domingo, junho 19, 2016

MARLENE LICCIARDELLO

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 


ENTREVISTADA: MARLENE LICCIARDELLO



Marlene Licciardello em sua luta solitária conseguiu vencer por mérito as dificuldades que a vida lhe ofereceu. Criou sua própria infra-estrutura, deu apoio a outras pessoas e mostrou que com fé, trabalho e persistência nada na vida é impossível. Sem estar sob a luz de holofotes, Marlene foi pouco a pouco conquistando seu espaço.  Com a serenidade dos que dominam as dificuldades que a vida nos apresenta, Marlene Licciardello conta-nos um pouco da sua vida, que se não teve o brilho das estrelas tem a determinação que só os vencedores conhecem.
A senhora nasceu em qual cidade?
Nasci em São Paulo, na Maternidade do Brás, a 26 de maio de 1941, filha  única do casal Francisco Licciardello, italiano nascido na Sicilia,  e Helena Filomena Melacci Licciardello. Meu pai era joalheiro, estabelecido na Avenida São João, junto a Praça Júlio Mesquita, centro de São Paulo.
Ele decidiu vir da Itália para o Brasil motivado por algo?
Ele veio com recursos próprios, a família Pauletti o influenciou muito para que viesse ao Brasil. Eram compadres que já tinham vindo para o Brasil. Como se dizia na época “Fizeram a América!”. Ficaram muito bem de vida, com uma situação financeira privilegiada, voltavam sempre para a Sicília para visitar os parentes. Papai se influenciou, falavam muito do Brasil, na época ele tinha vinte e poucos anos.
E aqui ele conquistou uma boa situação financeira?
Era uma época em que se permitia o uso de jóias, as famílias adquiriam jóias  e usavam-nas. Além da joalheria ele trabalhava também como relojoeiro.
Como seus pais se conheceram?
Mamãe morava no bairro do Belém e trabalhava como modista de alta costura. Um dia o relógio dela deu problema, ela foi até a relojoaria do meu pai levada por uma amiga que conhecia o trabalho dele. Ele disse-lhe: “-Amanhã a senhora pode vir buscar!”. No dia seguinte ela foi, levou o relógio e percebeu que não estava muito bom. Papai fez isso de propósito, para que ela voltasse! Quando ela voltou conversaram, ela disse que seus pais eram da Calábria, a simpatia mutua gerou o pedido de namoro por parte do meu pai. Casaram-se na Igreja do Brás, perto da Rua Piratininga. Isso foi em 1939, em 1941 eu nasci. A lua de mel deles foi em uma fazenda em Jacareí.  Na época papai tinha um automóvel conhecido popularmente por “baratinha”. Era um Ford 1929.
Os seus estudos começaram em qual escola?
Começaram na Escola Sagrada Família, na Avenida Nazareth. Depois fui para o Colégio Maria José. Depois fui para o Colégio Dante Alighieri.



O  Dante Alighieri  era uma escola de elite?
Ainda é! Atravessávamos o Trianon para chegar a Alameda Jaú. O ônibus do próprio colégio nos levava. O Colégio Maria José também tinha ônibus que vinha buscar os alunos. Por volta de 1946 meu pai decidiu voltar a Itália. Foi muito difícil, encontramos um país pós-guerra. Fomos para a cidade onde meu pai nasceu: Catânia. O país todo estava em situação precária. Os pais dele sempre escreviam que lá estava bem, já passou a guerra. Na realidade quando eles chegaram não bem assim. Fomos com um navio italiano, a viagem durou 15 dias. Decidimos voltar ao Brasil, viemos pelo navio brasileiro Cuiabá, a viagem durou um mês. Na volta minha mãe passou muito mal, não comia. Quando chegou à costa brasileira, o navio fez uma escala em Salvador, meu pai desceu, comprou uma panela e fez macarrão para a minha mãe, dentro da cabine. Meu pai era muito engenhoso, inteligente. Antes de ir para a Itália ele estava muito bem de vida, tinha várias propriedades. Na Itália ele perdeu tudo. Antes de voltar para o Brasil, foi para Milão, sozinho, de trem, onde comprou máquinas para fazer correntes grumet, foi ele quem iniciou no Brasil a fabricação dessas correntes. Em sociedade com um italiano, milanês, eles estabeleceram a fábrica na Rua da Consolação. Fez sociedade com a A. C. Belizia S. A. Jóias e Relógios, joalheiros famosos em São Paulo. Meu pai faleceu muito moço, com 54 anos, eu tinha 19 anos. O sonho dele era me formar, ele dizia: “-Minha normalista!” ou “Minha professorinha!”.  Quando ele faleceu, eu estava estudando, formei-me no Instituto Proença, na Mooca. Era uma escola famosa, difícil de entrar.
Com o falecimento do seu pai, a senhora e sua mãe tiveram que sobreviver sozinhas, como foi?
O meu pai acreditava que iria reverter as coisas, tornar a ser o grande industrial que já tinha sido, só que não deu tempo disso acontecer. O choque foi muito grande, e de repente eu me vi como arrimo de família. Já tinha me formado como professora, mas na época quem estava iniciando tinha que ir para o interior, mamãe não tinha boa saúde. Houve um concurso na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, situada na Rua Rangel Pestana, 300. Comecei como escrituraria, permaneci nessa função por uns seis anos, tive uma chefe muito boa, a senhora Laura Prado, trabalhei no Setor de Empenhos, empenhávamos notas de empenho para poder pagar as despesas públicas, inclusive dos fiscais de renda, do pessoal. Eu fazia o DSI - Departamento de Serviço do Interior. O Estado alugava prédios, os aluguéis iam diretamente para a Secretaria da Fazenda, os processos vinham, eu fazia o empenho para poder liberar os pagamentos. Carvalho Pinto era o Secretário da Fazenda, trabalhava no mesmo prédio, era um homem honestíssimo. Ele reestruturou a Secretaria da Fazenda, descentralizou.
Para a senhora essa mudança foi boa ou ruim?
Para mim foi bom, o fato de não ser muito antiga não deu acesso a uma chefia. Só que eu era a única que tinha o Curso Normal, e a minha chefia disse-me que eu iria fazer um curso que o governo estava dando na famosa Fundação Getulio Vargas era um curso de três a quatro meses, ali na Avenida Nove de Julho. Para mim foi motivo de grande alegria, participar de uma entidade de alto nível, junto àqueles alunos de uma condição selecionada. Se você soubesse como estudei, sábado, domingo, feriado. Eu queria e precisava ter boas notas.  Tirei notas altas já nas primeiras provas, aquilo repercutiu muito. Quando voltei da FGV fui para a chefia. A minha chefe, Meire Vasconcelos, foi muito boa, ela disse-me: “-Você precisa ter nível universitário!”. Eu não queria mais estudar, minha mãe tinha quebrado o colo do fêmur, pensei que voltar à escola já com 28 anos, tudo isso pesava. Criei a coragem necessária e fiz a faculdade de administração de empresas, na atual Universidade São Judas Tadeu. O meu objetivo era fazer a faculdade para garantir a chefia, só que saiu um concurso para Técnico Administrador Fiz o concurso, entre 300 candidatos passei em décimo quarto lugar. Saí da Secretaria da Fazenda e fui para a Secretaria do Planejamento, situada na Avenida Higienópolis. Era o Departamento de Orçamento e Custo. A essa altura eu morava na Rua Maria Antonia. Morei 30 anos lá. Fiquei Chefe do Departamento de Orçamento e Custos, fazia inclusive o orçamento da Secretaria da Agricultura, que era enorme. Tudo isso era feito a mão. Era um serviço fenomenal. Fazia o levantamento das despesas, existiam formulários que ia para todos os setores de cada secretaria. Para fazer uma previsão do que eles precisavam. Desde material de consumo como lápis, papel, caderno até material permanente, maquinários, máquinas de escrever. Recebíamos esses formulários, computávamos tudo em máquinas manuais, no inicio usava a máquina de calcular Facit de girar. Não existiam máquinas elétricas, depois é que veio a Olivetti elétrica. Não existia computador.
Depois fui para a Secretaria da Justiça.
Ficava no Pátio do Colégio, isso após cinco anos como técnicos administradora, fui como assessora. Eu não fazia a parte mecânica, dava pareceres em processos na minha área de finanças. Era tudo muito técnico, havia um controle muito bem estruturado em todas as secretarias. Quando entrei na Secretaria da Fazenda trabalhava do meio dia às seis horas da tarde. E trabalhava no sábado, das nove horas da manhã até o meio dia. Depois tiraram o sábado e passamos a entrar às onze horas da manhã. Depois veio o horário integral. Trabalhávamos das oito horas da manhã até as seis da tarde. Eu ainda era escrituraria e precisava comprar um telefone para minha casa. Além de custar uma fortuna não era fácil comprar, não existiam telefones disponíveis. Até que apareceu um plano onde podia adquirir um telefone para pagar em 24 prestações. O meu salário não dava para pagar uma prestação. Como havia muito serviço na nossa chefia, quem queria às seis horas da tarde ia embora para casa, quem quisesse fazer hora extra ficava ate às onze horas da noite. O continuo ia buscar o lanche em frente à Secretaria, geralmente era sanduíche bauru e Coca-Cola.
Naquela época podia sair no centro de São Paulo às onze horas da noite.
Era uma maravilha! Ficava na Praça da Sé esperando o ônibus.Nunca houve nada. Eu tomava o ônibus na Praça Clovis Bevilacqua.  Não existia metrô. As duas praças, Sé e Clovis Bevilacqua foram unificados. O edifício Santa Helena foi demolido, na gestão de Olavo Setubal. Lembro-me das Lojas Clipper, tinha uma amiga da mamãe que dizia: “- Vamos passear na Clipper!”. Eles tinham uma perua que transportavam os clientes. Ficávamos felizes em andar naquelas peruas. Quando tinha meus onze anos, mamãe dizia, vamos nos arrumarmos bem, iremos até a Rua Direita e depois na Rua Barão de Itapetininga. Era chiquérrimo. Na Rua Direita só podia andar bem arrumada, de salto alto. Fazia compras na Marcel Modas. Casas Fretin.
A sua mãe trabalhava fora de casa?
Não. A minha mãe ficou muito doente, quando fomos à Itália sofremos um desastre de trem, ela ficou com a coluna ruim, perdeu parte do pulmão. Foi traumatizante. Em 1993 minha mãe faleceu. Eu fui para a Itália, tinha trabalhado 30 anos no Estado, já estava aposentada. O irmão do meu pai, meu tio Umberto, estava vivo, morando na Itália. Revi a casa dos meus avós, estive com meus primos, parentes.
Como você veio morar em Piracicaba?
A princípio eu pensava em morar na Itália, tenho passaporte italiano. Recebi um convite para ser secretária do Clube Atlético Paulistano onde me tornei Coordenadora de Eventos Culturais. O Clube Paulistano tem um teatro maravilhoso. Permaneci quase dois anos. Foi uma experiência interessante. Foi a época em que informatizamos o clube. Até então era tudo feito a mão. Nas minhas férias eu vinha com a mamãe para Águas de São Pedro, no Hotel Villa. Aposentei-me, vim com a minha mãe, ficamos um tempo em Águas de São Pedro, depois fomos para São Pedro, onde ela faleceu.  Voltei para São Paulo, só que já não me acostumava mais no apartamento na Rua Maria Antonia. Queria qualidade de vida. Voltei para São Pedro, aluguei uma casinha lá e deixei meu apartamento fechado em São Paulo. Faleceu uma prima em São Paulo, fui ao enterro, e as outras três irmãs dela, também minhas primas, estavam em uma situação que tinha que ter alguém que olhasse por elas. Por muitas vezes fui de São Pedro até a Rua Taquari, na Mooca, para dar assistência às três primas: uma na cadeira de rodas, outra com quase 100 anos, outra que faleceu recentemente, eram primas da minha mãe.
Um dia vindo de São Paulo, passei e vi: Lar dos Velhinhos. Achei interessante. Entrei, conversei com diversas pessoas, passou algum tempo voltei em outubro de 2008. Estavam construindo algumas casas, mostrei interesse em adquirir uma, fui apresentada à Suzi, que cuidava dessa área, comprei uma casa. Chegando a São Paulo, comentei com as minhas primas, elas foram radicalmente contra qualquer mudança, a casa em que moravam tinha sido construída pelo pai delas. Convenci-as de ao menos tentar morar aqui sem vender a casa em São Paulo. Quando aqui chegaram, adoraram. Minha prima Catarina ia fazer 100 anos no dia 13 de junho de 2009 fizemos a festa na casa do Lar no Monte Alegre, com a família toda. Dali a uma semana ela faleceu.
Quantos idiomas você fala?

Português, inglês e italiano. Faço parte do Friendship Force que é um clube internacional de amizades. Fui para a Bélgica, Alemanha com esse grupo, isso foi em 2012. De lá fui para a Itália, rever minhas primas. Não via a hora de voltar ao Brasil. Gosto muito do meu país. 

ADRIANA MARIA TABAI MARTINS

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana 
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADA: ADRIANA MARIA TABAI MARTINS

Adriana Maria Tabai Martins nasceu a 6 de outubro de 1969, em Piracicaba, no bairro Alto, a Rua Antonio Frederico Ozanam, próximo a Santa Casa de Misericórdia. É filha de Celso Tabai e Albertina Cecília dos Santos Tabai. Seu pai foi metalúrgico tendo dedicado sua vida ao trabalho junto a MAUSA, sua mãe trabalhou por 30 anos como enfermeira na Santa Casa de Misericórdia de Piracicaba. O casal teve ainda mais uma filha, Fabiana.
Você iniciou seus estudos em que escola?
Fiz o primário no Grupo Escolar Barão do Rio Branco, minha primeira professora foi Dona Zélia, no curso primário. No ginásio tive aulas com o Professor José Salles, um professor que foi muito importante em meus estudos. O colegial, hoje ensino médio, fiz no Instituto Piracicabano. Em 1995 formei-me pela UNIMEP em Psicologia.
Você é casada?
Sou casada há 18 anos com Josuel Martins, temos duas filhas: Larissa e Letícia.
O que a levou a escolher a profissão de psicóloga?
Costumo dizer que sou muito intensa na condição de cuidar. A vida toda eu vi minha mãe cuidando muito, pelo fato de ser enfermeira na Santa Casa.
Tem influência da sua mãe em sua história profissional?
Acredito que sim, apesar de que ela cuidava das condições físicas do paciente. Eu sempre a admirei muito. Acredito que isso foi amadurecendo, no curso colegial, o Instituto Piracicabano tem essa condição humana, tínhamos aulas de psicologia. Ali me identifiquei muito com as professoras. Eram duas ou três professoras que lecionavam psicologia, Comecei a me interessar por essa área. A questionar. Acredito que foi uma paixão pelo estudo de psicologia. Não me vejo fazendo outra coisa.
O estudo de psicologia é muito interessante ao mesmo tempo em que é muito abrangente?
A faculdade nos dá uma base para todas as abordagens. O centro principal, eu considero que seja Freud. Precursor de toda essa condição de cuidar do humano.
A seu ver Freud revolucionou a arte e a ciência de conhecer o pensamento humano?
Eu diria que sim. Procuro estudar muito para me aprofundar cada dia mais e desenvolver uma atuação muito próxima a necessidade do paciente. Há outras teorias de autores contemporâneos, embora a origem seja de Freud.
Você atua em que locais em Piracicaba?
Atuo no Lar dos Velhinhos já há oito anos. Todos os dias, das 9 da manhã até as três horas da tarde. É um trabalho de trinta horas semanais. Reportamos-nos a SEMDES- Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, vinculada a prefeitura. Tenho atuação clinica em consultório particular onde atendo há vinte anos fica a Rua Dr. Otávio Teixeira Mendes, 1704, próximo ao Colégio Dom Bosco da Cidade Alta, o telefone é 34027778.
Lá você atende a pacientes de todas as faixas etárias?
Após ter vindo para o Lar dos Velhinhos passei a me interessar muito por essa área de gerontologia. Hoje atendo muito pessoas de 50,60, 70 anos.
Qual é o problema mais comum dessas pessoas?
Vejo que com o envelhecimento as pessoas temem muito a solidão. A morte assusta, não só a eles, como a todos nós.
A pessoa passa a sentir que tem restrições naturais a idade?
Elas vão sendo mais limitadas naquilo que elas faziam antes em função do próprio envelhecimento mesmo físicos, fisiológicos. Elas vão tendo certas limitações e terão que se adequar a esse novo jeito de viver.



Quem impõe essas limitações, a própria natureza ou a própria pessoa contribui muito para estabelecer as limitações?
É um conjunto de várias situações. Temos jovens de vinte e poucos anos que estão muito acomodados. Assim como temos pessoas na casa de 60, 70 anos que estão muito ativos. Penso que depende muito da condição mental, emocional, do que se propôs a fazer ao longo da vida. O que ele está fazendo agora. Há uma grande influencia do histórico da pessoa, do meio do qual ela vem, da sua convivência. O que faz a diferença é essa pulsão a vida. Querer viver, resgatar aquilo que ele não conseguiu. Temos casos de pessoas que passaram a ter uma atividade prazerosa após sessenta anos. Tem uma senhora de oitenta e poucos anos que é maravilhosa, ela começou a fazer um trabalho manual depois dos sessenta anos. Isso depende muito do individuo. Assim como há idosos que ao chegarem aos sessenta anos, em função das próprias perdas da vida ele já não está mais tão engajado na sociedade. Ele já esta aposentado, já foi tirada dele essa condição de trabalho. Não há mais o convívio do trabalho, dos amigos. Isso vai trazendo cada vez mais limitações sociais. Ele fica em uma situação de prostração.
Assim como o jovem anseia em atingir 18 anos para ter os benefícios da maioridade, há também o anseio da pessoa em aposentar-se?
Quando o individuo chega a certa idade ele esta cansado da tarefa que ele desempenhou na vida. Seja ela uma tarefa braçal ou intelectual. Ele quer parar. Os históricos que eu tenho confirmam a imaginação de que ele parando irá fazer tudo que deseja. Não é bem isso. Ele idealiza uma aposentadoria em qual ele supõe que irá ter muita disposição porque irá deixar um trabalho que é cansativo, exaustivo para ele. Só que não é assim que funciona!  Ai chega o momento em que as queixas são: “-Agora não tenho mais o que fazer, agora não faço mais nada!”. Após certo tempo ele irá ficar cansado dessa condição de não ter o que fazer.
As restrições físicas naturais, onde ele não terá mais a mesma condição de quando era jovem, pode afetar profundamente o comportamento do individuo?
Vai afetar na medida em que ele não ira saber lidar com isso. Nesse caso ele irá precisar de uma ajuda. Quem não sabe lidar com essa condição do corpo que está envelhecendo, que ele não terá o mesmo desempenho de quando tinha trinta ou quarenta anos, ele irá ter ali um desconforto que pode levá-lo com certeza a uma tristeza mais profunda, talvez a uma depressão ou até mesmo a própria morte.
Há idosos que através do esporte, de relacionamentos, procuram um retorno à juventude?
É uma busca da juventude, e aquilo faz com que ele sinta-se jovem. Ao olhar a imagem de alguém muito mais jovem do que ele, talvez isso impeça de que ele em algum momento olhe para a realidade.
Você aconselha?
Psicólogo não dá conselho! O que eu penso é poder trabalhar para ele aceitar aquilo que a vida vai impondo, que é irreversível.
Há casos em que o individuo busca relações afetivas além daquela que possui.  Quase uma busca insana para voltar no tempo. Qual é a visão psicológica do fato?
Depende muito das fantasias dele, o que ele está buscando nessa relação. Ele está envelhecendo. Algumas coisas estão muito disfuncionais. A pessoa mais jovem pode trazer essa condição mais vivaz, por conta da idade, mas não passa de uma fantasia, o individuo não irá ter a mesma idade que deseja ter.



Não haverá um equilíbrio?
Penso que não. Os riscos a que o individuo incorre são os mais diversos possíveis.
Há um acréscimo a insatisfação do individuo em relação a épocas anteriores?
Tenho a impressão de que está aumentando a intolerância a situações que as pessoas estão passando.
Um indivíduo aos quarenta anos pode ser considerado idoso?
Depende muito das condições mentais dele. Atualmente a vida está muito acelerada. As disputas são mais acirradas.
Quais são suas formas de lazer preferidas?
Gosto muito de leitura. Sou bastante ligada à família, gosto de poder ficar em casa, junto a minha família.
Quem a procura geralmente vem trazer seus problemas de cunho pessoal. Como é carregar essa carga? Há alguma forma de relaxamento voltada ao psicólogo?
Na verdade temos um tripé do qual não podemos abrir mão enquanto desempenharmos nossa profissão. Existe a análise pessoal, a supervisão, que me ajudam muito. É uma pessoa com quem troco idéias sobre meus casos clínicos e que me ajuda a pensar sobre eles. Nosso trabalho é baseado na ética e na confiança.  Só posso trabalhar outra pessoa se ela confiar em mim. Costumo dizer que é um trabalho da dupla. À medida que cresce a confiança o trabalho flui. Essa relação é restrita, jamais pode ser levada para outro ambiente qualquer. É um trabalho muito delicado, estamos tratando de mentes, de pessoas.
Pacientes com Alzheimer é um caso para tratamento clinico?
Na condição da psicologia não há muito que se fazer, é um trabalho mais voltado para a área clinica. O Lar tem a T.O. Terapeuta Ocupacional, normalmente os idosos que tem Alzheimer vão desenvolver essa condição cognitiva, manual onde é trabalhada a memória com jogos. A psicologia tem que trabalhar com pessoas que tenham noção de realidade, e pacientes com Alzheimer não tem um banco de memória. Ficam preservadas algumas coisas, mas outras não. 
Existe algum método que sinalize a futura ocorrência de Alzheimer no indivíduo?
Não existe uma prevenção. O que se faz muito é trabalhar os recursos da memória. Assim como o corpo necessita de uma atividade física, a memória também. Além das atividades físicas, incentivamos os idosos a fazerem leitura, não importa que tipo de leitura, desde que para ele dê prazer.
Para uma família o que significa um portador de Alzheimer em seu meio?
Eu diria que a família sofre tanto ou mais do que o próprio paciente. Nem sempre a família sabe lidar com essa situação. Também somos procurados para entender um pouco a relação daquele idoso com aquela família, o que ele pode fazer. Se ele esta indo por um caminho que cause menos transtornos e menos danos tanto para ele como para a família. A família tem que ter muita paciência com o idoso. Perceber que em um momento ele esta sabendo o que está falando, em outro momento não irá saber nem o que fala nem o que faz. Existe uma confusão em que a família se perde.
Há um sinal de aviso de que a pessoa está acometida de algum problema?
Existe. As demências vão acontecendo de uma forma muito sutil, delicada, se a família não estiver atenta, a doença vai ficando cada vez mais acentuada. Um exemplo, esquecer uma chave. É normal. Você volta a um lugar, lembrando que você esqueceu a chave, mas não sabe onde está, é também normal. Quando você volta para o lugar e não sabe nem porque voltou ali, há uma diferença.
O que o tão comentado “TOC”?
TOC é o Transtorno Obsessivo Compulsivo. Já é uma condição mais psíquica.
Existem idosos com TOC?
Existem muitos, principalmente os idosos que foram acumulando coisas. Tem um caso em que a pessoa acumula rolinhos de papel higiênico. Quando termina o papel, fica o rolinho, a pessoa acumula. Ela guardava uma infinidade de rolinhos. Depois passou a guardar rolinhos de papel toalha. Isso causava um transtorno, ao passo que ela ia guardando ia acumulando sujeira. Ela ficava extremamente transtornada.
Há dois tipos clássicos de TOC, o colecionador e o eliminador?
Existe, e piora com a idade. Quem tem que ficar alerta é a pessoa que está ao seu redor e que normalmente não fica muito alerta.
No ritmo acelerado de vida que imprimimos, só iremos perceber que a pessoa faleceu pela rigidez cadavérica?
Em algumas famílias sim. Pela alegada falta de tempo, outra condição é que as famílias mudaram. Tínhamos famílias numerosas, onde um cuidava do outro, hoje praticamente não há mais isso. Em nossa modernidade um casal tem de um a dois filhos, que por motivos diversos, estudo, trabalho, acaba afastando-se também.
A humanidade esta tendo maior longevidade, qual é a importância do trabalho do psicólogo diante desse quadro? É muito comum, periodicamente as pessoas fazerem exames preventivos de rotina. Existe a necessidade de procurar em freqüência semelhante um psicólogo?
Com o passar do tempo diminuiu a intensidade com a qual o individuo omite sua ida a um psicólogo. As pessoas estão muito mais abertas a cuidarem dos aspectos emocionais.
Qual é a diferença entre psiquiatra e psicólogo?
O psiquiatra atua na área médica ele prescreve medicamentos. O psicólogo não receita medicação. O ideal seria que as duas áreas pudessem andar juntas. A medicação cuida do sintoma, e a terapia cuida da causa.
O tratamento psicológico é em longo prazo, não são todas as pessoas que podem arcar com os custos, o que se vê são convênios médicos abordando o assunto de forma precária, há algum motivo em especial?
Infelizmente os convênios remuneram o profissional de psicologia de uma forma muito aquém do valor considerado merecido. Penso que os convênios médicos são fechados à  medicina, no que funcionam muito bem. O que sabemos é que os aspectos emocionais são muito pesados e carecem de um investimento maior.
O idoso carrega problemas vividos em sua infância?
Trazem muitos problemas cuja origem está em sua infância. Isso reflete na vivencia atual. Um ganho que ele tem com a terapia é a disponibilidade de poder falar de uma época muito repressora que ele viveu no passado, sobre as questões que permeavam as condições dele. Ele não podia falar na época e de repente hoje ele tem alguém com quem ele pode falar.
A prática de exercício físico é importante como fator de qualidade de vida psicológica?
Com certeza! Além de amenizar as conseqüências do envelhecimento natural, durante a prática do exercício físico o idoso estará pensando nele, em seu corpo. De alguma forma ele estará integrado com as questões emocionais. A proposta única é o bem estar do idoso, quer na questão física como emocional.
Como o idoso é tratado pelas mais diversas civilizações?
É acima de tudo uma questão cultural Em certos países há empresas ou mesmo o próprio Estado, que preferem investir em crianças e adolescentes visando ter mão de obra no futuro. Tanto os orientais, assim como nossos indígenas, consideram o idoso de uma forma muito relevante, consideram que o idoso carrega muita sabedoria. A grande pergunta é como serão os nossos jovens quando tornarem-se idosos.
A seu ver, as empresas deveriam lançar um novo olhar ao idoso, que se não tem os predicados dos jovens possuem qualidades que podem dar o diferencial necessário para o equilíbrio e melhor desempenho?

Trata-se principalmente de uma questão cultural, muitos países utilizam a experiência, sabedoria. As vantagens de trabalhar com pessoas maduras. Não irão explorar o serviço braçal, mas irão aproveitar aquilo que os idosos aprenderam com a vida. 

WALDOMIRO SCARPARI

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://www.teleresponde.com.br/ 



ENTREVISTADO: WALDOMIRO SCARPARI

Waldomiro Scarpari, aos 83 anos, com uma disposição invejável tem prazer em trabalhar. Fica evidente a sua dedicação ao seu trabalho e aos seus clientes, embora tenha uma equipe, continua a frente do seu empreendimento. Entre relógios, peças, vendas e consertos ele faz de cada cliente um amigo. É comum de forma inesperada alguém entrar para contar uma novidade, trocar um dedo de prosa, trazer a última piada, o que torna o lugar aprazível, reina o bom humor. Isso não diminui o profissionalismo com o qual todos se dedicam. Enfim um local á moda antiga, mas com tecnologia atual. Entre suas muitas atividades, Waldomiro já foi Juiz de Paz. Talvez tenha sido um dos raros homens a ter em mãos um cheque assinado em branco, para ser preenchido, dado pelo Comendador Mário Dedini que comandava um império metalúrgico e siderúrgico. Waldomiro Scarpari tem uma das qualidades essenciais, que transforma o homem em um vencedor, a sua humildade.
Waldomiro Scarpari nasceu a 15 de fevereiro de 1933, a Rua Boa Morte esquina com Rua Joaquim André, ali havia um hotel de propriedade do seu pai, ficava a menos de duzentos metros da Estação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, em Piracicaba, São seus pais Antonio Scarpari e Andresa Novello Scarpari que tiveram os filhos Pedro, Milton, Waldomiro, José e Tereza. Waldomiro é casado com Beatriz Scarpari, tem três filhos: Maria Cristina, Waldomiro e Marisol. Tem sete netos e quatro bisnetos.
Qual era a atividade do seu pai?
Quando faleceu meu avô ele foi trabalhar em um sítio no bairro dos Marins, com um tio meu, Mário Fornazier casado com a irmã da minha mãe.
O senhor chegou a frequentar a escola na área rural?
Estudei na Escola Rural do Bairro dos Marins, permaneci na área rural até os oito anos, depois mudei para a cidade, passei a freqüentar o Grupo Escolar Francisca de Castro na época situada na Rua do Porto. Quando mudamos para Piracicaba fomos morar no bairro Paulista, próximo ao armazém do meu tio Vitório Fornazier casado com a irmã da minha mãe, a Mariquinha, ele era ajudado pelos seus filhos Alcides e Waldemar. Hoje no local funciona o Supermercado Balan. Naquele tempo a Praça Takaki não existia, era tudo mato. Nessa época é que conheci José Nassif, uma pessoa marcante pela sua gentileza e a atenção que dispensava às pessoas. Tanto que eu era criança e ainda lembro-me dele.
No seu tempo o trem da Companhia Paulista estava funcionando?
Aos dez anos eu ia carregar mala dos passageiros que chegavam às nove e cinqüenta da noite. Com nove anos eu tive a felicidade de ser o primeiro aluno da classe isso me proporcionou tirar o diploma do curso primário um ano antes do que normalmente era comum. Tive como professores: Dona Hercília Sertem Ferraz, Professor Altino do Nascimento, o diretor do grupo era o Seu Canto. Fui engraxate no centro da cidade, lá eu conheci Pedro Natividade que é um dos maiores advogados de Piracicaba, ele era engraxate. Já éramos amigos.
O centro era muito disputado pelos engraxates?                
Era difícil ser aceito pelo grupo, existia uma palavra que os engraxates usavam quando apontava um cidadão, com a possibilidade de engraxar seu sapato. O primeiro engraxate que visse o cidadão dizia: “Narete!” Era entendido que aquela pessoa teria seus sapatos engraxados pelo engraxate que tinha dito a palavra em primeiro lugar. Se por ventura ele escolhesse outro engraxate tinha que dar uma porcentagem ao que gritou “Narete!” primeiro. É uma palavra sem um significado conhecido, criada há muito tempo, pelos velhos engraxates que ficavam na praça. Eu era um bom engraxate, tinha clientes famosos, o Ex-Prefeito Nélio Ferraz de Arruda, na época ele trabalhava na rádio, ele usava um sapato de cromo alemão, super brilhante. Além de pagar ele sempre dava uma gorjeta. Eu ia de bonde na sexta feira ou no sábado até a Vila Rezende, para engraxar os sapatos da família Dedini, do Leopoldo, das irmãs dele, engraxava 10,12 a 15 pares de sapatos deles. Eles faziam questão que eu almoçasse lá.
Como foi sua experiência como carregador de mala ainda menino?
Eu tinha uns 10 anos, mas já era bem fortinho. Tinha um casal que vendia miudezas em frente ao Mercado Municipal no final de semana e durante a semana em frente ao Bar Americano que ficava ao lado da matriz, onde depois foi construído o Edifício Gianetti. Ali o Michelle Gianetti tinha um bar, havia uma engraxataria que pertencia a uns italianos, havia também uma sede onde os carros do Gianetti paravam. Eram os carros que conduziam as pessoas para São Paulo. Lembro-me dos Gianetti: Frank, Atílio. Durante o dia eu trabalhava como engraxate e a noite ia esperar a chegada do trem. Essa mala deveria pesar 10 a 12 quilos, eu colocava nas costas. O casal ia embora, eu pegava o bonde e dirigia-me até onde eles ficavam em uma pensão na Rua D. Pedro II, eu descia do bonde na esquina da Boa Morte com a Rua D. Pedro II, passava ao lado do mercado. Deixava a mala lá e recebia pelo trabalho. O marido chama-se Raul Costa sua esposa era Dona Rute. Um dia perguntaram-me se eu não levaria a mala logo pela manhã em frente ao Bar Americano. Eles vendiam pentes, cintas plásticas, óleo para cabelo, perfume. Parei de engraxar sapatos e passei a trabalhar para o casal, eu levava a mala, ajudava a armar a barraca, às vezes ele ia fazer algum negócio ficava a senhora dele e eu. Com isso comecei a aprender a vender. Quando o Raul não estava na hora do almoço ela ia almoçar no Bar Americano e eu ficava sozinho na barraca vendendo. Eu também almoçava como eles no Bar Americano. Lá pelas cinco horas eu que fechava a barraca e levava na pensão onde eles moravam. Com o passar do tempo, um dia ele me levou junto para São Paulo, ele comprava em uma rua algumas coisas depois ia até a Rua 25 de Março. Ele não gostava muito de carregar peso, eu ia junto para carregar pacotes.
O senhor com isso foi conhecendo São Paulo?
Com isso, aos doze anos eu pegava o trem, sozinho, e ia para São Paulo. A locomotiva era a vapor. Fazia as compras em uma loja de uns espanhóis que me admiravam, me tratavam muito bem. Diziam “- Você vem sozinho menino, com dinheiro?”. Uma das vezes eu comprei meia dúzia de navalhas alemãs Solingen, no dia seguinte fui prestar as contas, o meu patrão Raul quase me mandou embora. Por causa das navalhas, que custava caro. A mulher dele o aconselhou a ter calma. Domingo às seis horas da manhã já ia montar a barraca no Mercado Municipal. Ofereci a um senhor uma navalha, dizendo que era alemã, cabo branco, ele pediu para ver. Dei o preço três vezes a mais do que eu tinha pago. Ele comprou a navalha. Na segunda feira o Raul nem estava conversando comigo. A Dona Rute sabia que eu era importante para eles. Às vezes fazia outros tipos de serviços, como ir buscar pão, leite. A tarde chegou um senhor dizendo que o cunhado dele havia adquirido uma navalha no dia anterior, ele também queria uma. No final da semana não tinha mais navalha. Tinha encomenda, até barbeiro queria comprar navalha. Na terça feira fui a São Paulo buscar navalhas. No salão de engraxate, ao lado da matriz tinha também a barbearia dos Righetto. Chegando em São Paulo comprei seis navalhas, os espanhóis ofereceram relógios de pulso, eu expliquei que o Raul tinha ficado bravo porque eu tinha comprado as navalhas sem sua autorização, os espanhóis me disseram: “-Com o relógio vai acontecer a mesma coisa”. Era novidade! Acabei trazendo três relógios. Cada relógio foi vendido por quatro vezes a mais do que tinha pago. Com isso começamos a vender relógios, navalhas. Apareceu um suspensório moderno Trouxe um jogo de cinco suspensórios de plástico, incolor. Acabei virando o comprador do Seu Raul. Nesse meio tempo, um senhor de nome Avelino, mandou fazer uma barraca mais bonita do que a nossa, como se fosse concorrente. Mais tarde esse Avelino foi dono de uma casa de armas na Rua Prudente de Moraes. Um senhor de nome Antonio, comprou a barraca do Raul, pagou caríssimo. Nessa época a barraca já vendia muito, coisas boas, mais caras. Como o Raul tinha parentes em Limeira mudou-se para lá. Mas me levou para Limeira. Raul tinha um sobrinho em Limeira, o Hélio que após algum tempo foi para Rio Claro. Em Limeira vendia-se muito relógio, acontecia de às vezes o relógio dar uma parada. Eu abria o relógio, mexia, ele começava a funcionar de novo. Tinha um relojoeiro de nome Herculano Khiel, era famosíssimo em Rio Claro. Quando eu não dava conta do relógio levava para ele. Ele dizia: “-Isso aqui é fácil, é só fazer isto, mais isto.” Com isso comecei a desmontar o relógio e a montar. Toda noite eu ia até o Herculano, aprender a trabalhar com relógio. O Raul vendeu a barraca em Limeira, eu voltei para Piracicaba. Naquele temo havia muito relógio de bolso, de pulso havia poucos. O Herculano atendia pessoas que vinham de todos os lugares. Aos domingos fervia de gente que ia levar ou buscar o relógio. Era um Deus nos acuda! O Herculano convidou-me para que ficasse na casa dele, com a sua família: esposa, dois filhos e uma filha. Os filhos às vezes permaneciam na casa de parentes, praticamente ficava sua esposa, filha, ele e eu. Já no começo eu ia buscar pão, leite, jornal. Era tratado como um filho. Trabalhava de segunda a segunda. O serviço começou a render, eu aprendi a trocar eixo, corda. limpar, palitar bem o relógio (palitar era tirar a sujeira com um palito). Ele tinha uns 200 relógios para consertar, em pouco tempo consertamos tudo. O cliente não tinha que esperar como antes. Eu gostava de trabalhar. Permaneci dois anos com o Herculano. Meu pai faleceu, eu vim embora para Piracicaba. Eles não queriam que eu viesse embora. A empresa de ônibus que fazia o percurso era a Mesquita.  Arrumei na Avenida Rui Barbosa um salãozinho, isso foi em 1947. Eu tinha 14 anos. Naquele tempo ele deu-me uma nota de quinhentos mil réis. Era denominada “Carijó”.
Nessa época a Vila Rezende era o bairro que gerava as riquezas da cidade?
As grandes empresas estavam estabelecidas na Vila Rezende, como a Dedini, a Codistil, era o bairro onde o poder aquisitivo era elevado.
Tinha um restaurante muito famoso o senhor conheceu?
Era o restaurante da Gigeta Papini. Conheci muito a Gigeta! Tinha uma polenta com frango que era excepcional. Ficava onde hoje é a loja Monteiro.




Como foi a formação da clientela?
Toda segunda feira o Herculano mandava pelo ônibus uma caixa cheia de relógios. A Avenida Rui Barbosa era duas mãos. Na sexta feira iam todos os relógios prontos e consertados. A estrada para Rio Claro era de terra, quando chovia não conseguiam subir o Morro do Boiadeiro. Aqui quando começou a surgir algum serviço eu tinha uma mesinha que trouxe de casa, umas pinças que o Herculano me deu, chave de fenda, alicate, consertava despertador, relógio de parede, de bolso ou de pulso. Às vezes a pessoa trazia, eu consertava, levava na casa do cliente, ficava lá, depois de 10, 15, 30 dias ele vinha me pagar. Ele esperava para ver se realmente estava bom. Despertador o Westclock era o mais comum. Tinha muitos despertadores Veglia, relógio italiano. O Junkers fabricado na Alemanha.  De bolso o Roscoff Patent. Patek Philippe era raro, a maioria era de ouro. Era um relógio só para pessoa de muita posse. De pulso eram comuns os relógios Omega, Cima Tissot, Zenith.  Meu irmão Zézinho vinha a pé da Rua Alferes José Caetano, 1572 trazer o almoço, ele passou a observar, a aprender e tornou-se um grande relojoeiro. Começamos a trabalhar juntos, fui para São Paulo, comprei uma máquina de lavar relógios chamada Safrany. Ela limpava 12 a 14 relógios em uma cestinha. Ai comecei a trabalhar com o Provenzano que tinha uma loja na Rua Boa Morte, no começo vinha 10 a 20 relógios, comecei a trabalhar para a Relojoaria Rubi, para o Gatti, Consomagno, Relojoaria Puzzi. Chegava a consertar 200 relógios por semana.



O senhor conheceu Giovanni (Joane) Ferrazzo ? 
 Conheci muito! Ele fabricava as vassouras marca “Elefante” na Avenida Rui Barbosa. Naquela época a linha da Estrada de Ferro Sorocabana passava paralela a Avenida Rui Barbosa, tinha uma parada próxima onde hoje é o posto de combustível conhecido popularmente como “Posto da Velha”.
O senhor conheceu o Comendador Mário Dedini?
O Seu Mário foi um grande amigo. Ele tinha por mim uma consideração fora do comum. Fui presidente da Sociedade Amigos de Vila Rezende por causa dele. Ele me chamou, a Sociedade estava em uma fase ruim, não tinha uma sede, nós nos reunimos em um casarão situado na Avenida Rui Barbosa, ali se reunia o Rotary também. O proprietário, Babico Carmignani cedia o prédio para nosso uso. Conheci a irmã mais velha do Mário Dedini, a Clementina, era uma pessoa fantástica. Ela teve um problema de saúde e gostava que eu a visitasse, às vezes ela telefonava e dizia: “Walmiro, vieni qui”. Eu fui engraxate da família, eles me conheciam há muitos anos. O Leopoldo Dedini ficou meu cliente. Eu ia para São Paulo trazia Caneta Tinteiro Parker 51, trazia 10, 20 unidades. O Mário não gostava de preta nem de cinza, tinha que ser vermelha ou azul. Vendi muitos relógios para eles, fiz muitos consertos. Fui a São Paulo, na Praça do Patriarca, no Unibanco, o gerente era piracicabano. Na época existia a Morro Velho que vendia ouro mil. Comprava um quilo de ouro, com o cheque do Seu Mário, em branco, só com a assinatura dele, levava esse ouro em uma firma que eu já conhecia e transformavam aquele ouro em caixas de relógio, as máquinas eu já tinha comprado, geralmente Seiko, Orient, automáticos. E depois ia a outra fábrica para confeccionar as pulseiras. Em 1972 foram fabricados 350 pulseiras e relógios de ouro, para pessoas que já tinham 25 anos ou mais de serviços prestados como funcionário da empresa. Foram utilizados dois quilos e meio de ouro. Eu administrava a liga em que eram feitos para transformar em ouro 750.
Tinha algum desenho no relógio?
Não. Só tinha uma gravação no fundo, com o nome da pessoa a data e gravado Oficinas Dedini. Quem gravava era conhecido como Cheide, hoje mora no Rio Grande do Sul. Essas homenagens eram feitas de cinco em cinco anos. Em 1977 a festa foi na casa do Seu Mário, na Rua Santo Antonio, era um quintal só para as três casas: do Armando, filho do Seu Mário na Rua Santo Antonio esquina com Rua Treze de Maio, Seu Mário  morava na casa do meio e na outra casa onde morava Arnaldo Ricciardi hoje funciona o Restaurante Montesul. Foram feitos 280 relógios e mais um determinado número de medalhas de ouro para aqueles que completavam trinta anos de serviços prestados às Oficinas Dedini. Em 1982 foi o último ano em que aconteceu isso, depois Seu Mário faleceu. Os relógios não eram mais de ouro e sim folhados a ouro. Ai a empresa começou a ter uma fase não muito boa.
O Comendador Mário chegou a ver essa fase da empresa?
Viu. A Dedini forneceu todo aço utilizado na ponte Rio-Niteroi. Naquele tempo ainda tinha a Estrada de Ferro Sorocabana, passavam 15 a 20 vagões carregados de aço. Ao que consta, o pagamento desse aço todo era feito de forma defasada do vencimento, embora os impostos incidentes já tivessem sido recolhidos.
O senhor conheceu o Comendador Humberto D`Abronzo?
Conheci muito. Assim como sua irmã Ana, carinhosamente conhecida como Aninha, ela, Renan Cantarelli, João Vendemiatti, formamos o grupo de pessoas que montamos a Sociedade Amigos de Vila Rezende. (SAVIRE). Nós fizemos uma comissão para construir a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo. Fomos falar com o Mario Areas Witier, ele nos doou um terreno. Trouxemos de São Paulo o pessoal especializado para analisar, recusaram o terreno.  Era um bom terreno, mas na época o local era impróprio pelo acumulo de água. Procurei o Seu Mário Dedini, expliquei a ele a situação. Ele pensou e disse: “-Deixa eu pensar uma coisa Miro, depois eu falo com você”. O terreno onde está situada a Escola Estadual Monsenhor Jeronymo Gallo era dele, ele doou para a construção da escola. Fomos a São Paulo falar com o Governador Carvalho Pinto, por intermédio de Francisco Carlos Neves, filho do Dr. Samuel de Castro Neves, ele era assessor do governador. O Governador Carvalho Pinto nos atendeu, cuidou da planta do colégio, cuidou de tudo, conseguimos assim construir a escola. A SAVIRE distribuía cestas básicas aos carentes. Cada caso era analisado com muito critério. Fui fundador do Rotary Club da Vila Rezende junto com Jairo Araritaguaba gerente do Banco Moreira Salles. O Jairo Ribeiro de Mattos, com quem tenho muita amizade, montou o Conselho de Saúde de Piracicaba, onde eu era diretor, funcionava atrás do Mercado Municipal, ao lado do Posto de Saúde. Todos os diretores eram médicos, só eu que não era. Naquele tempo já comecei a dar uns palpites, como fazer visitas aos bairros, ver se os poços de água estavam próximos as fossas sépticas, as pessoas não sabiam que poderia haver a contaminação da água quando essas duas construções estivessem próximas, isso ocasionava muitos problemas de saúde.
Não havia a rede de esgoto?
Isso ocorria muito na área rural. Cada diretor trabalhou em uma área, eu escolhi o bairro do Godinho, onde eu tinha uma chácara. Cada diretor tinha sua atividade profissional, fazíamos essas ações voluntárias e na medida em que conseguíamos. Mas fizemos muitas ações nesse sentido. No Godinho famílias inteiras tinham problemas de saúde, eu dizia “- Vocè está bebendo água com bactérias, fecha o poço de água e a fossa séptica. Faz o poço em um lugar alto e o banheiro (com fossa) lá embaixo. Ou constrói um cômodo e faz um banheiro dentro de casa”. O poço com uma bomba pequena joga a água em uma caixa de água, por gravidade a água vem até a casa. Muitos fizeram isso. Dezenas de famílias que tinham problemas de saúde sararam. Como havia sido uma sugestão minha, fizeram questão que eu fosse o segundo presidente do Conselho de Saúde de Piracicaba. O terceiro presidente foi o Lodovico Trevisan.
O senhor participou de outras entidades?
Fui presidente do CDL- Clube dos Diretores Lojistas da Vila Rezende. Conseguimos muitas melhorias para o bairro. Fui Juiz de Paz do Segundo Subdistrito. Mário Telles era o cartorário.
Como Juiz de Paz o senhor deve ter muitos casos para contar!
Aconteceram muitas coisas, havia um Juiz de Paz substituto, que era o Severiano. Naquele tempo, quando fazia o casamento eu tinha certa ênfase. (Com ênfase e uma voz de locutor, Waldomiro repete o que dizia). “De acordo com a vontade que ambos acabaram de afirmar, perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da Lei, os declaro casados”. O pessoal começou a querer casar aos domingos. Aos sábados eu já tinha que ir lá, fazia dez a doze casamentos. Lembro-me de que fui celebrar um casamento em um determinado bairro na zona rural, onde o filho de uma das mais tradicionais famílias de Piracicaba iria casar-se. Foi marcado para o Juiz de Paz estar lá ao meio dia. Fui com o meu carro, chegando lá já havia muita gente. E o noivo não vinha. Após uma hora de espera, chamei os responsáveis e perguntei o que estava acontecendo que o noivo não vinha. Tinha viajado? Não irá vir mais? Disseram que ele teve um mal estar, mas estava ali. A uma hora e meia da tarde ele apareceu. Completamente bêbado. Quase não parava em pé. Perguntei-lhe o nome, ele balbuciou. Chamei o responsável, disse-lhe: “Sou Juiz de Paz, tenho uma responsabilidade, não posso fazer esse casamento. O homem está completamente bêbado!” Tentaram contemporizar. Neguei-me a realizar o casamento com o noivo naquelas condições. Peguei o meu carro e vim embora. Deu o maior sururu. Principalmente pela importância da família, rádios, jornais, exploraram o assunto. Criticaram-me muito. Relatei ao Mário  o ocorrido, ele era um homem de poucas palavras, cumprimentou-me pela atitude e disse que ele iria destituir o Juiz de Paz que realizasse um casamento naquelas condições. Fui procurado pela mídia. Disse que o noivo tinha tido um mal súbito, não contei sobre o estado lamentável do mesmo. Em seguida pedi demissão do cargo de Juiz de Paz.
O senhor foi presidente do Lar Betel ?
Fui por dois anos, quando assumi tinha uma série de problemas, quem me pediu para assumir foi  Antonietta Rosalina da Cunha Losso Pedroso, diretora do Jornal de Piracicaba. Tive a felicidade de ter como diretores: Flávio Risolo, Dalgo Migliolo, Reinaldo Meneghini. Nino Gobim e seu filho Marco, Comendador Antonio Lubiani. Esse pessoal me ajudou muito. Conseguimos todos os colchões novos, roupas de cama, cobertores. Terminamos um pavilhão, contratamos uma jovem que fazia planejamento de tudo, contratamos também uma nutricionista. Ao lado do Lar Betel tinha um casarão velho, pedi ao prefeito Adilson Benedito Maluf, nós ganhamos aquilo lá. Jairo Ribeiro de Mattos era deputado estadual, nos deu uma Kombi, para fazer mercado, levar idoso para a Santa Casa.
O senhor participa da ACIPI?
Desde 1970 sou diretor da ACIPI – Associação Comercial e Industrial de Piracicaba. Conheci muito Telmo Otero, fomos nós que construímos o prédio onde está instalada a ACIPI. A Cooperativa de Economia e Crédito Mútuo dos Empresários de Piracicaba (Coopcred) foi implantada por José Antonio de Godoy que me nomeou como coordenador da construção em um terreno de 1.350 metros quadrados. Tive muita colaboração de toda a diretoria. Atualmente sou diretor de Patrimônio da ACIPI.  Já fui diretor de: eventos, relações públicas. Ser diretor da ACIPI é uma escola, é um laboratório, algo maravilhoso.


CHRISTOVAM VAZ

PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com  2016.
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/



ENTREVISTADO: CHRISTOVAM VAZ
Christovam Vaz do alto dos seus quase 89 anos é um exemplo de que o ser humano pode atingir seus objetivos mesmo em condições adversas. Violinista, professor de violino, com muita garra, homem de princípios elevados, aproveitou cada momento que teve para realizar seu sonho de ser músico. Foi agricultor, comerciante, corretor de imóveis, por vinte anos atuou como motorista de taxi em São Paulo, sempre com o violino no porta malas do automóvel, para nos poucos momentos de folga estudar música e violino. Garantiu o sustento da sua família, trabalhando muito, sem deixar a arte de lado. Hoje tem uma família unida e três violinos, amigos inseparáveis. Escreve poesias, letras de música, foi Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS, fundada em 1975 pelos maestros Ary Vieira e João Fonseca da Rocha, elogiada entre outros, pelos maestros Souza Lima, Isaac Karabitchevsky e Eleazar de Carvalho. Christovam Vaz por três anos foi voluntário do CVV de Sorocaba. Atualmente Christovam Vaz e sua esposa Elisa da Encarnação Diogo Vaz residem em Piracicaba.
O senhor nasceu em que data?
Nasci no dia 20 de outubro de 1927, em Coroados, noroeste do Estado de São Paulo. Meu pai é Casemiro Vaz e minha mãe é Alexandrina dos Prazeres Vaz que tiveram os filhos: João, Guilherme, Clotilde, Alzira, Manoel e Christovam. Meus pais vieram de Portugal, casados, meu pai era marceneiro. Inicialmente foram morar em Birigui e em seguida em Coroados. Infelizmente ele faleceu precocemente, com hanseníase. Na época eu era muito pequeno, guardo poucas lembranças. Eu era o filho caçula, tinha uns dez a doze anos. Moramos um período em Sertanópolis, no Paraná. De lá viemos para a cidade de São Paulo.
O senhor fez o curso primário em que escola?  
Estudei no Grupo Escolar da Vila Guilherme. Tinha que trabalhar, fui trabalhar em uma fábrica de vidro, a Nadir Figueiredo, que ficava no Belém. Meu serviço era junto ano forno.
O senhor era praticamente uma criança e trabalhava junto ao forno?
Eu fazia o possível para chegar mais perto e jogar água fria, para manter constante a temperatura do forno. Essa atividade era considerada insalubre, com isso eu recebia uma espécie de subsidio. As peças de vidro eram montadas em uma máquina e nós as levávamos para o forno. Um forno especial para recoser aquelas peças. As peças saiam do forno já preparadas.
Como era feito o vidro?
Há duas origens: os cacos de vidros ou montado com a matéria prima: areia, barrilha e demais componentes. Usávamos barrilha substituindo o sabonete ou sabão para lavarmos as mãos ao sair do serviço, ou para almoçar.
A Nadir Figueiredo produzia que tipos de produtos?
Produzíamos copos, jarras. Já era uma empresa grande quando trabalhei lá.
O senhor chegou a conhecer Nadir Figueiredo?
Havia até uma brincadeira entre nós, dizíamos quando ele chegava: “O homem está chegando!”, isso porque sentíamos o perfume do charuto que ele costumava fumar.
O senhor teve outra atividade na empresa Nadir Figueiredo?
Após trabalhar na produção das peças em vidro, fui trabalhar na lapidação, tinha que ter o dom artístico para trabalhar na lapidação. Fazia desenhos no vidro. Havia uma pedra junto a uma espécie de torno de madeira, que era manipulado junto ao vidro branco ou colorido. A peça lisa era marcada por esse torno de madeira, era riscado o que seria feito depois. O desenho não era a mão livre, era feito na máquina depois era lapidado.
Havia algum tipo de proteção: óculos, luvas?
Não usávamos, não havia nenhum tipo de preocupação exagerada. Naquele tempo não tinha, hoje há equipamentos especiais de proteção individual.
Nessa época o senhor morava com a sua família?
Morava na Vila Maria. Naquele tempo o movimento na Vila Maria era pequeno. Eu trabalhava no Belém, na Rua Passos. A empresa através de alguns diretores, montou uma divisão da Nadir Figueiredo, no Belém mesmo, mas em outro endereço, depois de algum tempo fomos trabalhar em uma unidade situada na Rua Voluntários da Pátria, em Santana. Lá trabalhei como lapidador. Lapidador era considerada uma profissão. 
A empresa Nadir Figueiredo produzia vasilhames como garrafas, por exemplo?
Na época, que eu me lembre não produzia. Eram mais jarros e copos. Havia também uma produção de cristal, as peças eram fabricadas utilizando o que chamávamos de cana. Na ponta havia uma bolinha, mergulhava-se no vidro líquido e levava para a máquina, era a máquina que dava o formato da peça. Antes soprava com a boca a ponta da cana para injetar ar e dar inicio ao processo. Era um serviço onde só os adultos trabalhavam. Criança era só para criar o vidro. Eu era criança, já tinha saído da escola para trabalhar.
Da sua casa até o trabalho, qual condução o senhor utilizava?
Ia de bonde! Ali na nossa região não havia o bonde fechado, conhecido como “camarão”, só existia bonde aberto. Andava meia hora a pé para pegar o bonde. As ruas eram todas de terra, quando chovia andava com um chinelo dependurado nos ombros, ia descalço, quando chegava ao serviço lavava os pés e colocava o chinelo. Nesse tempo o Rio Tiete era limpo, andavam de barco, nadavam. Inclusive eu e outras pessoas pegávamos um barco na Vila Maria Alta, havia a Vila Maria Baixa. Íamos passear até o Corinthians. Lá havia uma ponte de madeira, nós conhecíamos a região como Parque Novo Mundo.  Naquela época havia um zoológico, na Rua 7,  uma lembrança que muitos guardaram é que o dono do zoológico faleceu sob a pata de um elefante
Até que ano o senhor permaneceu trabalhando na Nadir Figueiredo?
Permaneci até 1947, quando me casei.
Como o senhor conheceu sua futura esposa?
Na escola! Foi lá que conheci Elisa da Encarnação Diogo Vaz, minha esposa. Tivemos dois filhos, Diogo e Elisabete. Temos sete netos e dois bisnetos. A Elisa morava a duzentos metros da minha casa quando nos conhecemos, íamos e voltávamos da escola juntos. Naquela época éramos crianças. Quando Elisa completou 16 anos e eu tinha 17 anos começamos a namorar. Antes de casar Elisa trabalhou seis anos na São Paulo Alpargatas situada na Rua Almeida Lima. 

                                      Elisa da Encarnação Diogo Vaz e Christovam Vaz

A senhora chegou a trabalhar na fabricação do famoso calçado alpargatas?
Naquela fábrica fazíamos alpargatas, tapetes, lonas. Quando nasceu a minha filha deixei de trabalhar na Alpargatas.
Após o senhor sair da Nadir Figueiredo qual foi a sua próxima atividade?
Fui trabalhar em um bar em sociedade com meu irmão Manoel, o bar ficava no Alto da Vila Maria. Permaneci uns dois anos. Em seguida adquiri um empório, junto com a minha esposa. Era o “Empório São Judas Tadeu”, ficava no Jardim Japão.  Permanecemos por seis anos com esse empório. Em seguida fomos para Arthur Alvim onde ficamos três anos com um bar. De lá fomos para a Rua Antonio de Barros, no Tatuapé, como proprietários de um bar. Após vender esse bar, adquiri com um sócio um bar na Avenida São João, em frente ao Cine Pomodoro. O sócio faleceu. Foi uma experiência difícil, as imediações eram freqüentadas pela “malandragem” da época. Perto da Folha de São Paulo, na Alameda Barão de Limeira, era um local mal freqüentado, até o odor era marcante, cheirava mal. Vendemos o bar para nos livrarmos daquilo. Naquela época a rodoviária não existia ainda, foi construída depois nas imediações. Decidi mudar de atividade, com meu cunhado Manoel, fui ser corretor de imóveis. Tinha escritório na Praça da Sé. Além das vendas e locações vendíamos terrenos em loteamentos, como no Butantã, na Avenida Raposo Tavares. Ganhei muita experiência com essa atividade.
Após encerrar a carreira de corretor de imóveis qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar como taxista. Trabalhei nessa profissão por vinte anos, em São Paulo. Trabalhei sempre com Fusca, das mais diversas cores: amarelo, cinza, azul. Trabalhava durante o dia, quando tinha movimento avançava até as dez horas da noite. Meu ponto era fixo, ficava no bairro Pompéia, naquele tempo o ponto já tinha telefone. Passei a trabalhar com taxi para poder estudar violino.
Quando o senhor passou a gostar de música?
Quando nasci! Ainda pequeno já tocava violão, cavaquinho, ainda muito pequeno eu já cantava afinado. Meu irmão mais velho executava musica com o cavaquinho, eu ainda muito novo, quando percebia que havia uma mudança de notas acompanhava já bem afinado. Isso no interior, no meio do mato. Na época trabalhávamos no sítio, próximo a Sertanópolis, no Paraná.
Sua paixão pelo violino nasceu quando?
Eu tinha atração não só pelo violino como pelo violão também. Onde estávamos não havia cursos especializados, estudávamos “a olho”. Sem método. Após vir para São Paulo, depois de muitas experiências, passei a estudar violino metodicamente.
O primeiro violino que o senhor adquiriu foi quando?
Comprei um violão na Casa Di Giorgio, em 1946, pagando a vista.  Eu estava com meu irmão quando adquiri esse violão, é um instrumento com 70 anos! O violino eu adquiri em 1950. Não era um violino de origem famosa, mas tinha boa qualidade. Conheci um professor que passou a me dar aulas de violino.
O senhor também gosta de serestas?
Gosto e muito! Fiz muitas serenatas, em especial para minha namorada, atualmente minha esposa. Tinha um amigo que cantava divinamente.
Qual era a reação da senhora? Era um sinal de que a moça estava ouvindo, acender a luz do quarto, a senhora acendia?
Meu pai não gostava. Mas eu abria a janela.
Christovam completa:
Havia um acordo entre nós seresteiros, íamos fazendo serestas para as namoradas ou pretendentes de cada um, com isso varávamos a noite tocando e cantando. Tinha um senhor que morava na Vila Maria e mudou-se para o Ipiranga. Fomos fazer uma serenata para a filha dele. Ele veio nos atender, gentilmente, pediu que entrássemos o enamorado era o Alfredinho. Ele muito tímido foi embora logo, nós amanhecemos na casa desse senhor, comendo e bebendo a vontade. Éramos sempre belissimamente recebidos. Era raro oferecerem alguma recepção, mas sempre nos escutavam.
Em que ano o senhor e sua esposa casaram-se?
Casamos no dia 5 de abril de 1947, temos 69 anos de casados. A cerimônia foi na Igreja São José do Belém. Tínhamos que nos confessar antes do casamento, fomos, era uma sexta-feira Santa, estávamos na fila da confissão, ela e eu, houve algum problema com o padre, ele deixou o confessionário e não voltava. Após uma longa espera decidimos ir embora.
Como taxista o senhor teve inúmeros tipos de passageiros.
Sem dúvida. Inclusive dois assaltos, que se considerarmos o tempo em que trabalhei, 20 anos, está bom demais! Não foram violentos, não agrediram. Em um dos assaltos os assaltantes deixaram-me na Estrada de São Miguel Paulista. Pegaram um pouco de dinheiro que eu tinha, o violino, que estava no porta malas, eles não mexeram. No dia seguinte a polícia trouxe-me o carro de volta. Certa ocasião eu estava na Avenida São João, centro de São Paulo, esperando o farol abrir, vi uma pessoa esperando um taxi, parei, o “passageiro” entrou no carro, nisso ia entrar um segundo passageiro, estavam juntos, a policia chegou! Já estava de olho neles, prendeu-os e já me dispensou. Eu sou muito devotado a crença do amor, da bondade. Na crença do crédito perante Deus.
Trabalhando como taxista o senhor conseguia ter tempo e disposição para estudar violino?
Eu queria estudar, mas não tinha tempo nem como estudar. O meu estudo musical foi sempre meio difícil. Quando adquiri o taxi além de trabalhar eu sempre dava um jeito de estudar no Conservatório de Guarulhos, onde estudei por cinco anos.
O senhor através do tempo adquiriu conhecimento suficiente para tornar-se professor de violino?
Foi um bom curso, mas como eu necessitava dividir minhas tarefas, estudar e trabalhar para manter a minha família, deixei de aprofundar-me mais, da forma que eu gostaria, no estudo do violino e da música. O importante é que fiz o curso completo.
O senhor tocou violino em orquestra?
Toquei no Conservatório Amador de Guarulhos. Éramos chamados a tocar em diversos locais. Tocamos por duas vezes no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei como profissional na Orquestra de Osasco, mas a política, que no momento não recordo os detalhes, desmontou a orquestra.
O senhor mencionou Araçoiaba da Serra, qual é a relação do senhor com essa cidade?
Lá adquirimos um empório. Adquirimos uma chácara de 4.000 metros. Assim que cheguei à cidade, indicaram-me um maestro, João Fonseca da Rocha, uma grande alma. E ele me aceitou. Passei a integrar a orquestra. Gravamos o Hino Oficial de Araçoiaba da Serra na cidade de Tatuí. Eu era Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da Serra – OSAS.
Atualmente o senhor faz poesias?
Tenho poesias que faço, algumas já foram publicadas. Procuro expressar o melhor que o ser humano tem dentro de si.
O que a música significa para o senhor?
Sem ela eu não seria nada. Eu precisaria ser musico conhecer música, para completar a minha existência. Um grande pensador já disse que a música é a arte divina por excelência.
O senhor lembra-se com saudade de Araçoiaba da Serra?
Hoje me emocionei (chorou) quatro vezes ao ouvir o Hino de Araçoiaba. Lugar santo, divino onde morei por 22 anos. Além da música fizemos grandes laços de verdadeiras amizades. O Universo é dirigido pelo amor, veja a força que o amor tem! Quem usou essa força foi o Criador!


Poesia que o Sr. Christovam fez à sua esposa Elisa: A minha amada e/ querida Elisa/ Meu segredo vou revelar/Dizendo a toda gente/ Por que tão derrepente/ Meu coração reprimido/ Dentro de um peito partido/ Vive feliz a cantar.  Porque não dizer tudo agora/ Com verdadeira mansidão/ Tirar de dentro prá fora/ Toda minha devoção/Revelando meu intento/Quero a todos confessar/ Estou cansado, não agüento: Meu desejo é te Amar! 

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