sábado, novembro 20, 2010

MARIA APARECIDA BISMARA REGITANO E ANTONIO REGITANO

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 20 de novembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADOS: MARIA APARECIDA BISMARA REGITANO E ANTONIO REGITANO

O casal de professores Maria Aparecida e Antonio acabou de chegar de uma viagem a Santos, com ele ao volante do seu carro. Muito animados, com o entusiasmo de adolescentes, ambos enchem de alegria o ambiente. Ele nasceu quando sua família morava na Rua do Rosário esquina com a Rua Rangel Pestana, em Piracicaba, a 23 de setembro de 1931, filho de Amadeu Regitano e Isaura Sartini e ela nasceu na Fazenda Barreiros Luiz da Costa, em Tietê, no dia 18 de abril de 1934 é filha de Antonio Bismara e Maria da Costa Bismara. Antonio é conhecido pelos amigos como “Lemão”, uma corruptela de “Alemão” e Maria Aparecida é conhecida como “Cidinha”. Ambos ministraram aulas para centenas de alunos, foram professores em uma época em que a profissão era reconhecida e valorizada, a população reverenciava aqueles que transmitiam o conhecimento em salas de aula, a remuneração era a altura da função. Em um período em que a indústria automobilística implantava-se no país, recorria-se a diversas alternativas como meio de locomoção. O casal Cidinha e Lemão marcou época ao transitarem pela cidade em uma vistosa Lambretta. Como fosse feita de elástico, à medida que a família crescia ia adaptando-se ao veículo, chegando a cruzar as ruas com o casal e mais três filhos a bordo. Situação impensável nos dias atuais com transito pesado e legislação rigorosa. Cidinha lembra-se com saudades dos tempos em que Tietê produzia as goiabadas e marmeladas tão famosas, do curso de História e Geografia que iniciou na USP, na época funcionando no prédio da Rua Maria Antonia, local que mais tarde entrou para a história pela participação política dos seus alunos. O casal lembra-se do menino Gilbertinho, correndo pelas dependências da casa em folguedos infantis, mais tarde esse garoto tornou-se o apresentador conhecido no Brasil, o famoso Gilberto Barros. A vida de Lemão e Cidinha retrata a vida de muitos casais de professores de determinada época, e também por isso mesmo tornou-se emblemática de um período da nossa história. Lemão resgata uma expressão peculiar e utilizada na época, para dizer que em determinado local havia boas probabilidades de professoras disponíveis para o casamento, um verdadeiro mapa da mina, dizia-se que ali era o “Tufo do Anel Verde”!

Lemão, o seu pai tinha qual profissão?

Ele foi um dos bons sapateiros existentes em Piracicaba, tinha o seu estabelecimento na Rua Governador Pedro de Toledo, em frente ao Hotel dos Viajantes. Esse hotel situava-se na esquina do Mercado Municipal, onde hoje há uma farmácia, no hotel havia um jardinzinho, meu pai tinha uma portinha onde havia uma oficina de concertos e venda de sapatos. O meu avô tinha uma sapataria logo adiante, próxima ao local onde hoje é o Hotel Esplanada, em frente ao Mercado Municipal. Seus vizinhos eram o atacadista Sebastião Ferraz e o armazém de secos e molhados do Romualdo Bertozzi. Onde é o Hotel Esplanada era a loja do Tannus Neder, pai do cirurgião dentista, Dr. Antonio Carlos (Lalo) Neder, que é filho de leite da minha mãe, ele costuma dizer quando me vê: “- Esse ai é meu irmão de leite!”.

Quantos filhos seus pais tiveram?

Cinco filhos: Maria Loreley, Antonio, Amaysa (Mãe do apresentador Gilberto de Barros), Arlete e Vicente.

E seus pais professora Maria Aparecida?

Éramos seis filhos: Luiz Antonio, Agostinho, José Leônidas, João da Mata, Maria Adelaide e Maria Aparecida.

O senhor tem contato com o sobrinho famoso, o Gilberto de Barros?

Tenho pouco contato, de vez em quando ele telefona, entrou para a televisão nem que não queira a vida segue outro ritmo, de vez em quando ele fica até 20 minutos ao telefone, falando conosco enquanto desloca-se de um ponto a outro no trânsito paulistano. Ele foi narrador de futebol, crooner de orquestra. ( Nesse momento Lemão dirige-se até sua discoteca e traz um LP gravado por Gilberto Barros, com uma dedicatória especial aos tios queridos). A prefeitura de Piracicaba fez uma homenagem a Gilberto Barros.
Prof. Antonio, onde o senhor realizou seus estudos?

Freqüentei o Grupo Escolar Barão do Rio Branco, o Externato São José fiz a quarta série, meus pais mudaram da Rua do Rosário para uma das casinhas humildes que havia na Rua Rangel Pestana, junto ao local onde hoje é o Instituto Piracicabano, depois é que ele abriu a sapataria e mudamos para a Rua Governador. Isso no tempo em que fabricavam sapatões, com cravos (pregos) de madeira, e iam vender nos sítios.

O senhor chegou a trabalhar na sapataria?

Houve um tempo em que fiz bastantes chinelos, eu devia estar estudando no ginásio. Lembro-me de ter levado um amarrado de chinelos, uma dúzia ou mais, para os seminaristas do Seminário Seráfico São Fidelis. Nas proximidades da hoje Praça Takaki havia um sapateiro que processava o material cortado pelo meu pai, e fazia calçado, o que hoje chamaríamos de terceirização de mão de obra, algumas vezes fui levar esse material e passava pela Rua do Rosário, um detalhe curioso é que na esquina da Avenida Edgar Conceição com Rua do Rosário havia um ponto de ônibus proporcionando uma aglomeração de passageiros à espera de condução. Atualmente vemos essa cena na Praça Takaki. Eu subia a Rua do Rosário com uma bicicleta Philips, fabricada em 1950 e adquirida na Casa da Chave, situada na Rua Prudente de Moraes entre a Rua Governador Pedro de Toledo e a Rua Santo Antonio. Quando eu estava no ginásio meu pai fabricou um Keds para mim. (Por um período Keds era a denominação para o que hoje chamamos de tênis, Keds foi a primeira indústria a fabricar sapatos com sola de borracha, em 1918), ele era muito habilidoso, fabricava o que hoje denominamos calçados ortopédicos. O calçado “Alpargatas” era feito de lona com solado de corda, conhecido popularmente como “enxuga-poça”, quando molhava a sola estufava. Era um produto que o meu pai vendia muito, vinham em caixas de papelão, transportadas pela Cia. Paulista de Estradas de Ferro. Muitas vezes vim buscar ou despachar mercadorias pela Paulista. Havia um carroceiro famoso que fazia as entregas, lembro-me da sua fisionomia, um homem magro, quando ele melhorou de vida adquiriu uma espécie de camionete. Sofreu um terrível acidente e achou mais prudente voltar a usar veiculo de tração animal.

O senhor continuou seus estudos em que escola?

A partir da segunda série ginasial passei a estudar na Escola Normal, hoje Instituto Sud Mennucci. Em 1951 me formei como professor. Nesse período acompanhava o trabalho do meu pai na sapataria, ele tinha horror à idéia de eu tornar-me sapateiro. A meta dele era proporcionar a melhor formação para os filhos. Eu gostava de montar calçados, quando mudei para Maristela no Município de Laranjal Paulista, montei um banquinho de sapateiro, uma mesa baixa, de madeira, medindo 50 x 50 centímetros, com as divisões feitas por sarrafos de madeira onde eram colocados os diversos tipos de pregos e tachinhas necessários ao oficio. Existia uma gaveta, meu pai dizia que a gaveta de sapateiro era uma bagunça, mas as ferramentas necessárias a prática da profissão eram muitas, tinha a lamparina para esquentar ferramentas, como o pé de porco, uma ferramenta utilizada para dar lustro na beiradinha da sola.

Quando o senhor era jovem quais atividades de lazer eram comuns?

Uma das mais comuns era ir até a Escola de Agronomia Luiz de Queiroz onde o meu tio Pedrinho Regitano foi bedel e era muito querido. Eu me reunia a seus filhos e íamos juntos saborear uma variedade enorme de frutas existentes na Escola Agrícola, como denominávamos a ESALQ. Costumávamos ir a pé pela Avenida Carlos Botelho com seu chão de terra nua ou de bonde, geralmente desviando a medida do possível do cobrador, uma prática comum entre muitos passageiros desprovidos de carteiras recheadas. Iamos até o Campo de Aviação, atual Aeroporto Comendador Pedro Morganti.

Como era denominada uma cidade ou localidade com grande número de professoras candidatas ao matrimônio?

Dizia-se que “Era o Tufo do Anel Verde”, ou seja, o mapa da mina. Uma referência ao anel de professora, uma jóia com pedra da cor verde, o anel de formatura era um acessório muito utilizado pelos profissionais de cada área. Quem se casava com professora tinha garantia de vida estável! Minhas irmãs foram lecionar na Alta Paulista e eu fui lecionar na Alta Sorocabana, em Presidente Venceslau, a Helena Cosentino é que me arrumou uma substituição naquela localidade, no Grupo Escolar Dr. Álvaro Coelho. Daqui até lá eram 24 horas de viagem, sendo que 18 horas eram de trem “Ouro Verde” da Sorocabana, era uma região constituída com casas modestas feitas de madeira, isso foi em 1952. Eu me hospedava em uma pensão com outros cinco professores. O professor tinha salário equivalente ao do promotor público. Um tio da minha mulher era chefe da Casa da Lavoura, meu salário era igual ao dele.

Que traje o senhor usava para lecionar?

Usava um blusão de shantung (Tecido originário de Chan-tung, China, produzido com fio de seda.), zíper na frente, não era permitido abrir o zíper e com gravata.

Dona Cida a senhora formou-se em Tietê?

Estudei no Grupo Escolar Luiz Antunes, depois cursei a Escola Normal Plínio Rodrigues de Moraes, onde fiz ginásio e curso normal. Formei-me em 1953.

Lembra-se dos famosos doces de Tietê?

Sim, e lembro-me de que a Dona Celica era uma das grandes doceiras, fazia doces de goiaba e marmelo, colhi muito marmelo, é uma fruta que dá na ponta de uma vara fina, ela tem o aspecto de um pêssego muito grande, pele grossa e bem amarela, ao natural é uma fruta horrível de se comer, para fazer o doce é necessário cozinhá-lo, passar por uma peneira e depois apurar o doce. Vi fazer doce por muitos anos.

Após tornar-se professora a senhora continuou seus estudos?

Em 1954 ingressei na Universidade de São Paulo, fazia o curso de geografia e história, localizado na Rua Maria Antonia, em São Paulo, fiz o primeiro ano do curso.

Como o senhor conheceu Dona Maria Aparecida?

Em, 1954 houve um baile na Associação Esportiva de Tietê, e a Rainha de Laranjal Paulista, conhecida como Neguinha Salto, filha do prefeito da época, precisava de um rapaz que fosse alto para formar par com ela, na época eu lecionava em Maristela, que pertencia a cidade de Laranjal Paulista. Dançamos a valsa, fiz o papel que chamavam de primeiro-ministro, ela mais alta do que eu. Ao termino da valsa tomamos cada um o seu rumo, não tínhamos nenhum compromisso. Eram festas lindas, com orquestra. Fui tirar uma moça para dançar, levei uma “tábua”, ela não sabia dançar. Abaixei a cabeça, virei de outro lado e convidei a Maria Aparecida para dançar, isso foi em 16 de outubro de 1954. Estamos dançando até hoje!

A senhora retornou a Tietê e passou a lecionar?

Fui dar aula no Grupo Escolar Rural Dona Isabel Alves Lima em Maristela, substituir a professora Dona Idalina Pivetti Piccolo. Estávamos namorando, após um ano e três meses casamos em Tietê. Em 15 de dezembro de 1959 mudamos para Piracicaba. A minha casa é de 1961, construída pelo famoso construtor piracicabano Alfredinho Romano, as casas construídas por ele levam seu estilo inconfundível, estão espalhadas por diversos bairros de Piracicaba, há um quarteirão quadrado inteiramente ocupado pelos conhecidos “sobradinhos do Romano”, construídos em parceria com o Comendador Antonio Romano. Meu marido havia sido removido para Cillos. Fui chamada para escolher a minha cadeira, escolhi a Escola Típica Rural do Olho D`Água, na estrada de Piracicaba a Laranjal Paulista, um pouco depois do Arraial de São Bento, distante a uns 32 quilômetros, ia de ônibus, em estrada de terra. De lá fui lecionar na Escola do Bairrinho, para mais tarde lecionar na Escola Estadual Profa. Mirandolina Almeida Canto, em seguida lecionei na Escola Estadual Dr. João Conceição, onde me aposentei.

Como o senhor ia dar aula em Cillos?

Ia pelo trem da Paulista. Ir era fácil, difícil era voltar! O trem só passava bem mais tarde. Pegava carona com algum caminhão de cana e ia até Santa Barbara D`Oeste onde apanhava o ônibus até Piracicaba. De Cillos fui dar aula no Instituto de Educação Comendador Emílio Romi. Fui convidado a ficar no Setor de Orientação Pedagógica que funcionava na Escola Estadual Olivia Bianco. De lá fui lecionar por 16 anos na EE Prof. Antonio Mello Cotrin.
                               Lemão e o seu primeiro automóvel
Quantos filhos nasceram desse casamento?

Tivemos quatro filhos: Marisa, Amadeu, Jonas e Miriam. Freqüentávamos o Clube de Regatas, meus filhos aprenderam a nadar no Rio Piracicaba, não havia poluição. Tinha trazido de Maristela um barco que eu tinha confeccionado com o auxilio de dois colegas professores.

Há uma característica muito marcante e simpática que era o meio de transporte utilizado pelo senhor durante um período.

A Lambretta foi o primeiro carro da família, adquiri-a em Americana, no Nardini, ela era cor creme, ano 1962. Nunca tive um impacto ou emoção tão grande com nenhum outro veiculo que adquiri mais tarde. Eu nunca tinha andado de motocicleta, o primeiro passeio foi certamente em volta do quarteirão.

Qual foi a reação da sua esposa?

Ficou assustada com as prestações. Para pegar um dinheirinho a mais e pelo fato de ter a Lambretta fui cobrador da Casa Periañes. No dia em que o Comurba caiu, eu estava seguindo para o centro e pelo trajeto regular deveria passar ao lado do prédio. Parei para abastecer em um posto de gasolina quando ocorreu a queda. Dirigi-me até lá e vi a nuvem de poeira que ainda pairava no ar, assim como o desespero de quem estava acorrendo ao local.

Quantas pessoas da família eram transportadas pela Lambretta?

Eu pilotando, a Marisa sentada no pneu atrás, meu filho Amadeu em pé, e o Jonas entre eu e minha esposa, totalizando cinco pessoas!
                                         Jonas, Marisa, Amadeu filhos que com Cidinha e Lemão circulavam nessa possante Lambretta.

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