quinta-feira, dezembro 08, 2022

 

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Sábado , 07 dezembro de 2022

Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:

http://blognassif.blogspot.com/

BLOG DO BASSIF ´Piracicaba

http://www.tribunatp.com.br/

 









 

ENTREVISTADO: ANTONIO  POLIZEL


Antonio Polizel nasceu em Piracicaba, no bairro rural da Floresta, tendo se mudado quando era ainda menino, com seus familiares, para o bairro rural Volta Grande. Nascido em 15 de janeiro de 1940, filho de José Stefano Polizel e Regina Ometto, que tiveram sete filhos: Nelson, Laudelino, Antonio, Atilio, José Duvilio, Therezinha e Luiza. A Igreja da Volta Grande foi construída pelo seu avô materno Pietro Ometto, que produzia açúcar batido e tinha uma olaria. Inclusive ele forneceu tijolos para construir a Estação da Paulista.  Seu avô Pietro Ometto veio da Itália, da região de Padova, com sua esposa Angela Tunucci e entraram no Brasil pelo porto de Santos. Ele foi um imigrante que trouxe recursos próprios. Tão logo chegou em Piracicaba adquiriu o sítio no bairro Volta Grande. Antonio Polizel é casado com Luiza Arthuso Polizel, nascida em 15 de maio de 1941, filha de Rosa Bortoletto e João Arthuso. Moravam no bairro rural Nova Suíça. Antonio e Luiza tiveram os filhos Wilson, Solange e Salete.


O meu pai trazia com carrinho de tração animal, arroz para ser beneficiado pelo João Sabino, que tinha uma empresa de beneficiar arroz em sociedade com Augusto Grella, situada na Rua do Rosário esquina com a Rua Dr. Edgard Conceição, no bairro da Paulista. O prédio existe até hoje, onde funciona uma loja de moda jovem.

O senhor frequentava a escola em que bairro?

Ia na Escola do Bairro Pau Queimado, até a quarta série. Da minha casa até a escola tinha uma distância de uns quatro quilômetros. Ia a pé, descalço. Quando passei para o terceiro ano, meu pai comprou um cavalo, eu ia a cavalo. Chamava Gaúcho! Era um cavalo tordilho, ou seja, pontos meios escurinhos entre os pelos. Pode-se dizer que suas cores lembram uma galinha carijó. Era mansinho, na época eu tinha 9 anos de idade. Eu tinha que tratar do cavalo na cocheira, levava capim, cana de açúcar, milho. De manhã eu arriava ele e ia para a escola. No recreio, levava-o até o ribeirão para que ele bebesse água.  

No sítio do pai do senhor que tipos de produtos eram plantados?

Plantávamos café, pomar de laranja, banana... o terreno era pequen não tínhamos espaço para criação de grande porte. Tínhamos que tratar na cocheira, eram cerca de cinco alqueires, que até hoje permanecem com a família.

Mas cinco alqueires para manter produzindo requeria muito trabalho, principalmente naquela época em que a agricultura não tinha as características atuais.

O agricultor tinha muito mais dificuldades e realizava um grande esforço físico. Hoje a tecnologia, a segmentação de mercado, transporte, estrada, recursos, tudo evoluiu. Lembro-me, tão logo eu nasci, que o papai foi acometido de uma doença que ele dormia sentado na cama, caso contrário faltava-lhe ar. Era um problema cardíaco grave. Isso o impedia de trabalhar. A família toda tinha que trabalhar. Meu irmão mais velho, tinha 15 anos. A minha mãe , ainda solteira, já trabalhava  com o pai dela na roça com cana de açúcar e olaria. Pela natureza do trabalho, a olaria requeria também funcionários.

O barro extraído para fazer tijolos era tido como bom?

Tenho a impressão de que hoje já é mais fraco. Na época a minha mãe contava que o pai dela forneceu tijolos para a Construção da Estação da Paulista. Ele descarregava a carroça lá, naquele tempo, mais de 100 anos atrás, não tinha condução. Colocavam 200 tijolos na carroça e quatro burros para trazer da olaria até a Estação da Paulista. Naquele tempo cada tijolo pesava quase 5 (cinco) quilos! A mão já tinha dificuldade para levantar um tijolo e assentar!  

O Bairro Nova Suíça é muito conhecido!

A Suíça, ou Nova Suíça, é um cruzamento de bairros. Nosso sítio fica na Volta Grande, ao lado do bairro Pau Queimado e da venda da Suíça. No sentido Piracicaba, já não é mais Nova Suíça, e sim Pau D’Alhinho. Nós herdamos ali um terreno de 5.000 metros, onde metade é Volta Grande e metade é Pau D`Alhinho. A divisa passa no meio.

Os pais da senhora trabalhavam em sítio arrendado?

Eles eram meeiros de Bento de Campos, mais conhecido como Bento Calixto. Eles tinham um sítio de uns 12 alqueires. Era mais pomar de laranjas, mamão, banana. Teve uma época de café, que a geada queimou. Quando a geada queimou o café plantamos muito mamão. O Oscar Carboni, atacadista de frutas conhecido na época, era quem vinha buscar mamão de caminhão. Ele trazia um pessoal para colher mamão, abacate. Saía com o caminhão carregado.

A região de Piracicaba teve uma época forte de café?

Teve! Depois veio o algodão. Tínhamos muita fartura no sítio. Frutas frescas à vontade, alimentação natural, verduras, aves e ovos. Não havia luxo, mas nos alimentávamos muito bem. A circulação de dinheiro era muito pequena, quase não havia. Quando vendíamos o café, vínhamos para a cidade, comprávamos malas de roupas, comprava o famoso sapatão conhecido como “ arranca toco”, por ser rústico e  resistente. O melhor deles, era o que usava um prego artesanal de madeira, geralmente feito por artesãos italianos. Se molhassem, não enferrujavam, com isso o sapatão tinha vida longa. Comprávamos tecidos para fazer camisas para trabalhar na roça. Eram costuradas em casa, geralmente pelas mães, esposas, irmãs. A máquina de costura cuja marca preferida era a Singer.

Geralmente as compras eram feitas em quais lojas?

Comprávamos tecidos na Casas Pernambucanas. Para o uso de terno,

geralmente  usados às missas de domingo, nosso fornecedor era “O Rei da Roupa Feita”.

Vocês vinham à missa todos os domingos em Piracicaba?

Talvez nem todos os domingos, mas éramos assíduos. Vínhamos de charrete, carrinho, às vezes, com o cunhado da minha esposa, que tinha um caminhão Chevrolet. Nós frequentávamos a Igreja Sagrado Coração de Jesus, mais conhecida como Igreja dos Frades. Quando vinha a cavalo, deixava-o em frente à igreja, onde hoje existe uma pracinha. Lembro-me de alguns frades: Frei Paulino, Frei Ambrósio, Frei Liberato de Gries e  Frei Cesário , que era primo do pai da minha esposa. Ele faleceu em um acidente em que também faleceram os Padres Bergamasco e Jorge Patreze, este último tinha sido colega de escola primária de D. Luiza.

A senhora estudou em qual escola?

Estudei na Escolinha mista, na chácara do Thomaz Amstalden, conhecido por muitos pelo cognome de Bem-te-vi. Ele cedeu uma salinha onde estudavam simultaneamente alunos do 1º,2° e 3° anos. Acho que a casa dele existe até hoje, é de barro socado, paredes muito grossas. O Thomaz era suíço, e tinha uma olaria; a família Bueloni , também tinha uma olaria, mas ficava para frente do Pau D´Alhinho. A classe era composta por três fileiras de alunos, cada uma correspondente a uma série, sendo meninos e meninas que sentavam separados. Tínhamos que copiar depressa porque a professora tinha que apagar logo e escrever matéria para outra série. Minha primeira professora foi D. Dirce, depois teve outra chamada D. Terezinha. As outras não me lembro.

O senhor lembra-se das suas professoras?

Lembro-me sim. A primeira foi Maria Lúcia Leitão; era brava! No segundo ano, foi Dona Cinira de Campos Morato, do terceiro ano foi Dona Ana Bertocci e do quarto ano Dona Aurea Furlani. Dona Luci também foi nossa professora. O diretor era o Seu José P. Angolini, o inspetor de alunos era o Sr. Franquilim.

A distância da escola da casa da senhora era grande?

Era pertinho! Não dava nem um quilômetro. Ficava na divisa das propriedades, só tinha uma estrada que a separava. Eu ia a pé. O ônibus que ia para Botucatu, passava pela estrada, e o meu pai, por precaução de algum acidente, fazia a gente esperar passar o ônibus para irmos para a escola. Com isso geralmente chegávamos junto com a professora.

E a merenda?

Cada aluno levava seu lanche. A minha eu comprava na venda do João Canal e . Naquele tempo, vendiam um pão grande por pedaços. Eu comprava cinquenta centavos de pão e cinquenta centavos de mortadela. Esse armazém do Canale , foi vendido para o Isidoro (Nenê) Lopes que depois o vendeu para  o Jacob Ferezini. Esse armazém, por décadas, foi ponto de referência no bairro. O Ferezini passou para o seu filho, e ele o vendeu. Agora derrubaram o prédio.

Vocês se conheceram aonde?

Seu Antonio responde: “-Desde criança! ” Dona Luiza complementa: “ O meu tio, Santo Arthuso, cortava cabelo. Ele era irmão do meu pai. ” Aos 19 anos, começamos a namorar. O pai de Da. Luiza era muito enérgico, o namoro geralmente era dentro da sala de casa, com alguma pessoa da família da namorada acompanhando a conversa, a chamada “vela”! Esse namoro ia no máximo até as 10 horas da noite. Seu Antonio prossegue: “Eu ia embora lá pelas 9 horas da noite, ia até a venda do Santin Novello, jogar baralho com os velhos! ”

O namoro era uma conversa meio amarrada?

Seu Antonio prossegue: Era rotineira, quase não tinha prosa, nós trabalhávamos isolados no campo, quase não via ninguém, o meu pai tinha um rádio. Quando eu tinha uns quatro ou cinco anos, minha irmã mais velha disse-me: “ – Tonico! O pai vai comprar um rádio! ”. O rádio funcionava com acumulador, meu pai chegou da cidade com o carrinho de tração animal e o rádio ligado! Aquilo para nós foi uma alegria imensa! À noite os vizinhos vinham para escutar o rádio, ninguém tinha! Lembro-me até hoje de um programa que fazia muito sucesso: “ O Crime Não Compensa! ”.  Tinha as radionovelas, nós gostávamos de música caipira. Segunda e Sexta-Feira tinha programa do Tonico e Tinoco na Rádio Nacional, era às 18 horas, meu irmão e eu nesses dois dias vínhamos da roça mais cedo para ouvir o programa. Trabalhávamos de sol a sol, não existia essa história de trabalhar por oito horas e parar.

Como era o almoço na roça?

Era arroz, feijão, linguiça, ovo e carne. Meu pai era metódico, não queria carne que estivesse na geladeira e nem cozida em panela de pressão. Tinha que ser cozida na panela de ferro e no fogão a lenha. Nós levantávamos cedo, tomávamos café com leite, pão feito em casa. Lá entre 9 e 9:30 da manhã, almoçávamos. Em torno das 13 horas jantávamos. Por volta das 15:30 às 16 horas, tomávamos café. A noite era a ceia. Eram cinco refeições por dia. Se não nos alimentássemos direito, não aguentávamos trabalhar. Tínhamos frutas à vontade, pois trabalhávamos no meio do pomar.

Quando vocês casaram foram morar aonde?

Nós tínhamos dois sítios. Meu cunhado Quinzinho, tinha uma venda na Volta Grande e meu pai construiu uma casa ao lado e fomos morar lá. Nós casamos em 1964, na Igreja São José, em Piracicaba e o celebrante foi o Cônego Luiz Gonzaga Juliani. A igreja estava ainda em construção, não tinha piso, nem porta definitiva.

O Morro do Enxofre, conhecido atualmente como Avenida Madre Maria Teodora, não era asfaltado?

Não tinha asfalto, o chão era com pedregulho, era uma via de duas mãos.

Há uma história, que pode até ser uma lenda urbana, mas foi narrada por uma pessoa que trabalhava em laticínio.

Acredito que isso seja história. Diziam que alguns fornecedores de leite, que traziam em latões para o laticínio, “batizavam” o produto com água do Ribeirão do Enxofre. Alguém criou essa história e por falta de assunto ou por pura brincadeira, comentavam. Havia fiscalização e a Usina de leite tinha um controle de qualidade rigoroso. Existia e existe até hoje a entrega direta do produtor para o consumidor, mas o consumidor percebe na hora se o produto foi alterado. Antigamente, o sabor da carne era diferente, atualmente adicionam conservantes e outros aditivos que mudam completamente o sabor.

Sem geladeira, como conservava a comida?

Geladeira, praticamente não existia. O toucinho do porco era derretido, colocado em uma lata e ali eram colocados os pedaços de carne e torresmo. Era comum quando alguém abatia um porco, repartir com seus vizinhos. Tinha já uma cestinha, usava-se folha de bananeira para embrulhar, não existia papel alumínio. A ajuda mútua era uma realidade.

Como foi que o senhor passou a trabalhar na Companhia Paulista de Estradas de Ferro?

Eu trabalhava com meu avô no bairro do Serrote e através do meu irmão fui indicado pelo Seu Carvalho, que era uma pessoa muito bem relacionada. Fui entrevistado pelo Chefe da Estação, o Sr. Ivo Pizza. Ele me mandou fazer uns testes em Campinas. Fiz o exame, fui aprovado. Passei a trabalhar e no começo eu morava na Nova Suíça e vinha trabalhar de bicicleta. Saía às 5:30 da manhã para entrar no serviço às 6:00 horas. Sempre subi pedalando, nunca empurrei bicicleta e era bicicleta sem marchas. Eu era teimoso. O filho do Joane Vassoureiro, o Nico, ofereceu-me uma chácara para morar, situada nas proximidades do atual Pronto Socorro da Vila Cristina, onde hoje, está tudo habitado. Na época, não tinha nada, não tinha o Risca-Faca, Jardim Planalto. Era só campo ou plantações. Eu não cheguei a ver, mas a minha mãe dizia que a entrada da cidade era pela Rua Boa Morte. O caminho cortava pelo meio da área que hoje é a Praça Takaki. Depois aluguei uma casa na Rua Santos, do tio da minha esposa, Antonio Arthuso. Nessa época nasceu nosso filho. Dali a um tempinho, o dono da casa queria subir o aluguel. Eu trabalhava na pronta entrega da Cia. Paulista e as entregas eram feitas por um dos três caminhões Ford azul. Comprei uma Leonette, que começou a ser produzida no Brasil em 1960, por Leon Herzog. Era fabricada no bairro do Caju, no Rio de Janeiro. O modelo que comprei tinha o farol redondo, ano de fabricação 1965. Era verde. Fiquei morando no sítio e trabalhando na Cia. Paulista. Consegui comprar um terreno, construí uma casinha de dois cômodos grandes, nas férias ajudava o pedreiro. Mudamos ali.

Como o número de veículos era pequeno, e o sítio era sempre tranquilo, dava para saber pelo ronco, que veículo passava pela estrada, que ficava próxima?

Isso é uma coisa interessante! Pelo ronco do motor sabíamos quem estava passando:  Pelo ronco sabíamos: “Esse é o Valério, esse é o Tinim”. Passavam quatro ou cinco caminhões por dia, conhecíamos o ronco de cada um. Eu tirei o miolo do escapamento da Leonette e meu primo que morava a uma boa distância dizia: “sei a hora que você sai só pelo ronco da Leonette! ”

O início do senhor na Estação da Paulista foi em que função?

Foi na função de ajudante de serviços gerais. No primeiro dia, eu estava com dor de cabeça e o chefe mandou carpir a linha. Uma enxada pesada, não cortava nada. Eu estava acostumado com a enxada do sítio que era uma navalha! No outro dia, ele já me mandou para a carga, descarga e entrega. Entregava de tudo. O comércio de Piracicaba praticamente transportava quase tudo pelo trem. Grande parte das lojas de Piracicaba eram abastecidas pelo caminhão da Cia. Paulista, que entregava as cargas vindas pelo trem. Eram três caminhões divididos por setor: um fazia o centro, outro fazia a Vila Rezende e o terceiro fazia o Bairro Alto, Avenida Independência. Eu trabalhava em qualquer desses setores. Variava conforme o volume de entregas. No centro o maior problema era o bonde. Cada vez que estava fazendo entrega e vinha o bonde, tinha que tirar o caminhão. Não tinha tantos veículos, era mais fácil estacionar. A CICOBRA era uma empresa que usava muito o serviço da Cia. Paulista.








      








O senhor se lembra de alguns nomes de motoristas e aju 

dantes que trabalhavam no setor?

De imediato lembro-me de alguns. Motorista: Paulo Gambaro, que uma filha dele casou-se com o filho do Ludovico Trevisan, até acho que o vereador Trevisan é neto do Paulo. Outro que trabalhava conosco era conhecido como “Passarinho”. Também o Neri Moreira Bueno, gaúcho de Santa Maria que gostava de pesquisar as fábricas de balas; dizia que lá no Sul não tinha e que ele pretendia montar: uma fábrica de balas. Outro era o Oscar Coelho Lacerda. O Passarinho, o Paulo e o Oscar eram do CPT- Companhia Paulista de Transportes. O Oscarzinho era só ajudante de caminhão. Dizem que o Oscarzinho jogou no XV de Novembro de Piracicaba. O Passarinho também jogou. Dizem que o Jaraguá Futebol Clube de Piracicaba teve a sua origem no time Paulista Esporte Clube. O sindicato dos Ferroviários em Piracicaba era na Rua Sud Mennucci, quase esquina com a Avenida Dr. João Conceição. O prédio foi demolido e  hoje é um terreno. Ali havia uma escolinha para filhos de funcionários.

Os transportes ferroviários, rodoviários e fluviais se complementam. Porque a ferrovia perdeu seu espaço?

A resposta para essa questão é complexa. Vários fatores contribuíram para isso ocorrer. O transporte rodoviário evoluiu muito, com estradas de boa qualidade e veículos confiáveis. A implantação do parque industrial de veículos no Brasil foi um grande passo. Infelizmente, a decadência da ferrovia tem sua origem na nomeação política para altos cargos. Pessoas que não tinham o conhecimento técnico, dirigiram setores fundamentais.  Ocorreram erros graves. Por exemplo, vinha muito tecido de Santa Catarina. Ao que parece, desviavam essa mercadoria para o Pari, em São Paulo e colocavam tijolos e pedras, para manter o peso do vagão. A carga era furtada. Isso gerava um descrédito para a ferrovia. Uma análise de toda a situação, providências, planejamento e modernização resolveriam tudo. Só que não foi isso que ocorreu.  

Tinha um dispositivo para girar a locomotiva a vapor que vinha de São Paulo que fazia pequenas manobras. Ela tinha marcha a ré, mas para longas distâncias, tinha que ir com a frente da locomotiva no sentido da viagem. Como era mudada a direção da locomotiva?







Era chamado de girador, utilizado para as locomotivas a vapor. Ela subia no trecho que tinha uma pequena separação nas duas pontas, onde a locomotiva ficava toda sobre aquele segmento de trilho, que era móvel. Era então destravado, uma única pessoa girava a locomotiva de direção, graças ao mecanismo existente no girador. Era manual. Eu virei muitas vezes o sentido de direção da locomotiva. O segmento de trilho ficava travado. A locomotiva estacionava em cima, a trava do segmento de trilho era tirada, bastava empurrar, girando em 180 graus, travava o segmento de trilho, e a locomotiva já estava no sentido correto de direção. Um único homem girava com as mãos uma locomotiva que pesava de 60.000 a 70.000 quilos, graças ao mecanismo simples, mas altamente eficiente.  

Na área de descarga para materiais pesados tinha um guincho?

Era um guincho manual, operado por duas pessoas que levantava até 2.000 quilos. Na época, também existia uma bomba para carregar álcool que vinha da usina para o vagão tanque. Onde hoje é o salão de baile, era onde os carros de passageiros eram lavados com água sob pressão e vapor e higienizados. Os ferros utilizados na construção da Usina de Ilha Solteira foram todos fornecidos pela Dedini e embarcados na Cia. Paulista de Piracicaba, onde foi montado um pórtico e foram carregados muitos vagões de ferro, nem sei quantas mil toneladas. Só para Santa Maria de La Sierra, Bolívia, por exemplo, carregamos 120.000 toneladas. Naquele tempo, a Dedini estava no auge; compraram em um só lote, 60 locomotivas que estavam desativadas, embora algumas ainda funcionassem. Funcionando ou não, todas foram picadas e derretidas, para serem transformadas em vergalhões e chapas de aço.  Isso foi entre 1977 a 1980. O transporte de passageiros tinha parado em 1975.

Ferrovia de carga dá lucro?

Bem administrada dá lucro! Na época, o porto de Santos não comportava o volume de estocagem de açúcar produzido; com isso, a usina fazia dos vagões, um depósito de açúcar! A maior prejudicada era a Cia. Paulista, que deixava os vagões carregados permanecerem parados em seus trilhos, por tempo indefinido.

Quantos sacos de 60 quilos de açúcar cabiam dentro de um vagão?

Tinha vagão para 1.200 sacos! São 72.000 quilos!

Uma única locomotiva podia levar quantos vagões?

Na época até 10 vagões, carga equivalente a 10 treminhões hoje!

Em quais estações o senhor trabalhou?

Aqui trabalhei em: Piracicaba, Taquaral, Tupi, Caiubi, Santa Barbara D`Oeste, Cillos, Nova Odessa, Recanto. Antigamente o Chefe de Estação mandava na cidade. Ele, às vezes, tinha uma autoridade igual ou maior que a do prefeito. Era muito respeitado.

O senhor morou em alguma das casas que até hoje existem, internas ao terreno da Estação?

Morei na casa de número 20. Moramos por 4 anos lá, onde nossa filha mais nova foi matriculada no Jorge Coury. Dona Margarida Ritter era a inspetora de alunos e a mãe dela era da família Polizel.  Anteriormente, quem tinha morado naquela casa, foi Osmair Funes Nocete. Na entrada da gare, junto ao portão de acesso ao trem conferindo os bilhetes, era o José Furlan que ficava.

 

No período final de suas operações, a Cia. Paulista transportou vagões de enxofre a granel?

Sim. Inclusive, este produto causava uma sensação do corpo queimando e o olho ardia muito. O serviço de descarga e carga em caminhão era feito por empreiteiros. Também vinham muitos vagões de sucata de ferro.  

Mais algum fato marcante que tenha acontecido com o senhor trabalhando na Companhia Paulista?

Tive uma passagem que me marcou muito.  Eu estava trabalhando em Sumaré, modernizando a linha para ampliar o pátio. Eu ficava na guarita, dando entrada para o trem que chegasse. Partiu então, um trem de passageiros de Sumaré. De repente, no sentido contrário vinha vindo de Campinas, um trem carregado com boi. Eu sinalizei com a bandeira vermelha, preocupado, pois o trem seguia para a mesma linha do trem de passageiros; O normal seria que eu fosse avisado antes, para poder fazer a contenção via telefone, porém, isso não ocorreu! Foi um milagre eu ter conseguido ver e avisar o trem cargueiro. Poderia ter sido uma tragédia de grandes proporções. A falha do maquinista do trem de gado que iria entrar na linha do trem de passageiros e chocar de frente resultou em muitas discussões, e a minha atitude desesperada em me colocar no leito do trem e agitar freneticamente a bandeira vermelha, conseguiu deter o cargueiro. Essa cena nunca mais esqueci.






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