava essas histórias assustadoras, de assombração, mula-sem-caça e outras do gênero. Ela sentava-se ao lado de um fogão a lenha, pegava um pedaço de madeira em brasa e fazia movimentos muito rápidos no ar.  Quando saíamos da casa dela estávamos todos apavorados! Eu morria de medo! Encostavam a minha cama junto a cama da minha irmã! Só que na noite do dia seguinte se essa senhora estivesse disponível para contar histórias, nós estaríamos lá de novo!

Essa sensação de curiosidade e medo não achava perturbando o sono?

O que acontecia as vezes, é que alguém dependurava uma peça de roupa, se ela se movimentasse com o deslocamento de ar, eu ficava apavorada e dizia para minha irmã: “ Tem assombração ai! ” Minha irmã acendia a luz e mostrava a sua blusa dependura em um cabide na porta do guarda-roupas!

Qual é o nome dos seus pais?

Meu pai é Júlio de Toledo Pizza e a minha mãe Honorina Fortini de Toledo, mineira de Vargem Grande do Rio Pardo. Minha avó materna veio no navio, conheceu o meu avô, quando chegara foram para Vargem Grande, namoraram, casavam, A minha mãe é a segunda filha de onze filhos.

Qual era a atividade do profissional do seu pai?

Meu pai era topografo no Departamento de Estradas de Rodagem (DER) onde trabalhou por 30 anos. Após aposentar-se, foi trabalhar com o então prefeito Luciano Guidotti.Lembto-me como era incrível aquele homem, lembro-me de que um dia papai eslava traçando uma das pontes, acho que era a Ponte do Caixão, ele chegou em casa, com aquele papel imenso, colocou sobre a mesa de fórmica Vermelha, eu que traçava para ele, a doença de Parkinson já dava, mostras de que estava se manifestando.

O Prefeito Luciano Guidotti dizia de forma veemente: “ Seu Júlio! Esta ponte tem que sair aqui! ” Meu pai argumentava considerando aspectos técnico: “- Já medi aqui, já fiz o levantamento técnico ali”, e ia apontando para a planta da ponte e dos locais. Meu pai media aqui, ali, fazia todas soluções possíveis. Ao final, a ponte saia exatamente aonde Luciano Guidotti havia previsto. Por uns cinco anos meu pai trabalhou com Luciano Guidotti.

O fato de ver seu pai envolvido com plantas, gráficos, influenciaram no seu interesse por desenho?

Tem muito a ver! Desde menina eu gostava de desenhar. E gostava também de livros, dizia que seria escritora. Eu deveria ter uns 10 anos de idade quando cheguei em casa com um punhado de livros. Em casa tinha livros, as minhas tias, irmãs de papai, eram professoras, diretora, tinham muitos livros. Minha irmã e eu líamos. Um dia cheguei em casa com muitos livros. Papai disse-me: “Por que você pegou todos esses livros? Aqui em casa tem tantos livros e você ainda pega mais na biblioteca? ”.

Disse-lhe: “ Pai, eu vou ser escritora! ”

Ele disse-me: “Professora! ”

Respondi-lhe: “ Está bom! ”

O curso primário você estudou em qual escola?

Fiz o primário no Grupo Escolar Dr. João Conceição, que ficava no prédio ao lado da Igreja dos Frades. Lembro-me de algumas professoras: Dona Conceição, Dona Domitila, Da. Elza Maura Barbosa.  A seguir fiz a famosa Escola de Comércio Cristóvão Colombo, conhecida popularmente como Escola do Zanin, localizada a Praça José Bonifácio.  Ao lado da escola havia a bombonière do Passarella. Lembro-me da bala Chita, ao lado situava-se o Cine Polyteama.

Você estudava a noite?

Estudei dois anos na parte da manhã, como não tinha alunos, éramos puçás meninas, cerca de 4 ou cinco meninas, passamos para o período noturno, os estudantes da noite eram adultos, fomos muito bem recebidas, sempre fui muito brincalhona. Estudei os dois ótimos anos a noite. Meu irmão teve que assinar uma documentação, comprometendo-se a buscar-nos todas as noites após as aulas. Eu voltava com ele de bonde.  Quando ele não ia, eu pegava o bonde e lá no pontilhão da rua Benjamin Constant o meu pai estava me esperando.  Era uma preocupação. O meu irmão gostava de filme de bang-bang, a gente “matava” aula. A minha vida na escola foi muito interessante!

Em seguida fiz o magistério no “Instituto Educacional Piracicabano” e o curso de Letras: Português Literatura no início da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP) que na época ainda funcionava na Rua da Boa Morte, Sou da primeira turma a formar-se em Letra. A minha vontade era fazer Artes Plásticas, mas por influência do meu pai estudei Letras.

Aí você foi dar aulas?

Fui dar aulas, comecei com os pequeninos, na Escola Infantil “A Cigarrinha, acho que foi umas das primeiras escolas infantis da região, Dona Terezinha Kraide, foi a pedagoga fa vida, era uma pessoa maravilhosa, aprendi muito com ela. Fui dar aulas para o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.

Como era dar aulas para adultos?

Muito interessante, principalmente naquela época: 1974,1075. Era um período de transição política, os alunos, já adultos, eram pessoas maravilhosas!

Você era uma menina se comparada a idade deles?

Eu tinha por volta de 20 a 23 anos e eles eram bem mais idosos. Eles tinham muita dificuldade, as vezes tinha que pegar na mão do aluno e ensinar a letra “a” a letra “b”

Por quanto tempo você lecionou em sala de aula?

Dei aula por uns 15 anos aproximadamente.

Como você decidiu parar de lecionar?

Foi dentro da sala de aula! Eu contava histórias, descobri que quando acabava de contar uma história aquelas crianças estavam prontas para eu ensinar o que eu quisesse. Pedi exoneração em 1992, e virei a Contadora de Histórias.

Você foi a primeira contadora de hídricas a dedicar essa atividade como profissão?

Acredito que com ilustrações sim, mas tínhamos um grande número de cantadores de cururu narravam histórias através de suas cantorias. Eram celebres, reuniam multidões. A mãe do cururueiro Nhô Serra morava a uns 50 metros da minha casa. Ali eles cantavam cururu sábado à noite, domingo pela manhã, e nós ficávamos jogando bola.

Você era meio moleca?

Muito! Eu rodava pneu! Fazia o círculo e jogava o pião de madeira! Bolinha de gude, carrinho de rolimã. Eu tinha mais ou menos uns seis ou sete anos, era aniversário da minha priminha mamãe fez um vestido de organdi suíço branco, no dia, do aniversário, ela me deu banho, colocou o vestido, sapatinhos brancos, e mandou que ficasse sentada esperando os demais da família ficassem prontos. Nisso passou um amigo e me convidou para dar uma volta de carrinho de rolimã. Voltei com metade do vestido que era só graxa. Minh irmã na bondade dela disse: -Vai com aquele vestido amarelinho”.  Minha mãe ordenou: “´Não! Ela não sujou? Ela vai assim na festa! ”.

Eu cheguei na festa. Juntava as laterais do vestido, para não aparecer a graxa!

Mas eu tenho uma sorte, uma sorte! O Universo é fantástico comigo!  A minha tia de São Paulo tinha a esse aniversário, e trouxe de presente para mim a primeira calça rancheira que eu tive!  Vermelha! Era uma raridade!  Trouxe também uma blusinha branca de bolinhas vermelhejas! Fui até o andar superior, me troquei, quando desci àquela escada, os olhares voltaram-se para mim. Eu me sentia uma princesa!

 A minha mãe, claro estava me achando linda, mas queria me torcer pelo papelão que eu havia feito com o vestido de tecido suíço!

A minha infância não foi difícil, foi saudável.

A menina que existe hoje em mim sente saudade de muitas coisas. Era uma época em que bens de consumo eram praticamente inexistentes, como por exemplo. Era muito raro de se ver uma caixa de bombom. Não exocistia. Eram os pobres, mas não miseráveis. Tínhamos uma alimentação saudável, farta, porém sem essa profusão de preditos industrializados. Eu me lembro de que papai comprava uma caixa de refrigerante quando ele recebia o pagamento. Vinha uma dúzia de garrafas, sendo seis de gengibirra e seis de itubaina. Quando acabava só no próximo mês é que tinha outra caixa. Era comum as famílias fazerem limonada ou laranjada natural. Em casa tínhamos uma geladeira vermelha. A televisão chegou quando eu tinha uns 15 a 16 anos.

Você como muitos jovens da época assistia ao programa Jovem Guarda?

Claro! Gostava de ver Roberto Carlos, Martinha, Renato e Seus Blue Caps e tantos outro qie marcaram época.

Carmelina exibe um ar de realização ao mostrar os livros publicados por ela. Desde o primeiro, o qual ela classifica como muito simples, até obras realizadas para ensinar e formar novos contadores de história. O livro voltado ao ensino de Contadores de Histórias ensina as técnicas essenciais para um bom contador de histórias. Os seus alunos que fizeram esse curso dão depoimentos dos sucessos alcançados. A experiência de contar histórias em hospitais.

O atelier de Carmelina reserva uma surpresa a cada momento, quadros, muitos pintados por ela, ilustradora e artista plástica com técnicas refinadas. Sua devoção a São Francisco de Assis, tornou-a na possível recordista piracicabana de imagens do Santo. Feitas em madeira, barro, bordadas, oriundas das mais diversas partes do Brasil e até mesmo do exterior, Pessoas amigas trazem como presente. 

Dotada de um senso de humor muito positivo, poucas pessoas imaginam que Carmelina, tão doce, risonha, é uma mulher forte que já enfrentou uma mastectômica.  

Carmelina conserva seu alto astral até mesmos nos momentos difíceis, ela dá uma lição de vida. Seus livros, sua arte de ilustradora, são reflexos de uma mulher forte. De um ser humano que espalha energia positiva.

Há alguns anos fez mastectómica. Não se deixou abater. Alguns anos vivendo sozinha, algumas amigas insistiram para que ela entrasse em um site. Fez amizade que com o tempo despertou a curiosidade de se conhecerem. O pretendente em animada conversa pessoal, mostrava interessadíssimo em estabelecer um relacionamento mais sério. Carmelina mencionou a mastectômica feita há anos. De forma brusca, ele lembrou-se de que tinha um compromisso inadiável. Saiu como um fuso.

Essa é a moleca, escritora, ilustradora e contadora de histórias, uma mulher forte e bem resolvida, querida pelos seus amigos e rodeada por inúmeras imagens de São Francisco com sua sinceridade desmontou completamente o seu possível conquistador.

Segundo Carmelina, ela fez uma pesquisa junto as mulheres que tiveram câncer e pouquíssimos homens tem a coragem de enfrentar uma situação dessas, o impacto é maior quando elas ficam carecas.

Ao mesmo tempo em que é uma situação pesada, você conseguiu tornar o assunto palatável em seu livro.

Hoje sua vida é intensamente partilhada entre escrever, fazer arte com suas ilustrações e pinturas, contar histórias?

 

Hoje olho no espelho e vejo a minha história. Olho a tela branca do computador. O que escrever? A cabeça está carregada de sonhos da infância, de vida vivida, de tudo aquilo que passei e das pessoas que estavam a minha volta. E começo a escrever. Livros já saíram: “ Entrou por uma porta e saiu poi outra, quem quiser que conte outra. ”. “Caju, a minha história de amor. ” Todos os livros que escrevi, foram livros escritos depois de uma dor, uma dor profunda de perda de um amor. Uma dor que eu não queria sentir. Mas o livro saiu, e ele não foi aquele livro triste” Tem muito humor, muita alegria! Porque é isso que eu trago desde a minha infância, a minha criança, a minha alegria. O livro “Cor da Terra” a capa foi feita por mim, porque adoro desenhar.



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