PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E
MEMÓRIAS
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com 2016.
JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
joaonassif@gmail.com 2016.
Entrevista: Publicada aos sábados
no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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http://blognassif.blogspot.com/
http://www.teleresponde.com.br/
ENTREVISTADO: CHRISTOVAM VAZ
Christovam Vaz do alto dos seus
quase 89 anos é um exemplo de que o ser humano pode atingir seus objetivos mesmo
em condições adversas. Violinista, professor de violino, com muita garra, homem
de princípios elevados, aproveitou cada momento que teve para realizar seu sonho
de ser músico. Foi agricultor, comerciante, corretor de imóveis, por vinte anos
atuou como motorista de taxi em São Paulo, sempre com o violino no porta malas
do automóvel, para nos poucos momentos de folga estudar música e violino.
Garantiu o sustento da sua família, trabalhando muito, sem deixar a arte de
lado. Hoje tem uma família unida e três violinos, amigos inseparáveis. Escreve
poesias, letras de música, foi Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da
Serra – OSAS, fundada em 1975 pelos maestros Ary Vieira e João Fonseca da
Rocha, elogiada entre outros, pelos maestros Souza Lima, Isaac Karabitchevsky e
Eleazar de Carvalho. Christovam Vaz por três anos foi voluntário do CVV de
Sorocaba. Atualmente Christovam Vaz e sua esposa Elisa da Encarnação Diogo Vaz
residem em Piracicaba.
O senhor nasceu em que data?
Nasci no dia 20 de outubro de
1927, em Coroados, noroeste do Estado de São Paulo. Meu pai é Casemiro Vaz e
minha mãe é Alexandrina dos Prazeres Vaz que tiveram os filhos: João,
Guilherme, Clotilde, Alzira, Manoel e Christovam. Meus pais vieram de Portugal,
casados, meu pai era marceneiro. Inicialmente foram morar em Birigui e em
seguida em Coroados. Infelizmente ele faleceu precocemente, com hanseníase. Na
época eu era muito pequeno, guardo poucas lembranças. Eu era o filho caçula,
tinha uns dez a doze anos. Moramos um período em Sertanópolis, no Paraná. De lá
viemos para a cidade de São Paulo.
O senhor fez o curso primário em
que escola?
Estudei no Grupo Escolar da Vila
Guilherme. Tinha que trabalhar, fui trabalhar em uma fábrica de vidro, a Nadir
Figueiredo, que ficava no Belém. Meu serviço era junto ano forno.
O senhor era praticamente uma
criança e trabalhava junto ao forno?
Eu fazia o possível para chegar
mais perto e jogar água fria, para manter constante a temperatura do forno.
Essa atividade era considerada insalubre, com isso eu recebia uma espécie de
subsidio. As peças de vidro eram montadas em uma máquina e nós as levávamos
para o forno. Um forno especial para recoser aquelas peças. As peças saiam do
forno já preparadas.
Como era feito o vidro?
Há duas origens: os cacos de
vidros ou montado com a matéria prima: areia, barrilha e demais componentes. Usávamos
barrilha substituindo o sabonete ou sabão para lavarmos as mãos ao sair do
serviço, ou para almoçar.
A Nadir Figueiredo produzia que
tipos de produtos?
Produzíamos copos, jarras. Já era
uma empresa grande quando trabalhei lá.
O senhor chegou a conhecer Nadir
Figueiredo?
Havia até uma brincadeira entre
nós, dizíamos quando ele chegava: “O homem está chegando!”, isso porque
sentíamos o perfume do charuto que ele costumava fumar.
O senhor teve outra atividade na
empresa Nadir Figueiredo?
Após trabalhar na produção das
peças em vidro, fui trabalhar na lapidação, tinha que ter o dom artístico para
trabalhar na lapidação. Fazia desenhos no vidro. Havia uma pedra junto a uma
espécie de torno de madeira, que era manipulado junto ao vidro branco ou
colorido. A peça lisa era marcada por esse torno de madeira, era riscado o que
seria feito depois. O desenho não era a mão livre, era feito na máquina depois
era lapidado.
Havia algum tipo de proteção:
óculos, luvas?
Não usávamos, não havia nenhum
tipo de preocupação exagerada. Naquele tempo não tinha, hoje há equipamentos
especiais de proteção individual.
Nessa época o senhor morava com a
sua família?
Morava na Vila Maria. Naquele
tempo o movimento na Vila Maria era pequeno. Eu trabalhava no Belém, na Rua
Passos. A empresa através de alguns diretores, montou uma divisão da Nadir
Figueiredo, no Belém mesmo, mas em outro endereço, depois de algum tempo fomos
trabalhar em uma unidade situada na Rua Voluntários da Pátria, em Santana. Lá
trabalhei como lapidador. Lapidador era considerada uma profissão.
A empresa Nadir Figueiredo
produzia vasilhames como garrafas, por exemplo?
Na época, que eu me lembre não
produzia. Eram mais jarros e copos. Havia também uma produção de cristal, as
peças eram fabricadas utilizando o que chamávamos de cana. Na ponta havia uma
bolinha, mergulhava-se no vidro líquido e levava para a máquina, era a máquina
que dava o formato da peça. Antes soprava com a boca a ponta da cana para
injetar ar e dar inicio ao processo. Era um serviço onde só os adultos
trabalhavam. Criança era só para criar o vidro. Eu era criança, já tinha saído
da escola para trabalhar.
Da sua casa até o trabalho, qual
condução o senhor utilizava?
Ia de bonde! Ali na nossa região
não havia o bonde fechado, conhecido como “camarão”, só existia bonde aberto.
Andava meia hora a pé para pegar o bonde. As ruas eram todas de terra, quando
chovia andava com um chinelo dependurado nos ombros, ia descalço, quando
chegava ao serviço lavava os pés e colocava o chinelo. Nesse tempo o Rio Tiete
era limpo, andavam de barco, nadavam. Inclusive eu e outras pessoas pegávamos
um barco na Vila Maria Alta, havia a Vila Maria Baixa. Íamos passear até o
Corinthians. Lá havia uma ponte de madeira, nós conhecíamos a região como
Parque Novo Mundo. Naquela época havia
um zoológico, na Rua 7, uma lembrança que
muitos guardaram é que o dono do zoológico faleceu sob a pata de um elefante
Até que ano o senhor permaneceu
trabalhando na Nadir Figueiredo?
Permaneci até 1947, quando me
casei.
Como o senhor conheceu sua futura
esposa?
Na escola! Foi lá que conheci
Elisa da Encarnação Diogo Vaz, minha esposa. Tivemos dois filhos, Diogo e
Elisabete. Temos sete netos e dois bisnetos. A Elisa morava a duzentos metros
da minha casa quando nos conhecemos, íamos e voltávamos da escola juntos.
Naquela época éramos crianças. Quando Elisa completou 16 anos e eu tinha 17
anos começamos a namorar. Antes de casar Elisa trabalhou seis anos na São Paulo
Alpargatas situada na Rua Almeida Lima.
Elisa da Encarnação Diogo Vaz e Christovam Vaz
A senhora chegou a trabalhar na
fabricação do famoso calçado alpargatas?
Naquela fábrica fazíamos
alpargatas, tapetes, lonas. Quando nasceu a minha filha deixei de trabalhar na
Alpargatas.
Após o senhor sair da Nadir
Figueiredo qual foi a sua próxima atividade?
Fui trabalhar em um bar em
sociedade com meu irmão Manoel, o bar ficava no Alto da Vila Maria. Permaneci
uns dois anos. Em seguida adquiri um empório, junto com a minha esposa. Era o
“Empório São Judas Tadeu”, ficava no Jardim Japão. Permanecemos por seis anos com esse empório.
Em seguida fomos para Arthur Alvim onde ficamos três anos com um bar. De lá
fomos para a Rua Antonio de Barros, no Tatuapé, como proprietários de um bar.
Após vender esse bar, adquiri com um sócio um bar na Avenida São João, em
frente ao Cine Pomodoro. O sócio faleceu. Foi uma experiência difícil, as
imediações eram freqüentadas pela “malandragem” da época. Perto da Folha de São
Paulo, na Alameda Barão de Limeira, era um local mal freqüentado, até o odor
era marcante, cheirava mal. Vendemos o bar para nos livrarmos daquilo. Naquela
época a rodoviária não existia ainda, foi construída depois nas imediações.
Decidi mudar de atividade, com meu cunhado Manoel, fui ser corretor de imóveis.
Tinha escritório na Praça da Sé. Além das vendas e locações vendíamos terrenos
em loteamentos, como no Butantã, na Avenida Raposo Tavares. Ganhei muita
experiência com essa atividade.
Após encerrar a carreira de
corretor de imóveis qual foi a próxima atividade do senhor?
Fui trabalhar como taxista.
Trabalhei nessa profissão por vinte anos, em São Paulo. Trabalhei sempre com
Fusca, das mais diversas cores: amarelo, cinza, azul. Trabalhava durante o dia,
quando tinha movimento avançava até as dez horas da noite. Meu ponto era fixo,
ficava no bairro Pompéia, naquele tempo o ponto já tinha telefone. Passei a trabalhar
com taxi para poder estudar violino.
Quando o senhor passou a gostar de
música?
Quando nasci! Ainda pequeno já
tocava violão, cavaquinho, ainda muito pequeno eu já cantava afinado. Meu irmão
mais velho executava musica com o cavaquinho, eu ainda muito novo, quando
percebia que havia uma mudança de notas acompanhava já bem afinado. Isso no
interior, no meio do mato. Na época trabalhávamos no sítio, próximo a
Sertanópolis, no Paraná.
Sua paixão pelo violino nasceu
quando?
Eu tinha atração não só pelo
violino como pelo violão também. Onde estávamos não havia cursos
especializados, estudávamos “a olho”. Sem método. Após vir para São Paulo,
depois de muitas experiências, passei a estudar violino metodicamente.
O primeiro violino que o senhor
adquiriu foi quando?
Comprei um violão na Casa Di
Giorgio, em 1946, pagando a vista. Eu
estava com meu irmão quando adquiri esse violão, é um instrumento com 70 anos! O
violino eu adquiri em 1950. Não era um violino de origem famosa, mas tinha boa
qualidade. Conheci um professor que passou a me dar aulas de violino.
O senhor também gosta de
serestas?
Gosto e muito! Fiz muitas
serenatas, em especial para minha namorada, atualmente minha esposa. Tinha um
amigo que cantava divinamente.
Qual era a reação da senhora? Era
um sinal de que a moça estava ouvindo, acender a luz do quarto, a senhora
acendia?
Meu pai não gostava. Mas eu abria
a janela.
Christovam completa:
Havia um acordo entre nós
seresteiros, íamos fazendo serestas para as namoradas ou pretendentes de cada
um, com isso varávamos a noite tocando e cantando. Tinha um senhor que morava
na Vila Maria e mudou-se para o Ipiranga. Fomos fazer uma serenata para a filha
dele. Ele veio nos atender, gentilmente, pediu que entrássemos o enamorado era
o Alfredinho. Ele muito tímido foi embora logo, nós amanhecemos na casa desse
senhor, comendo e bebendo a vontade. Éramos sempre belissimamente recebidos.
Era raro oferecerem alguma recepção, mas sempre nos escutavam.
Em que ano o senhor e sua esposa
casaram-se?
Casamos no dia 5 de abril de
1947, temos 69 anos de casados. A cerimônia foi na Igreja São José do Belém.
Tínhamos que nos confessar antes do casamento, fomos, era uma sexta-feira
Santa, estávamos na fila da confissão, ela e eu, houve algum problema com o
padre, ele deixou o confessionário e não voltava. Após uma longa espera
decidimos ir embora.
Como taxista o senhor teve
inúmeros tipos de passageiros.
Sem dúvida. Inclusive dois
assaltos, que se considerarmos o tempo em que trabalhei, 20 anos, está bom
demais! Não foram violentos, não agrediram. Em um dos assaltos os assaltantes deixaram-me
na Estrada de São Miguel Paulista. Pegaram um pouco de dinheiro que eu tinha, o
violino, que estava no porta malas, eles não mexeram. No dia seguinte a polícia
trouxe-me o carro de volta. Certa ocasião eu estava na Avenida São João, centro
de São Paulo, esperando o farol abrir, vi uma pessoa esperando um taxi, parei,
o “passageiro” entrou no carro, nisso ia entrar um segundo passageiro, estavam
juntos, a policia chegou! Já estava de olho neles, prendeu-os e já me
dispensou. Eu sou muito devotado a crença do amor, da bondade. Na crença do
crédito perante Deus.
Trabalhando como taxista o senhor
conseguia ter tempo e disposição para estudar violino?
Eu queria estudar, mas não tinha
tempo nem como estudar. O meu estudo musical foi sempre meio difícil. Quando
adquiri o taxi além de trabalhar eu sempre dava um jeito de estudar no
Conservatório de Guarulhos, onde estudei por cinco anos.
O senhor através do tempo
adquiriu conhecimento suficiente para tornar-se professor de violino?
Foi um bom curso, mas como eu
necessitava dividir minhas tarefas, estudar e trabalhar para manter a minha
família, deixei de aprofundar-me mais, da forma que eu gostaria, no estudo do
violino e da música. O importante é que fiz o curso completo.
O senhor tocou violino em
orquestra?
Toquei no Conservatório Amador de
Guarulhos. Éramos chamados a tocar em diversos locais. Tocamos por duas vezes
no Teatro Municipal de São Paulo. Toquei como profissional na Orquestra de
Osasco, mas a política, que no momento não recordo os detalhes, desmontou a
orquestra.
O senhor mencionou Araçoiaba da
Serra, qual é a relação do senhor com essa cidade?
Lá adquirimos um empório.
Adquirimos uma chácara de 4.000 metros. Assim que cheguei à cidade,
indicaram-me um maestro, João Fonseca da Rocha, uma grande alma. E ele me
aceitou. Passei a integrar a orquestra. Gravamos o Hino Oficial de Araçoiaba da
Serra na cidade de Tatuí. Eu era Spálla da Orquestra Sinfônica de Araçoiaba da
Serra – OSAS.
Atualmente o senhor faz poesias?
Tenho poesias que faço, algumas
já foram publicadas. Procuro expressar o melhor que o ser humano tem dentro de
si.
O que a música significa para o
senhor?
Sem ela eu não seria nada. Eu
precisaria ser musico conhecer música, para completar a minha existência. Um
grande pensador já disse que a música é a arte divina por excelência.
O senhor lembra-se com saudade de
Araçoiaba da Serra?
Hoje me emocionei (chorou) quatro
vezes ao ouvir o Hino de Araçoiaba. Lugar santo, divino onde morei por 22 anos.
Além da música fizemos grandes laços de verdadeiras amizades. O Universo é
dirigido pelo amor, veja a força que o amor tem! Quem usou essa força foi o
Criador!
Poesia que o Sr. Christovam fez à
sua esposa Elisa: A minha amada e/ querida Elisa/ Meu segredo vou
revelar/Dizendo a toda gente/ Por que tão derrepente/ Meu coração reprimido/
Dentro de um peito partido/ Vive feliz a cantar. Porque não dizer tudo agora/ Com verdadeira
mansidão/ Tirar de dentro prá fora/ Toda minha devoção/Revelando meu
intento/Quero a todos confessar/ Estou cansado, não agüento: Meu desejo é te
Amar!
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