sexta-feira, dezembro 10, 2010

CLEUSA BELLINI – ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE PIRACICABA

JOÃO UMBERTO NASSIF
Jornalista e Radialista
Sábado 06 de novembro de 2010
Entrevista: Publicada aos sábados no caderno de domingo da Tribuna Piracicabana
As entrevistas também podem ser acessadas através dos seguintes endereços eletrônicos:
http://blognassif.blogspot.com/

ENTREVISTADA: CLEUSA BELLINI – ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE PIRACICABA
O grande salto tecnológico que a humanidade deu no último século infelizmente não teve a mesma correspondência em eliminar preconceitos enraizados por algumas culturas. Ao nascer um ente querido, caso ele seja portador de necessidades especiais, para algumas famílias despreparadas é gerado um mal estar, um complexo de culpa, que acarreta na atitude mais primária, que é esconder o “problema” da sociedade. Diante da mesma situação, outros se realizam como verdadeiros pais descobrem-se senhores de um carinho infinito com relação a um filho especial. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia tem feito grandes progressos para dar melhores condições de vida e realizar a inclusão social do portador de necessidades especiais. A prevenção e tratamento do portador de necessidades especiais avançaram muito. Já ao nascer uma criança deve fazer o Teste do Pezinho, que é um exame rápido de prevenção onde são coletas gotinhas de sangue do calcanhar do bebê com a finalidade de impedir o desenvolvimento de doenças que, se não tratadas, podem levar à deficiência intelectual e causar outros prejuízos à sua qualidade de vida. Através do Teste do Pezinho podem ser diagnosticadas a Fenilcetonúria, o Hipotireoidismo Congênito, a Anemia Falciforme, a Fibrose Cística e demais Hemoglobinopatias. Para que a prevenção seja possível, a coleta deve ser efetuada na primeira semana de vida da criança e as amostras devem ser enviadas o quanto antes para o laboratório. Hoje toda a criança nascida em território brasileiro tem direito ao Teste do Pezinho Básico, totalmente gratuito. Em Piracicaba a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais é administrada por Cleusa Bellini. Instalada em prédio recém-inaugurado com salas amplas e planejadas para a função a que se prestam, e aparelhos necessários á atividade específica. Há de salientar-se que todos que trabalham na APAE exalam um imenso amor ás “suas crianças”. Cleusa Bellini é vila rezendina convicta, nascida em 22 de dezembro de 1949, é formada em Economia pela UNIMEP. Atuou em empresas como a Motocana, do Grupo Dedini, Caterpillar do Brasil e Votorantin. Em 17 de novembro de 1998, já aposentada, ingressou na administração da APAE, que possui 25 diretores e cujo presidente é Paulo Odair Correr.
A APAE de Piracicaba conta com quantos funcionários?
São 80 funcionários, temos 280 alunos, para o próximo ano há uma lista com mais 200 candidatos, que passarão por uma triagem. A escola já se tornou pequena, embora caibam 300 alunos. Quando mudamos para este local estávamos com 219 alunos. A demanda é muito grande.
Qual é a faixa etária dos alunos?
A partir de 2012 a Secretaria Estadual de Educação não irá mais assumir os alunos com mais de 30 anos, ela já nos comunicou a respeito. Esses alunos serão excluídos do convenio com a Secretaria. Atualmente temos em nossa APAE 65 alunos com idade superior a 30 anos, no próximo ano estaremos estudando uma solução que deverá ser tomada com relação a esses alunos.
Qual é a idade mínima para ser atendendo pela APAE?
Não há idade mínima, temos crianças com zero ano de idade até o nosso mais velho, com 52 anos.
Que atividades são realizadas na oficina?
Os alunos trabalham com madeira, tapetes, camisetas, bijuterias, pinturas em gesso, madeira. A nossa oficina é pequena, para o número de alunos que nós temos.
Como é feita a captação de recursos?
Você pode observar os cuidados e a boa qualidade das nossas instalações. Fico até constrangida em dizer que apenas 30% das nossas necessidades são atendidas pelos governos federal, estadual e municipal. O nosso custo mensal é de 170 mil reais, incluindo folha de pagamento, impostos. O prédio em que estamos instalados foi construído no ano passado, pela Prefeitura Municipal, cedido para nosso uso em regime de comodato. O convenio federal é uma vergonha, abri esse convenio em 1998, recebendo por mês R$ 5.085,00 esse valor é exatamente o mesmo até hoje, não sofreu nenhum tipo de correção. As nossas despesas aumentaram nesses 12 anos.
Como a senhora consegue complementar a verba necessária para o funcionamento da instituição?
Saio na batalha todo mês. Graças a Deus até o momento, com muito esforço temos conseguido recursos para continuar o nosso trabalho. Fazemos todos os tipos de eventos possíveis, como a venda de pizzas, bingos, rifas, jantares, almoços. Sempre buscando angariar recursos. Temos no Brasil 2085 APAE, participamos da federação nacional das APAE, há muitas APAE de cidades em que o município ajuda muito. Posso afirmar que em Piracicaba o único prefeito que enxergou a nossa APAE foi o prefeito Barjas Negri. Temos atualmente 3.300 metros quadrados de área construída em uma área total de mais de 6.000 metros quadrados. A APAE de Piracicaba foi fundada em 29 de janeiro de 1986, nesses 24 anos ela nunca tinha saído do lugar. Quando entrei na instituição ela funcionava na Rua Monsenhor Rosa, em uma casa velha, em péssimas condições, com um quadro de 10 funcionários e 45 alunos. Eu me sentia mal naquela situação. A própria alimentação dos alunos era muito precária.
Como é hoje a rotina do aluno?
Ele chega à escola sendo conduzido pelos pais, ou com o sistema de transporte Elevar, que trás o aluno cadeirante, e são muitos nessa condição, há também o transporte feito por peruas particulares. Ao adentrar a escola ele toma o café da manhã composto de leite com chocolate, pão que é feito em nossa própria padaria, esse pão que o aluno consome é com manteiga, ou patê e uma fruta. Há aqueles que têm uma alimentação diferenciada pela sua limitação física, requerem maiores cuidados. As “minhas crianças” comem muito bem aqui, luto muito para isso. Toda sala de aula tem uma professora e uma auxiliar, é praticamente impossível apenas uma professora cuidar de uma classe. Temos atualmente 13 salas de aulas. Os alunos da escola ás 11 horas e 30 minutos voltam para as suas casas. Aqueles que freqüentam a oficina permanecem em tempo integral, temos 50 crianças nas duas oficinas. Temos empresas como a Caterpillar, Delphi, Waller, que formalizaram contrato conosco, onde os alunos saem da nossa escola pela manhã dirigem para trabalharem como aprendizes nessas empresas e voltam para a escola ás 16 horas e 30 minutos. Eles trabalham com embalagem, na contagem. São acompanhados por uma monitora. É interessante observar que realizam suas tarefas com extrema competência. A nossa escola oferece desde o ensino fundamental até o treinamento para que possam atuar no mercado de trabalho. No ano passado tivemos 35 aprendizes que passaram a integrar o quadro regular de funcionários em diversas empresas.
A padaria existente na APAE forma alunos na profissão?
Um dos objetivos é ensinar os alunos a trabalharem em panificação e confeitaria. Um padeiro profissional os orienta. Temos 5 ex-alunos no setor de panificação do Wal Mart., trabalhando registrados como profissionais. Na Kraft Foods Brasil S/A tem mais de uma dezena de ex-alunos trabalhando como profissionais. Na Santa Casa de Piracicaba há ex-alunos trabalhando.
Como é a relação desses aprendizes com os funcionários efetivos dessas empresas?
Muito boa! Temos um aluno trabalhando na CETESB, os funcionários o adoram, não sabem o que fazer por ele. A cada seis meses fazemos uma reunião com essas empresas, onde são abordados diversos aspectos da nossa parceria, e com muita satisfação recebemos elogios aos nossos alunos.
Esses alunos usam o salário de que forma?
Acredito que são orientados pelos pais para aplicarem bem esses recursos. A maioria deles é bem independente, freqüentam shopping, namoram. No ano passado tivemos dois casamentos de alunos, inclusive de casal de deficientes que já tiveram um filho perfeitamente normal. Temos em nossa escola uns cinco ou seis alunos que são casados e pais de filhos sem nenhuma necessidade especial.
O nome da instituição é de “Amigos e Pais” Quem pode ser amigo dos excepcionais?
Qualquer pessoa que deseje ajudar. Estamos instalados na Av. Brasília 1381, Vila Industrial, Telefone: 3413-1233.
A deficiência mental tem diversas origens?
Há centenas de doenças que podem ocasionar essa anomalia, há o fator genético e mais recentemente houve um acréscimo substancial em decorrência do uso de drogas pelos pais. No meu ponto de vista acredito que os governos federal, estadual e municipal deveriam dar mais atenção ao aumento de pacientes portadores de deficiências. É preocupante como cresce o numero de crianças com necessidades especiais. Temos casos de acidentes de transito que transformaram em deficientes pessoas normais.
Se gasta muito mais tratando do que prevenindo?
Um aluno custa para a nossa escola um “per capita” de R$ 900,00. Há setores, como o carcerário, que consomem o dobro “per capita”. O governo não enxerga situações como a nossa, a entidade funciona por estar sendo administrada pela iniciativa de pessoas de boa vontade e graças à sensibilidade de parte da população.
Há alunos que recebem aulas de educação física?
Temos alunos que praticam canoagem na Rua do Porto, orientados pelo nosso professor de educação física, Alan Annibal Schmidt. O SESI cede as instalações para a prática de esportes.
Há fatos marcantes que ocorreram com alunos?
Há sim, alunos que adquirem a capacidade de andar, falar. É maravilhoso!
A relação é mais difícil com os alunos ou com seus pais?
As maiores dificuldades encontraram com os pais. Alguns pais deixam seus filhos conosco sem se importarem com o que acontece com a criança. Já tive que ser muito enfática em algumas reuniões de pais. Há também pais extremamente zelosos e carinhosos. O ambiente doméstico pode afetar muito a conduta de uma criança.
A classe social a que a família pertence determina a conduta da mesma com relação a criança?
Temos um grande percentual de alunos pertencentes a classes menos favorecidas. Há também filhos de famílias abastadas que freqüenta a APAE. O fato de ter melhores condições financeiras não implica que essa criança receba um melhor tratamento por parte dos pais. Alguns aparentam certo desprezo pela situação do filho. Temos em nossos quadros pedagogas, médicos, dentistas, psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, assistente sociais, são profissionais experientes, em alguns casos acredito que são mais carinhosos do que a própria família do aluno. Algumas crianças não querem voltar para casa, querem permanecer na APAE.
Há algum vinculo religioso da APAE?
Não há nenhuma influencia religiosa.
Quanto um pai paga para ter seu filho na APAE?
Não há obrigatoriedade de pagamento. Caso queira contribuir cada um dá o que acha que pode. Alguns não dão absolutamente nada. Há um caso que é gritante, sabemos que se trata de pessoa com bom poder aquisitivo, mas que contribui com uma quantia totalmente irrisória.
Há biblioteca na APAE?
Atualmente não temos espaço pra ter. Pretendo colocar uma sala de música, um teatro, um ambulatório, eu gostaria muito de fazer um salão de festas, nós fazemos muitas promoções. O Lar dos Velhinhos é muito atencioso conosco, eles cedem o salão de festas deles quando realizamos nossos eventos para angariar recursos. Recentemente fizemos uma bacalhoada para 600 pessoas. No dia 17 e 18 de dezembro, as 19 horas, alguns alunos estarão fazendo uma apresentação teatral na Estação da Paulista
Há alguma colaboração na aquisição de medicamentos?
Geralmente a própria família providencia os medicamentos, mas há casos em que nós adquirimos ou recebemos doações da Rede Drogal, da Farma Vip.
Os diretores da APAE são necessariamente pais de alunos especiais?
A diretoria é formada por 25 voluntários, sendo que apenas quatro tem filhos com necessidades especiais.
Com a sua experiência a senhora tem, acha que pode ter muitas pessoas que levam uma vida normal, mas nem imaginam serem portadoras de leve deficiência mental?
Acredito que isso seja possível sim.

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