Foto by J.U.Nassif
PROGRAMA PIRACICABA HISTÓRIAS E MEMÓRIAS
A Tribuna Piracicabana
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Entrevista: Publicada no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
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Entrevistado: NOEDY PERECIN
Utilizando a madeira como matéria prima, Noedy Perecin realiza verdadeiras obras de arte. Por muitos anos teve sua indústria trabalhando em larga escala, fabricando móveis, e peças que exigiam qualificação técnica na sua produção. Após aposentar-se, mostrou a sua verdadeira veia artística, realizando inclusive importantes obras de restauro em objetos de madeira. Em suas mãos a madeira torna-se dócil ao seu espírito criativo. Constituiu sua família, casando-se com a professora, pesquisadora e historiadora Dra. Marly Therezinha Germano Perecin com quem teve filhos. Noedy Perecin nasceu no dia primeiro de abril de 1934, estando hoje com 74 anos. Filho de Augusto Perecin, nascido em Rafard e Laudicéia Ferreira Perecin, natural de Itu.
O senhor é natural de Piracicaba?
Sou piracicabano. Nasci na Rua do Rosário, em frente á Escola Industrial. Aos seis anos de idade mudei-me para a Rua 13 de Maio, onde hoje está o prédio construído por Luciano Guidotti. Depois mudei para a Rua Voluntários de Piracicaba. Na época as ruas aqui eram ainda sem qualquer tipo de calçamento. Chão de terra. Tempo em que passava o bonde, havia o trem que ia para São Pedro, Santa Maria da Serra. Tomávamos o trem na estaçãozinha velha e ia até a Vila Rezende. Onde hoje é a Avenida Armando Salles, corria a céu aberto o Ribeirão Itapeva. Nós dávamos um pulinho lá para nadar, bebíamos a água do Itapeva! Para atravessar o córrego havia diversas pontes: nas ruas: Voluntários, 13 de Maio, Prudente de Moraes, Moraes Barros. Quando o Stolf montou a fábrica de cerveja foi construída a ponte da Rua XV de Novembro.
O senhor realizou seus estudos em que escola?
O grupo escolar eu fiz no Moraes Barros. Depois estudei no Colégio Piracicabano.
Em frente ao Grupo Escolar Moraes Barros havia uma fábrica de refrigerantes, o senhor a conheceu?
Conheci! Nós íamos até lá para assistir as garrafas estourarem! Na esquina das Ruas do Rosário e Voluntários havia uma vendinha onde tinha puxa-puxa, rapadura com coco, rapadura com amendoim coisinhas do tempo antigo. Era a vendinha do Bento Chulé.
Além do senhor seus pais tiveram mais filhos?
Tenho mais duas irmãs, Dionete Ferreira Perecin de Magalhães Gomes e Vera Lúcia Perecin Galesi.
Inicialmente onde a família do senhor estabeleceu as atividades comerciais?
Na Rua 13 de Maio, José Pinto de Almeida e Avenida Armando Salles de Oliveira. O nome da empresa era Irmãos Perecin, era constituída por quatro irmãos: meu pai e meus tios Afonso Perecin, Heitor Perecin, Ângelo Perecin. Meu tio Dionísio Perecin participou por um período muito breve, logo em seguida montou uma fábrica de rapadura no Bairro Areião. A fábrica Irmãos Perecin trabalhava com carpintaria e marcenaria, principalmente portas, janelas, carrocerias de caminhão. Eu entrei para a empresa como sócio, na época eu tinha 18 anos de idade. Com o tempo comprei a parte do meu pai. Um dos meus grandes clientes foi o Rizzolo da Coopersucar. Acabei conhecendo o Sr. Luiz Cantamessa, ele era sócio com o Sr. Antonio Girão em uma fábrica de cadeiras. O local onde ele tinha a sua fábrica havia sido vendido. Ele então passou a trabalhar junto a nossa indústria, que tinha uma área de terreno disponível, permanecendo por quatro anos. Nesse período montei uma serraria de toras. Comprava mato, derrubava as toras vinham para cá e eram processadas.
Quantos funcionários o senhor chegou a ter?
Contando todos inclusive aqueles que ficavam derrubando a madeira no mato, cheguei a ter 81 funcionários. Todos registrados. Isso eu digo com voz grossa. O empregado entrava, era registrado.
Em que local era retirada a madeira?
Derrubei toda a mata que formou a Barra Bonita. Foram 3 anos, havia 60 homens trabalhando. Eu ganhei a concorrência do governo para derrubar aquela área.
Que tipos de madeiras havia lá?
De tudo! Cedro, ipê, caviúna, cabriúva. Quando acabou a madeira, sobraram muitos galhos. O Vitório Polizel comprou tudo para fazer carvão. Ele fez carvão por mais de três anos.
Que tipo de carroceria de caminhão o senhor fazia?
Todos os tipos. O Walter Hans recebia um chassi Mercedes Bens por semana, vinha comigo fazia a carroceria, colocava uma segunda em cima, e ia para Brasília, onde vendia rapidamente tanto o caminhão completo como também a carroceria avulsa que ia em cima. Ele foi um grande cliente meu.
Aquele trabalho de entalhes na madeira da carroceria era um trabalho artesanal?
Era feito tudo com máquinas! Eu tinha 60 máquinas. Desengrossadeira de quatro faces, desengrossadeira simples, desempenadeira de comprimento de dois metros e oitenta centímetros, serras de fita de todos os tipos, respingadeira, tupias que fazem molduras, tinha uma serra Tissot que dava início á serra da tora. Comprei de Pedro Cobra uma serra francesa que tinha 10 laminas de alta rotação. Era como cortar um pão. Entrava o toco certinho e saiam treze tábuas, a maioria da madeira serrada nessa máquina era jequitibá. Passei a fabricar um outro tipo de porta, compensado com colméias dentro. O compensado vinha de uma empresa chamada Wagner de Joinville. Eu tinha prensa e montava essas portas. A colméia interna era feita com sobras de madeira.
Havia cupim nessa época?
Muito pouco. Quando era serrado ipê, não ficava um cupim no quarteirão! Isso ocorre com o ipê roxo. O ipê amarelo é bom para fazer o assoalho da carroceria. Depois eu passei a comprar o pinho de Pato Branco. Vinham aquelas carretas feitas com madeira: o caminhão, a tabua de pinho sobre quatro rodas. Vinha de FNM, o grande caminhão que corria até 50 quilômetros por hora! Dirigi bastante FNM. Em uma ocasião comprei um caminhão Leyland. Vendi para a Usina Costa Pinto, no tempo em que o Arnaldo Ricciardi era diretor. Trabalhei bastante para a usina, fiz muitos serviços lá. Construí muitos tonéis aproveitando o jequitibá, que é uma madeira muito boa para fazer tonel.
O senhor conheceu os tonéis do Del Nero?
Conheci! Ele era um amigão meu. Era o maior artista em tonel. Ele inclusive passou a fazer tonel para ser assentado em carroceria de caminhão. Para fazer um tonel não é necessário utilizar uma gota de cola. O Del Nero fez uma série de tonéis de canela-sassafrás (Ocotea odorífera), foi uma maravilha aquilo, tinha um aroma maravilhoso!
O senhor estudou no Dom Bosco?
Muitos anos depois de sair do colégio fui estudar química no Dom Bosco.
O senhor freqüentava cinema?
Freqüentava o Colonial, São José, Broadway, Politeama e depois veio o Palácio.
Na época era comum quadrar jardim?
Eu não quadrava, mas ficava em frente ao cinema Politeama. Freqüentava muito os bailinhos, que havia em diversos lugares. Na Sociedade Italiana era um dos locais onde eram realizados esses bailinhos. Foi lá que eu conheci a Marly.
Como foi a primeira impressão que o senhor teve dela?
Despertou a minha atenção quando vi aquela morena bonita, delicada. Veio o Edson Rochelle com o correio elegante. Eu então escrevi á ela, algo do tipo “Podemos nos conhecer?”. Era música ao vivo, daqueles bailinhos de formatura. Assim começou. No fim dos dias passei a freqüentar a Escola Normal onde ela estudava. Eu ia até lá só para acompanhá-la na saída das aulas.
Como o senhor e a Dra. Marly resolveram casar-se?
Foi assim, foi indo, até que um dia andando na Rua Governador Pedro de Toledo eu disse-lhe: “-Vamos casar?”. Ela respondeu: “-Vamos sim!” Só que tínhamos que ficar noivo primeiro. Na hora entramos na relojoaria Gatti e compramos essa aliança aqui. Descemos até a casa da Marly que ficava na Rua Moraes Barros, e dissemos ao pai e á mãe dela: “ Ficamos noivos e vamos casar.” Na hora pensei: “Estou morto!”. O meu sogro, Nestor Soares Germano era dentista e fiscal do governo, uma grande pessoa, mas muito bravo. Minha sogra era a Dona Djanira Ribeiro Germano.
O eles disseram na hora?
Nada. Nem responderam. Na época eu tinha 24 anos de idade, e a Marly 22. Ela já era professora, estava estudando na PUC em Campinas fazendo a faculdade. Depois de um bom tempo, seu Nestor chegou do cinema com a esposa, falamos: “Seu Nestor, no mês que vamos casar!”. Fiz os convites e dentro de um mês casamos. É uma recordação muito boa. Fomos passar a lua de mel em Santos. Eu só tinha conduções próprias para o trabalho, caminhões, caminhonetas. Não tinha automóvel. Alugamos um carro de praça. Lembro-me muito bem que levei sete mil cruzeiros e ainda sobrou dinheiro! Ficamos hospedados no Hotel Atlântico, permanecemos uns 10 dias, na época existia ainda o Parque Balneário.
A indústria do senhor passou a crescer?
Eu comprei a fábrica de cadeiras do Cantamessa, a produção passou de 20 cadeiras fabricadas por dia, para 200 cadeiras. E ainda uma carroceria de caminhão era fabricada todos os dias. Até propaganda no cinema passei a fazer! Mostrava como funcionava uma indústria no cinema. Cheguei a construir umas 20 rodas d'água.
Qual é o segredo para construir uma boa roda d'água?
Tem que ser feito um projeto antes de passar a produzi-la. Cheguei a fazer um curso de desenhista projetista na Escola Megatec. Um berço de água depende da rotação que for necessária. Eu tinha uma tabela que ganhei do Emílio Adamoli, ele construía lancha e mandava para Santos. Para a Boyes eu fiz muitas lançadeiras para tear. Para a Fábrica de Papéis São Paulo fiz carretéis compridos para enrolar papéis. Para o Virgilio Fagundes dono da fábrica de corda eu fiz uns rolos para enrolar corda de sisal. Quem fez as janelas do Edifício Rita Holland fui eu. Eu tinha a máquina que fazia o montante e em frente havia uma empresa que fazia o resto. O Luciano Guidotti encomendou todas as janelas e portas do prédio dele na Rua Treze de Maio.
O senhor chegou a construir botes?
Fiz uns 30. Fiz os barcos do Divino quando Nélio Ferraz era prefeito.
O senhor tem uma habilidade muito grande com a madeira?
Tenho. Eu pego um pedaço de madeira e consigo visualizar uma peça desse pedaço da madeira.
Para que serve o nó da madeira?
Só serve para fazer cachimbo, e requer uma máquina específica para esse fim. Uma madeira leve serve para fazer aeromodelos. Cheguei a fazer alguns. O embiruçu é metade do peso da madeira balsa. O pau d’álho por exemplo era uma madeira muita procurada. A madeira mais dura é a caviúna, para trabalhar com ela tem usar serrinha de serrar ferro. Não tem jeito de quebrar.
Como começou a paixão do senhor por avião?
Conheci um amigo por acaso: Lídio Duarte. Ele era professor de pilotagem de avião. O Aeroporto Morganti estava abandonado, com dois aviões velhos. Reunimos alguns amigos e fizemos uma diretoria. A proposta foi levada ao DAC. O Lino Morganti que era dono da área passou a escritura para o Aeroclube de Piracicaba. Até então o Aeroclube de Piracicaba funcionava em frente á Esalq. Fui a São Carlos com outro diretor e encontramos dois aviões arrebentados. O Lídio foi junto. Não havia gabarito para reconstruir os aviões. Conseguimos com o Aeroclube de Campinas o Gabarito para aqueles aviões. O nosso intermediário entre o Aeroclube e o DAC era o Tito Bottene, piloto do Dedini. Ele levou um dos aviões para o inspetor de São Paulo chamado Ercy César vistoriar, e o avião foi aprovado. Colocamos a Escola de Piloto para funcionar com um avião, era um Paulistinha. Reformamos o segundo. O Dedini deu todo o linho
Especial, para encapar o avião todo. A Mausa deu o Dope. Eram dadas 10 mãos de dope para impermeabilizar e afixar o revestimento do avião. Antonio Romano retificou cinco motores de aviões para nós, graciosamente. Com isso depois ele acabou retificando mais de 150 motores de outras cidades.
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