PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços
eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADA: MARLENE LICCIARDELLO
Marlene Licciardello em sua luta
solitária conseguiu vencer por mérito as dificuldades que a vida lhe ofereceu.
Criou sua própria infra-estrutura, deu apoio a outras pessoas e mostrou que com
fé, trabalho e persistência nada na vida é impossível. Sem estar sob a luz de
holofotes, Marlene foi pouco a pouco conquistando seu espaço. Com a serenidade dos que dominam as
dificuldades que a vida nos apresenta, Marlene Licciardello conta-nos um pouco da sua vida, que se não teve o brilho
das estrelas tem a determinação que só os vencedores conhecem.
A senhora nasceu em qual cidade?
Nasci em São Paulo, na
Maternidade do Brás, a 26 de maio de 1941, filha única do casal Francisco Licciardello,
italiano nascido na Sicilia, e Helena
Filomena Melacci Licciardello. Meu pai era joalheiro, estabelecido na Avenida
São João, junto a Praça Júlio Mesquita, centro de São Paulo.
Ele decidiu vir da Itália para o Brasil
motivado por algo?
Ele veio com recursos próprios, a
família Pauletti o influenciou muito para que viesse ao Brasil. Eram compadres
que já tinham vindo para o Brasil. Como se dizia na época “Fizeram a América!”.
Ficaram muito bem de vida, com uma situação financeira privilegiada, voltavam
sempre para a Sicília para visitar os parentes. Papai se influenciou, falavam
muito do Brasil, na época ele tinha vinte e poucos anos.
E aqui ele
conquistou uma boa situação financeira?
Era uma época em que se permitia
o uso de jóias, as famílias adquiriam jóias
e usavam-nas. Além da joalheria ele trabalhava também como relojoeiro.
Como seus pais se conheceram?
Mamãe morava no bairro do Belém e
trabalhava como modista de alta costura. Um dia o relógio dela deu problema,
ela foi até a relojoaria do meu pai levada por uma amiga que conhecia o
trabalho dele. Ele disse-lhe: “-Amanhã a senhora pode vir buscar!”. No dia
seguinte ela foi, levou o relógio e percebeu que não estava muito bom. Papai
fez isso de propósito, para que ela voltasse! Quando ela voltou conversaram,
ela disse que seus pais eram da Calábria, a simpatia mutua gerou o pedido de
namoro por parte do meu pai. Casaram-se na Igreja do Brás, perto da Rua
Piratininga. Isso foi em 1939, em 1941 eu nasci. A lua de mel deles foi em uma
fazenda em Jacareí. Na época papai tinha
um automóvel conhecido popularmente por “baratinha”. Era um Ford 1929.
Os seus estudos começaram em qual escola?
Começaram na Escola Sagrada
Família, na Avenida Nazareth. Depois fui para o Colégio Maria José. Depois fui
para o Colégio Dante Alighieri.
O Dante Alighieri era uma escola de elite?
Ainda é! Atravessávamos o Trianon para chegar a Alameda Jaú. O ônibus
do próprio colégio nos levava. O Colégio Maria José também tinha ônibus que
vinha buscar os alunos. Por volta de 1946 meu pai decidiu voltar a Itália. Foi
muito difícil, encontramos um país pós-guerra. Fomos para a cidade onde meu pai
nasceu: Catânia. O país todo estava em situação precária. Os pais dele sempre
escreviam que lá estava bem, já passou a guerra. Na realidade quando eles
chegaram não bem assim. Fomos com um navio italiano, a viagem durou 15 dias.
Decidimos voltar ao Brasil, viemos pelo navio brasileiro Cuiabá, a viagem durou
um mês. Na volta minha mãe passou muito mal, não comia. Quando chegou à costa
brasileira, o navio fez uma escala em Salvador, meu pai desceu, comprou uma
panela e fez macarrão para a minha mãe, dentro da cabine. Meu pai era muito
engenhoso, inteligente. Antes de ir para a Itália ele estava muito bem de vida,
tinha várias propriedades. Na Itália ele perdeu tudo. Antes de voltar para o
Brasil, foi para Milão, sozinho, de trem, onde comprou máquinas para fazer
correntes grumet, foi ele quem iniciou no Brasil a fabricação dessas correntes.
Em sociedade com um italiano, milanês, eles estabeleceram a fábrica na Rua da
Consolação. Fez sociedade com a A. C. Belizia S. A. Jóias e Relógios, joalheiros famosos em São
Paulo. Meu pai faleceu muito moço, com 54 anos, eu tinha 19 anos. O sonho dele
era me formar, ele dizia: “-Minha normalista!” ou “Minha professorinha!”. Quando ele faleceu, eu estava estudando,
formei-me no Instituto Proença, na Mooca. Era uma escola famosa, difícil de
entrar.
Com o falecimento do seu pai, a senhora e sua
mãe tiveram que sobreviver sozinhas, como foi?
O meu pai acreditava que iria
reverter as coisas, tornar a ser o grande industrial que já tinha sido, só que
não deu tempo disso acontecer. O choque foi muito grande, e de repente eu me vi
como arrimo de família. Já tinha me formado como professora, mas na época quem
estava iniciando tinha que ir para o interior, mamãe não tinha boa saúde. Houve
um concurso na Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, situada na Rua
Rangel Pestana, 300. Comecei como escrituraria, permaneci nessa função por uns
seis anos, tive uma chefe muito boa, a senhora Laura Prado, trabalhei no Setor
de Empenhos, empenhávamos notas de empenho para poder pagar as despesas
públicas, inclusive dos fiscais de renda, do pessoal. Eu fazia o DSI -
Departamento de Serviço do Interior. O Estado alugava prédios, os aluguéis iam
diretamente para a Secretaria da Fazenda, os processos vinham, eu fazia o empenho
para poder liberar os pagamentos. Carvalho Pinto era o Secretário da Fazenda,
trabalhava no mesmo prédio, era um homem honestíssimo. Ele reestruturou a
Secretaria da Fazenda, descentralizou.
Para a senhora essa mudança foi boa ou ruim?
Para mim foi bom, o fato de não
ser muito antiga não deu acesso a uma chefia. Só que eu era a única que tinha o
Curso Normal, e a minha chefia disse-me que eu iria fazer um curso que o
governo estava dando na famosa Fundação Getulio Vargas era um curso de três a
quatro meses, ali na Avenida Nove de Julho. Para mim foi motivo de grande
alegria, participar de uma entidade de alto nível, junto àqueles alunos de uma
condição selecionada. Se você soubesse como estudei, sábado, domingo, feriado.
Eu queria e precisava ter boas notas. Tirei
notas altas já nas primeiras provas, aquilo repercutiu muito. Quando voltei da
FGV fui para a chefia. A minha chefe, Meire Vasconcelos, foi muito boa, ela
disse-me: “-Você precisa ter nível universitário!”. Eu não queria mais estudar,
minha mãe tinha quebrado o colo do fêmur, pensei que voltar à escola já com 28
anos, tudo isso pesava. Criei a coragem necessária e fiz a faculdade de
administração de empresas, na atual Universidade São Judas Tadeu. O meu
objetivo era fazer a faculdade para garantir a chefia, só que saiu um concurso
para Técnico Administrador Fiz o concurso, entre 300 candidatos passei em
décimo quarto lugar. Saí da Secretaria da Fazenda e fui para a Secretaria do
Planejamento, situada na Avenida Higienópolis. Era o Departamento de Orçamento
e Custo. A essa altura eu morava na Rua Maria Antonia. Morei 30 anos lá. Fiquei
Chefe do Departamento de Orçamento e Custos, fazia inclusive o orçamento da
Secretaria da Agricultura, que era enorme. Tudo isso era feito a mão. Era um
serviço fenomenal. Fazia o levantamento das despesas, existiam formulários que
ia para todos os setores de cada secretaria. Para fazer uma previsão do que
eles precisavam. Desde material de consumo como lápis, papel, caderno até
material permanente, maquinários, máquinas de escrever. Recebíamos esses
formulários, computávamos tudo em máquinas manuais, no inicio usava a máquina
de calcular Facit de girar. Não existiam máquinas elétricas, depois é que veio
a Olivetti elétrica. Não existia computador.
Depois fui para a Secretaria da
Justiça.
Ficava no Pátio do Colégio, isso
após cinco anos como técnicos administradora, fui como assessora. Eu não fazia
a parte mecânica, dava pareceres em processos na minha área de finanças. Era
tudo muito técnico, havia um controle muito bem estruturado em todas as
secretarias. Quando entrei na Secretaria da Fazenda trabalhava do meio dia às
seis horas da tarde. E trabalhava no sábado, das nove horas da manhã até o meio
dia. Depois tiraram o sábado e passamos a entrar às onze horas da manhã. Depois
veio o horário integral. Trabalhávamos das oito horas da manhã até as seis da
tarde. Eu ainda era escrituraria e precisava comprar um telefone para minha
casa. Além de custar uma fortuna não era fácil comprar, não existiam telefones
disponíveis. Até que apareceu um plano onde podia adquirir um telefone para
pagar em 24 prestações. O meu salário não dava para pagar uma prestação. Como
havia muito serviço na nossa chefia, quem queria às seis horas da tarde ia
embora para casa, quem quisesse fazer hora extra ficava ate às onze horas da
noite. O continuo ia buscar o lanche em frente à Secretaria, geralmente era
sanduíche bauru e Coca-Cola.
Naquela época podia sair no
centro de São Paulo às onze horas da noite.
Era uma maravilha! Ficava na
Praça da Sé esperando o ônibus.Nunca houve nada. Eu tomava o ônibus na Praça
Clovis Bevilacqua. Não existia metrô. As
duas praças, Sé e Clovis Bevilacqua foram unificados. O edifício Santa Helena
foi demolido, na gestão de Olavo Setubal. Lembro-me das Lojas Clipper, tinha
uma amiga da mamãe que dizia: “- Vamos passear na Clipper!”. Eles tinham uma
perua que transportavam os clientes. Ficávamos felizes em andar naquelas
peruas. Quando tinha meus onze anos, mamãe dizia, vamos nos arrumarmos bem,
iremos até a Rua Direita e depois na Rua Barão de Itapetininga. Era
chiquérrimo. Na Rua Direita só podia andar bem arrumada, de salto alto. Fazia
compras na Marcel Modas. Casas Fretin.
A sua mãe trabalhava fora de
casa?
Não. A minha mãe ficou muito
doente, quando fomos à Itália sofremos um desastre de trem, ela ficou com a
coluna ruim, perdeu parte do pulmão. Foi traumatizante. Em 1993 minha mãe
faleceu. Eu fui para a Itália, tinha trabalhado 30 anos no Estado, já estava
aposentada. O irmão do meu pai, meu tio Umberto, estava vivo, morando na
Itália. Revi a casa dos meus avós, estive com meus primos, parentes.
Como você veio morar em
Piracicaba?
A princípio eu pensava em morar
na Itália, tenho passaporte italiano. Recebi um convite para ser secretária do
Clube Atlético Paulistano onde me tornei Coordenadora de Eventos Culturais. O
Clube Paulistano tem um teatro maravilhoso. Permaneci quase dois anos. Foi uma
experiência interessante. Foi a época em que informatizamos o clube. Até então
era tudo feito a mão. Nas minhas férias eu vinha com a mamãe para Águas de São
Pedro, no Hotel Villa. Aposentei-me, vim com a minha mãe, ficamos um tempo em
Águas de São Pedro, depois fomos para São Pedro, onde ela faleceu. Voltei para São Paulo, só que já não me
acostumava mais no apartamento na Rua Maria Antonia. Queria qualidade de vida.
Voltei para São Pedro, aluguei uma casinha lá e deixei meu apartamento fechado
em São Paulo. Faleceu uma prima em São Paulo, fui ao enterro, e as outras três
irmãs dela, também minhas primas, estavam em uma situação que tinha que ter
alguém que olhasse por elas. Por muitas vezes fui de São Pedro até a Rua
Taquari, na Mooca, para dar assistência às três primas: uma na cadeira de
rodas, outra com quase 100 anos, outra que faleceu recentemente, eram primas da
minha mãe.
Um dia vindo de São Paulo, passei
e vi: Lar dos Velhinhos. Achei interessante. Entrei, conversei com diversas
pessoas, passou algum tempo voltei em outubro de 2008. Estavam construindo
algumas casas, mostrei interesse em adquirir uma, fui apresentada à Suzi, que
cuidava dessa área, comprei uma casa. Chegando a São Paulo, comentei com as
minhas primas, elas foram radicalmente contra qualquer mudança, a casa em que
moravam tinha sido construída pelo pai delas. Convenci-as de ao menos tentar
morar aqui sem vender a casa em São Paulo. Quando aqui chegaram, adoraram.
Minha prima Catarina ia fazer 100 anos no dia 13 de junho de 2009 fizemos a
festa na casa do Lar no Monte Alegre, com a família toda. Dali a uma semana ela
faleceu.
Quantos idiomas você fala?
Português, inglês e italiano. Faço
parte do Friendship Force
que é um clube internacional de amizades. Fui para a Bélgica, Alemanha com esse
grupo, isso foi em 2012. De lá fui para a Itália, rever minhas primas. Não via
a hora de voltar ao Brasil. Gosto muito do meu país.
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